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USUFRUTO DE AÇÕES, DIVIDENDOS E BONIFICAÇÕES

USUFRUTO DE AÇÕES, DIVIDENDOS E BONIFICAÇÕES

Rogério Tadeu Romano

 

SUMÁRIO: I – O direito real de usufruto; II – O quase-usufruto; III – Sociedades anônimas e o gravame de usufruto ; IV – As relações entre os titulares do direito real de usufruto das ações da sociedade anônima; V – O problema da bonificação de ações e o usufruto ; VI – Alienação fiduciária em garantia, fideicomisso e outros ônus; VII – Conceito de dividendos ; VIII – Dividendos intermediários; IX – Pagamento de dividendos e a questão da alienação do controle; X – Juros para remuneração do capital próprio.

 

I – O DIREITO REAL DE USUFRUTO

O usufruto é direito real sobre coisa alheia, pelo qual o usufrutuário pode usar e fruir, sem intermediação do nu-proprietário. O usufrutuário tem o direito de usar e gozar da coisa e dela retirar os frutos para a sua subsistência.

É temporário, nunca perpétuo e poder ser fixado: por prazo determinado ou a termo; pela vida do usufrutuário, ou seja, vitalício; por uma causa, como a de permanecer usufrutuário enquanto estiver em tratamento de saúde; pelo prazo máximo de 30 anos, se constituído em favor de pessoa jurídica, se ela não extinguir antes.

É inalienável, dado que não pode ser transferida a outra pessoa por ato inter vivos ou causa mortes. O usufrutuário não pode alienar o usufruto, constituindo outra pessoa usufrutuária em seu lugar, mas pode ceder o seu exercício a título gratuito ou oneroso. Compreende o exercício: o direito de usar e fruir, podendo, assim, dar em comodato ou alugar o bem. Decorre da inalienabilidade a impenhorabilidade, já que, em função da penhora, haveria a alienação forçada pelo juízo, transferindo o usufruto a terceiro, o que é proibido. Porém, admite-se a penhora sobre os frutos proporcionados pelo usufruto.

É, em regra, gratuito, pois normalmente não se exige qualquer contraprestação. Porém, é possível ser oneroso, onde ocorre que o nu-proprietário cede o bem em usufruto mediante uma remuneração.

Tem por princípio função alimentar, pois, por intermédio dele, procura-se prover o usufrutuário de recursos para a sua sobrevivência.

Pode ser bens móveis, imóveis, coisas corpóreas ou incorpóreas, um patrimônio, ou parte de um patrimônio, abrangendo, no todo ou em parte, os frutos e as utilidades.

 

II – O QUASE-USUFRUTO

Quanto ao objeto, o usufruto poderá ser próprio; quando recai sobre coisa inconsumível e infungível; e impróprio (ou quase-usufruto ); quando recai sobre coisa consumível ou fungível. Nesse caso, conforme dispõe o art. 1.392 do CC, o usufrutuário deverá restituir ao nu-proprietário o valor da coisa ou outra coisa com equivalente quantidade, gênero e qualidade.

O art. 1.392, § 2º, do Código Civil de 2002, que trata de tal modalidade de usufruto, consagra a regra contida de que as partes devem prefixar a extensão do gozo de sua forma de exploração. De qualquer modo, é na utilização razoá-vel da coisa que deve ser exercido o usufruto.

Quanto aos demais usufrutos impróprios, não sendo possível a restituição da coisa, devem o usufrutuário devolver o valor pelo preço corrente ao tempo da restituição ou pelo preço da avaliação da constituição do direito real de usufruto.

Por convenção ou contrato pode-se constituir o usufruto, derivando assim de contrato específico ou de reserva feita pelo doador no ato da liberalidade, e não se exclui o casamento. Enquanto não registrado o contrato em cartório imobiliário, não há direito real (art. 1.391 do NCC e art. 715 do CC).

Lembra Fábio Konder Comparato (Ensaios e pareceres de direito empresarial, 1978, p. 80) que deve o intérprete ter sempre em mente que o usufruto é uma figura excepcional, e, em certo momento, anômala.

Ela violenta a natureza própria do usufruto, como salientou Clóvis Beviláqua (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, observação ao art. 726), porque este se deve limitar ao aproveitamento das utilidades da coisa, e no quase-usufruto o usufrutuário adquire a propriedade do bem. Não compete, pois, ao intérprete ampliar o alcance da declaração negocial, mas, ao contrário, reduzi-la às suas exatas e normais proporções, sem suprimentos exegéticos.

Tem o quase-usufruto uma função estrutural análoga à do fideicomisso. Trata-se de um negócio de substituição da propriedade da coisa, e, não, como o verdadeiro usufruto , de uma concorrência de direitos reais sobre ela. A estipulação do quase-usufruto é título aquisitivo de propriedade. O negócio envolve três partes e não apenas duas, como no usufruto verdadeiro: o instituidor, o usufrutuário-proprietário e o destinatário final do bem.

Assim, pois, não existe proibição que venha incidir em bens consumíveis, a respeito dos quais nos referimos como usufruto impróprio ou quase-usufruto .

 

III – SOCIEDADES ANÔNIMAS E O GRAVAME DE USUFRUTO

A sociedade anônima se caracteriza pela limitação da responsabilidade do sócio ou acionista pelas ações subscritas. A companhia ou sociedade anônima, reza o art. 1º da Lei nº 6.404, terá o capital dividido em ações e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas.

O art. 1º define como características da companhia a divisão do capital em ações e a limitação da responsabilidade dos sócios ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. O preço, que fixa o limite de responsabilidade do acionista, é aquele pelo qual a ação é subscrita na constituição da sociedade, ou quando esta promove um aumento de capital por subscrição de novas ações. Não se confunde com o preço de revenda das ações no mercado secundário (bolsa de valores ou fora dela).

As três características da sociedade anônima traçam o perfil da sociedade de capitais, contrapondo-se aos das sociedades de pessoas. Porque a responsabilidade de cada sócio se limita ao dever de realizar o capital que subscreveu, podem mitos associar-se sem que entre eles haja affectio societatis: nem as obrigações que a sociedade contrair, nem deveres de realizar capital, assumidos por outros, poderão afetar os sócios. Porque o capital é dividido em ações, pode a subscrição realizar-se prescindindo da participação de cada sócio em deliberações coletivas: a assinatura de boletins de subscrição acionária formaliza a obrigação de realizar capital; maiorias acionárias relativas assumem o encargo e exercem o poder de deliberar.

Nesse vértice, sabe-se que as ações acima citadas, aquelas que compõem o capital social da sociedade anônima ou companhia, são divididas em três tipos, quais sejam: 1) ações ordinárias, 2) ações preferenciais e 3) ações de fruição.

Discute-se o direito de voto das ações das sociedades anônimas em caso de gravame de usufruto.

A esse respeito, ensinaram Silvio de Salvo Venosa e Cláudia Rodrigues (Direito civil: direito empresarial. São Paulo: Atlas, 2012. p. 164/165) acerca da classificação das referidas ações, senão vejamos: “As ações são as frações em que se divide o capital social da companhia, gerando um complexo de direitos e obrigações aos acionistas, decorrentes do estatuto social. As ações , portanto, são títulos negociáveis representativos de unidade do capital social e dos direitos e obrigações dos acionistas. As ações classificam-se de acordo com três critérios: espécie, forma e classe. Três são as espécies de ações : ordinárias, preferenciais e de fruição. Essa classificação é feita levando-se em consideração os direitos e vantagens titularizados pelos acionistas.

[…]

Ações ordinárias são aquelas que conferem ao titular os direitos comuns de sócios, sem nenhuma vantagem ou restrição. As ações ordinárias da companhia fechada e as ações preferenciais da companhia aberta ou fechada podem ser de uma ou mais categorias. As ações ordinárias da companhia fechada poderão ser de classes diversas, em função da sua conversibilidade em ações preferenciais; pela exigência de nacionalidade brasileira do acionista ou pelo direito de voto em separado para o preenchimento de determinados cargos de órgãos administrativos.

[…]

As ações preferenciais, por sua vez, são as que conferem aos seus titulares direitos e vantagens, tais como prioridade na distribuição de dividendos , fixo ou mínimo; prioridade no reembolso do capital (art. 17, II e III, da LSA). O direito de voto pode ou não ser inerente a essa categoria de ação. As ações preferenciais sem direito a voto ou com restrição ao seu exercício somente serão admitidas à negociação no mercado mobiliário se a elas for atribuída pelo menos uma das vantagens elencadas nos incisos do § 1º do art. 17 da LSA. Todas as vantagens ou privilégios decorrentes das ações preferenciais devem vir expressamente previstos no estatuto social (art. 19 da LSA).

[…]

As ações de fruição são as resultantes da amortização das ações ordinárias ou preferenciais. A amortização, segundo Alfredo de Assis Gonçalves Neto (2005, p. 82), “consiste na distribuição aos acionistas, a título de antecipação e sem redução do capital social, de quantias que lhes poderiam tocar em caso de dissolução e consequente liquidação da companhia“.

Necessário salientar a classificação destas ações quanto à forma de transferência ou circulação. Há as nominativas e as escriturais. As ações nominativas, segundo Venosa (obra citada, 2012, p. 167), são aquelas “cuja propriedade é conferida ao titular mediante inscrição do nome do acionista no livro de ‘Registro de Ações Nominativas’ ou pelo extrato que seja fornecido pela custo diante, na qualidade de proprietária fiduciante das ações “.

Por outro lado, as ações escriturais são aquelas mantidas em depósito, em nome de seus titulares, na instituição que designarem, portanto, sem a emissão de quaisquer certificados. A companhia pode ter todas as suas ações sob a forma escritural, dispensando, assim, as anotações em livros de registro.

As ações escriturais foram introduzidas no nosso ordenamento jurídico para facilitar a sua posse e transferência sem certificado. Ficam assim facilidades a introdução e a operação de sistemas computadorizados de registro de propriedade e de transferência de ações.

Existem dois tipos de ação:

Ordinárias Nominativas (ON) – Ação que proporciona participação nos resultados econômicos de uma empresa. Confere a seu titular o direito de voto em assembleia. Não dão direito preferenciais a dividendos.

Preferenciais Nominativas (PN) – Ação que oferece a seu detentor prioridades no recebimento de dividendos e/ou, no caso de dissolução da empresa, no reembolso de capital. Em geral, não concede direito a voto em assembleia. As ações também podem ser diferenciadas por classes: A, B, C ou alguma outra letra que apareça após o “ON” ou o “PN“. As características de cada classe são estabelecidas pela empresa emissora da ação, em seu estatuto social. Essas diferenças variam de empresa para empresa, portanto não é possível fazer uma definição geral das classes de ações.

Uma ação endossável é uma ação nominativa que pode ser transferida mediante simples endosso no verso. De acordo com o tipo de registro podem ser classificadas como:

Nominativas: cautela ou certificado que apresenta o nome do acionista, cuja transferência é feita com a entrega da cautela e a averbação do termo, em livro próprio da sociedade emitente e identificada pelo acionista.

Escriturais: não são representadas por cautela ou certificado. Funciona como uma conta corrente, na qual os valores são lançados a débito ou a crédito dos acionistas. Não há movimentação física de documentos. Por exemplo, as ações negociadas no Brasil na Bovespa e no mercado de balcão organizado são deste tipo.

Ao portador: sem identificação de propriedade. São de quem apresentar as ações . Desde 1990 o Brasil não possui mais ações dessa forma, como forma de coibir o uso desses papéis na lavagem de dinheiro.

Não se pode confundir fungibilidade jurídica com fungibilidade econômica. Aquela se assenta na falta de individualização da coisa, enquanto esta decorre tão só de uma equivalência de valor ou de funções.

Toda ação de companhia, ainda que ao portador, é necessariamente individuada pelo seu número de ordem, diverso e inconfundível com a numeração do certificado respectivo (Lei nº 6.404, art. 24, V). A ação em sentido material, a parte-alíquota do capital social, não se confunde com a ação em sentido formal, que é o certificado acionário.

Não será a simples cláusula ao portador que elimina a individualização dos títulos. Alias, esses títulos podem ser objeto de vindicação da posse.

A ação ao portador é, pois, juridicamente infungível. Mas nada impede que as partes convencionem a sua fungibilidade para efeitos econômicos, da mesma forma que as coisas fungíveis, a começar pelo seu protótipo, que é a moeda, podem ser individualizadas e, portanto, sujeitas à reivindicação entre outros efeitos (D.12, I, 11, 12). Aliás, a Lei nº 6.404/1976 instituiu um serviço de custódia de ações fungíveis, permitindo que a instituição custodiante, embora proibida de alienar os títulos recebidos, devolva-os ao depositante em igual quantidade, independentemente do número de ordem das ações ou dos certificados recebidos em depósito.

 

IV – AS RELAÇÕES ENTRE OS TITULARES DO DIREITO REAL DE USUFRUTO DAS AÇÕES DA SOCIEDADE ANÔNIMA

Vejamos o caso do usufruto de ações .

A Lei nº 6.404/1976, em diversas passagens, refere-se à disciplina do usufruto e ainda à constituição de direitos reais sobre às ações .

Assim, se as ações forem nominativas, será o usufruto averbado no livro de “Registro de Ações Nominativas“; se escriturais, nos livros da instituição financeira, que os anotará no extrato da conta de depósito fornecido ao acionista.

A teor do art. 114 da Lei das Sociedades Anônimas, o voto correspondente às ações gravadas com usufruto, se não for regulado no ato de constituição do gravame, somente poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o proprietário e o usufrutuário.

A respeito das relações entre o usufrutuário das ações e o nu-proprietário, trago jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e do Superior Tribunal de Justiça: “Ação ordinária de nulidade de alterações contratuais. Ilegitimidade passiva da empresa afastada. Modificações produzidas por sócios que representam menos de 80{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (oitenta por cento) do capital social. Administração provisória configurada. Invalidade das alterações. […] Trata-se de direito real de usufruto . No usufruto resultante das relações de família como o que tem o pai sobre os bens de seus filhos menores, compete ao pai, ou, em sua falta, à mãe, como represente legal destes, o exercício do direito de voto. O dispositivo obedece ao mesmo critério da regra do art. 79, que regula o exercício do direito de voto no caso de comunhão ou de condomínio. Pressupõe, aliás, que o título de constituição do usufruto silenciou a respeito. O prévio acordo entre o proprietário e usufrutuário há de ser reduzido a escrito, devendo o original ou sua cópia autentica ficar em poder da sociedade. Os interessados poderão estipular o que entender sobre a maneira pela qual o direito de voto será exercido por um deles. Assim, poderão discriminar as matérias sobre as quais votará o proprietário ou o usufrutuário” (TJMG, AC 2.0000.00.406316-5/000, Relª Teresa Cristina da Cunha Peixoto, J. 05.05.2004, DJe 22.05.2004 – grifos nossos).

Há de se destacar, ainda, entendimento assentado pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, nos casos da divergência aqui apontada, há de se levar em conta o direito do nu-proprietário, sendo este quem deverá exercer, sobremaneira, o direito de voto.

Observe-se, nessa linha de entendimento, o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão da relatoria da Ministra Nancy Andrighi:

Civil e comercial. Recurso especial. Sociedade anônima. Ações . Usufruto vi-dual. Extensão. Direito de voto.

Os embargos declaratórios têm como objetivo sanar eventual obscuridade, contradição ou omissão existente na decisão recorrida. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão, como ocorrido na espécie.

O instituto do usufruto vidual tem como finalidade precípua a proteção ao cônjuge supérstite.

Não obstante suas finalidades específicas e sua origem legal (direito de família), em contraposição ao usufruto convencional, o usufruto vidual é direito real e deve observar a disciplina geral do instituto, tratada nos arts. 713 e seguintes do CC/1916, bem como as demais disposições legais que a ele fazem referência.

O nu-proprietário permanece acionista, inobstante o usufruto, e sofre os efeitos das decisões tomadas nas assembleias em que o direto de voto é exercido.

Ao usufrutuário também compete a administração das ações e a fiscalização das atividades da empresa, mas essas atividades podem ser exercidas sem que obrigatoriamente exista o direito de voto, até porque o direito de voto sequer está inserido no rol de direitos essenciais do acionista, tratados no art. 109 da Lei nº 6.404/1976.

O art. 114 da Lei nº 6.404/1976 não faz nenhuma distinção entre o usufruto de origem legal e aquele de origem convencional quando exige o consenso entre as partes (nu-proprietário e usufrutuário) para o exercício do direito de voto.Recurso especial desprovido.

O art. 114 da Lei nº 6.404/1976, ao tratar do direito de voto nas ações gravadas com usufruto, menciona que, para que ele possa ser exercido, deverá (i) ter sido regulado no ato da constituição do gravame ou (ii) haver prévio acordo entre o titular das ações e o usufrutuário. Isso porque, como regra geral, o direito de voto pertence ao titular das ações (art. 112 da Lei nº 6.404/1976) e, em razão da existência do usufruto, poderá haver conflito de interesses entre este, na qualidade de nu-proprietário, e o usufrutuário, optando o legislador pátrio, então, em exigir o prévio consenso para permitir o exercício do direito de voto. Acrescente-se a isso o fato de que o nu-proprietário permanece acionista, inobstante o usufruto, e sofre os efeitos das decisões tomadas nas assembleias em que o direto de voto é exercido. Conforme muito bem observado no acórdão recorrido, “o direito de voto, não significa o mero poder de administração da ação com o escopo de proteger seu rendimento. Implementa, na verdade, uma ingerência nos rumos da empresa por quem não é sócio […] De fato, basta uma leitura do art. 122 da Lei das Sociedades Anônimas para se ter uma ideia da importância das decisões que são tomadas pela Assembleia Geral, em que é exercido o direito de voto, e do reflexo que elas têm no futuro da empresa. Aliás, nesse sentido, é importante consignar que o direito de voto sequer é atribuído a todos os acionistas, admitindo-se sua restrição ou mesmo supressão. Com efeito, ele não se insere no rol de direitos essenciais do acionista, tratados no art. 109 da Lei nº 6.404/1976” (STJ, REsp 1.169.202, Relª Min. Nancy Andrighi, J. 20.09.2011, DJe 27.09.2011).

Há, por fim, entendimento minoritário no sentido de que, não havendo consentimento entre as partes, nenhuma das duas poderá exercer o direito de voto, fato que implicaria, querendo ou não, prejudicar o bom andamento da companhia.

Adoto as conclusões de Leonardo Peixer na matéria (“O exercício do direito de voto do usufrutuário de ações da sociedade anônima”, in Jus Navigandi), que abaixo transcrevo:

“Ante todo o acima exposto, conclui-se, então, que existem quatro saídas para o caso, são elas: 1) quem exerce o direito de voto é o usufrutuário, haja vista que esse dispõe do direito de “usar” e “fruir” da coisa e isso contempla a obtenção de valores em razão dos dividendos e as escolhas para o futuro da sociedade em razão de que este futuro deverá intervir no ganho de novos lucros; 2) ambas as partes exercem o direito de voto, discriminando, por meio de instrumento apartado e devidamente registrado, quais as matérias específicas que cada um faria jus ao voto; 3) quem exerce o direito de voto é o nu-proprietário em razão de que, mesmo tendo onerado as ações com usufruto, este permanece sendo o legítimo proprietário e maior interessado na boa conservação daquelas ações para que eventualmente no futuro estas retornem ao seu patrimônio; ou 4) nenhuma das partes exerce o direito de voto e a sociedade anônima arca com as consequências dessa inércia, podendo vir, inclusive a prejudicar demais sócios”.

 Necessário explanar ponto por ponto. No caso do item “1” acima descrito, ou seja, quando se defende a tese de que quem exercerá o direito de voto é o usufrutuário, tendo em vista a expressa disposição do instituto do usufruto no Código Civil ao citar as expressões “usar” e “fruir“, salienta-se que fica prejudicado o direito do nu-proprietário que, ao final das contas, é o maior dos interessados na manutenção e no bom andamento da sociedade, haja vista a valorização das ações que detém e que, mesmo com o gravem do usufruto, continuarão sendo de sua propriedade. Defende-se, aqui, o poder de tomada de decisões pelo usufrutuário em detrimento da opinião do nu-proprietário.

Já no que diz respeito ao item “2″ alhures, ou seja, o qual defende a tese de que ambas as partes poderão discriminar os assuntos que especificamente fariam parte de um rol de direitos de votos do usufrutuário ou do nu-proprietário, é frágil no sentido de que não se poderia dispor sobre todas as tomadas de decisões inerentes ao bom andamento da sociedade em futuro não próximo, ou seja, não há como, no ato de constituição destas especificações, saber e delinear quem exercerá o direito de voto na tomada de decisões que venham a afetar o futuro da companhia daqui 10 ou 20 anos. Nesse caso, naquela oportunidade, haveria uma nova dissidência e retornaríamos à dúvida inicial.

Por outro lado, há quem defenda o disposto no item “3” supracitado, ou seja, a tese de que o nu-proprietário exercerá esse direito em razão de ser o maior interessado no bom prosseguimento das atividades da companhia. O ponto fraco desta tese repousa justamente no contrário ao disposto no item “1“, ou seja, como se pode furtar do usufrutuário, aquele que tem plenos poderes de “usar” e “fruir” da coisa o direito de exercer o direito de voto e definir quais as melhores decisões a serem tomadas para que, num futuro próximo, possa “usar” e “fruir” ainda mais dos dividendos e lucros percebidos pela sociedade.

Há também, aqui, o legítimo interesse do usufrutuário na manutenção do bom andamento da sociedade. Deferindo ao nu-proprietário o direito de voto, vejo que ferimos os direitos concedidos ao usufrutuário, que se tornaria o maior prejudicado no caso em que, no final das contas, deveria ser o maior beneficiário.

O mais frágil dos pontos, qual seja o item “4” é o considerado mais inócuo. Ora, impossibilitar a tomada de decisões em detrimento de vaidades ou conflito de interesses de alguns dos sócios – estes que por vezes podem ser até sócios majoritários de ações, o que impede, sobremaneira, a tomada de quaisquer decisões -, é inviabilizar o futuro da sociedade anônima, prejudicando terceiros que nada tem a ver com a divergência de opiniões existente entre nu-proprietário e usufrutuário. Aquele outro sócio, ao adquirir quotas daquela companhia, valeu-se de sua boa-fé e contratou a possibilidade de usufruir de lucros e dividendos , podendo inclusive opinar e definir os rumos da sociedade. Ao furtar a companhia de caminhar à frente em razão da divergência entre eventuais acionistas majoritários seria ferir expressamente o direito de terceiros.

Diante de todo o acima exposto, conclui-se que a melhor saída seria analisar cada caso concreto, diante dos acontecimentos entre as partes e das necessidades de cada companhia. Caso não haja expressado necessidade de tomada urgente de decisões, a questão pode ser posta ao Judiciário visando, inclusive, a uma composição ou a uma tomada de decisão por parte do Magistrado que, no alto de seu conhecimento e de sua imparcialidade, definirá quais os melhores rumos para aquele caso. “Se houverem decisões urgentes a serem tomadas, há a necessidade de aventurar-se pelas lacunas da legislação e, de alguma maneira, impedir que aquela inércia possa vir a prejudicar direito de terceiros, conforme citado acima.

 

V – O PROBLEMA DA BONIFICAÇÃO DE AÇÕES E O USUFRUTO

Veja-se o caso da bonificação de ações.

No caso da bonificação, o capital social é aumentado pela capitalização de reservas. Assim, novas ações são emitidas para os atuais acionistas. Como não ocorre incremento do patrimônio líquido, apenas movimentação de contas em seu interior, o valor da empresa não se altera. Não há entrada de novos recursos. Com o aumento da base acionária derivado da bonificação, o preço da ação em bolsa tende a recuar para que o valor de mercado da companhia não se altere.

Há a questão decorrente da bonificação das ações em virtude da conversão de lucros retidos ou reservas facultativas à conta de capital. Rubens Requião sustentava, em simpósio realizado em 1970, segundo a antiga lei, que, constituído o usufruto sobre as ações, sem cláusula especial sobre o destino dos frutos e utilidades, surgiam intrincados problemas de interesses entre o usufrutuário e o nu-proprietário, quando as novas ações que fossem distribuídas como bonificação resultante de aumento de capital pela incorporação de dividendos antes não distribuídos. Por sua vez, Valverde (Sociedades por ações , nº 587) sustentava que tais bonificações eram acréscimos que pertenciam ao proprietário, mas sobre os quais, salvo disposição em contrário, se estende o usufruto . No Tribunal de Justiça de São Paulo, 6ª Câmara, julgou-se agravo de petição, à época, em que se disse: “No caso de aumento de capital pela reavaliação dos bens do ativo e independente da subscrição, as novas ações não constituem capital, porém, renda, que passa em plena propriedade ao patrimônio do usufrutuário das primitivas” (Revista dos Tribunais, 176/722).

A Lei nº 6.404/1976, como explicou Rubens Requião (Curso de Direito Comercial. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2. v., p. 124), tomou posição definida, determinando que às ações distribuídas, resultantes de capitalização de lucros e reservas, se estenderão o usufruto , o fideicomisso, a inalienabilidade e a incomunicabilidade que, porventura, as gravarem, salvo cláusula em contrário dos instrumentos que as tenham constituído, como se lê do art. 169, § 2º, da lei.

Sabe-se que, além disso, o art. 171, § 5º, da Lei nº 6.404/1976 estabelece que, no usufruto e no fideicomisso, o direito de preferência, quando não exercido pelo acionista até dez dias antes do vencimento do prazo, poderá sê-lo pelo usufrutuário ou fideicomissário.

Sobre isso, Miranda Valverde (obra citada, v. I, nº 67, p. 206) explicou: “No usufruto sobre as ações ao portador, que entram na categoria de coisas fungíveis, que se consome pelo uso, o usufrutuário adquire a propriedade delas, ficando obrigado, findo o usufruto, a restituir o equivalente em gênero, qualidade ou quantidade, ou não sendo possível, o seu valor pelo preço corrente ao tempo da restituição, ou pelo que estiver fixado no titulo constitutivo. O usufruto dessa natureza recebe a denominação de quase-usufruto”.

 

VI – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA, FIDEICOMISSO E OUTROS ÔNUS

Fideicomisso é estipulação testamentária em que o testador constitui uma pessoa como legatário ou herdeiro, mas impõe que, uma vez verificada certa condição, deverá transmitir a outra pessoa, por ele indicada, o legado ou a herança; substituição, fideicomissária.

A alienação fiduciária de coisas móveis entrou no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei nº 4.728/1965, como a primeira modalidade deste instituto, tendo como função a garantia do cumprimento das obrigações, por meio da transferência resolúvel da propriedade de um bem do devedor para o credor.

Posteriormente, o Decreto-Lei nº 911/1969 trouxe mecanismos processuais que permitiram a rápida obtenção do bem pelo credor, no caso da inadimplência do devedor, por meio da utilização da ação de busca e apreensão.

Hoje, além da legislação especial (Lei nº 4.728/1965 e Decreto-Lei nº 911/1969), a alienação fiduciária também é regulada pelos arts. 1.361 até 1.368 do Código Civil. Depois do ano de 2004, com a inclusão do art. 1.368-A no Código Civil pela Lei nº 10.931/2004, o instituto da alienação fiduciária contempla tanto bens fungíveis quanto bens infungíveis.

A Lei nº 10.931/2004 incluiu o art. 66-B na Lei nº 4.728/1965, e consequentemente revogou os arts. 66 e 66-A desta mesma legislação. Nessa oportunidade, também ficou prevista na Lei nº 4.728/1965 a possibilidade de utilização da alienação fiduciária para coisas móveis fungíveis e infungíveis.

A partir da formalização da alienação fiduciária, independente da tradição da coisa móvel, há a transferência de propriedade do bem para o credor, como garantia real ao pagamento prometido pelo devedor: o contrato de alienação fiduciária é instrumento para constituição da propriedade fiduciária, modalidade de garantia real. A eficácia real decorrente do contrato torna-se palpável, porque a propriedade é transferida sem a entrega da coisa.

Diversa é a cessão fiduciária. O devedor-cedente transfere ao credor-cessionário a titularidade de recebíveis imobiliários, até a liquidação da dívida. Desta forma, o credor-cessionário passa a receber os créditos cedidos diretamente dos devedores e, após deduzidas as despesas de cobrança e administração, credita o produto da operação para o devedor-cedente na operação que originou a cessão fiduciária, até a sua liquidação.

A alienação fiduciária, que tem raízes nos negócios fiduciários, cuja formulação moderna deve-se a Regelsberger, em 1890, é tão somente o contrato que serve de título à constituição da propriedade fiduciária, que é a garantia real.

Diz-se que o instrumento de alienação fiduciária transfere o domínio da coisa alienada. Porém, não se trata de constitutum possessorium ex lege, pois este só vem por vontade das partes e não se presume – esta a lição do mestre Clóvis Bevilácqua (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, v. III, 1930, p. 21).

Como direito real tal propriedade fiduciária só vale para terceiros desde a inscrição. Em verdade, este direito se constituiria pelo registro, tal qual a hipoteca.

Enquanto não vence o débito, o proprietário fiduciário não desfruta de todas as faculdades jurídicas que se contêm na propriedade plena, porque seria da natureza da propriedade fiduciária o desdobramento da posse, ficando o devedor como possuidor direto, podendo usar, desfrutar do bem. Se paga a dívida, o alienante (devedor) volta a ser titular, não da propriedade restrita que cabia ao adquirente (credor), mas do domínio pleno. Se vencida a dívida, e não paga, o credor entra na posse plena e tem o ônus de vender o bem. À luz da doutrina alemã, com Pagenstecher, Lehrbuch der Pandekten, costuma-se chamar este fenômeno jurídico de elasticidade da propriedade. Até o pagamento do débito, possui o alienante (devedor), ainda chamado de fiduciante, um direito expectativo à recuperação da propriedade passada ao credor (fiduciário) com a alienação fiduciária.

Proíbe-se o pacto comissório. O pacto comissório é a possibilidade de o credor ficar com o bem dado em garantia, quando ocorre a inadimplência do devedor em relação à obrigação principal do contrato. O Código Civil de 2002, repetindo a regra disposta no Código Civil de 1916, proíbe a existência do pacto comissório nos contratos que envolvam garantia real, tal como o de alienação fiduciária de coisas móveis. Essa proibição alcança o sub-rogado de modo que o coobrigado pagante da dívida está obrigado à venda de excussão sub-rogada e à prestação de contas ao devedor avalizado ou afiançado.

Após a sentença que julga procedente o pedido, na ação de busca e apreensão, o autor da demanda judicial (o credor) deve vender a coisa para satisfazer o seu crédito no contrato principal.

Ensinaram Paulo Restiffe Neto e Paulo Sérgio Restiffe (Garantia fiduciária, 2000, p. 507) que: “Por via de sentença que julga procedente a ação de busca e apreensão reúnem-se na pessoa do credor os direitos deste (posse indireta e domínio provisório) e os do alienante (posse direta). Nesta fase, subsiste ainda o resíduo da natureza fiduciária da propriedade. A consolidação destina-se exclusivamente a propiciar ao credor condições de fato e de titularidade de direito para proceder à disposição da coisa através da venda de caráter satisfativo, em segurança do terceiro adquirente, que é alheio à relação fiduciária interna existente entre credor e devedor”.

Registramos que o mesmo sistema adotado para o usufruto das ações é extensível à constituição de alienação fiduciária em garantia, ou a qualquer clausula ou ônus, que as gravarem – inclusive às clausulas de inalienabilidade e incomunicabilidade.

O credor garantido por alienação fiduciária em garantia de ações não poderá exercer o direito de voto; o devedor somente poderá exercê-lo nos termos do contrato (art. 113, parágrafo único). Se o contrato nada dispuser, não se usará esse direito, a não ser mediante o prévio acordo entre as partes.

A promessa de compra e venda de ações e o direito de preferência a suas aquisições são oponíveis a terceiro mediante a averbação no livro de ações correspondente.

 

VII – CONCEITO DE DIVIDENDOS

Um dividendo é uma distribuição de uma parcela dos lucros de uma empresa a um grupo de acionistas. Dividendos podem ser distribuídos na forma de dinheiro, de ações e, mais raramente, de propriedade. A maioria das empresas estáveis oferece dividendos aos acionistas.

Os dividendos são normalmente pagos com o lucro atual ou acumulado da empresa.

Volto-me aos ensinamentos de Rubens Requião (Curso de direito comercial, 2010, 2. v., p. 286), para quem o dividendo é a parcela do lucro que corresponde a cada ação. Verificado o lucro líquido da companhia, pelo balanço contábil, durante o exercício social fixado no estatuto, a administração da sociedade anônima deve propor à assembleia geral o destino que lhe deva dar. Ainda na lição de Rubens Requião, se for esse lucro distribuído aos acionistas, tendo em vista as ações, surge o dividendo. Até então, como se observa, o acionista teve apenas a expectativa de crédito dividendual. Resolvida a sua distribuição, surge o dividendo integrado pelo pagamento, no patrimônio do acionista.

O dividendo pode ser fixo ou variável, e isso será determinado pelo estatuto; sendo em percentagem, pode ser calculado sobre o lucro verificado ou sobre o capital, quando é geralmente é calculado.

O art. 201 da Lei das Sociedades Anônimas determina que somente pode a companhia pagar dividendo à conta de lucro líquido do exercício, de lucros acumulados ou de reservas de lucros. Jamais em prejuízo de capital social, pois a integridade deste é norma absoluta.

Admite a lei, de forma excepcional, no caso de ações preferenciais que sejam os dividendos , quando cumulativos, pagos no exercício em que o lucro for insuficiente, à conta de reserva de capital, consoante o art. 182, § 1º.

Fala-se num índice de cobertura de dividendos.

É a relação entre os lucros de uma empresa e os dividendos a pagar aos acionistas. Essa relação ajuda os investidores a medir se os lucros da empresa são suficientes para cumprir a sua obrigação de pagar dividendos. O índice é calculado dividindo-se o lucro por ação pelo dividendo por ação.

Fala-se num plano de reinvesti mento de dividendos.

É um plano oferecido por algumas empresas que permite reinvestir, automaticamente, os dividendos com a compra de ações adicionais na data do pagamento dos dividendos.

Se essas regras não forem observadas, os administradores deverão ser responsabilizados criminalmente e inclusive civilmente. Daí crimes que podem ser cometidos.

Deve ser realçado que se está diante de crimes próprios, nos quais a lei designa quais as pessoas podem praticá-lo: diretor, gerente, fiscal e liquidante. Diretor é normalmente um dos maiores acionistas, eleito pelo conselho de administração ou, em sua inexistência, pela assembleia geral, não se incluindo o membro do conselho de administração. Cabe ao conselho, órgão de deliberação e execução intermediário entre a assembleia geral e a diretoria, não apenas estabelecer a política econômica e financeira a ser seguida pela sociedade, mas, ainda, nos termos do estatuto, deliberar sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição, autorizar a alienação de bens do ativo, constituição de ônus reais e a prestação de garantia e obrigações de terceiros, manifestar-se, previamente, sobre atos ou contratos, relatórios da administração, e contas da diretoria (art. 142 da Lei nº 6404).

Os conselheiros praticam atos de verdadeira administração e, como tais, deveriam estar incluídos no dispositivo que deve ser corrigido, como bem disse Mirabete (Manual de direito penal, 25. ed., v. II, p. 331).

Gerente é o administrador que se apresenta, muitas vezes, como pequeno acionista, espécie de gestor de negócios da sociedade com alguns poderes de decisão. Fiscal é aquele que faz parte do conselho formado com a participação de três a cinco pessoas e que tem as atribuições indelegáveis conferidas no estatuto, fiscalizando os atos da Administração, denunciando os órgãos da Administração e a assembleia geral por seus erros, fraudes, crimes, que vier a descobrir na análise de balancetes, balanços (principal demonstração financeira da sociedade, constituindo o resultado da verificação do ativo e do passivo) e demonstrações financeiras (art. 163 da Lei nº 6.404).

Liquidante é a pessoa nomeada pela companhia para determinar o modo de dissolução da companhia e dirigir sua execução, competindo-lhe arquivar e publicar a ata da assembleia e balanço, ultimar negócios da companhia etc. (art. 210 da Lei nº 6.404). O liquidante atua como diretor e gerente, podendo praticar os delitos previstos no parágrafo referenciado (incisos I, II, III, IV, V e VII) diante do disposto no inciso VII. Fala-se em liquidante quando a sociedade por ações liquidar-se judicialmente ou extrajudicialmente. A sociedade poderá se dissolver, de pleno direito, por término do prazo de duração, nos casos previstos no estatuto; por deliberação da assembleia geral, pela existência de um único acionista, se o mínimo de dois não for reconstituído até a assembleia geral ordinária do ano seguinte; pela extinção, na forma da lei, da autorização para funcionar. Por decisão judicial, pode ser decretada a liquidação quando for anulada a sua constituição em ação proposta por qualquer acionista; quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que representem 5{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} do capital social; em caso de falência. Dissolve-se ainda a companhia por decisão de autoridade administrativa, nos casos e na forma prevista por lei especial (art. 206, I, da Lei nº 6.404). Assim será sempre, nesses casos, nomeado um liquidante, na forma do art. 210 da Lei nº 6.404, que também prevê os seus poderes (art. 211). O art. 217 da Lei nº 6.404 determina que as responsabilidades do liquidante obedeçam às regras que definem as responsabilidades dos administradores (art. 217). Entende-se que a lei penal estende aos liquidantes as sanções previstas para os diretores, gerentes e fiscais pelas práticas de atos fraudulentos, com exceção do crime previsto no inciso VI.

É o caso dos crimes: fraude sobre as condições econômicas da sociedade por ações : comete o crime o diretor, o gerente, ou o fiscal de sociedades por ações , que, em prospecto, relatório (incluindo-se demonstrações financeiras), parecer, balanço ou comunicação ao público ou à assembleia, faz afirmação falsa sobre as condições econômicas da sociedade, ou oculta fraudulentamente, no todo ou em parte, fato a elas relativo.

É crime praticado após a constituição da sociedade. O elemento subjetivo é o dolo. O crime é formal. O tipo objetivo consiste em fazer afirmação falsa (ao público ou assembleia) sobre as condições econômicas da sociedade ou em ocultar fraudulentamente fato a elas relativo. O tipo e misto alternativo e a realização de mais de uma das formas de conduta punível não implica em pluralidade de crimes. Na primeira modalidade, o crime é comissivo e, na segunda, omissivo.

No caso do falseamento do balanço, ensinou Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, v. VII, p. 287), aludindo às fraudes destinadas a falsear o balanço ao exemplificar: criação de um ativo artificial, pelo excessivo valor atribuído aos bens imobiliários, ou ao estoque; criação de um ativo artificial pelo excessivo valor atribuído aos bens imobiliários ou ao estoque; simulação de estoques inexistentes; majoração do algarismo dos títulos em carteira; cômputo no ativo de dívidas incobráveis, litigiosas ou prescritas; inclusão de lucros problemáticos ou ainda não realizados; omissão de perdas previstas como certas; jogo de escrita sobre operações fictícias.

A ocultação fraudulenta, como disse Heleno Cláudio Fragoso (ob. cit., p. 450), é ainda o fato de omitir para enganar a outrem, fato relevante sobre as condições econômicas da sociedade, que o agente tenha o dever de revelar.

Distribuição de lucros e dividendos fictícios: comete o crime o diretor ou gerente que, na falta de balanço, em desacordo com este, ou mediante balanço falso, distribui lucro ou dividendos fictícios (art. 177, § 1º, VI). Bem lembrou Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal: parte especial, 7. ed., p. 456) que à conta de reserva de capital só podem ser pagos dividendos caso o estatuto configure tal direito às ações preferenciais, com prioridade na distribuição de dividendo cumulativo.

Lucro líquido do exercício é o que se apurou em balanço, depois de deduzidas as participações estatutárias. O dispositivo incrimina a distribuição de dividendos que não correspondam a lucros efetivos e que, portanto, vem a constituir a redução e lesão ao patrimônio da sociedade. Leve-se em conta que, em toda sociedade, o lucro é apurado por meio de balanço, que é o levantamento contábil do resultado das operações, feto ao fim de cada exercício.

A distribuição de dividendos nas sociedades anônimas deve ser feita de acordo com o balanço. Ainda Heleno Cláudio Fragoso (Ob. cit., p. 457) ensina que o crime pode ser praticado seja mediante balanço falso, seja em desacordo com o balanço feito, seja na falta deste. O crime fulcra-se no fato de que haja distribuição de dividendos que não correspondam efetivamente aos lucros apurados. Por sua vez, distribuir dividendos significa pagá-los ou creditá-los aos acionistas. Trata-se de crime em que se permite a tentativa. O tipo subjetivo é constituído pelo dolo (o conhecimento de que a distribuição é feita em desacordo com o balanço, na falta deste, mediante balanço fraudulento).

No caso de balanço falso, haverá concurso material com o crime previsto no art. 299 do Código Penal (falsidade ideológica), se a falsidade tiver sido cometida pelo agente, ou com o crime de uso de documento falso (art. 304 do CP). Consuma-se o crime com a distribuição de lucros e dividendos, não havendo necessidade de que o agente obtenha proveito econômico, como explicou Mirabete (ob. cit., p. 336).

Pergunta-se: qual a situação dos acionistas que receberam de forma irregular esses dividendos? De boa-fé, não são obrigados a restituir o que receberam. No entanto, devem devolver esses valores se os dividendos foram recebidos com flagrante irregularidade, sem o prévio levantamento do balanço ou em desacordo com os seus resultados.

O credor legítimo do dividendo o acionista detentor de ações nominativas que, na data do ato de distribuição dos dividendos pela assembleia geral, estiver inscrito como proprietário ou usufrutuário da ação em livro próprio.

Mas, cuide-se, como alertou Fábio Konder Comparato (Ensaios e pareceres de direito empresarial, 1978, p. 84), no Brasil, desde o Decreto-Lei nº 2.627, de 1940, determina-se que, no usufruto de ações , o direito de voto somente poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o proprietário e o usufrutuário (art. 84), seja no título constitutivo de direito real, seja posteriormente, como explicita a lei de sociedades anônimas (art. 114). Se o titular do poder de voto é o usufrutuário, é escusado acentuar que ele não pode agir de forma a alterar a substância da coisa – no caso, as ações que não lhe pertencem – lembrando que o usufrutuário só tem direito à posse, uso, administração e percepção de frutos.

 

VIII – DIVIDENDOS INTERMEDIÁRIOS

A companhia que, por força de lei, como as instituições financeiras, ou por disposição estatutária, levantar balanço semestral poderá distribuir dividendos à conta do lucro neles apurado se isso for deliberado pelos órgãos da administração ou ainda isso for previsto nos estatutos, autorizando os órgãos da administração a declarar dividendos intermediários.

 

IX – PAGAMENTO DE DIVIDENDOS E A QUESTÃO DA ALIENAÇÃO DO CONTROLE

Veja-se a redação da Lei nº 4.357, de 16 de julho de 1964:

Art. 32. As pessoas jurídicas, enquanto estiverem em débito, não garantido, para com a União e suas autarquias de Previdência e Assistência Social, por falta de recolhimento de impôsto, taxa ou contribuição, no prazo legal, não poderão:

a) distribuir […] (Vetado) […] quaisquer bonificações a seus acionistas;

b) dar ou atribuir participação de lucros a seus sócios ou quotistas, bem como a seus diretores e demais membros de órgãos dirigentes, fiscais ou consultivos;

c) (Vetado).

Parágrafo único. A desobediência ao disposto neste artigo importa em multa, reajustável na forma do art. 7º, que será imposta:

a) às pessoas jurídicas que distribuírem ou pagarem […] (Vetado) […] bonificações ou remunerações, em montante igual 50{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} a (cinquenta por cento) das quantias que houverem pago indevidamente;

b) aos diretores e demais membros da administração superior que houverem recebido as importâncias indevidas, em montante igual a 50{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (cinquenta por cento) destas importâncias.

1º A inobservância do disposto neste artigo importa em multa que será imposta: (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)

I – às pessoas jurídicas que distribuírem ou pagarem bonificações ou remunerações, em montante igual a 50{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (cinquenta por cento) das quantias distribuídas ou pagas indevidamente; e (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)

II – aos diretores e demais membros da administração superior que receberem as importâncias indevidas, em montante igual a 50{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (cinquenta por cento) dessas importâncias. (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)

2º A multa referida nos incisos I e II do § 1º deste artigo fica limitada, respectivamente, a 50{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (cinquenta por cento) do valor total do débito não garantido da pessoa jurídica.

O Decreto-Lei nº 368 dispunha:

Art. 1º A empresa em débito salarial com seus empregados não poderá:

I – pagar honorário, gratificação, pro labore ou qualquer outro tipo de retribuição ou retirada a seus diretores, sócios, gerentes ou titulares da firma individual.

Discute-se se tais dispositivos estão revogados pela Lei nº 6.404.

Ora, estamos diante de lei especial que regula inteiramente a sociedade anônima, estabelecendo regra específica, no art. 109, I, a apuração e distribuição dos lucros, na forma de dividendos, que são, inclusive, obrigatórios, art. 202, sustenta o direito do quotista ao lucro (art. 1.054 combinado com o art. 997, VII). O Código Civil não traria restrição, igualmente.

O dividendo deverá ser pago, salvo deliberação em contrário da assembleia geral, no prazo de sessenta dias da data em que for declarado e, em qualquer caso, dentro do exercício social. Ultrapassado o prazo do exercício social, o dividendo deverá ser lançado em conta corrente à disposição do acionista que não o tenha reclamado. Lembre-se de que, a teor do art. 10 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, o dividendo distribuído pela companhia está isento de imposto de renda.

Há os que inclusive entendem que há dividendos obrigatórios.

Na exposição de motivos do anteprojeto revisto, observa-se que foi dada uma solução flexível ao problema no sentido de que se deixa ao estatuto de cada companhia margem para fixar a política de dividendos que melhor se ajuste às suas peculiaridades.

Na omissão, aplica-se norma geral supletiva que prevê a distribuição da metade do lucro líquido. Nas companhias em funcionamento, o estatuto poderá fixar livremente o dividendo, mas, se o fizer em nível inferior a 25{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos lucros, a minoria ficará protegida pelo direito de recesso. Assim, fala-se num direito subjetivo do acionista ao crédito de dividendos.

A chamada bonificação de ações segue um raciocínio semelhante, mas a distribuição para os acionistas se dá em cima do aumento do capital de uma sociedade, mediante a incorporação de reservas e lucros, quando são distribuídas novas ações a seus acionistas, em número proporcional às já possuídas. Em conclusão: o acionista não recebe dinheiro, mas mais ações.

O aumento de liquidez, se ocorrer, é decorrência de um efeito secundário da bonificação: o menor preço da ação pode aumentar o interesse de pequenos investidores. Veja-se o art. 202:

Art. 202. Os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as seguintes normas: (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001) (Vide Medida Provisória nº 608, de 2013) (Vide Lei nº 12.838, de 2013)

I – metade do lucro líquido do exercício diminuído ou acrescido dos seguintes valores: (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)

a) importância destinada à constituição da reserva legal (art. 193); e (Incluída pela Lei nº 10.303, de 2001)

b) importância destinada à formação da reserva para contingências (art. 195) e reversão da mesma reserva formada em exercícios anteriores; (Incluída pela Lei nº 10.303, de 2001)

II – o pagamento do dividendo determinado nos termos do inciso I poderá ser limitado ao montante do lucro líquido do exercício que tiver sido realizado, desde que a diferença seja registrada como reserva de lucros a realizar (art. 197); (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)

III – os lucros registrados na reserva de lucros a realizar, quando realizados e se não tiverem sido absorvidos por prejuízos em exercícios subsequentes, deverão ser acrescidos ao primeiro dividendo declarado após a realização. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)

1º O estatuto poderá estabelecer o dividendo como porcentagem do lucro ou do capital social, ou fixar outros critérios para determiná-lo, desde que sejam regulados com precisão e minúcia e não sujeitem os acionistas minoritários ao arbítrio dos órgãos de administração ou da maioria.

2º Quando o estatuto for omisso e a assembleia-geral deliberar alterá-lo para introduzir norma sobre a matéria, o dividendo obrigatório não poderá ser inferior a 25{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (vinte e cinco por cento) do lucro líquido ajustado nos termos deste artigo.

3º Nas companhias fechadas a assembleia-geral pode, desde que não haja oposição de qualquer acionista presente, deliberar a distribuição de dividendo inferior ao obrigatório nos termos deste artigo, ou a retenção de todo o lucro.

2º Quando o estatuto for omisso e a assembleia-geral deliberar alterá-lo para introduzir norma sobre a matéria, o dividendo obrigatório não poderá ser inferior a 25{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (vinte e cinco por cento) do lucro líquido ajustado nos termos do inciso I deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)

3º A assembleia-geral pode, desde que não haja oposição de qualquer acionista presente, deliberar a distribuição de dividendo inferior ao obrigatório, nos termos deste artigo, ou a retenção de todo o lucro líquido, nas seguintes sociedades: (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)

I – companhias abertas exclusivamente para a captação de recursos por debêntures não conversíveis em ações ; (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

II – companhias fechadas, exceto nas controladas por companhias abertas que não se enquadrem na condição prevista no inciso I. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

4º O dividendo previsto neste artigo não será obrigatório no exercício social em que os órgãos da administração informar à assembleia-geral ordinária ser ele incompatível com a situação financeira da companhia. O conselho fiscal, se em funcionamento, deverá dar parecer sobre essa informação e, na companhia aberta, seus administradores encaminharão à Comissão de Valores Mobiliários, dentro de 5 (cinco) dias da realização da assembleia-geral, exposição justificativa da informação transmitida à assembleia.

5º Os lucros que deixarem de ser distribuídos nos termos do § 4º serão registrados como reserva especial e, se não absorvidos por prejuízos em exercícios subsequentes, deverão ser pagos como dividendo assim que o permitir a situação financeira da companhia.

6º Os lucros não destinados nos termos dos arts. 193 a 197 deverão ser distribuídos como dividendos . (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001

Os lucros que não forem destinados a compor as reservas previstas nos arts. 193 a 197 deverão ser distribuídos como dividendos pela assembleia que poderá deliberar retê-los para investimentos, distribuí-los em parte ou suspender sua distribuição se a situação econômica da campanha assim recomendar.

As ações preferenciais com direito de voto, com voto restrito e as preferenciais que adquiriram direito de voto por falta de distribuição de dividendos em três exercícios consecutivos, enquanto durar tal situação, poderão ser contempladas no que se chama de alienação de controle.

O controle de uma sociedade, isto é, o poder de determinar os seus rumos, é bem intangível comercializável e negociável. Esse tipo de negociação é uma das formas de concentração empresarial, distinguindo-se das demais, sobretudo pela possibilidade de se dispensar uma manifestação formal da assembleia tanto na sociedade adquirente quanto na sociedade cujo controle se adquire.

Todavia, quando tais negociações envolvem especificamente as sociedades anônimas abertas, há um número muito maior de interesses envolvidos, pois a negociação diz respeito também a patrimônios alheios daquelas das partes do negócio, por isso o legislador houve por bem estabelecer algumas limitações em hipóteses que efetivamente digam respeito a outras pessoas.

Pode-se dizer que as operações de substituição do controle acionário são bem recebidas por grande parte dos juristas, ao entendimento de que propiciam formação de riqueza para a companhia, promovendo o desenvolvimento do mercado de capitais.

Para Fábio Ulhoa, o poder de controle pode ser definido como a capacidade de um indivíduo exercer influência determinante sobre as decisões da empresa, isto é, a capacidade de determinar o comportamento comercial e concorrencial de uma empresa (Curso de direito comercial, 2012).

Há autores que, como Claude Champaud enxerga o poder de controle como o poder de dispor de maneira absoluta dos bens afetados à empresa, entendendo o controle como o direito de dispor dos bens de outrem como um proprietário. Outros autores, porém, entre os quais se destacam G. Ferri e Pateris, observam que o controle é um poder que se exerce não sobre bens alheios, mas sobre a atividade empresarial. Por sua vez, Fábio Konder Comparato (O poder de controle da sociedade anônima, 2009) entende, contudo, que essas posições são plenamente conciliáveis, uma vez que o controle sobre a atividade empresarial implica, necessariamente, o controle dos bens empresariais e vice-versa.

Bem explica Luisa de Brito Souto (Transferência do poder de controle societário): “A noção de poder de controle nasce no âmbito do direito societário, com o objetivo de identificar, no contexto das regras próprias à organização da sociedade anônima, o acionista que comanda os negócios sociais, de modo a possibilitar eventual responsabilização por lesões aos interesses dos minoritários, decorrentes de abuso no exercício de seus direitos de sócio”.

Essa preocupação nasce da ideia de que as relações de poder necessariamente implicam situações de dominação, isto é, toda manifestação de poder gera uma subordinação, de modo que em qualquer relação de poder está sempre presente a consciência de uma possível coação e do abuso que seu detentor poderá exercer.

Ainda disse Luisa de Brito Souto (ob. cit.): ”No que concerne ao controle interno, Comparato distingue as seguintes modalidades: controle totalitário, majoritário, minoritário e gerencial. Quanto ao controle totalitário ou majoritário, a visualização e aceitação é fácil e está prevista no art. 116 da Lei das S/A, como visto.”

O controle totalitário é aquele exercido quando um acionista detém a titularidade da totalidade das ações emitidas pela companhia. Nesse caso, o poder de controle é absoluto, não havendo conflitos de interesses entre os diversos órgãos sociais. Já o controle interno majoritário, bastante comum no Direito brasileiro, configura-se pelo princípio da maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral. De acordo com os ensinamentos de Oksenberg, “pressupõe-se que o princípio da maioria, seja ela qualificada ou não, dependendo de cada estatuto social, é aceita pelos acionistas quando da assinatura da ata de constituição da sociedade, na qual o estatuto social é aprovado“.

Quanto ao controle minoritário, basta lembrar que uma minoria atuante pode fazer prevalecer sua vontade nas assembleias gerais e até mesmo eleger e influenciar os administradores. Ilustrativamente, nos casos em que há acordos de acionistas regulando obrigações relativas ao exercício do direito de voto nas assembleias gerais, um acionista minoritário com direito de veto em diversas matérias fundamentais à companhia, a ser efetivado em reuniões prévias à realização das assembleias gerais, exerceria o poder de controle na sociedade sem estar vinculado ao princípio democrático da maioria dos votos assembleares. Ademais, conforme ensinamento de Modesto Carvalhosa, destacando Champaud, o “controle minoritário pressupõe a existência de uma minoria organizada de acionistas, ao lado de uma maioria isolada e desinteressada do exercício de seus direitos políticos“.

Já quanto ao controle gerencial, este guarda relação com o poder exercido pelos administradores quando, devido a uma mais intensa dispersão acionária, não há nem mesmo uma minoria capaz de fazer valer suas decisões. Além disso, como bem explica Oksenberg: “A grande pulverização do capital possibilita aos administradores exercerem o controle societário mediante sistema pelo qual os administradores buscam entre um número suficientes de acionistas que os possibilitem a garantir a maioria necessária dos votos, procurações para votar em nome deles nas assembleias gerais. Este é um sistema bastante usado nos Estados Unidos, havendo inclusive disputas acirradas pela outorga de procurações entre grupos diferentes, possibilitando a existência de sociedades especializadas em buscar procurações no mundo inteiro. Naquele país, os administradores escolhem o comitê de procuradores os quais vão em busca de procurações, como este comitê é designado pela administração vigente, os diretores podem virtualmente determinar seus sucessores, tornando a diretoria um órgão autoperpetuador”.

O conflito de interesses no controle gerencial por procuração é inevitável, pois o diretor, enquanto procurador, é mandatário do acionista e, enquanto diretor propriamente dito, é um órgão da companhia, em tese, subordinado aos acionistas. Ocorre, em verdade, que os seus votos acabam por refletir a vontade do diretor, e não do acionista.

Poder de controle externo

Algumas vezes, a última palavra na orientação da empresa não procede nem de um acionista nem dos administradores da sociedade. Credores e fornecedores, por exemplo, podem se encontrar numa situação peculiar que permita que estes exerçam um poder de influir com supremacia nos destinos da sociedade.

Ter o controle de uma companhia significa deter poder sobre a direção da atividade empresarial e, em consequência, sobre os bens afetados a essa atividade. O poder de controle não se possui em razão de uma legitimação jurídica especial; é um estado de fato que deve ser identificado para imposição de exigências legais. Assim, é perfeitamente possível que um agente externo à companhia exerça sobre ela um poder de controle.

Ressalte-se que nem sempre a influência externa constitui-se em um controle externo. Existem algumas condições que devem ser preenchidas para que se possa falar especificamente em controle, e não puramente em influência.

De acordo com Pimenta, as seguintes características devem estar presentes: a) que a influência seja de ordem econômica; b) que a influência se estenda a toda a atividade desenvolvida pela empresa controlada; c) que se trate de um estado de subordinação permanente ou, pelo menos, duradouro; e d) que haja impossibilidade para a controlada de subtrair-se à influência, sem séria ameaça de sofrer grave prejuízo econômico.

Além disso, essa influência deve sempre resultar conveniente ao sujeito controlado, no sentido de que sujeitar-se a ela é melhor do que sofrer eventual sanção, isto é, dano de caráter essencialmente econômico que derivaria do exercício, por parte do sujeito controlador, de um direito próprio.

Com efeito, a constatação da existência de controle externo deve basear-se em elementos objetivos: a) situação de predomínio; b) conexão de interesses; c) direcionamento da atividade de um sujeito em função da do outro; e d) poder do sujeito ativo de interromper a atividade do sujeito passivo com grave prejuízo deste.

O controle externo pode ser exercido, por exemplo, por um determinado diretor ou membro do conselho de administração de uma companhia que faça parte do controle de outra sociedade, esta fornecedora exclusiva de materiais para a primeira, ou que seja a sua principal cliente. No caso, sem dúvida o poder de controle independeria dos votos da maioria na assembleia geral, que seriam influenciados por estes fatos ab extra da companhia.

Ilustrativamente, ainda, hipóteses de controle externo podem decorrer de uma situação de endividamento da sociedade como, por exemplo, de contratos de empréstimo a uma sociedade, com a atribuição ao mutuante, em garantia do seu crédito, da caução das ações do chamado bloco de controle; da influência de fato dos maiores credores sobre uma sociedade em situação econômica difícil; em razão de uma específica atividade econômica, como a subordinação em que se pode encontrar um banco em face da ameaça de retirada dos depósitos de um grande cliente.

A alienação do controle na companhia fechada sempre se processou normalmente, sem qualquer interferência de órgãos governamentais. Já na companhia aberta, o tema é regulamentado pela Lei nº 6.404/1976, que, em seu art. 254-A, trata da alienação do controle para companhias abertas.

Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.

1º Entende-se como alienação de controle a transferência, de forma direta ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a acordos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação de controle acionário da sociedade.

2º A Comissão de Valores Mobiliários autorizará a alienação de controle de que trata o caput, desde que verificado que as condições da oferta pública atendem aos requisitos legais.

3º Compete à Comissão de Valores Mobiliários estabelecerem normas a serem observadas na oferta pública de que trata o caput.

4º O adquirente do controle acionário de companhia aberta poderá oferecer aos acionistas minoritários a opção de permanecer na companhia, mediante o pagamento de um prêmio equivalente à diferença entre o valor de mercado das ações e o valor pago por ação integrante do bloco de controle.

Mas adverte Rubens Requião (ob. cit., p. 327): “O dever de promover a aquisição das ações com direito a votos não integrantes do bloco de controle não é absoluto, entretanto. O adquirente pode ofertar aos acionistas minoritários (expressão da lei) a opção de permanecer na companhia mediante o pagamento de um prêmio. O prêmio será destinado pela diferença entre o valor pago por ação participante do bloco do controle e o valor de mercado das ações. O Legislador supõe que as ações do bloco de controle sempre terão valor superior às cotações do mercado”.

Mas não considerou que as ações em circulação poderão ter valor variável médio. Bem se diz que o valor de mercado, para tal fim, terá que ser um preço médio, que será aferível num determinado período de tempo, a ser fixado pela Comissão de Valores Mobiliários, a quem cabem estabelecer normas sobre o mercado de ações.

A matéria é versada na Lei nº 6.404/1976, no art. 254:

Art. 254. A alienação do controle da companhia aberta dependerá de prévia autorização da Comissão de Valores Imobiliários. (Revogado pela Lei nº 9.457, de 1997)

1º A Comissão de Valores Mobiliários deve zelar para que seja assegurado tratamento igualitário aos acionistas minoritários, mediante simultânea oferta pública para aquisição de ações . (Revogado pela Lei nº 9.457, de 1997)

2º Se o número de ações ofertadas, incluindo as dos controladores ou majoritários, ultrapassar o máximo previsto na oferta, será obrigatório o rateio, na forma prevista no instrumento da oferta pública. (Revogado pela Lei nº 9.457, de 1997)

3º Compete ao Conselho Monetário Nacional estabelecer normas a serem observadas na oferta pública relativa à alienação do controle de companhia aberta. (Revogado pela Lei nº 9.457, de 1997)

Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

1º Entende-se como alienação de controle a transferência, de forma direta ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a acordos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação de controle acionário da sociedade. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

2º A Comissão de Valores Mobiliários autorizará a alienação de controle de que trata o caput, desde que verificado que as condições da oferta pública atendem aos requisitos legais. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

3º Compete à Comissão de Valores Mobiliários estabelecer normas a serem observadas na oferta pública de que trata o caput. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

4º O adquirente do controle acionário de companhia aberta poderá oferecer aos acionistas minoritários a opção de permanecer na companhia, mediante o pagamento de um prêmio equivalente à diferença entre o valor de mercado das ações e o valor pago por ação integrante do bloco de controle. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

5º (Vetado) (Incluído pela Lei nº 10.303, de 2001)

Do que se tem da leitura do art. 254 é que sua revogação pela Lei nº 9.457, de 1997, representou forte perda para os acionistas ditos minoritários, os quais têm, na oferta pública, um tratamento igualitário com as ações do grupo de controle.

Aguardemos do novo governo, que promete modernização da economia, solução para esse problema.

 

X – JUROS PARA REMUNERAÇÃO DO CAPITAL PRÓPRIO

Com a revogação da correção monetária nas distribuições financeiras tratadas pelas Leis nºs 7.899/1989, 8.200/1991 e 6.404/1976, vedou-se qualquer sistema de utilização de correção monetária de demonstração financeira, inclusive para fins societários (Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1955, art. 4º). Mas foram instituídos, pela mesma lei, juros para remuneração de capital pago, pago ou creditado individualmente a titular, sócio ou acionista, calculado sobre as contas do patrimônio liquido e limitado à variação pro rata dia, da taxa de juros de logo prazo (MP 1.471, convertida na Lei nº 9.365, de 16 de dezembro de 1996), cujo montante poderá ser deduzido das contas para efeito de apuração de lucro real.

O pagamento com crédito dos juros referidos fica condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou se existirem lucros acumulados em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados.

O valor de tais juros poderá ser imputado ao valor dos dividendos obrigatórios, gerados pela sociedade anônima, de que trata o art. 202 da Lei nº 6.404/1976.

Esses juros para remuneração de capital próprio sofrerão a incidência de imposto sobre a renda, exclusivamente na fonte pagadora, sob a alíquota de quinze por cento, mesmo que venham a ser imputados no pagamento de dividendos obrigatórios, e poderão ser incorporados ao capital social ou mantidos em conta de reserva destinada a aumento de capital, garantida sua dedutibilidade, desde que o imposto sobre a renda que incide sobre tais juros seja pago.