UNIÃO ESTÁVEL E SUCESSÃO
Maria Carolina Barrero Altran
Trata da sucessão na união estável, sendo que pretende analisar as principais questões sobre a divisão do patrimônio entre os sucessores, indicando as falhas legislativas, abordando a melhor interpretação, bem como destacar o tratamento desigual conferido aos cônjuges e aos companheiros.
1. INTRODUÇÃO
Neste artigo abordaremos o tema Direito Sucessório na União Estável que por certo assume um papel relevante como entidade familiar na sociedade brasileira, principalmente nas últimas gerações, pois muitas pessoas tem preferido essa forma de união em detrimento do casamento.
O Código Civil de 2002 trouxe a regulamentação da sucessão do companheiro sobrevivente, quando da morte do outro companheiro. Tal regulamentação está prevista no artigo 1.790 do atual Código Civil.
Examinaremos neste trabalho tal dispositivo, após estudarmos alguns temas e regras importantes sobre a união estável, necessários para a compreensão geral do tema.
2. CONCEITO DE UNIÃO ESTÁVEL
A Constituição Federal de 1988 passou a reconhecer a união estável como entidade familiar, merecedora da proteção do Estado, conforme o artigo 226, parágrafo 3o, da vigente Constituição.
Assim como, o Código Civil conceitua a união estável em seu artigo 1723 ao enunciar: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Embora um dos requisitos para a constituição de uma união estável seja diversidade de sexo, o Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132, reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo (união estável homoafetiva).
Dispõe o artigo 1.725 do Código Civil que, no caso de os companheiros não estipularem o regime de bens no contrato de convivência, será aplicado, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. O regime da comunhão parcial de bens é aquele onde tudo o que for adquirido de forma onerosa durante a união estável, será igualmente repartido entre os conviventes.
3. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO
A união estável solidificou-se e está amparada por égide constitucional, estabelecendo que a lei facilitará a conversão da união estável em casamento. Sendo assim, não há hierarquia entre as duas modalidades. Mas, há divergência doutrinária quanto a sua equiparação, pelo menos quanto aos direitos sucessórios.
Ademais, mesmo sendo legítima a união estável, pois tem sua instituição prevista em lei, o companheiro, não está elencado juntamente com os herdeiros previstos no artigo 1.829 do Código Civil, os chamados “herdeiros necessários”.
No que toca aos herdeiros necessários, diz o Código Civil em seu art. 1.845: “são herdeiros necessários os descentes, os ascendentes e o cônjuge”. Logo, a contrário senso, os colaterais até quarto grau e o companheiro estão excluídos deste rol, portanto podem ser afastados da sucessão por meio de disposição testamentária.
Conforme observa Tartuce “a norma está mal colocada, introduzida entre as disposições gerais do direito das sucessões”, e não na ordem de vocação hereditária, o tratamento dado à união estável não incluiu na ordem de vocação hereditária o companheiro.
O Código Civil regulamentou o direito sucessório da união estável no artigo 1.790, ao prever: “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”
Percebe-se ainda que, a partir da leitura da legislação, o companheiro sobrevivente só terá direito a suceder na proporção dos bens que foram adquiridos enquanto manteve a união estável com o falecido. Esse e outros fatores trazem motivos de criticas ao direito sucessório que foi imposto aos que convivem em união estável.
O fato de só conferir direito ao companheiro em relação os bens que foram adquiridos na constância da união estável, direito este que já lhe está conferido no direito à meação dos bens que é de pacificidade no regime parcial de bens, desta feita no caso em que no decorrer da união estável o falecido não adquirir nenhum bem, sua companheira não terá direito a suceder em seus bens adquiridos anteriormente à união.
Assim, atribui-se ao companheiro sobrevivente, simultaneamente a qualidade de meeiro e herdeiro dos bens adquiridos a título oneroso na constância da união estável, já que o regime legal da união estável, quando não há contrato de convivência estipulando o contrário, é o da comunhão parcial de bens, porém em relação aos bens particulares do de cujus, o companheiro, em tese, somente poderá herdá-los por meio de testamento deixado pelo falecido.
3.1 Concorrência do companheiro com os descendentes
Os incisos I e II do artigo 1790 tratam da concorrência do companheiro com os descendentes do autor da herança.
Conforme o inciso I, do artigo 1.790 do CC, quando concorrer com filhos comuns, o companheiro sobrevivente receberá uma quota equivalente a que for atribuída ao filho. Cabe lembrar que, essa quota será igual à dos filhos comuns no tocante aos bens adquiridos a título oneroso durante a união estável, já que o convivente não herda os bens particulares do morto, exceto no caso de previsão em testamento. Assim, os bens particulares do de cujus são herdados somente pelos filhos.
Se o companheiro concorrer, entretanto, com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles (artigo 1.790, inciso II, do atual Código Civil).
Este tratamento vale ser ressaltado, pois no caso em que o cônjuge concorre na sucessão, com os descendentes do morto, nessa hipótese o cônjuge tem resguardo legal, no artigo 1.832 do Código Civil, a receber no mínimo um quarto da herança, independentemente de serem filhos comuns ou não, o que não ocorre com os companheiros.
3.2. Concorrência do companheiro com os ascendentes e colaterais
Se o autor da herança não deixou descendentes sucessíveis, a herança será dividida entre o companheiro e os demais herdeiros, obedecendo-se o disposto no artigo 1.790, inciso III, do atual Código Civil.
Neste sentido, o companheiro sobrevivente deverá receber ao concorrer com os outros parentes sucessíveis, um terço da herança. Assim, o quinhão do companheiro será fixo, em um terço, independentemente com quem vá concorrer.
Este dispositivo demonstra um retrocesso legislativo, já que na vigência da lei 8.971/94 o companheiro tinha direito a totalidade da herança caso não houvesse parentes sucessíveis, sendo esta uma diferença notória em relação ao cônjuge.
3.3. Recebimento de toda a herança
Há uma hipótese em que o companheiro terá direito a suceder a totalidade da herança, quando houver falta ou renúncia de todos os “outros parentes” previstos no inciso III do artigo 1.790, que é a hipótese trazida pelo inciso IV do artigo 1790 do CC: “não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”.
Entretanto, não há consenso pelo o que se entende ser a totalidade da herança. Seria somente a parte adquirida na constância da união estável, conforme disciplina o caput do art. 1.790, ou todo o patrimônio do falecido, inclusive os bens particulares.
Na primeira hipótese, não havendo bens comuns, o companheiro sobrevivente ficaria afastado e toda a herança iria para o Município, nos termos do art. 1.844 do CC/2002. Como entendimento de Maria Helena Diniz: “Os demais bens do de cujus obtidos onerosamente antes da união estável ou por ele recebidos a titulo gratuito (herança ou doação) serão inventariados e partilhados somente aos seus herdeiros na ordem da vocação hereditária. E se não houver bens comuns amealhados durante a convivência, o companheiro supérstite nada receberá a qualquer titulo, nem como meeiro, nem como herdeiro, visto que não fará jus a qualquer quinhão hereditário, mesmo que o de cujus não tenha descendente ou ascendente, pois sua herança será deferida aos colaterais até o 4º grau.”
Porém, alguns doutrinadores, interpretam o dispositivo de uma forma mais benéfica ao companheiro, entendendo que a totalidade dos bens do falecido, comuns ou não, ficaria para o convivente sobrevivo por força do disposto no art. 1.844, primeira parte, do CC/2002, que, sendo norma especial (relativa à herança vacante) sobrepõe-se sobre norma geral relativa à sucessão do companheiro (art. 1.790, IV do CC/2002).
4. DIREITO DE HABITAÇÃO DA COMPANHEIRA
A Lei no 9.278/1996, que regula o parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal, estabelece no seu art. 7º, parágrafo único que: “dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família”. Já o Código Civil de 2002 foi omisso quanto ao direito real de habitação dos companheiros, embora tenha regulado o do cônjuge, no artigo 1.831 do Código Civil.
Ademais, esse direito de habitação cessa com a morte ou, se deixar de ser moradia, ou se houver novo casamento ou nova união estável. O direito de habitação do cônjuge não cessa pelo novo casamento ou união estável, ao passo que quanto ao companheiro, cessa.
Questiona‐se se esse direito de habitação continua em vigor, porque o Código Civil é omisso quanto ao direito de habitação.
a) corrente majoritária: defende a manutenção do direito real de habitação conferido ao companheiro, não só pela equiparação constitucional ao cônjuge, como também pelo entendimento de que a lei geral não revoga a especial.
b) corrente minoritária: entende que a lei foi revogada e que o Código atual disciplina todos os assuntos atinentes à sucessão do companheiro, e, ao omitir o direito real de habitação, presume a vontade do legislador em eliminá-lo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como dito anteriormente, a união estável é reconhecida no ordenamento brasileiro como entidade familiar. Mas foi possível verificar que a legislação resguardou de forma especial o direito do cônjuge, o qual não é assegurado da mesma forma ao companheiro sobrevivente.
Sendo que, houve um retrocesso social no que diz respeito ao direito sucessório do companheiro, já que com a introdução do Código Civil de 2002, foi suprimido direito já estabelecido, o qual o convivente possuía direito de adquirir a totalidade da herança quando inexistisse descendentes e ascendentes do falecido.
Além disso, se percebe que não houve uma real equiparação dos companheiros em relação ao cônjuge, no que concerne à sucessão legitima; onde o cônjuge foi inserido como herdeiro necessário e ao companheiro não foi conferido esse direito, e por isso poderá ser excluído, sem direito de reivindicar, da sucessão, na hipótese do de cujus testar não conferindo direitos sucessórios a este.
Também há diferenciação quanto à forma de participação na sucessão do falecido, já que o direito do cônjuge sobrevivente independe de os bens serem adquiridos de forma onerosa ou não, na constância do casamento ou não, enquanto que o companheiro, somente participará da sucessão quanto aos bens adquiridos de forma onerosa durante a união estável, dentre outras distinções.
Com base neste aspecto, é que parte da doutrina e da jurisprudência vem se manifestando quanto ao incidente de inconstitucionalidade do artigo 1.790 do CC. Assim, os julgados vêm mostrando que o judiciário está preocupado em aplicar a isonomia às duas formas de entidade familiar (casamento e união estável), proferindo decisões que se aplicam aos casos concretos, a fim de suprir a desigualdade presente no texto da lei, já que a própria Constituição Federal não tratou de maneira diferente nenhuma forma de constituição de família.
REFERÊNCIAS
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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. 25º edição. São Paulo: Saraiva, 2011.
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TARTUCE, Flávio. Da sucessão do companheiro: o polêmico artigo 1.790 do Código Civil e suas controvérsias principais. Revista Síntese: Direito de Família, Porto Alegre, Ed. Síntese, 2013.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 4. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões. 9a edição. São Paulo: Atlas, 2009.