VÍCIOS CONSTRUTIVOS E A CONTROVÉRSIA ENVOLVENDO A EVENTUAL RESPONSABILIDADE CIVIL SOLIDÁRIA DO AGENTE FINANCEIRO
Alexandre Junqueira Gomide
SUMÁRIO: Introdução; 1 A responsabilidade do agente financeiro pelos vícios construtivos no PAR; 2 A responsabilidade do agente financeiro pelos vícios construtivos no SFH; 2.1 A jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais; 2.2 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça; 3 Fundamentos utilizados nos julgados para determinar a responsabilidade solidária do agente financeiro e construtor, para responderem pelos vícios construtivos; 3.1 Função social; 3.2 Responsabilidade do agente financeiro pelo acompanhamento técnico das obras; 3.3 A rede contratual ou contratos coligados e a responsabilidade solidária; 3.4 Teoria da aparência; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
O propósito do presente artigo é determinar a eventual responsabilidade civil do agente financeiro nas ações decorrentes de vícios construtivos constatados em imóveis.
Trata-se, naturalmente, da responsabilidade solidária entre o construtor/incorporador e o agente financeiro. Propomo-nos a investigar, portanto, como poderia o nexo de causalidade ser estendido aos agentes financeiros pela má construção realizada pelo construtor ou incorporador.
Para tanto, faz-se necessário compreender, de forma introdutória, o financiamento imobiliário brasileiro.
O financiamento imobiliário brasileiro é provido, principalmente, por dois sistemas: Sistema de Financiamento Habitacional (SFH) e Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI).
O SFH foi criado pela Lei nº 4.380/1964, tendo como gestor financeiro o Banco Nacional da Habitação (BNH), e dependia da política de subsídios oficiais e de recursos da poupança e do FGTS.
Em verdade, tal como nos ensina Rodrigo Xavier Leonardo[1], apesar do substantivo habitação, a Lei nº 4.380/1964 apresentava-se como um sistema financeiro, no qual a habitação, progressivamente, acabou tornando-se um dado secundário.
Ainda segundo o autor[2], o SFH, em sentido contrário ao discurso asséptico de seus idealizadores, objetivava o cumprimento de funções políticas e econômicas claramente delineadas. Politicamente, mostrava-se imprescindível controlar a instabilidade social e legitimar o autoritarismo até o ponto de implodir as organizações populares. Como se sabe, a segurança propiciada pelo bem de consumo da habitação representa um dos maiores anseios das classes populares. A satisfação dessa necessidade econômica pelo governo recém-instaurado, invariavelmente provocaria a desestruturação de movimentos populares, em razão do desaquecimento de suas reivindicações ante uma ilusória distribuição de moradia pelo Estado.
Politicamente, o SFH atingiu o seu objetivo, acalmando e dissipando os movimentos sociais que buscavam moradias. Todavia, o que se viu, na prática, é que o SFH não trouxe a sonhada moradia às pessoas carentes. Ademais, verificou-se que, ao longo da existência do BNH, somente 33,5{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} das unidades habitacionais financiadas pelo SFH foram destinadas às populações de baixa renda[3].
Diante de todo esse cenário, o SFH, a partir dos anos 1980, perdeu sua força. Segundo Paulo Restiffe Neto e Paulo Sérgio Restiffe[4], a elevada inadimplência, por decréscimo da renda pessoal do adquirente mutuário ativo ou aposentado, em contrataste com a disparada inflacionária e a consequente elevação do valor gravoso de atualização das prestações, sobretudo do saldo devedor, tornou vulnerável o SFH e impeliu os credores a se valerem massivamente do contencioso de retomada em juízo, entupindo com centenas de milhares de processos o Poder Judiciário, com frustração também para as partes.
A ineficiência do tradicional sistema jurisdicional de recuperação dos créditos e de retomada dos imóveis, por fragilidade da garantia hipotecária acabou por exaurir os recursos disponíveis e tornar inviável o SFH, com a desativação do BNH, que veio a ser extinto e incorporado seu espólio à Caixa Econômica Federal (CEF), pelo Decreto-Lei nº 2.291/1986.
O SFH, após a extinção do BNH, não desapareceu. A Lei nº 4.380/1964 nunca foi revogada. Assim, a partir de 1986, a Caixa Econômica Federal continuava oferecendo financiamentos pelo SFH, embora em volume muito baixo. Até porque a garantia hipotecária tornava-se cada vez mais desprestigiada, sobretudo com a edição da Súmula nº 308 do STJ, que assevera: “a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel“. Era o fim da garantia hipotecária. Com isso, o crédito oferecido pela CEF não acompanhava a demanda habitacional que o País requeria.
A partir de 1997, com a edição da Lei nº 9.514/1997, que instituiu o SFI e, principalmente, criou o sistema da alienação fiduciária de imóveis, o mercado voltaria a crescer.
O Conselho Monetário Nacional (CMN), por resolução, também concedeu autorização às entidades integradas do SFH para adoção da garantia fiduciária de imóveis, instituída pela Lei nº 9.514/1997, em operações de abertura de crédito e concessão de financiamento para aquisição de casa própria. Assim, com a substituição da garantia hipotecária pela garantia da alienação fiduciária, o SFH, que é um sistema social, voltou a prosperar.
Por outro lado, o SFI, instituído pela Lei nº 9.514/1997 é um sistema de mercado. Segundo o art. 2º do diploma aludido:
Poderão operar no SFI as caixas econômicas, os bancos comerciais, os bancos de investimento, os bancos com carteira de crédito imobiliário, as sociedades de crédito imobiliário, as associações de poupança e empréstimo, as companhias hipotecárias e, a critério do Conselho Monetário Nacional (CMN), outras entidades.
Segundo a Associação Brasileira de Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip[5]):
O modelo institucional do SFI foi concebido segundo diretrizes da economia de mercado, desregulamentação, desestatização de atividades e desoneração dos cofres públicos, isto é, as operações do SFI são efetuadas segundo as condições de mercado e sua implementação independe de qualquer regulamentação governamental, não envolvendo a aplicação de quaisquer recursos provenientes dos cofres públicos.
O SFH e o SFI distinguem-se, em alguns pontos. Em primeiro lugar, enquanto o SFH é um sistema social, regulado e envolvido em inúmeras leis, decretos, resoluções do Conselho Monetário Nacional, o SFI é um sistema de mercado regulado tão somente pela Lei nº 9.514/1997, sendo um sistema objetivo e desburocratizado, com liberdade de negociação entre as partes.
Em segundo lugar, por ser um sistema social, o SFH possui condições de mercado mais favoráveis, com incentivos governamentais. Assim, por exemplo, há limitação de juros em 12{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} a.a. Além disso, o imóvel pretendido não pode ultrapassar o valor de R$ 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil reais). A maior instituição que concede crédito no SFH é notadamente a Caixa Econômica Federal. Já pelo SFI, não há limitação dos juros, muito menos quanto ao valor do crédito a ser oferecido. Várias outras instituições financeiras concedem crédito pelo SFI.
Como convergência, tanto o SFH quanto o SFI possuem sólida garantia, consubstanciada na alienação fiduciária da propriedade, nos termos do art. 17, inciso IV, da Lei nº 9.514/1997. É constituída, portanto, propriedade resolúvel em favor do adquirente. Extingue-se a propriedade fiduciária pelo adimplemento da obrigação pecuniária (art. 25). Inadimplido o contrato, após a devida constituição em mora, consolida-se a propriedade em favor do credor-fiduciário, para venda e excussão da coisa fiduciada (arts. 26 e 27).
Assim, mais uma vez valendo-nos das lições de Paulo Restiffe Neto e Paulo Sérgio Restiffe[6], o pacto adjeto de garantia fiduciária gera um direito real dominial resolúvel para o credor, por meio do registro imobiliário do contrato de transferência do imóvel, vinculado à dívida que lhe deu origem, cujo pagamento opera reversão ao alienante, ou, em caso de inadimplemento, possibilita a consolidação do domínio pleno ao fiduciário para fins de excussão satisfativa extrajudicial específica.
Muito bem.
Além de tais sistemas de financiamento, destaquem-se, ainda, outros programas assistenciais instituídos pelo Governo Federal. É o caso, por exemplo, do Programa de Arrendamento Residencial (PAR), regulamentado pela Lei nº 10.188/2001, cujo propósito, segundo o art. 1º, é o atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de compra. A gestão desse programa cabe ao Ministério das Cidades e sua operacionalização à Caixa Econômica Federal.
O PAR é desenvolvido em duas fases distintas. A primeira delas é a de compra de terreno e contratação de uma empresa privada do ramo da construção, responsável por construir as unidades habitacionais. Depois de prontas, as unidades são arrendadas com opção de compra do imóvel ao final do período contratado.
Para atendimento das finalidades do programa, a CEF está autorizada a utilizar os saldos disponíveis do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS), Fundo de Investimento Social (FINSOCIAL), entre outros.
A aquisição do terreno pelo sistema do PAR é realizada pela própria CEF, nos termos do art. 4º, IV, da Lei nº 10.188/2001. Ademais, o parágrafo único do art. 4º determina que “as operações de aquisição, construção, recuperação, arrendamento e venda de imóveis obedecerão aos critérios estabelecidos pela CEF” (grifamos).
Veja-se, portanto, que, ao contrário do SFH, no PAR, a Caixa Econômica Federal adquire o terreno, contrata a empresa responsável pela construção, recaindo a ela a obrigação de avaliar, tecnicamente, a construção a ser realizada. Cabe à CEF a responsabilidade pela construção, comercialização e financiamento aos adquirentes.
Já pelos sistemas do SFI e SFH, a construção recai sobre os construtores e tão somente o financiamento aos agentes financeiros. Até porque, seja pelo SFI e pelo SFH, o crédito a ser concedido pode ser para aquisição de imóvel já construído, e não somente na planta.
Temos, portanto, para nós, clara a diferença do PAR para o SFI e o SFH. Enquanto no PAR cabe à CEF todo o desenvolvimento do empreendimento imobiliário, desde construção, comercialização e financiamento, nos sistemas do SFH e do SFI, os agentes financeiros participam tão somente no tocante ao financiamento, e não à construção.
O objetivo do presente artigo será verificar a responsabilidade do agente financeiro no PAR e no SFH. Analisemos, em primeiro lugar, a responsabilidade do agente financeiro no PAR.
1 A RESPONSABILIDADE DO AGENTE FINANCEIRO PELOS VÍCIOS CONSTRUTIVOS NO PAR
Tratando-se do Programa de Arrendamento Urbano (PAR), a responsabilidade pela construção, comercialização e financiamento compete exclusivamente à Caixa Econômica Federal.
Em julgado de relatoria do Desembargador Johonsom di Salvo, restou assentado que há diversos motivos para determinar a responsabilidade da CEF por vícios construtivos em obras do PAR. Segundo o julgado:
Foi a CEF (arrendadora) quem habilitou a construtora Infratécnica Engenharia & Construções Ltda. para a obra e aparentemente repassou-lhe os recursos de que era gestora; é evidente a responsabilidade assumida na edificação de moradias confiáveis, para fins de arrendamento, o que aparentemente não ocorreu. Na melhor das hipóteses a CEF deve responder junto com a construtora à vista de culpa in eligendo, já que a eleição da empresa de construção civil prescinde de procedimento licitatório e por isso mesmo a responsabilidade pelo boa edificação das moradias não pode recair apenas em mãos da firma de engenharia.[7]
A maioria dos poucos julgados que localizamos e que tratam a respeito do PAR determinam a responsabilidade do agente financeiro pelos vícios construtivos, considerando-se, principalmente, a má escolha do construtor.
Parece-nos que, de fato, nessa circunstância, o agente financeiro (Caixa Econômica Federal, exclusivamente, no caso do PAR) deve responder pelos vícios construtivos, considerando a sua responsabilidade por selecionar a construtora e acompanhar os trabalhos técnicos, nos exatos termos do parágrafo único do art. 4º da Lei nº 10.188/2001.
A questão torna-se mais complexa no SFH. Como veremos, há julgados absolutamente dissonantes. Passemos, portanto, a estudar a jurisprudência e o fundamento das decisões.
2 A RESPONSABILIDADE DO AGENTE FINANCEIRO PELOS VÍCIOS CONSTRUTIVOS NO SFH
2.1 A jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais
Considerando que os casos de responsabilidade do agente financeiro perante o SFH envolvem, na vasta maioria dos casos, a Caixa Econômica Federal, as demandas são apreciadas perante a Justiça Federal. Analisemos a jurisprudência dos Tribunais Federais.
No Tribunal Regional da 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul), os julgados consultados determinam a isenção de responsabilidade da CEF quando o financiamento é regido pelo SFH. Nessa senda, acórdão de relatoria do Desembargador José Lunardelli ressaltou que:
Na qualidade de agente financeiro para aquisição de imóvel já pronto, cabe à CEF realizar diligências relacionadas ao financiamento bancário, não assumindo responsabilidade relacionada à construção do imóvel. […] Não tendo o agente financeiro nenhuma responsabilidade por eventual vício ou desvalorização do bem […].[8]
Na mesma senda, em outro julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região[9], cuja relatoria foi do Desembargador Johonsom di Salvo, restou assentado que:
Na relação jurídica informada, a CEF figura como prestamista do financiamento, não como alienante. Não entrevejo a aventada solidariedade da Caixa Econômica Federal em relação ao alegado vício do imóvel na medida em que a empresa pública federal não “intermedia” a venda de imóveis, pois não tem funções de corretagem; apenas prestou ao autor dinheiro para adquirir o imóvel. A propósito, o acompanhamento da execução das obras realizadas por engenheiros da Caixa Econômica Federal tem por finalidade exclusiva a mediação do andamento da obra e verificação da aplicação dos recursos para liberação da parcelas sem qualquer responsabilidade técnica pela edificação.
Da mesma forma, no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo), a maioria dos julgados que consultamos também determina a exclusão da CEF do polo passivo das ações que cuidam de vícios construtivos, no SFH:
Não se justifica a presença da CEF, que é mera financiadora do empreendimento imobiliário, no polo passivo da demanda. […] Não há como imputar a responsabilidade por vícios da obra à CEF, já que ela não tem nenhuma ingerência no processo de construção, nem mesmo participa de nenhuma fase da construção. Apenas libera os recursos de acordo com o projeto e um cronograma previamente definido.[10]
Interessante, ainda, verificar curioso acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que asseverou:
A CEF não é um Procon, que fiscalize a obra em benefício de potenciais compradores; sua fiscalização tem em mira seus interesses próprios, de natureza empresarial e comercial. A empresa pública é alheia ao valor do imóvel, negociado pelos autores com empresas privadas. Inexistência sequer de obrigação legal de conceder financiamento aos autores.[11]
De todo modo, o próprio TRF da 2ª Região possui decisões em sentido contrário, embora em minoria. Em verdade, localizamos dois julgados, datados de 2007, ambos de relatoria do Juiz Federal convocado, Dr. Guilherme Calmon Nogueira da Gama que asseverou:
A atual orientação jurisprudencial é no sentido da legitimidade passiva da CEF nas ações em que se questionam os vícios ou defeitos ocultos em imóveis, quando, por óbvio, haja a presença dos empreendedores da construção, e mesmo os vendedores. Tal se justifica em razão da concessão do financiamento, cuja garantia hipotecária fica instituída em seu favor, e pelo fato de que a solução da lide poderá implicar em diminuição ou perda do bem dado em garantia.[12]
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe), por seu turno, possui entendimento favorável à responsabilidade solidária da CEF nas ações de vícios construtivos oriundos do SFH. Em verdade, não localizamos nenhum julgado em sentido contrário. Segundo acórdão de relatoria do Relator Desembargador Geraldo Apoliano: “a CEF, detém legitimidade passiva ad causam para responder, em ação ajuizada pelo mutuário do SFH, vinculado ao FCVS, pelos problemas estruturais de edificação cuja aquisição financiou, especialmente por atuar como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda“[13]. Da mesma forma, em acórdão relatado pelo Desembargador Manoel Erhardt, assentou-se que:
A obrigação de repará-los (vícios construtivos) recai, de forma mais evidente, na construtora do edifício (Código Civil, art. 618). Todavia, perante os condôminos, a obrigação de reparar também se estende à CEF, por força da solidariedade inerente à natureza mista dos contratos firmados no âmbito do SFH.[14]
2.2 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
O Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, possui entendimento majoritário contrário aos julgados dos Tribunais Regionais Federais da 2ª e 3ª Regiões, mas no mesmo sentido dos julgados do Tribunal Regional Federal da 5a Região. A maioria dos julgados consultados entende pela legitimidade da CEF figurar no polo passivo das demandas em que se discute vício das construções do SFH.
Em acórdão de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, destacou-se que:
O entendimento predominante na jurisprudência desta Corte é no sentido de que o agente financeiro, nos contratos de mútuo submetidos ao Sistema Financeiro da Habitação, responde solidariamente com a empresa seguradora pelos vícios de construção de imóvel.[15]
Interessante notar, ainda, que o próprio Ministro Luis Felipe Salomão já teve posicionamento diverso, quando do julgamento do REsp 950.522, cujo julgamento deu-se no dia 18 de agosto de 2009. Naquela oportunidade, proclamou voto asseverando que “a Caixa Econômica Federal não é parte legítima para figurar no polo passivo de demanda redibitória, não respondendo por vícios de construção de imóvel financiado com recursos do Sistema Financeiro da Habitação“.
Como forma de sustentar a alteração de seu posicionamento, o Ministro Luis Felipe Salomão sustentou:
Depois de muito refletir acerca do tema, peço venia aos que entendem de forma diversa, mas me filio à jurisprudência consolidada no âmbito de ambas as Turmas de Direto Privado – sobretudo em hipótese com a ora examinada, em que o empreendimento em questão é de natureza popular, destinado a mutuários de baixa renda. E assim o faço tomando de empréstimo, sobretudo, os judiciosos fundamentos proferidos pelos Ministros Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direto, saudoso, quando do julgamento do REsp 51.169/RS.[16]
Mas a questão certamente não é pacífica. Em determinado acórdão, em sentido completamente diverso, foi decidido que:
A responsabilidade advém de uma obrigação preexistente, sendo aquela um dever jurídico sucessivo desta que, por sua vez, é dever jurídico originário. A solidariedade decorre de lei ou contrato, não se presume (art. 265, CC/02). Se não há lei, nem expressa disposição contratual atribuindo à Caixa Econômica Federal o dever jurídico de responder pela segurança e solidez da construção financiada, não há como presumir uma solidariedade. A fiscalização exercida pelo agente financeiro se restringe à verificação do andamento da obra para fins de liberação de parcela do crédito financiado à construtora, conforme evolução das etapas de cumprimento da construção. Os aspectos estruturais da edificação são de responsabilidade de quem os executa, no caso, a construtora. O agente financeiro não possui ingerência na escolha de materiais ou avaliação do terreno no qual que se pretende erguer a edificação. A Caixa Econômica Federal é parte ilegítima para figurar no polo passivo de ação indenizatória que visa o ressarcimento por vícios na construção de imóvel financiado com recursos do SFH, porque nesse sistema não há obrigação específica do agente financeiro em fiscalizar, tecnicamente, a solidez da obra.[17]
Veja-se que o próprio STJ apresenta julgamento distinto, tratando-se da responsabilidade civil do agente financeiro pelos vícios construtivos no SFH.
De todo modo, a maioria dos julgados consultados no STJ determina a responsabilidade solidária do agente financeiro perante os vícios construtivos verificados no imóvel[18]. Os julgados desfavoráveis à responsabilidade solidária da CEF estão em minoria[19].
Analisemos, agora, os principais fundamentos utilizados nos julgados dos Tribunais Federais e do Superior Tribunal de Justiça.
3 FUNDAMENTOS UTILIZADOS NOS JULGADOS PARA DETERMINAR A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO AGENTE FINANCEIRO E CONSTRUTOR, PARA RESPONDEREM PELOS VÍCIOS CONSTRUTIVOS
3.1 Função social
Em primeiro lugar, e em nossa opinião, como o argumento menos convincente, alguns julgados utilizam o princípio da função social como forma de obrigar o agente financeiro a responder pelos vícios construtivos do imóvel adquirido pelo mutuário.
Segundo Flávio Tartuce[20], a função social dos contratos pode ser conceituada como um princípio contratual de ordem pública, pelo qual o contrato deve ser, necessariamente, visualizado e interpretado de acordo com o contexto da sociedade. Ainda segundo o autor, a função social dos contratos tem eficácia interna, que pode se sustentar pela proteção da parte vulnerável da relação contratual, caso dos consumidores e aderentes.
Nos termos de julgado aqui já mencionado, de lavra do Ministro Luis Felipe Salomão[21], asseverou-se que:
Quando uma instituição financeira ingressa no sistema, não o faz como mero banco comercial, mas, ao reverso, como partícipe e operador de um “todo” com destinação social predeterminada, razão pela qual os seus atos devem ser também consentâneos a esses fins sociais.
Ainda que este autor seja um entusiasta das cláusulas gerais do novo Código Civil, com o devido respeito, não nos parece que esse fundamento, por si só, baste para determinar a condenação do agente financeiro por vícios construtivos cuja culpa seja atribuída a terceiros.
É certo que a função social e a boa-fé objetiva trouxeram inovações ao direito contratual, tornando-se valiosas ferramentas de proteção contratual dos consumidores. Todavia, não se perca de vista que qualquer empresário, ao contratar, realiza um juízo de valor entre o lucro e o risco contratual.
Segundo o Professor Cristiano Zanetti[22], o domínio dos contratos é marcado pelo risco. E a materialização dos riscos ganha efetiva importância quando se têm presentes os contratos de execução diferida.
O risco do contrato de mútuo é altíssimo. Após analisar as condições financeiras e econômicas do interessado, a instituição financeira concede a integralidade (ou a integralidade, por etapas da obra) do valor pretendido na esperança de receber, futuramente, mediante o pagamento de juros, o valor emprestado. Mas os riscos são inúmeros: o mutuário pode perder o emprego, pode ter a sua atividade comercial extinta, entre outros fatores.
Realizado esse juízo de valores é que o empresário calcula os riscos da sua atividade. Certamente o agente financeiro, ao conceder empréstimo ao adquirente, realiza esse juízo de valores considerando o risco de inadimplência do consumidor, bem como o risco de não dispor de sua garantia (a unidade autônoma), em caso de não entrega da obra[23].
Não nos parece, contudo, que o risco contratual do agente financeiro deva ser ampliado pelos vícios da construção pelo simples argumento da função social. A nosso ver, esse não é o melhor argumento.
3.2 Responsabilidade do agente financeiro pelo acompanhamento técnico das obras
Alguns acórdãos também costumam referir que a responsabilidade solidária, no SFH, decorreria, também, porque o agente financeiro teria como obrigação realizar o acompanhamento técnico das obras.
O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, em determinado julgado[24] asseverou que “a CEF não se resume simplesmente à verificação do cumprimento de cronograma, mas, sobretudo, exerce fiscalização técnica, relativa à engenharia e à arquitetura do empreendimento financiado“.
Em outro julgado[25], valendo-se de instruções normativas do BNH[26], o mesmo Tribunal sugere que a responsabilidade de acompanhamento técnico deve ser imposta ao agente financeiro. Para tanto, é suscitada a Resolução nº 31, do Conselho de Administração do BNH, que sustenta a responsabilidade de o agente financeiro verificar se “as obras, então financiadas, obedecem ao projeto ou projetos, memorial descritivo, orçamentos e demais documentos apresentados com sua proposta, inclusive pela aplicação de materiais inferiores ao descrito“.
Ocorre que a própria resolução, mais à frente, afirmava que “a vistoria de que trata este item será feita, exclusivamente, para efeito de fiscalização da aplicação do financiamento ou refinanciamento, sem qualquer responsabilidade pelas obras ou sua fiscalização“.
Daí a dúvida: as vistorias das obras realizadas pelos agentes financeiros têm por escopo proteger o consumidor? Ou esse acompanhamento é realizado em favor do próprio agente financeiro, considerando que todo o contrato de mútuo está garantido pelo imóvel que lhe foi dado em garantia, por meio de alienação fiduciária?
A questão não é simples. Enquanto o Superior Tribunal de Justiça, como verificado, entende que é atribuição do agente financeiro realizar a vistoria técnica do empreendimento no SFH, respondendo, portanto, pelos eventuais vícios construtivos, outros julgados, de outros tribunais[27], entendem que:
O acompanhamento da execução das obras realizadas por engenheiros da CEF tem por finalidade exclusiva a medição do andamento da obra e verificação da aplicação dos recursos para liberação das parcelas sem qualquer responsabilidade técnica pela edificação.
Da mesma forma já se consignou que “a alegação de que a CEF fiscalizava a obra não se mostra convincente, pois a referida ‘fiscalização’ não era para aferir a solidez daquela, nem tampouco para garantir sua segurança e qualidade técnica, mas sim tão somente para verificação do cronograma da obra para fins de liberação das parcelas do financiamento[28]“. Ademais, nesses termos são os contratos firmados pela CEF com os demais adquirentes. Reforçando esse entendimento, acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região[29] afirmou que “a CEF não é um Procon, que fiscalize a obra em benefício de potenciais compradores; a sua fiscalização tem em mira seus interesses próprios, de natureza empresarial e comercial“.
Parece-nos, realmente, que a fiscalização que o agente financeiro realiza na obra não se dá em favor dos consumidores, mas no próprio interesse do mutuante. Considerando-se que os contratos de mútuo são de longa duração, com o pagamento do saldo devedor em 20 ou 30 anos, nada mais razoável do que o agente financeiro realizar a fiscalização da obra, de forma a constatar que a sua garantia está sendo bem executada, suficientemente para garantir a dívida do mutuário por muitos anos.
Não nos parece que essa vistoria obrigue, automaticamente, o agente financeiro a realizar a fiscalização técnica da obra, com olhos de peritos, para consignar que as obras (i) atendem às normas técnica da engenharia; (ii) que foram utilizados os materiais corretos; (iii) que o projeto está sendo executado perfeitamente; e assim por diante. Não há qualquer obrigação ao mutuante de realizar essa fiscalização, seja por determinação contratual ou legal.
Devemos separar o joio do trigo. Uma coisa é o contrato de mútuo, firmado entre adquirente e instituição financeira, com o objetivo de realizar empréstimo de valores, mediante a cobrança de juros. Outra coisa é um contrato de prestação de serviços, de um escritório especializado em engenharia, para fins de fiscalizar de forma técnica determinada obra. Por fim, coisa diversa é o contrato de compra e venda de unidade futura, celebrado entre a construtora e o adquirente, da qual aquela se compromete a construir o imóvel, nos termos do memorial descritivo, e este, a pagar o preço ajustado. Esse argumento, portanto, também não nos é convincente, ou seja, o agente financeiro não está obrigado a fiscalizar tecnicamente a obra da qual concedeu financiamento ao adquirente.
3.3 A rede contratual ou contratos coligados e a responsabilidade solidária
Segundo Rodrigo Xavier Leonardo[30], entende-se por redes contratuais a coordenação de contratos, diferenciados estruturalmente, porém interligados por um articulado e estável nexo econômico, funcional e sistemático.
Ainda segundo o Professor Rodrigo Leonardo, há uma finalidade operacional comum entre os diversos agentes econômicos interessados em potencializar benefícios e minimizar riscos. Para que a interligação contratual forme um sistema, mostra-se necessário que seus elementos (os contratos) se encontrem em conexão.
É da necessidade de crédito, tanto para a produção quanto para o consumo que surgem, em verdade, as redes contratuais no mercado imobiliário habitacional, envolvendo negócios voltados para produção, comercialização e garantia dos respectivos créditos concedidos. Para tanto, basta ver que, em diversos contratos de mútuo aos consumidores, o agente financeiro requer a anuência do construtor. Há, portanto, clara coligação contratual.
Ademais, a esse respeito, em paradigmático julgado na matéria, o Superior Tribunal de Justiça[31] decidiu que:
Conquanto seja possível isolar cada elemento em particular, as operações básicas da construção e do financiamento não admitem cisão, porquanto perderam a autonomia e simetria completa com a tipologia usual. Elas se fundiram, sem prejuízo de certas variações, num tipo novo: “o negócio de aquisição da casa própria“.
Francisco Marino[32], estudioso do tema, conceitua os contratos coligados como contratos que, por força de disposição legal, de natureza acessória de um deles ou do conteúdo contratual (expresso ou implícito), encontram-se em relação de dependência unilateral ou recíproca[33].
Nesses termos, o autor[34] afirma que é cabível afirmar que:
O fundamento jurídico das consequências da coligação contratual formada por financiamento e fornecimento para consumo ostenta dupla índole. Por um lado, apoiam-se elas, diretamente, na existência de coligação contratual e na respectiva teoria, que tipifica as consequências mais importantes e permite a fértil transposição, para esse campo, das soluções gerais ali encontradas. Por outro, baseiam-se nas normas de tutela do consumidor, especificamente na cláusula geral, dispersa por diversas normas do CDC, de responsabilidade solidária dos fornecedores participantes da mesma cadeia de fornecimento. O que permite concluir pela participação na mesma cadeia de fornecimento é, precisamente, a existência de coligação entre os contratos.
Considerando-se a coligação entre os contratos, poderíamos afirmar a responsabilidade do agente financeiro pelos vícios causados, exclusivamente, pelo construtor?
Para Rodrigo Xavier Leonardo[35]:
Se os fornecedores constituem redes contratuais para poder melhor negociar seus produtos e serviços no mercado de consumo, devem comprometer-se a sustentar o sistema por eles mesmo criado, o que implica deveres de conduta compatíveis com a necessária estabilidade, persistência temporal e equilíbrio do sistema. Assim, quando um dos elementos do sistema age em desconformidade com estes deveres de conduta, levando a cabo, por exemplo, vender produtos ou serviços com vícios de qualidade, os direitos, as pretensões, as ações e as exceções que surgem de tais fatos, em favor do consumidor podem ser opostas a qualquer dos sujeitos integrantes da rede, desde dessas ações e dessas exceções seja necessário para a preservação de seus legítimos interesses provenientes da relação jurídica de consumo travada ao final da rede contratual.
Especificamente a respeito do SFH, o Professor Rodrigo assevera que, nesse sistema:
Os diversos agentes (incorporadora, financiador e segurador) se comprometem a uma prestação única, qual seja, propiciar ao mutuário a aquisição do imóvel por meio de uma única contraprestação: pagamento das parcelas do financiamento.
Em suma, tratando-se de uma rede de contratos ou contratos coligados, segundo alguns autores, a eficácia do contrato de financiamento atingiria a responsabilidade do agente financeiro a responder pelos vícios da construção.
Em nossa opinião, nesse tipo de contrato, certamente, há coligação contratual, fato que pode ensejar diversas consequências na eficácia dos contratos. A exemplo disso, entendemos que, havendo ação redibitória, com a resolução do contrato de venda e compra, o agente financeiro também sofrerá as consequências desse fato, com a extinção automática do contrato de financiamento.
É diferente, contudo, de se afirmar que, pela coligação contratual, o agente financeiro possa responder pela má execução da obra, cuja obrigação pela construção cabia exclusivamente a terceiros. Não nos parece que a coligação contratual possa ter tamanha influência na eficácia do contrato firmado entre construtor e consumidor.
3.4 Teoria da aparência
Segundo Vitor Frederico Kümpel[36], a aparência é a proteção, pelo sistema jurídico (princípios e regras), garantindo existência, validade e eficácia a determinadas relações jurídicas, por haver uma exteriorização (publicidade) divorciada da realidade, a qual faz crer a todos na seriedade do negócio jurídico, pela incidência da boa-fé objetiva e, principalmente, ao terceiro legitimado (boa-fé subjetiva), gerando regulares efeitos econômicos diretos e indiretos, muito embora a situação protegida esteja estribada em uma relação insubsistente.
Como bem salientado pelo autor[37], a teoria da aparência está toda ela aparelhada na proteção do terceiro, pois é a confiança legítima do terceiro que agiu de boa-fé, objetiva e subjetiva, isto é, boa-fé padronizada e boa-fé psicológica, que faz produzir consequências jurídicas, muitas vezes, em situações inexistentes ou inválidas, mas que têm que produzir efeitos jurídicos válidos.
Seguindo essa linha, nos contratos de aquisição da casa própria, alguns defendem que o consumidor, quando se depara com o financiamento realizado por uma sólida instituição financeira, poderia imaginar que adquire o bem com a segurança daquele agente financeiro.
Esse fundamento foi utilizado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, quando do julgamento do REsp 738.071/SC[38], que asseverou:
É bem de ver que a participação do agente financeiro na construção do empreendimento, mormente quando se trata de sólida instituição, como é o caso da CEF – afigura-se, à ótica do consumidor, hipossuficiente por essência, como uma parceria com a construtora/incorporadora, reforçando a confiança depositada pelo comprador na solidez e segurança do imóvel. Ao celebrar um contrato de compra e venda de imóvel, cuja obra ostenta a marca de sólida instituição como sendo a financiadora do empreendimento, o consumidor crê, deveras, no entrelaçamento obrigacional entre a construtora e o agente financeiro da obra e essa aparência de garantia, essa legítima expectativa, com a qual concorreu e dela se beneficiou a instituição financeira, em nome do princípio da boa-fé, deve ser tutelada.[39]
Tratando a respeito do tema, o defensor público Feliciano de Carvalho[40] afirma que:
Se o agente financeiro faz propaganda junto ao empreendimento, ou detém qualquer privilégio em relação ao mercado para determinada construção, resta evidente a responsabilidade pela obra em si uma vez que a aparência demonstra clara parceria econômica, mesmo que entre financiador e construtor não exista nada formalizado. […] quebra o valor contratual de lealdade e cooperação o fato de o agente financeiro passar para o consumidor que este estará fazendo um ótimo negócio, em face das demonstrações de qualidade do bem, somente para conseguir prestar o serviço de financiamento para mais um consumidor – que será muito bem remunerado pelos juros pagos pelo adquirente e caso surjam defeitos que desequilibram o contrato, discursar no sentido de inexistir responsabilidade do empresário/banco financiador.
Com o devido respeito à opinião firmada por demais juristas, também não nos parece que seria possível responsabilizar o agente financeiro sob a alegação que, pela teoria da aparência, o consumidor poderia crer estar adquirindo a propriedade com o “aval” técnico do mutuante.
É possível ao consumidor acreditar que o mutuante analisou projetos, viabilidade técnica da obra, bem como condição técnica e financeira do agente construtor. Todavia, não nos parece que a teoria da aparência poderia estender por demais a responsabilidade do agente financeiro, fazendo com que o consumidor acreditasse que, além de financiar a obra, o agente financeiro seria o responsável técnico pela perfeição da mesma. Em nossa opinião, o consumidor tem condições suficientes de distinguir a operação financeira do contrato de construção.
CONCLUSÃO
Tal como advertido no início deste trabalho, o objetivo do presente não foi adentrar na responsabilidade civil do construtor pelos vícios construtivos reclamados pelos adquirentes. A respeito desse tema, sobram trabalhos doutrinários41. Não se tenha dúvidas de que, tratando-se de relação de consumo, o construtor deverá responder pelos vícios construtivos, independentemente de culpa (responsabilidade objetiva42), durante o prazo de garantia que alude o art. 618 do Código Civil43.
O escopo aqui pretendido, por sua vez, não é tão simples. Constatando-se os vícios construtivos, o nexo de causalidade da conduta do construtor pode ser estendido ao agente financeiro, que tão somente concedeu crédito para que o consumidor pudesse adquirir sua unidade?
Segundo Sergio Cavalieri Filho44, “o nexo causal é verificado mediante a mera relação de causa e efeito determinada pelas leis naturais“. É o “elo naturalístico entre a conduta e o resultado”.
A única forma de estendermos o nexo de causalidade entre a conduta do agente financeiro com os vícios construtivos seria demonstrar qualquer tipo de culpa do mutuante. Mas que culpa atribuir ao agente financeiro pelos vícios construtivos?
Para nós, a culpa do agente financeiro decorre tão somente do descumprimento de suas obrigações pré-contratuais, contratuais e pós-contratuais, estabelecidas na seara do contrato de financiamento. O vício da construção, em nosso ver, não pode ser atribuído ao agente financeiro, considerando-se que as responsabilidades de construtor e agente financeiro são distintas45.
A discussão, em verdade, tem por plano de fundo saber se o agente financeiro é obrigado a realizar a fiscalização da obra.
Seja pela teoria da aparência, seja pelos princípios que norteiam a relação civil e de consumo, ousamos dizer que o agente financeiro não é obrigado a fiscalizar os trabalhos do construtor.
Analisando-se friamente todos os fundamentos dos julgados colacionados, bem como a opinião de outros autores, entendemos que, tecnicamente, não há como imputar a responsabilidade do agente financeiro pelos vícios construtivos verificados na obra.
A responsabilidade do mutuante, em nossa opinião, está limitada ao próprio contrato de mútuo. Não se pode atribuir a responsabilidade pelo vício da construção à instituição que resolveu conceder crédito ao consumidor para aquisição da unidade imobiliária. Essa tarefa, contratual e legalmente, é e deve ser atribuída ao construtor ou incorporador, que tem por obrigação legal entregar a obra consoante determinam as boas regras de engenharia.
A solidariedade, como se sabe, nos termos do art. 265 do Código Civil, não se presume. Para que o nexo de causalidade seja estendido ao agente financeiro, é necessário demonstrar que, em determinado momento, este agiu com culpa. Não havendo culpa do agente financeiro, não há nexo, e, portanto, não há responsabilidade pelos vícios construtivos.
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[1] LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes contratuais no mercado habitacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 47.
[2] Idem, p. 48.
[3] SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1996. p. 59.
[4] RESTIFFE NETO, Paulo; RESTIFFE, Paulo Sergio. Propriedade fiduciária imóvel. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 19-20.
[5] In: SFI: Como funciona o novo Sistema de Financiamento Imobiliário. Disponível em: <http://www.abecip.org.br/imagens/conteudo/publicacoes_e_artigos/sfi_-_como_funciona_o_novo_sfi.pdf>. Acesso em: 27 out. 2014.
[6] RESTIFFE NETO, Paulo; RESTIFFE, Paulo Sergio. Ob. cit., p. 18.
[7] É interessante notar, ainda, trecho do acórdão, que ressalta: “não se pode alocar recursos públicos em troca de moradias mal construídas, como se as pessoas de baixa renda fossem seres humanos de menor qualidade, passíveis de serem alojados em locais insalubres e perigosos apenas para satisfazer a demagogia dos governos. Pobre não é lixo, que pode ser colocado em qualquer lugar – pobre tem os mesmos direitos que os mais bem postos na vida e precisa ser mais respeitado neste País onde os governantes tratam os humildes como ‘massa de manobra’, ou como meros tolos” (Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Agravo de Instrumento nº 0041813-70.2009.4.03.0000/SP, Rel. Des. Johonsom di Salvo. J. 30.11.2010).
[8] Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Apelação Cível nº 0021294-05.2012.03.6100, Rel. Des. José Lunardelli, J. 26.08.2014.
[9] Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Agravo de Instrumento nº 0001594-10.2012.4.03.0000, Rel. Des. Johonsom di Salvo, J. 27.06.2012. No mesmo sentido: Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Agravo de Instrumento nº 20080300462478, Rel. Des. Ramza Tartuce, DJF 18.08.2011.
[10] Tribunal Regional da 2ª Região, Apelação Cível nº 1997.51.030959-6, Rel. Antonio Cruz Netto, DJF 25.11.2011. Mas há outros julgados: Nessa senda: “Não se justifica a presença da Caixa Econômica Federal, na qualidade de mero financiador do empreendimento imobiliário, no pólo passivo da demanda. A alegação de que a ré fiscalizava a obra não se mostra convincente, pois a referida ‘fiscalização’ não era para aferir a solidez daquela, nem tampouco para garantir sua segurança e qualidade técnica, mas sim, tão somente, para verificação do cronograma da obra para fins de liberação das parcelas do financiamento” (Agravo de Instrumento nº 2005.02.01.004792-4, Relª Desª Vera Lúcia Lima, DJ 17.10.2005); “os contratos de construção e de mútuo são independentes entre si, não sendo, portanto, o agente financeiro responsável pelo empreendimento da obra, mas tão somente pelo financiamento para a aquisição do bem imóvel, através do Sistema Financeiro da Habitação” (Agravo de Instrumento nº 2004.02.01.012676-5, Rel. Des. Paulo Espírito Santo, DJ 04.10.2006); “As alegadas irregularidades na construção do imóvel não se inserem na esfera do contrato de mútuo celebrado com a CEF. Com efeito, não foi estabelecido vínculo contratual entre os demandantes e a CEF, a qual, conseqüentemente, não detém legitimidade para figurar no pólo passivo de ação onde se pleiteia a revisão de relação jurídica material estabelecida entre a construtora e os adquirentes dos imóveis construídos (ou em fase de construção)” (Apelação Cível nº 2000.51.02.003494-3, Rel. Des. Sergio Schwaitzer, DJ 02.05.2007).
[11] Apelação Cível nº 97.02.17377-9, Des. Rel. Juiz Conv. Guilherme Couto, DJ de 29.08.2006.
[12] Apelação Cível nº 2000.02.01.051816-9, Rel. Des. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, DJ 16.04.2007. No mesmo sentido: Apelação Cível nº 2001.02.01.046445-1, Rel. Des. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, J. 06.10.2005.
[13] Da mesma forma, em acórdão relatado pelo Desembargador Manoel Erhardt, assentou-se que:
[14] Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Apelação Cível nº AC 569113/PE, Rel. Des. Manoel Erhardt. J. 11.06.2014. No mesmo sentido, vejam-se outros acórdãos do mesmo Tribunal: Apelação Cível nº 569356/PE, Rel. Des. Ivan Lira de Carvalho, J. 15.04.2014; Apelação Cível nº 5677589/PB, Rel. Des. Rogerio Fialho Moreira, J. 18.02.2014; Apelação Cível nº 564793, Relª Desª Margarida Cantarelli, J. 26.11.2013.
[15] Superior Tribunal de Justiça, REsp 738.071/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 09.08.2011.
[16] Superior Tribunal de Justiça, REsp 738.071/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., J. 09.08.2011.
[17] Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.043.052/MG, Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador Convocado do TJAP), 4ª T., J. 08.06.2010.
[18] AgRg-AREsp 33.888, Rel. Sidnei Beneti, J. 07.02.2012; AgRg-AREsp 38.225, Rel. Sidnei Beneti, J. 17.11.2011; REsp 738.071, Rel. Luis Felipe Salomão, J. 09.08.2011; AgRg-Ag 1.125.124, Rel. Massami Uyeda, J. 16.11.2010; AgRg-Ag 1.061.396, Rel. Sidnei Beneti, J. 23.06.2009; AgRg-REsp 572.819, Rel. Paulo Furtado, J. 02.04.2009; AgRg-AgRg-Ag 1.037.904, Rel. Min. Sidnei Beneti, J. 17.02.2009; AgRg-Ag 915.120, Rel. Sidnei Beneti, J. 18.11.2008; AgRg-Ag 90.290, Rel. Sidnei Beneti, J. 21.08.2008; REsp 647.372, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, J. 28.06.2004; REsp 45.925, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, J. 20.04.2011; REsp 51.169, Rel. Min. Ari Pangendler, J. 09.12.1999.
[19] REsp 897.045, Relª Min. Isabel Gallotti, J. 09.10.2012; REsp 1.102.539, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 09.08.2011; REsp 1.043.052, Rel. Honildo Amaral de Mello, J. 08.069.2010; REsp 1.163.228, Relª Maria Isabel Gallotti, J. 09.10.2012.
[20] TARTUCE, Flavio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. São Paulo: Método, 2007. p. 415.
[21] REsp 738.071. Além disso, o julgado ainda assevera: “os agentes financeiros também são conclamados a participar da consecução dessa finalidade nobre de facilitação da aquisição da casa própria, de sorte que, se por um lado a fiscalização da construção do empreendimento dá força e garantia ao sistema, por outro lado – do ponto de vista do mutuário, que é, em primeira análise, o destinatário final de todo o escopo do SFH -, tal providência restaria esvaziada caso o agente financeiro não fosse corresponsável por eventuais vícios na construção do imóvel”.
[22] ZANETTI, Cristiano. O risco contratual. In: LOPES, Teresa Ancona; LEMOS, Patrícia Faga Iglecias; RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz (coord.). Sociedade de risco e direito privado. São Paulo: Atlas, 2013. p. 466.
[23] Relembre-se que a garantia para a concessão do mútuo no financiamento imobiliário decorre do sistema da alienação fiduciária, nos termos da Lei nº 9.514/1997.
[24] Superior Tribunal de Justiça, REsp 738.071/SC, Rel. Luis Felipe Salomão, J. 09.08.2011.
[25] Superior Tribunal de Justiça, REsp 51.169/RS, Rel. Min. Ari Pargendler, J. 15.06.1999.
[26] Estranhou este autor o fato do STJ ter aplicado, no ano de 1999, instruções normativas do BNH, datadas de 1984, considerando-se que, nos termos do Decreto-Lei nº 2.291/1986, essa instituição financeira foi extinta no ano de 1986.
[27] Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Agravo de Instrumento nº 0001594-10.2012.4.03.0000, Rel. Des. Johonsom di Salvo, J. 26.06.2012.
[28] Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Agravo de Instrumento nº 2005.02.01.004792-4, Relª Desª Vera Lúcia Lima, DJ 17.10.2005.
[29] Tribunal Regional da 5ª Região, Apelação Cível nº 97.02.17377-9, Rel. Guilherme Couto, DJ 29.08.2006.
[30] LEONARDO, Rodrigo Xavier. Ob. cit., p. 145/146.
[31] Superior Tribunal de Justiça, REsp 51.169/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, J. 09.12.1999. Segundo o julgado: “a solidariedade do agente financeiro decorre do próprio negócio – um só, e não dois, o qual foi ajustado como ‘negócio de aquisição da casa própria'”. Ademais, no mesmo sentido: “Direito civil. Contratos do sistema financeiro da habitação. Plano de equivalência salarial versus cláusulas de reajuste pelos índices aplicados à poupança livre. 1. Nos contratos regidos pelo sistema financeiro da habitação há de se reconhecer a sua vinculação, de modo especial, além dos gerais, aos seguintes princípios específicos: a) o da transparência, segundo o qual a informação clara e correta e a lealdade sobre as cláusulas contratuais ajustadas, deve imperar na formação do negócio jurídico; b) o de que as regras impostas pelo SFH para a formação dos contratos, além de serem obrigatórias, devem ser interpretadas com o objetivo expresso de atendimento às necessidades do mutuário, garantindo-lhe o seu direito de habitação, sem afetar a sua segurança jurídica, saúde e dignidade; c) o de que há de ser considerada a vulnerabilidade do mutuário não só decorrente da sua fragibilidade financeira, mas, também, pela ânsia e necessidade de adquirir a casa própria e se submeter ao império da parte financiadora, econômica e financeiramente muitas vezes mais forte; d) o de que os princípios da boa-fé e da equidade devem prevalecer na formação do contrato. 2. Há de ser considerada sem eficácia e efetividade contratual que implica em reajustar o saldo devedor e as prestações mensais assumidas pelo mutuário, pelos índices aplicados às cadernetas de poupança, adotando-se, consequentemente, a imperatividade e obrigatoriedade do plano de equivalência salarial. 3. Recurso provido” (REsp 85.521/PR, Rel. Min. José Delgado, 1ª T., Julgado em 29.04.1996, DJ 03.06.1996, p. 19219). Por fim, o REsp 1.102.539/PE declarou que “as operações básicas da construção e do financiamento não admitem cisão, porque perderam a autonomia e a simetria completa com a tipologia usual, resultando em um tipo novo de negócio, denominado de ‘negócio de aquisição da casa própria'”.
[32] MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Contratos coligados. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 221-222.
[33] Para o Professor Claudio Luiz Bueno de Godoy, “na coligação contratual há uma finalidade econômica comum das partes, que faz os ajustes entre si subordinados. Os negócios coligados perseguem um mesmo fim econômico e se completam na prossecução desse objetivo comum” (GODOY, Claudio Luiz Bueno. Função social do contrato. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 151).
[34] MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Ob. cit., p. 221.
[35] LEONARDO, Rodrigo Xavier. Ob. cit., p. 200.
[36] KÜMPEL, Vitor Frederico. Teoria da aparência no Código Civil de 2002. São Paulo: Método, 2007. p. 58.
[37] KÜMPEL, Vitor Frederico. Ob. cit., p. 55.
[38] Superior Tribunal de Justiça, REsp 738.071/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 09.08.2011.
[39] Em outro julgado, também restou assentado que “a empresa que permite a utilização da logomarca, de seu endereço, instalações e telefone, fazendo crer, através da publicidade e da prática comercial, que era responsável pelo empreendimento consorcial é parte passiva legítima para responder pela ação indenizatória proposta pelo consorciado fundamentada nesses fatos” (Superior Tribunal de Justiça, REsp 139.400/MG, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Julgado em 03.08.2000).
[40] CARVALHO, Feliciano. Vícios de construção do imóvel financiado: conexão contratual e responsabilidade do agente financeiro. Revista CEJ, Brasília, a. XVII, n. 59. p. 48.