TUTELA PROVISÓRIA NO NOVO CPC
Leandro Quariguazi
INTRODUÇÃO
Este trabalho mostra o que é a tutela de provisória no novo cenário jurídico-processual brasileiro. Com a entrada em vigor da lei federal 13.105, de 16 de março de 2015, que instituiu o novo Código de Processo Civil, doravante CPC, o legislador se preocupou de reservar um Livro, na Parte Geral, que trata justamente das tutelas provisórias.
De acordo com o Livro V da Parte Geral do novo Código, a tutela provisória pode se fundamentar em urgência e evidência (art. 294), de maneira que a tutela de urgência pode ser cautelar ou antecipada, além de que, previu o legislador, será concedida em caráter antecedente ou incidentalmente ao processo (§ único do art. 294).
A tutela provisória irá conservar sua eficácia na pendência do processo, podendo, destarte, ser modificada ou revogada a qualquer tempo. Conservará, entretanto, sua eficácia durante o período em que o processo estiver suspenso (v. arts. 313/315 do CPC), o que só não ocorrerá caso haja decisão judicial dispondo em sentido diverso, é o que se extrai do art. 296, caput e § único.
O art. 297 prevê que o juiz poderá determinar medidas adequadas à efetivação da tutela. Essas medidas podem sub-rogatórias ou coercitivas[[1]] e se prestam para assegurar a efetivação da tutela, ou seja, é o chamado poder geral de efetivação[[2]].
De se notar a competência para se conhecer da tutela provisória é do juízo da causa, quando incidental, e do juízo competente para se conhecer do pedido principal, na hipótese da medida ser requerida em caráter antecedente (art. 299 do Código). Quando, todavia, a competência for originariamente do tribunal, a tutela será requerida ao órgão competente para apreciação do meritum.
A decisão que concede, nega, modifica ou revoga a tutela provisória deve ser motivada de modo claro, objetivo, seguro e preciso, em respeito ao mandamento constitucional previsto no art. 93, IX da Constituição da República (CRFB), bem como o art. 489, § 1º do CPC.
Concedida ou negada a medida requerida, como contra qualquer decisão judicial, um recurso será cabível a fim de viabilizar o exercício da ampla defesa e do contraditório.
Ainda que o objeto do estudo não seja recurso, é inevitável que se esclareça qual o meio de impugnação da decisão será cabível contra a concessão ou negação da tutela provisória, e este está previsto no art. 1.015, inciso I do CPC.
1 Tutelas de urgência
A tutela de urgência, que pode ser antecipada ou cautelar, em linhas gerais, se dá quando houver algum elemento ou requisito que salte aos olhos a probabilidade de perigo de dano ou risco ao resultado efetivo do processo, consoante se depreende do art. 300, caput, do CPC.
O CPC unifica o regime das tutelas de urgência, seja ela antecipada ou cautelar. Estabeleceu o legislador os mesmos requisitos para a concessão de uma (antecipada) e de outra (cautelar), qual seja, probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
Ainda que permaneça a distinção entre as tutelas, na prática os pressupostos serão iguais – ou, pelo menos, muito próximos. O parágrafo único do art. 294 deixa claro que a tutela de urgência é gênero, o qual inclui as duas espécies (tutela cautelar e tutela antecipada). Já o art. 300 estabelece as mesmas exigências para autorizar a concessão de ambas.
Com efeito, devem ser observados os requisitos necessários para se conceder tutela provisória. A saber: risco de incerta reparação ou, até mesmo, irreparável, verossimilhança do direito pleiteado pelo demandante e, não se pode deixar de mencionar, possibilidade de reversão da medida concedida (art. 300 do CPC). Veja-se, por oportuno, os arestos abaixo:
“Agravo de instrumento – Pensão por morte – Habilitação de duas companheiras – Necessidade de dilação probatória – Irreversibilidade da demanda. Como é cediço, o juiz tem o poder discricionário de, analisando a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, decidir sobre a concessão da tutela provisória de urgência, gênero do qual são espécies a tutela antecipada e a tutela cautelar, nos termos do artigo 300 do Novo Código de Processo Civil. De fato, não havendo perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão, o magistrado deferirá a tutela de natureza antecipada pretendida, conforme estabelece o § 3º do dispositivo legal citado.” (AI – 0008502-64.2016.8.19.0000 – Relator: Desembargador Mario Assis Gonçalves – Julgamento: 29-6-2016 – 3ª Câmara Cível).
“(…) O novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/15, em seu artigo 9º, positiva o princípio do contraditório, quando prevê que nenhuma decisão será proferida sem oitiva prévia das partes. Ocorre que seu inciso II, estabelece como exceção a apreciação de pedido de tutela provisória, permitindo que a decisão seja prolatada inaudita altera pars. 3. Com efeito, a tutela de urgência, prevista no artigo 300 do CPC/15, estabelece os requisitos para sua concessão, que são, a probabilidade do direito, o perigo de dano ou risco de inutilidade do resultado do processo e não ser ela irreversível.” (AI – 0028802-47.2016.8.19.0000 – Relatora: Desembargadora Marianna Fux – Julgamento: 29-6-2016 – 25ª Câmara Cível/Consumidor).
“(…) O artigo 300 do CPC consagra a tutela de urgência, que será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. 3. Além da probabilidade do direito, o requerente também deve se desincumbir de comprovar a premência da medida, diante do perigo de dano, que justifica a concessão da tutela satisfativa de urgência, ou diante do risco ao resultado útil do processo, que requer a antecipação da tutela cautelar. 4. A tutela de urgência somente poderá ser concedida, na forma do §3º do referido dispositivo legal, na hipótese de inexistência de risco de irreversibilidade dos efeitos da decisão.” (Agravo de instrumento 0021072-82.2016.8.19.0000 – Relator: Desembargador Jose Carlos Paes – Julgamento: 22-6-2016 – 14ª Câmara Cível).
Quanto a esse último aspecto, se faz necessário um alerta: não se concede – ou não se deve conceder – esse tipo de tutela jurisdicional (urgência) em caso de não se poder reverter a situação/medida, é o que se extrai do § 3º do art. 300 do CPC.
A medida pode, ainda, ser concedida em caráter liminar ou – caso entenda por bem o juiz e as circunstâncias fáticas e jurídicas assim determinarem – após justificação prévia (art. 300, § 2º), que se dará nos casos em que a petição em que se pleiteia a medida não estiver instruída com os documentos capazes de, por si sós, afirmarem o direito vindicado.
Explore-se aqui o ensejo para se falar do grau de cognição da concessão da medida. No processo civil, é sabido que, para se proferir uma decisão de mérito justa e efetiva, o julgador deve ter certeza – na melhor acepção da palavra – do que está julgando, razão pela qual a cognição deve ser exauriente.
No entanto, quando da concessão da tutela antecipada (não só a antecipada, mas qualquer tutela de urgência), é possível não se ter certeza da decisão a se tomar. Por isso, então, que o julgador se calca na aparência do direito vindicado pela parte requerente, ou seja, o juízo é – tão somente – de probabilidade.
Ainda no mesmo diapasão, se para prolação de decisão de mérito se faz necessário um juízo de certeza, de profunda cognição, por assim dizer, para se deferir uma tutela jurisdicional de urgência basta aparência do direito, de forma que o juízo é de um estudo menos profundo, superficial.
Importa enfatizar que, para que o juízo outorgue a tutela de urgência de caráter antecipado, pode o juiz exigir caução (garantia) seja ela real ou pessoal (fidejussória, como diz a lei), a fim de, se for o caso, ressarcir eventuais danos que a outra parte vier a sofrer.
Nesse passo, a parte será responsabilizada e, ipso facto, responderá, independentemente de dano processual, por prejuízo que eventualmente causar à parte adversa, em razão do deferimento e efetivação da tutela de urgência se a sentença i) for desfavorável ao requerente, ii) caso não sejam providenciados os documentos necessários para citação da parte requerida, iii) cesse a eficácia da medida ou iv) for acolhida alegação de decadência ou prescrição (art. 302, incisos I a IV do CPC). Quanto a este último, melhor redação seria se o legislador substituísse do texto do código a expressão “acolher alegação de” por “decretar”, na medida em que decadência e prescrição podem – e devem – ser decretadas de ofício, ou seja, não precisa de alegação.
Cumpre observar que, caso haja indenização, esta será liquidada nos autos em que a medida for concedida.
A decisão que concede – ou denega – a tutela provisória – tanto de urgência (antecipada ou cautelar), quanto da evidência – tem natureza jurídica de decisão interlocutória. Isso porque se trata de um pronunciamento judicial (porque emanado do Poder Judiciário) de natureza decisória (por óbvio) que não extingue o processo (art. 203, § 2º do CPC).
O recurso que desafia tal decisum é o agravo de instrumento, por força do inciso I do art. 1.015 do Código. Aproveitando-se o gancho para mencionar que, excepcionalmente, se admitirá sustentação oral no agravo de instrumento, quando este for interposto contra decisões (interlocutórias) que versem sobre tutelas provisórias (urgência e evidência), na forma do inciso VIII do art. 937 do CPC, que se mostra novidade no ordenamento jurídico brasileiro, posto que, até a entrada em vigor do novo CPC, não se admitia sustentar oralmente as razões de agravo de instrumento.
1.1 Tutela antecipada
Será estudado, a partir de agora, a tutela antecipada e seu procedimento, mormente quando for concedida em caráter antecedente, ou seja, antes (ou, como prefere o código, no mesmo tempo) da propositura da ação.
Dois requisitos são fundamentais para que haja concessão da tutela antecipada. São, por assim dizer, conditio sine qua non, de maneira que, ausente qualquer deles, não se concede antecipação de tutela: fumus boni iuris e periculum in mora.
O primeiro quer dizer a verossimilhança das alegações articuladas pelo pleiteando da medida. Ainda que a cognição operada pelo magistrado seja rarefeita, ou, ao menos, um juízo de probabilidade (e não certeza), o direito tem que ser, ao menos, aparente, trocando em miúdos, tem de ter uma aparência de verdade (uma “fumaça” de veracidade).
O periculum in mora, por sua vez, é o perigo de perecimento que o direito material invocado pela parte pode sofrer pelo decurso do tempo. Sabe-se que, no dia a dia, não raras às vezes é necessário a concessão de uma medida judicial de imediato, sob pena de, não provida naquele momento, falecer o direito, o que pode vir a causar a parte dano grave, de difícil – e, quiçá, impossível – reparação.
De se observar o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP – o maior tribunal do país), no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2109955-73.2016.8.26.0000, da 32ª Câmara de Direito Privado, julgado em 14-7-2019, de relatoria do desembargador Ruy Coppola, cujo entendimento foi exatamente o aqui esposado. Ausentes os requisitos autorizadores, não há concessão de tutela provisória:
“Ausência de periculum in mora no caso, ante o lapso temporal decorrido entre a venda efetivada e o ajuizamento da demanda. Ausentes os requisitos previstos no art. 300 do CPC, de rigor o indeferimento da tutela provisória de urgência.”
Como já se mencionou no presente estudo, um dos requisitos para concessão da tutela provisória é a urgência. Pois bem, quando esta for contemporânea ao ajuizamento da demanda, a peça inaugural do processo (petição inicial) será mais simples – bem mais simples, ouse-se dizer.
Nesta senda, a exordial limitar-se-á ao i) requerimento da tutela provisória de urgência e a ii) indicação do pleito final. Sem se esquecer, claro, da breve exposição da lide, do direito que se busca realizar, bem como do perigo de dano (art. 303, caput).
Vê-se, pelo dispositivo no novo código, que a inicial quando se requer tutela de urgência é bem mais simples da que era no tempo do CPC-73, em que se exigiam todos os requisitos da petição inicial, de forma que, faltando algum, o juiz indeferiria a inicial, podendo causa prejuízos irreparáveis à parte requerente.
Uma vez concedida a antecipação de tutela a que se refere o caput do art. 303, o autor/requerente – em quinze dias e nos mesmos autos – terá de aditar a inicial, com a complementação de sua argumentação, já que a que fora apresentada foi “simplificada”, somente para concessão da medida de urgência (303, § 1º, I); inobservada a regra insculpida no inciso I do § 1º do art. 303, o processo será extinto sem análise de mérito, na forma do que dispõe o § 3º do art. 303.
Importante salientar que o prazo de 15 (quinze) dias é para emendar a inicial em caso de concessão da medida; por outro lado, caso o julgador entenda que não estão presentes os requisitos para se deferir a medida, o prazo para emendar a petição inicial será de até 05 (cinco) dias, e, não feita a emenda, a peça vestibular será indeferida e o processo, por conseguinte, extinto sem, sequer, se analisar o meritum causae, é o que se extrai do 303, § 6º.
A tutela antecipada pode ainda ser conferida incidenter tantum, isto é, endoprocessualmente. Vezes há, porém, que se faz necessário, no decorrer do processo, ser concedida uma medida de urgência.
No mesmo ensejo, pense-se, por exemplo, na ação de divórcio litigioso em que um dos litigantes pleiteia, dentro do processo de dissolução do vínculo conjugal, uma medida para se afastar, de imediato, de seu cônjuge.
1.1.1 Estabilização da tutela antecipada
O art. 304 do CPC fala de estabilização da tutela antecipada. Trata-se, na verdade, de questão tormentosa, mas que terá de ser enfrentada aqui, a esta altura do estudo.
Remeta-se ao art. 303, § 1º, I, que fala que o autor/requerente tem 15 (quinze) dias para emendar/aditar a inicial, a fim de confirmar o pedido final. O autor pode, então, emendar ou não a inicial; o réu, por seu turno, pode recorrer ou não da decisão (art. 1.015, I do CPC). Há os seguintes fatores: autor emenda e réu recorre; autor emenda e réu não recorre; autor não emenda e réu recorre; autor não emenda e réu não recorre[[3]].
Em linhas gerais, se explicará todos os fatores expendidos acima. Primeiramente, caso o autor adite a petição inicial e o réu recorra, o processo seguirá e o órgão jurisdicional irá julgar o recurso interposto pelo requerido. A tutela, destarte, não se estabilizará.
Pode acontecer também de o autor emendar e o réu não recorrer. Nesse caso, em razão do aditamento feito pelo autor, a tutela não se estabilizará de imediato e o processo irá prosseguir rumo ao julgamento de mérito, uma vez que o autor tem o direito que se julgue o mérito do processo. Aqui cabe um adendo: como o autor não sabia (e nem podia esperar em razão de prazo) se o réu ia ou não agravar da medida, antes do processo prosseguir em direção ao julgamento do mérito, o autor terá de ser intimado (alertado, diga-se assim) da não interposição de recurso por parte do réu e, caso ele (autor) não adite a inicial, a tutela se estabilizará. Esse alerta ao demandante deve ser feito, a fim de oportunizá-lo a desistência da emenda e, finalmente, obter a estabilização da medida.
Noutra trilha, o autor pode não emendar na forma do 303, § 1º, I, mas o réu/requerido agravar da decisão. Nesse caso, como apenas o réu teve uma conduta positiva (uma vez que agravou da decisão concessiva da antecipação de tutela), o processo será extinto sem resolução do mérito e a tutela – que, por óbvio, não terá se estabilizado – será revogada. Nesse caso, o agravo ficará prejudicado e, consequentemente, não será julgado.
E, por fim, a hipótese em que a tutela antecipada será estável: autor/requerente não emenda/adita a petição inicial e o réu/requerido não agrava da decisão. Isso porque, como não emendou a inicial, o autor se satisfez com a medida e o réu, doutro lado, não se interessou em impedir a estabilização da tutela.
Nesse diapasão, a tutela estável pode ser objeto de demanda autônoma por qualquer das partes que intentar sua reversão, reforma ou invalidação, desde que a ação seja ajuizada dentro de 02 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, na forma dos §§ 2º e 5º do art. 304.
A decisão que revir, reformar ou mesmo invalidar a tutela estável poderá ser afastada pela ação autônoma proposta na forma explicitada no parágrafo acima. Sendo certo, contudo, que a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada (art. 304, § 6º).
1.2 Tutela cautelar
Diferentemente da tutela antecipada, a cautelar não é satisfativa, mas assecuratória, de forma a assegurar a efetividade de um provimento jurisdicional e, por acaso, de um processo, como, e.g., para resguardar bens do devedor que dilapida seu patrimônio a fim de fraudar futura execução.
Aqui, tal qual na tutela antecipada, a petição inicial será “simplificada”, posto que indicará apenas a lide e seu fundamento, bem assim uma rápida exposição do direito a que se busca assegurar e o perigo de dano ao resultado útil do processo (art. 305).
Citado, o réu (requerido) tem 05 (cinco) dias para contestar o pedido e indicar as provas que pretende produzir. Repare que a sistemática do código antigo se manteve, uma vez que, no extinto processo cautelar, o prazo da contestação também era de cinco dias.
Caso não haja contestação do réu, presumem-se verdadeiros os fatos articulados pelo autor (efeito material da revelia). Nesse caso, o órgão jurisdicional julgador decidirá em cinco dias (arts. 306 e 307 do CPC). Lembre-se que tal prazo – de julgamento – é impróprio.
É distribuída a petição inicial, o réu é citado e tem cinco dias para contestar; contestado, o processo segue; inerte o requerido, presumem-se verdadeiros os fatos alegados pelo demandante. Uma vez efetivada a medida, tem o requerente um prazo de 30 (trinta dias) para formular o pedido principal nos mesmos autos.
Nesta esteira, se verifica que a medida cautelar não exaure a vontade do litigante, mas apenas assegura a efetividade do processo. Para confirmar sua volição, o autor/requerente tem de aditar o pedido. Explique-se melhor: na verdade, ele não irá aditar o pedido, mas sim formular o pedido principal, esse sim, capaz de asseverar o direito material perquirido.
Esse pedido principal – esclareça-se – já pode vir na petição inicial, juntamente (por óbvio) com o pedido cautelar. Caso não venha junto à exordial, a causa petendi pode ser aditada quando da formulação do pedido principal, na forma dos §§ 1º e 2º do art. 308 do CPC.
Caso o autor não formule o pedido principal dentro de 30 dias, a eficácia da tutela cautelar cessará (arts. 308 c/c 309, I). Perderá igualmente a eficiência a cautelar caso não seja efetivada no trintídio legal ou, claro, como não podia deixar de ser, se o pedido contido na “ação principal” foi julgado improcedente (ou o processo, por algum motivo, for extinto sem resolução do mérito), consoante incisos II e III do art. 309.
Findada a eficácia da medida, o pedido poderá ser renovado se – e somente se – houve novo fundamento, como novas provas, v. g.. O indeferimento, sublinhe-se, da tutela de urgência cautelar não ilide, contudo, que a parte formule o pedido principal, tampouco influenciará em seu julgamento, a menos que tenha sido a medida indeferida pelas preliminares de mérito decadência e prescrição (art. 310).
A tutela cautelar, como pode se observar, não é um fim em si mesmo. Está, isso sim, condicionada a assegurar o resultado útil de outro processo.
Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni[[4]]:
“A tutela cautelar tem por fim assegurar a viabilidade da realização de um direito, não podendo realizá-lo. A tutela que satisfaz um direito, ainda que fundada em juízo de aparência, é “satisfativa sumária”. A prestação jurisdicional satisfativa sumária, pois, nada tem a ver com a tutela cautelar. A tutela que satisfaz, por estar além do assegurar, realiza missão que é completamente distinta da cautelar. Na tutela cautelar há sempre referibilidade a um direito acautelado. O direito referido é que é protegido (assegurado) cautelarmente. Se existe referibilidade, ou referência a direito, não há direito acautelado.”
O doutrinador faz críticas ainda ao novo CPC, pelo fato de o legislador de 2015 conservar a expressão “tutela provisória”. Para ele, a expressão “obscurece a relação entre técnica processual e tutela do direito, turvando os pressupostos que são necessários para prestar diferentes tutelas mediante a técnica antecipatória[[5]]”.
2 Tutela da evidência
Para concessão da tutela da evidência, são necessários, sobretudo, dois requisitos[[6]] (diga-se assim). Ei-los: o direito material do requerente é evidente (por isso o nome) e quando ficar caracterizado o manifesto propósito protelatório de qualquer parte e/ou o abuso do direito de defesa (art. 311, I).
Nesses casos, a tutela da evidência está vinculada não à evidência do direito material pleiteado, mas ao fato que se faz imprescindível pôr fim ao processo, tanto que uma das características da tutela da evidência é exatamente a satisfatividade.
Na tutela da evidência, como mencionado acima, o requisito da urgência é desnecessário. Por essa razão (mas não só) houve considerável diferenciação entre essas duas espécies de tutela provisória – urgência e evidência.
Não há se confundir tutela da evidência com julgamento antecipado. Naquela, diferentemente desta, a decisão é fulcrada em cognição sumária e, logo, traduz uma decisão revogável e provisória.[[7]]
Para concessão, pois, de tutela da evidência, tem de ser demonstrado ao órgão jurisdicional que o direito material pleiteado é evidente, independentemente de ser urgente, ao contrário da tutela de urgência, em que a demonstração do fumus boni iuris e do periculum in mora se fazem imprescindíveis.
Foi visto que a tutela da evidência será concedida quando estiver patente nos autos o manifesto propósito protelatório da parte ou seu abuso no direito de defesa. Ver-se-á, agora, as outras hipóteses em que o legislador autorizou a subvenção da tutela da evidência.
O segundo pressuposto se dá quando os fatos articulados pela parte requerente puderem ser comprovados apenas com prova documental e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos (art. 976 e seg.) ou em enunciado da súmula vinculante do STF (inciso II do art. 311).
Outra pressuposição a ficar evidente o direito da parte, é o que diz o inciso III do art. 311, in verbis:
“III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa”.
Repare que nesses dois últimos casos em que se admite tutela da evidência, o órgão julgador pode decidir liminarmente, por força do § único do art. 311 c/c art. 9º, § único, II, todos do CPC.
Aviste-se, todavia, julgado do TJ-SP, de 14-7-2016:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO – PEDIDO DE CONCESSÃO DE TUTELA PROVISÓRIA DA EVIDÊNCIA SEM A OITIVA DA PARTE CONTRÁRIA – IMPOSSIBILIDADE – HIPÓTESE DO ART. 311, III DO CPC QUE PRESSUPÕE PEDIDO REIPERSECUTÓRIO FUNDADO EM CONTRATO DE DEPÓSITO – HIPÓTESE DO ART. 311, IV, DO CPC QUE PRESSUPÕE O EFETIVO CONTRADITÓRIO, AINDA NÃO CONSUMADO, POIS A RÉ NÃO FOI CITADA – CONCESSÃO ALTERNATIVA DA TUTELA DE URGÊNCIA – PERICULUM IN MORA NÃO CONFIGURADO.” (AI 2129320-16.2016.8.26.0000 – 25ª Câmara de Direito Privado – Relator: Des. Edgard Rosa).
Será concedida ainda a tutela da evidência quando a petição inicial estiver instruída com documento capaz afirmar os fatos constitutivos do direito do autor e o réu, por seu turno, não opuser dúvida razoável, isto é, não lograr comprovar algum fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do demandante (inciso IV).
A aptidão da tutela da evidência é, sobretudo, a satisfatividade, provisioriedade e não urgência. E isso fica claro pela própria redação do art. 311 do CPC, quando fala que a tutela da evidência será concedida independentemente da demonstração de perigo de dano e de risco ao resultado útil do processo.
Ainda no projeto do novo Código, a ideia da comissão de juristas era justamente dar coesão ao sistema processual como um todo (amplamente dito na Exposição de Motivos do novo Código), de forma a se coadunar com a realidade fática – e não ficar um código meramente acadêmico e distanciado do cotidiano.
A ratio da tutela da evidência é uma espécie de tutela antecipada ligada ao pedido incontroverso, abuso de direito e matérias unicamente de direito.
Basicamente, a diferença entre tutelas da evidência e de urgência consiste no dano irreparável ou de difícil reparação, que, no caso daquela, a demonstração de tais requisitos é despicendo[[8]] e, nesta, indispensável.
CONCLUSÃO
O presente estudo expôs as tutelas provisórias no novo processo civil brasileiro. A demonstração se deu de forma geral, até porque um estudo mais aprofundado necessitaria de decisões judiciais sólidas e, até mesmo, entendimento sedimentado dos tribunais brasileiros, o que ainda não deu tempo, em razão da “jovialidade” do novo código.
Contudo, ainda assim se colacionou alguns julgados dos tribunais do Rio de Janeiro e de São Paulo em que o objeto do processo era concessão – ou denegação – de medidas provisórias, mormente as de urgência.
Demonstrou-se que tutela provisória é o gênero que comporta duas espécies, quais sejam, urgência e evidência. A primeira se subdivide em antecipada e cautelar e, ainda dentro dessas subespécies, elas – tanto uma quanto a outra – podem ser concedidas em caráter antecedente ou incidental.
Em outras palavras, as tutelas antecipada e cautelar poderão ser endo ou exoprocessuais, bem como que os requisitos concessivos para ambas as medidas são os mesmos: probabilidade do direito alegado e perigo de dano ao direito material ou ao resultado útil do processo.
Neste caminho, se atestou que, em razão da própria provisioriedade da medida, o grau de cognição é mais rarefeito e o juízo não é de certeza, como comumente é no processo civil, mas sim a proficiência exercida pelo julgador é de (apenas) probabilidade.
Viu-se ainda que a tutela antecipada tem uma natureza (chame-se assim) satisfativa. Visa satisfazer o próprio direito material. Aproveitando-se a brecha, se falou da estabilização da tutela antecipada prevista no art. 304 do CPC e de todos seus fatores, não mencionados expressamente na lei, mas deixados de forma subjacente à hermenêutica da doutrina.
Por sua vez, a tutela cautelar visa assegurar, resguardar, a efetividade, o resultado útil do próprio processo. Como se apontou alhures, a tutela provisória de natureza cautelar não é um fim em si mesmo, mas se presta a afiançar um fim prático e efetivo ao processo porvir (antecedente) ou já em curso (incidental).
A tutela da evidência, ao fim e ao cabo, assegura o direito patente, evidente (perdoe-se a obviedade) e tem atuação, primordialmente, no combate ao abuso quanto ao direito de defesa de qualquer dos litigantes, bem assim quando a parte, manifestamente, protela o processo.
Não há se confundir, derradeiramente, a distinção que se faz entre tutelas de urgência e evidência, pois numa é necessário a probabilidade do direito alegado e existência de risco de dano irreparável, de difícil reparação ou asseguração da efetividade do próprio processo (urgência) e, na outra, não há essa necessidade, bastando, para tanto, abuso no direito de defesa e/ou propósito procrastinatório da parte quanto ao processo (evidência).
BIBLIOGRAFIA:
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FLEXA, Alexandre; MACEDO, Daniel; BASTOS, Fabrício. Novo Código de Processo Civil. 1ª ed., Rio de Janeiro: Ed. JusPodivm. 2015.
MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 5 ed., São Paulo: Malheiros Editores. 2010.
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIDIERO, Daniel. O projeto do CPC. Críticas e Propostas. São Paulo: RT. 2010.
WAMBIER, Teresa; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins e; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo CPC. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015.
THEODORO JR, Humberto. Curso de direito processual civil. 42. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. 2.
Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-fev-03/barbara-lupetti-tutelas-urgencia-evidencia-cpc. Acesso em 11-7-2016.
Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12650. Acesso em 13-7-2016.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – www.tjrj.jus.br.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do.
[1] CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Atlas. 2015.
[2] FLEXA, Alexandre; MACEDO, Daniel; BASTOS, Fabrício. Novo Código de Processo Civil. 1ª ed., Rio de Janeiro: Ed. JusPodivm. 2015.
[3] CÂMARA. Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Atlas. 2015
[4] MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 5 ed., São Paulo: Malheiros Editores
[5] MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 5 ed., São Paulo: Malheiros Editores
[6] http://www.conjur.com.br/2016-fev-03/barbara-lupetti-tutelas-urgencia-evidencia-cpc. Acessado em 11/07/2016
[7] WAMBIER, Teresa; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins e; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo CPC. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015.
[8] Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12650. Acesso em 13-7-2016.