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VALOR DA CAUSA NO NOVO CPC

VALOR DA CAUSA NO NOVO CPC

Eduardo Henrique de Oliveira Yoshikawa

À semelhança de seu antecessor, o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) continua a disciplinar, sob vários aspectos, o valor da causa, a ele dedicando um título próprio, composto de 3 artigos, e mencionando-o em outros 18.

Como ressaltamos em monografia sobre o tema (Valor da causa, Dialética, 2008), no CPC/1973, o valor da causa mostrava-se relevante em razão de sua repercussão sobre os seguintes temas: a) custas judiciais; b) competência;  c) procedimento; d) revisão das decisões judiciais (remessa necessária); e) sanções pecuniárias; f) honorários de sucumbência. Embora tais funções continuem a existir no CPC/2015, algumas tiveram sua importância diminuída e outras aumentada, como se verá mais adiante.

O valor da causa (expresso em moeda nacional) continua a ser elencado como requisito da petição inicial (art. 319, V, do CPC), seja de ação, seja de reconvenção (agora expressamente mencionada pelo caput do art. 292) ou do pedido de tutela antecipada requerida em caráter antecedente (art. 303, § 4º), cuja ausência pode levar à extinção do processo. Diante das repercussões do valor da causa, como visto anteriormente, outra realmente não poderia ser a solução. Para tanto, continua o Código a afirmar a indispensabilidade de atribuição de valor a todas as causas, ainda que sem “conteúdo econômico imediatamente aferível” (art. 291), o que abrange tanto os casos de direitos patrimoniais (pedido genérico) como os não patrimoniais (direitos da personalidade). De forma a nosso ver contraditória, porém, encontra-se no Código referência a causas de valor “inestimável” (art. 85, § 8º), expressão que sugeriria a possibilidade de não se atribuir valor à causa, em violação da regra anteriormente citada. Melhor teria sido falar em valor “estimatório” ou “simbólico“, expressões encontradas na doutrina e na jurisprudência para se referir aos casos sem conteúdo econômico imediatamente aferível.

No tocante às regras de determinação do valor da causa, que concretizam a diretriz estabelecida no art. 291, poucas foram as alterações. No inciso I, que trata das ações de cobrança, incluiu-se, de forma expressa, a necessidade que o valor do principal esteja atualizado, o que, na prática, já existia. No inciso II, que trata das ações cujo objeto seja um ato jurídico, o Código consagrou entendimento doutrinário e jurisprudencial de que, se o litígio não disser respeito ao ato como um todo, mas apenas à parte dele (por exemplo, declaração de nulidade de apenas uma cláusula contratual), o valor da causa deverá levar em consideração apenas a parte controvertida. No inciso IV, que trata das ações de divisão, demarcação ou reivindicação, não se fala mais em “estimativa oficial para lançamento do imposto“, e sim em “valor de avaliação da área ou bem objeto do pedido“. Finalmente, no inciso V, o Código passa a disciplinar o valor da causa nas ações de indenização, qualquer que seja o seu fundamento e a espécie do dano, estatuindo que, em qualquer hipótese, este corresponderá ao valor pretendido, inclusive em se tratando de dano moral. A mudança merece ser elogiada, por favorecer a moderação dos autores ao dimensionarem o pedido de indenização por danos morais, vez que, em caso de improcedência, uma estimativa exagerada pode se refletir no montante dos honorários de sucumbência a serem pagos.

No que diz respeito ao controle do valor da causa, o CPC/2015 alterou substancialmente o modelo anterior. Em primeiro lugar, admite expressamente (art. 292, § 3º) a correção de ofício do valor da causa pelo juiz “quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido“, permitindo que o juiz desde logo arbitre o novo valor e, se for o caso (quando o valor da causa for utilizado como base de cálculo), determine o recolhimento das custas correspondentes. O dispositivo não estabelece limite temporal ao exercício deste poder-dever, mas, não obstante, continuamos a entender que a alteração do valor da causa de ofício somente poderá ocorrer até o saneamento do processo (art. 357 do CPC), ficando preclusa para o juiz a partir deste momento. De outro lado, o Código continua a permitir a impugnação do valor da causa pelo réu, porém não mais por meio de um incidente processual (impugnação ao valor da causa), que deixou de existir, mas como matéria preliminar da contestação (art. 337, III), sob pena de preclusão. A decisão que vier a ser proferida, alterando ou não o valor da causa, não poderá ser impugnada de imediato, vez que inadmissível o agravo de instrumento  (art. 1.015 do CPC), devendo a parte interessada na sua reforma suscitar a questão como preliminar em seu recurso de apelação ou nas respectivas contrarrazões (art. 1.009, § 1º).

Valor da causa e custas judiciais: o Código não trata diretamente da repercussão tributária do valor da causa, vez que a eleição da base de cálculo e das custas judiciais compete à legislação tributária da União (no tocante à Justiça Federal e do Trabalho) e dos Estados e Distrito Federal (no caso da Justiça Estadual), a ela fazendo apenas referência em alguns dispositivos.

Valor da causa e competência: o CPC/2015 menciona a competência em razão do valor apenas no art. 63, que estabelece a possibilidade de eleição de foro, tendo sido suprimidas as referências que constavam dos arts. 91 e 102 do CPC/1973. A previsão acaba se tornando inócua, vez que a utilização do valor da causa como critério de determinação de competência há muito já não é encontrada no Código, mas em leis extravagantes (Juizados Especiais) ou de organização judiciária (foros regionais), sendo que, nesta hipótese, aliás, tem prevalecido o entendimento de que se trata de competência absoluta e não relativa.

Valor da causa e procedimento: com a extinção do rito sumário, submetendo-se todas as causas a um procedimento comum (art. 318), salvo previsão expressa em sentido contrário, praticamente é nenhuma atualmente a influência do valor da causa sobre o procedimento a ser adotado, ao menos do que diz respeito aos disciplinados pelo Código de Processo e não em leis especiais (como as dos Juizados Especiais, em que o valor da causa continua sendo relevante). Resta apenas a regra do art. 664, que determina a adoção do rito simplificado do arrolamento para os inventários em que o valor dos bens do espólio (que deve ser o valor da causa) for igual ou inferior a 1.000 salários-mínimos.

Valor da causa e mecanismos de revisão das decisões: cedendo a argumentos cujo mérito nos parece mais do que duvidoso, o CPC/1975 manteve o reexame necessário (art. 496) das decisões proferidas contra as pessoas jurídicas de direito público, desde que o valor da condenação ou do proveito econômico obtido sejam líquidos e superiores a determinas quantias, diferentes para cada esfera de governo da Federação. À vista da regra do art. 291, segundo o qual o valor do proveito econômico deve corresponder ao valor da causa, ou esta ou o valor de eventual condenação (se líquida) deverá ser utilizado para os fins do art. 496.

Valor da causa e sanções processuais: no sistema revogado, havíamos manifestado a nossa discordância da eleição do valor da causa como base de cálculo das penalidades a serem aplicadas por ofensa à dignidade da justiça, reputando tal critério ineficiente e injusto (porque a sanção é nenhuma quando pequeno o valor e draconiana quando muito elevado) e defendendo a sua substituição por valores previamente determinados, fixos ou variáveis. O CPC/2015, porém, enfrentou apenas parte do problema e apenas quanto a uma das multas, estabelecendo, no art. 81, § 2º, que, quando o valor da causa fosse irrisório ou “inestimável“, a multa por litigância de má-fé seria arbitrada em até 10 (dez) salários-mínimos. No mais, não apenas manteve tal critério, como criou novas hipóteses de multa (art. 334, § 8º, art. 702, § 10). A única limitação ao valor de multa atrelada ao valor da causa aparece na disciplina da ação rescisória, em que o § 2º do art. 968 determina que o depósito exigido para a propositura da rescisória (que se converte em multa em caso de julgamento unânime desfavorável ao autor) não poderá ser superior a 1.000 salários-mínimos.

Valor da causa e honorários de sucumbência: adotando critério que, apesar de não previsto pelo CPC/1973, era largamente adotado pela jurisprudência, o CPC/2015 estabelece, em determinadas hipóteses, que o valor da causa seja parâmetro para a fixação dos honorários de sucumbência devidos pela parte vencida ao patrono do seu adversário. O valor da causa deverá ser considerado, subsidiariamente, quando a sentença não contiver condenação líquida ou proveito econômico mensurável (art. 85, §§ 2º e 4º, III). O valor da causa também é utilizado pelo parágrafo único do art. 338, o qual determina que o autor que reconhecer a ilegitimidade de parte arguida pelo réu e proceder à retificação do polo passivo pagará ao advogado do réu honorários variáveis entre 3{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} e 5{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} do valor da causa, salvo se este for irrisório.