A TUTELA PROVISÓRIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
Antônio Pereira Gaio Júnior
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Tutela Provisória e suas Especificidades. 3 Tutelas de Urgência; 3.1 Tutela de Urgência Antecipada. 4 Tutela de Urgência Cautelar; 4.1 Tutela de Urgência Cautelar Antecedente; 4.2 Tutela de Urgência Cautelar Requerida em Caráter Inicial e Incidental. 5 Poder Geral de Cautela. 6 Tutela de Evidência. 7 Referências Bibliográficas.
1 Introdução
É fato que no Estado contemporâneo de direito, marcadamente por sua leitura constitucional e democrática, no que toca aos anseios e conquistas que povoam aqueles que nele creem, o serviço público da justiça merece atenção e contornos mais que especiais, pois são depositadas ali variadas formas de felicidade e de um futuro promissor quando se tem a convicção de (re)conquista de um bem da vida, quer agredido, aviltado ou mesmo prometido.
A jurisdição não se deve prestar tão somente à realização concreta da vontade da lei, mas mais dos que isso: deve conceder a proteção em tempo razoável e de forma efetiva do direito material pretendido.
Notadamente, é através do instrumento processo que o Estado deve buscar o aperfeiçoamento das atividades nele realizadas para dar concretude real de gozo e fruição àquele que tem seu direito inadimplido, de modo a tornar as pessoas mais felizes ou menos infelizes.
Verdade é que, diante dos desafios da prestação jurisdicional qualitativa, tenta-se aprimorar o sistema jurisdicional a partir de medidas voltadas ao equilíbrio entre o as técnicas de tutela substancial e o respeito e realização das garantias processuais constitucionais [1].
Descrevendo os males que, de certo, determinam o retardamento da tutela jurisdicional almejada, Proto Pisani [2] aponta que a ideologia liberal-individualista dos fins do século XIX e da primeira parte do século XX imaginava com a mais absoluta certeza que a técnica do procedimento ordinário resultava-se idônea ao se prestar a tutelar um rol infinito de direitos, decorrendo daí o caráter mistificador do pressuposto teórico da estéril igualdade formal.
Na mesma toada e sob a égide do CPC/73, bem acentuava Marinoni que o procedimento ordinário, como o é intuitivo “faz com que o ônus do tempo do processo recaia unicamente sobre o autor, como se este fosse o culpado pela demora ínsita à cognição dos direitos” [3].
É preciso que se condicione o tempo do processo, possibilitando, pela própria razão prática, a eliminação de injustiça, esta que se torna ainda mais acentuada diante daquele que necessita – por que tem razão – da tutela.
Por outro lado, a urgência no uso e no gozo de determinada pretensão de direito caminha na mesma perspectiva, ou seja, se requer muitas vezes a tutela de forma provisória, seja pelo seu caráter de urgência e/ou mesmo pela percepção do direito demonstrado como evidente no plano da razão probatória e que, certamente, já condicionaria ao seu necessário gozo e fruição de forma efetiva, ainda que em momento antecedente à sua provável e possível concessão definitiva.
Como cediço, não se trata de qualquer novidade em sede de direito pátrio a obtenção de uma tutela de natureza provisória urgente.
A única maneira de conseguir uma tutela de urgência antes da Lei nº 8.952/94, que deu origem a um ciclo de minirreformas do CPC/73, era através do processo cautelar, no qual o autor, após comprovar o periculum in mora e o fumus boni iuris, requisitava uma medida assecuratória com o escopo de preservar a efetividade de eventual tutela a ser concedida em futuro processo de conhecimento, contudo a citada Lei modificou o mecanismo lógico e natural do processo de cognição, qualquer que seja o procedimento, determinando um novo tipo de tutela de urgência denominada “antecipação de tutela” que facultava ao juiz, diante de provas não exauríveis e mediante decisão interlocutória fundamentada (art. 273, § 1º, do CPC/73), outorgar total ou parcialmente a tutela que, de regra, deveria ser concedida apenas no final do processo, depois do encerramento da fase de instrução – quando da sentença de mérito, possibilitando, assim, que o autor, de imediato, tivesse satisfação da sua pretensão.
A despeito de ser uma medida que se deve primar, mais do que nunca, por uma equilibrada razoabilidade do juízo, uma vez que, compreende a alteração da ordem natural do processo, a tutela antecipada fora justificada pela necessidade de o Estado-juiz ter de tornar realmente eficiente o processo, o que, às vezes, não é possível quando se faz necessário esperar um lapso de tempo exacerbado até que, por fim, seja prolatada uma sentença e esta se torne executável, via de regra, depois do seu trânsito em julgado.
Em um contexto mais amplo, notadamente, voltado ao equilíbrio dos planos da urgência e da evidência do direito frente ao próprio lapso temporal do processo, dedica o CPC/2015 um livro específico à denominada “tutela provisória“.
Trata-se do Livro V da Parte Geral, no qual a tutela provisória se faz considerada como gênero do qual são espécies as tutelas de urgência de evidência.
No Título I do presente Livro, mais precisamente nos arts. 294 a 299, são tratadas as disposições gerais referentes à tutela provisória; em seguida, constando do Título II – arts. 300 a 310 -, encontramos o regramento pertinente à tutela de urgência e, por fim, no Título III, especificamente no art. 311, pontifica a regulação da tutela da evidência.
2 Tutela Provisória e suas Especificidades
De início, observa-se que o legislador do novel CPC/2015 optou por adotar o termo “tutela provisória” como gênero, tendo como suas espécies as tutelas de urgência (antecipada e cautelar) e de evidência, podendo as primeiras ser concedidas tanto em caráter antecedente quanto incidentalmente no processo, ex vi do art. 294 e seu parágrafo único.
A tutela provisória (de urgência ou da evidência), uma vez concedida, conservará a sua eficácia na pendência do processo, no entanto, poderá ser, a qualquer momento, revogada ou modificada, ressaltando-se que, salvo decisão judicial, conservará a sua eficácia ainda que durante a eventual suspensão do processo (art. 296 e parágrafo único).
A competência para a concessão da tutela provisória será daquele juízo competente para conhecer da pretensão principal, portanto, o requerimento da desejada tutela provisória será dirigido ao órgão julgador apto ao conhecimento da tutela definitiva, podendo o magistrado determinar as medidas que considerar adequadas para a sua efetivação (art. 297).
Aliás, devemos aqui salientar que tal poder do juiz em determinar medidas adequadas à sua consideração acerca do bem/situação jurídica apresentada na actio, possui caráter mais amplo do que o poder geral de cautela que se fazia previsto no CPC/73 (art. 798), pois que no CPC/2015, dito poder se faz estendido ao gênero tutela provisória, portanto, em tutelas de natureza urgente ou de evidência, inclusive não se prendendo a medidas típicas, dependendo então das exigências do caso concreto apresentado para tanto [4].
Insta destacar que, especificamente na ação de competência originária de tribunal bem como em sede recursal, a tutela provisória será requerida, evidentemente, ao órgão julgador responsável por apreciar o mérito do pedido principal, ressalvada qualquer outra disposição especial (art. 299 e parágrafo único).
Uma vez requerida a tutela provisória em caráter incidental, esta não exigirá o pagamento de custas (art. 295).
Diante do requerimento da presente tutela em comento, quer de forma antecedente ou incidentalmente, sendo esta negada ou concedida e mesmo que, após sua concessão, venha operar-se sua modificação ou mesmo revogação, não se eximirá o magistrado, diante de qualquer destas decisões, de motivar o seu convencimento, sempre de modo claro e preciso (art. 298), o que, aliás, torna-se despicienda tal referência, já que por próprio preceito constitucional (art. 93, IX, da CF/88), impedido está o órgão julgador de proferir decisões sem o respeito integral à imprescindível motivação e, por isso, a uma fundamentação analítica e justificada [5].
Para efetivação da tutela provisória, serão observadas, no que couberem, as regras que regem o cumprimento provisório da sentença, consoante aponta o parágrafo único do art. 297.
Conforme já assinalado, a competência para a concessão da tutela provisória será daquele juízo competente para conhecer da pretensão principal, portanto, o requerimento da desejada tutela provisória será dirigido ao órgão julgador apto ao conhecimento da tutela definitiva e, ressalvada disposição em contrário, na ação de competência originária de tribunal bem como em sede recursal, a tutela provisória será devidamente requerida ao órgão competente naquele tribunal para apreciar o mérito (art. 299 e seu parágrafo único).
Por fim, cumpre afirmar, pela própria natureza de gênero por que dota a tutela provisória, que tais disposições ora em comento são aplicáveis em geral às tutelas de urgência e de evidência, espécies, como já dito, daquela.
3 Tutelas de Urgência
Conforme já salientado, consiste a tutela de urgência em uma das espécies de tutela provisória, subdividindo-se em tutela de urgência antecipada e tutela de urgência cautelar.
A tutela provisória de urgência, seja ela antecipada ou cautelar, será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, o que pode ser traduzido na demora da prestação jurisdicional (art. 300, caput, do CPC/2015), em referência ao seu correspondente no CPC/73, in casu, o art. 273, caput e inciso I. In verbis:
“Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.”
De pronto, é de se notar a aproximação dos requisitos da tutela antecipada e cautelar, ambas consideradas pelo legislador do CPC/2015 como tutelas voltadas à urgência fática e jurídica para a sua concessão, restando, portanto, clara a escolha quanto aos elementos ou requisitos comuns a ambas, mais uma vez: a) probabilidade do direito (fumus boni iuris); b) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora).
Aliás, ratificando dito entendimento está o Enunciado nº 143 do Fórum Permanente de Processualistas Civis:
“A redação do art. 300, caput, superou a distinção entre os requisitos da concessão para a tutela cautelar e para a tutela satisfativa de urgência, erigindo a probabilidade e o perigo na demora a requisitos comuns para a prestação de ambas as tutelas de forma antecipada.”
É de se lembrar, conforme já explicitado quando da análise da tutela provisória que as tutelas de urgência antecipada ou cautelar podem ser requeridas e concedidas tanto em caráter antecedente quanto incidentalmente no processo, conforme assegura o art. 294, parágrafo único.
Em sede de concessão da tutela de urgência, poderá o magistrado exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte, por ventura, possa vir a sofrer, podendo ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la (art. 300, § 1º).
Nota-se, conforme supracitado, a possibilidade de a parte ex adversa vir a sofrer danos decorrentes da concessão de medida de urgência e nisso dispõe o art. 302 de hipóteses resultantes de realização da tutela de urgência no plano prático.
Atesta o presente dispositivo legal:
“Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se:
I – a sentença lhe for desfavorável;
II – obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;
III – ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal;
IV – o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.”
Pode a tutela de urgência ser concedida liminarmente ou após justificação prévia (§ 2º do art. 300). Justifica-se tal hipótese quando o juiz, por exemplo, ao examinar o pedido de tutela de urgência, não se convença da real presença de fumus boni iuris e/ou do periculum in mora, necessitando, pois, designar audiência de justificação prévia para fins de certificar-se probalmente da necessidade da medida requerida, logicamente, com a presença do autor e, uma vez pautando-se em pedido de tutela de urgência inaudita altera parte, certamente, a presença do réu neste caso redundaria no próprio esvaziamento da medida objetivada.
Destaca-se que a tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão ora pretendida (§ 3º do art. 300).
Em verdade, é possível que a concessão da medida e sua respectiva realização venham a ocasionar, realmente, a irreversibilidade do bem jurídico objeto da referida tutela, como, por exemplo, em casos em que se obtém uma tutela antecipada para demolição de um prédio de valor histórico ou arquitetônico. De certo, sua reconstrução não terá o condão fiel de substituir o original e, daí, o que teríamos seria uma irreversibilidade de fato, sendo razoável a não concessão da tutela de urgência antecipada.
Tal irreversibilidade também é conhecida, dentre outros, no seguinte julgado:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL. TUTELA ANTECIPATÓRIA EM AÇÃO RESCISÓRIA. IDADE AVANÇADA DA RÉ. CARÁTER ALIMENTAR. EXISTÊNCIA DO PERICULUM IN MORA INVERSO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS ACOLHIDOS, COM EFEITOS MODIFICATIVOS, PARA REVOGAR A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA.
- Na hipótese dos autos, em que se informam a idade avançada da ré e a ausência de recursos financeiros para sua subsistência, verifica-se a existência do periculum in mora inverso ante o caráter alimentar da pensão especial de ex-combatente, concedida pelo julgado que se pretende rescindir com a presente ação. Em verdade, diante de tais fatos, noticiados na petição dos embargos de declaração, imperioso concluir que a manutenção da antecipação da tutela, suspendendo a execução do julgado rescindendo, pode ocasionar danos irreparáveis à parte ré, em razão da demora do processo. Trata-se, pois, de irreversibilidade de fato, que impede a concessão da tutela antecipatória, porquanto insuscetível de ser resolvida em perdas e danos (art. 273, § 2º, do Código de Processo Civil).
- Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, a fim de revogar a decisão que concedeu tutela antecipatória, determinando, por conseguinte, o prosseguimento da execução do julgado rescindendo.” [6] (grifo nosso)
Por outro lado, tratando-se da possibilidade de reparação por perdas e danos diante da concessão de medida antecipada, entendem doutrina [7] e jurisprudência (o próprio acórdão acima) ser possível a obtenção da tutela de urgência antecipada, ainda que diante de possível irreversibilidade, in casu, tida como de direito [8].
Ainda que façamos comentários mais adiante sobre esta questão, encontramos também dentro do conteúdo geral da tutela de urgência disposição atinente especificamente à tutela de urgência de natureza cautelar, na qual, por meio do art. 301 do CPC, está a possibilidade de a citada tutela ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito, demonstrando na locução “qualquer outra medida idônea“, a ideia de que a tônica das medidas cautelares inominadas corresponde ao regramento adotado pelo legislador do CPC/2015, dado que, com a extinção do Livro III do CPC/73, este inteiramente dedicado ao Processo Cautelar e, em especial, às cautelares nominadas, procura o novel codex de 2015 elencar as medidas cautelares a título nominalmente exemplificativo, como acima se viu, no art. 301, possibilitando que qualquer outra medida idônea para asseguração do direito possa ser adotada e/ou adaptada ao bem e/ou situação jurídica desejada para o acautelamento.
No que se refere à fungibilidade das tutelas de urgência antecipada e cautelar, o legislador não repetiu a integralidade da regra entre ditas medidas como no CPC/73.
Certo é que encontramos a fungibilidades de aludidas medidas de urgência no art. 305, caput e parágrafo único, do CPC/2015, que assim expressa:
“Art. 305. A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Parágrafo único. Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no art. 303.”
Denota-se do dispositivo suprarreferido que a fungibilidade entre as tutelas provisórias de urgência antecipada (caráter satisfativo) e a cautelar (caráter conservativo) encontra-se textualmente restrita no que se refere ao momento do seu requerimento, ou seja, naqueles casos em que se postula a tutela provisória de urgência na forma antecedente.
Assim, ainda que os requisitos para a concessão das medidas urgentes sejam os mesmos, parece apontar o legislador para a impossibilidade ampla de fungibilidade entre as mesmas.
Não obstante isso, entendemos que o melhor pensamento seria aquele voltado ao prestígio da economia processual em sintonia com o princípio da duração razoável do processo, de modo que, dentro da perspectiva de uma razoável fungibilidade, não ser a mesma desprezada, quer entre tutelas provisórias de urgência cautelar e antecipada, ou mesmo vice-versa, quer antecedente ou incidentalmente, não se coadunando a edificação de óbices para tal diante de questões especificamente formais, quando, em verdade, se põe como de relevo à imprescindibilidade de realização da efetividade processual [9], ideal indissociável da prestação do serviço público da justiça e de respeito aos valores constitucionais.
3.1 Tutela de Urgência Antecipada
Conforme já salientado, a tutela de urgência se divide em antecipada e cautelar, podendo ambas serem concedidas em caráter antecedente ou incidental (parágrafo único do art. 294 do CPC).
Mais precisamente com relação à tutela de urgência antecipada, temos a sua possibilidade de concessão tanto em sede anterior ao próprio pedido principal da demanda quanto junto a este e mesmo incidentalmente, ou seja, no decorrer do processo.
- a) Tutela de urgência antecipada requerida em caráter antecedente (com pretensão à estabilização)
Com relação à tutela antecipada requerida em caráter antecedente, o art. 303 do CPC trata de iniciar a regulação de seu procedimento, nos seguintes termos:
“Art. 303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.”
Nota-se daí a possibilidade de se requerer os efeitos da pretensão final quando a urgência da medida antecipatória for contemporânea à própria propositura da ação a qual se objetiva a tutela final.
No caso em tela, a petição inicial pode limitar-se ao pedido de tutela antecipada com a indicação do pleito de tutela final, expondo aí a lide, o direito que deseja alcançar bem como o perigo de dano ou risco ao necessário resultado útil do processo, portanto, uma peça simplificada [10], não obstante capaz de motivar o órgão julgador a conhecer da pretensão desejada e, por isso, o conteúdo probatório da alegação deve ser, inexoravelmente, acostado. Ainda na peça exordial deverá constar o valor da causa, este que deve levar em consideração o pedido de tutela final e a indicação de que pretende o autor se valer da aludida medida antecipada de caráter antecedente à tutela final (§§ 4º e 5º do art. 303).
Pois bem. Uma vez deferida a tutela de urgência antecipada de caráter antecedente, deverá o autor aditar à petição inicial, nos mesmos autos e sem novas custas (§ 3º do art. 303), a respectiva complementação de sua argumentação, possibilitando a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 dias ou em outro prazo maior que o juiz poderá fixar, ex vi do art. 303, § 1º, I. Não levando a cabo o supracitado aditamento no tempo e na forma previstos, o processo será extinto sem resolução do mérito (§ 2º do art. 303).
Poderá ainda o juízo entender da inexistência de elementos para a concessão da medida antecipada em caráter antecedente. Neste caso, será determinada ao autor a emenda da petição inicial no prazo de cinco dias (diga-se, sem possibilidade de alargamento temporal), o que significa dizer que deverá o mesmo, caso seja de seu interesse, efetivar o próprio pedido de tutela final em sua extensão; caso contrário, haverá indeferimento da petição inicial e a consequente extinção do processo sem resolução do mérito (§ 6º do art. 303).
Assim, uma vez deferida a medida, será o réu citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação (II do § 1º do art. 303).
Cabe aqui elencar alguns apontamentos.
A citação neste caso dar-se-á para que o réu, logicamente, tenha a ciência da concessão da medida antecipatória de caráter inaudita altera parte e, mais do que isso, seja possível a interposição do respectivo recurso [11] (agravo de instrumento, art. 1.015, I, do CPC) diante da decisão interlocutória de admissão da medida antecipada, dado que, não recorrendo o réu da referida decisão, ocorrerá a denominada “estabilização da tutela antecipada” (art. 304, caput, do CPC), concedendo presunção de força e estabilidade ao pedido que até então era de caráter provisório, sendo o processo extinto com resolução do mérito conforme atesta o § 1º do art. 304 [12].
Neste caso, ocorrendo a citada estabilidade da tutela antecipada, esta conservará seus efeitos enquanto não for revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito decorrente de ação revocatória a ser promovida por qualquer das partes para tais fins, dentro do prazo de dois anos, estes contados a partir da ciência da decisão que extinguiu o processo, concedendo a referida estabilidade (§§ 2º, 3º e 5º do art. 334), cabendo frisar que para dita actio prevento será o juízo que concedeu a medida de urgência antecipada antecedente.
Vale dizer, por conseguinte, que qualquer das partes poderá, igualmente, solicitar desarquivamento dos autos em que fora concedida a medida ora estabilizada, com o intuito de instruir a petição da ação revocatória de revisão, reforma ou invalidez da tutela antecipada antecedente estável, nos termos do § 4º do art. 304.
Questão importante é aquela que toca os § 6º do art. 304. In verbis:
“§ 6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo.”
Em bom sentido, compreender como coisa julgada pretensão decidida de forma não exauriente é sempre questão temerária, de modo que merece encômios o preceito legislativo em tela.
Por outro lado, conforme firmado em linhas atrás, passados dois anos da ciência da decisão que extinguiu o processo, incorrerá, inegavelmente, a decadência o direito de propor a citada ação revocatória (§ 5º do art. 304) e daí sobrevirá, efetivamente, a coisa julgada [13].
Outrossim, pela própria dicção normativa, havendo a interposição do recurso, independentemente do sucesso deste, deverá o autor realizar o supracitado aditamento do pedido de tutela final, sob pena de ver extinto o processo, de acordo com o já digitado § 2º do art. 303 [14].
Notadamente, interposto recurso e ocorrendo aludido aditamento da peça inicial, ocorrerá a audiência de conciliação ou mediação, nos termos do art. 334 do CPC, isso caso não ocorra pedido formal das partes para sua não realização, cabendo ao réu apresentar sua contestação de acordo com o que preceitua o art. 335:
“Art. 335. O réu poderá oferecer contestação, por petição, no prazo de 15 (quinze) dias, cujo termo inicial será a data:
I – da audiência de conciliação ou de mediação, ou da última sessão de conciliação, quando qualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver autocomposição;
II – do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou de mediação apresentado pelo réu, quando ocorrer a hipótese do art. 334, § 4º, inciso I;
III – prevista no art. 231, de acordo com o modo como foi feita a citação, nos demais casos.”
- b) Tutela de urgência antecipada requerida em caráter inicial e incidental (sem pretensão à estabilização)
No que toca ao pedido incidental da tutela de urgência antecipada, poderá o autor requerer a medida já na própria petição inicial, portanto, cumulativamente com o pedido principal, necessariamente apontando a incidência dos requisitos basilares da medida, prevalecendo a partir daí o procedimento comum.
Em se tratando de pedido de liminar de antecipação inaudita altera parte, o que se justifica quando o risco do dano se faz imediato, sendo imprescindível a concessão da medida sem qualquer oitiva da parte contrária em um primeiro momento, já que comprovada a possibilidade de a parte requerida causar embaraços à plena consecução da medida antecipada, o magistrado, convencendo-se dos argumentos supracitados e desde que presentes os conteúdos autorizadores da tutela em questão, i.e., a probabilidade do direito (fumus boni iuris) e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora) deferirão, liminarmente, a medida já no momento em que aceita a peça inicial autoral [15].
Insta destacar a possibilidade de incidência do § 1º do art. 300:
“Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.”
Daí, o contraditório da parte ex adversa deverá ser realizado, em um momento subsequente ao provimento da medida requerida [16], frise-se, caso seja comprovada a real necessidade de se evitar que a parte ré cause qualquer embaraço à plena consecução da medida antecipada.
Assim, uma vez deferida a tutela em comento, será a parte requerida intimada da concessão da liminar de antecipação da tutela de urgência podendo a ela se opor por meio de agravo de instrumento (art. 1.015, I, do CPC), sendo, por conseguinte, conforme o rito comum citada para a audiência de conciliação ou de mediação (art. 334 do CPC).
Por outro lado, é possível o requerimento da tutela de urgência antecipada na forma incidental, ou seja, no decorrer do andamento processual, evidentemente, dotado dos requisitos essenciais já reiteradamente acostados em linhas atrás, para o seu conhecimento e possível aceite pelo órgão julgador.
Neste caso, uma vez requerida a pretensão antecipada por qualquer das partes e sendo esta deferida, a parte requerida será intimada para o devido contraditório, este a realizar-se no prazo de cinco dias, já que não se faz previsto qualquer prazo específico para dita questão (art. 218, § 3º), salvo se o magistrado estipular outro lapso temporal para tal fim.
Por outro lado, sendo o pedido de tutela provisória de urgência em sede incidental indeferido, caberá ao requerente interpor o agravo de instrumento para que possa tentar a concessão da medida perante o juízo ad quem (art. 1.050, I, do CPC).
- c) Observações importantes em sede de tutela provisória de urgência antecipada
– Tutela antecipada em face do Poder Público [17]
Tema com interesse frequente e alvo de enfrentamento pela doutrina é aquele relativo à possibilidade de medida antecipatória quando em questão está o Poder Público, mais especificamente a União, os Estados, o Distrito Federal, bem como Municípios, como alvo de tal.
O art. 1.059 do CPC/2015 afirma que à tutela provisória requerida contra a Fazenda Pública aplica-se o disposto nos arts. 1º a 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, e no art. 7º, § 2º, da Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009.
Pois bem. A Lei nº 12.016/09, que rege o mandado de segurança, aponta no § 2º do art. 7º a limitação de concessão de liminares em determinados conteúdos, nos seguintes termos:
“§ 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.”
Observa-se, pois, as matérias objetadas de possível concessão por meio de medida liminar em sede de mandado de segurança, o que, certamente, se estende ao mesmo entendimento das medidas de urgência antecipada.
Por outro lado, em sede de tutela de urgência de natureza cautelar, vem a Lei nº 8.437/92, em seus arts. 1º, 3º, e 4º, respectivamente, limitar, igualmente, a sua permissividade:
“Art. 1º Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.
(…)
Art. 3º O recurso voluntário ou ex officio, interposto contra sentença em processo cautelar, proferida contra pessoa jurídica de direito público ou seus agentes, que importe em outorga ou adição de vencimentos ou de reclassificação funcional, terá efeito suspensivo.
Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.” (grifo nosso)
Observa-se que, diante das supracitadas leis, não se encontra afastada a possibilidade de obtenção de tutelas de urgência em face do Poder Público, senão nas matérias pelas legis apontadas, isto é, que tratam de compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.
Por outro lado, importante ressaltar que, em uma análise mais detida, tem-se em entendimento, inclusive em sede doutrinária, que a tutela de urgência antecipada encontraria lugar em demandas ajuizadas em face da Fazenda Pública, no entanto, aplicando-se igualmente outras ressalvas, máxime aquelas decorrentes da imprescindibilidade do regime estabelecido pelo precatório, este exigido para pagamentos devidos pelo erário em virtude de sentença judiciária. A própria Lei nº 9.469/97 aponta tal questão nos seguintes termos:
“Art. 6º Os pagamentos devidos pela Fazenda Pública federal, estadual e municipal e pelas autarquias e fundações públicas, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão, exclusivamente, na ordem cronológica da apresentação dos precatórios judiciários e à conta do respectivo credito.
Parágrafo único. É assegurado o direito de preferência aos credores de obrigação de natureza alimentícia, obedecida entre eles à ordem cronológica de apresentação dos respectivos precatórios judiciários.”
Fato é que a própria doutrina admite como lícita a antecipação da tutela de urgência, mesmo que relativamente a débitos do erário, processando-se imediata expedição de precatório, adquirindo aí efetiva primazia na ordem cronológica [18]. Atendido no devido tempo o precatório e efetuado o pagamento pela Fazenda, o respectivo numerário ficaria, no entanto, depositado à ordem da autoridade judiciária para entrega ao credor somente após a prolação de sentença final condenatória do respectivo ente público.
Bem colocada por Athos Gusmão, ainda sob a égide do CPC/73, é a ideia que parte da construção de óbices à obtenção da tutela antecipada em face da Fazenda Pública, levando-se em conta a existência da exigência ao regime do reexame necessário da sentença (recurso de ofício), capitulado no art. 475 do CPC/73 (art. 496 do CPC/2015), afirmando nisto que “se nem a sentença definitiva, proferida após a instrução da causa, pode produzir imediato efeito quando proferida contra entidade de direito público, muito menos tal efeito poderia decorrer de um julgamento provisório e revogável” [19].
Mais adiante e acertadamente, contudo, subscreve:
“(…) poder-se-á superar tal argumento pela consideração de que a exigência do duplo grau refere-se apenas às sentenças porque apenas estas possuem aptidão, exatamente pela prévia cognição exauriente, de adquirir o selo da imutabilidade pelo trânsito material em julgado (art. 467) do CPC [1973 (art. 502 do CPC/2015)]; destarte, constitui valiosa garantia para o erário que esta peculiar eficácia somente seja adquirida após a apreciação da causa não só no juízo monocrático como também no juízo colegiado.
Já a AT, esta é concedida através decisão interlocutória, de caráter provisório, modificável ou revogável pelo próprio juiz que a proferiu, e cuja eficácia pode igualmente ser suspensa pelo presidente do tribunal, em concorrendo as circunstâncias referidas no art. 4º da Lei nº 8.437, de 30.06.92 (cuja incidência às AT foi tornada explicita pelo art. 1º da Lei nº 9.494, de 10.09.97).” [20]
– Antecipação da tutela específica
Diante de tudo que já fora até aqui enfrentado e levando-se em conta as disposições que regem a tutela provisória de urgência antecipada, notória é a possibilidade que as mesmas concedem, estabelecendo a viabilidade de ser antecipada a tutela específica alusiva às obrigações de fazer e não fazer, quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (tutela de urgência de natureza antecipada ou incidental) [21], ou mesmo decorrente do art. 311, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo (tutela de evidência), o que se verá mais adiante.
4 Tutela de Urgência Cautelar
Conforme outrora visto, trata o CPC/2015 da tutela provisória admitindo duas espécies a ela integrantes, quais sejam as tutelas de urgência e evidência, sendo que a primeira se subdivide em antecipada (de natureza satisfativa) e cautelar (de natureza conservativa).
Nestes termos, enfrentaremos neste item a tutela provisória de urgência cautelar em suas duas formas de interposição: antecedente e incidental.
Mister se faz compreender que a medida de natureza cautelar configura-se em um meio legal de proteção do bem ou da situação jurídica, direta ou indiretamente, ligados à causa, afastando-se, com isso, o risco do seu perecimento e, consequentemente, a inutilidade de toda a atividade jurisdicional.
Bem por isso, visa dar garantias à efetividade da tutela pretendida em um pedido principal, não podendo, pois, veicular pretensão satisfativa, salvo no caso de acolhimento, pelo juiz, da alegação de prescrição ou decadência de direito (art. 310 do CPC).
Sendo uma tutela de urgência, obrigatoriamente, para a sua concessão, deverá possuir os requisitos para a concessão de qualquer tutela provisória de caráter urgente, quais sejam: (i) probabilidade do direito (fumus boni iuris) e (ii) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora).
A título do novato regramento das medidas de natureza cautelar, insta afirmar que no revogado CPC/73, tínhamos um livro inteiramente dedicado ao processo cautelar – Livro III -, que regulava, especificamente, as cautelares tidas como “nominadas” e aquelas imputadas como inominadas.
As primeiras – típicas – notadamente eram aquelas que possuíam descrição ou regulamentação exaurida pelo CPC/73, detalhadamente, em capítulo próprio, como, p. ex., o arresto (arts. 813 a 821 do CPC/73); o sequestro (arts. 822 a 825 do CPC/73); a busca e apreensão (arts. 839 a 843 do CPC/73), dentre outras.
Já as segundas – atípicas – correspondiam às providências que, mesmo sem contar com previsão legal de caráter específico, poderiam e deveriam ser formuladas e outorgadas pelo juiz, sempre que houvesse fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação, consoante com o que rezava o art. 798 do CPC/73, segunda parte, residindo sua fundamentação, portanto, no denominado poder geral de cautela, este que compete ao magistrado quando da condução do processo.
É de notar que no novel codex de 2015, não possuindo qualquer livro com dedicação especificamente ao processo cautelar, as providências de natureza acautelatória foram acostadas junto às tutelas provisórias urgentes, e mais detidamente na modalidade “cautelar“, ex vi dos arts. 294, 300 a 302 e 305 a 310.
Com relação às já digitadas medidas cautelares de natureza nominada e inominada, pode o CPC/2015 estabelecer como regra as tutelas de urgência cautelares inominadas, nominando de forma ilustrativa possíveis medidas de alcance de tal tutela acautelatória, como se depreende do art. 301:
“Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.”
Observa-se que, ao contrário do CPC/73, no qual para cada medida nominada havia, em regra, detalhes de um rito específico, no CPC/2015 isto não se dá, tendo, portanto, o legislador adotado uma regulação procedimental comum, bastando a existência dos elementos condicionantes à concessão da tutela urgente cautelar, ou seja, a probabilidade do direito (fumus boni iuris) e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora).
Notadamente, continua sendo entendido que arresto consiste em uma medida cautelar que visa resguardar de um perigo de dano o direito à tutela ressarcitória; que o sequestro trata de medida cautelar voltada a proteger de um perigo eventual dano à tutela do direito à coisa; que o arrolamento de bens consiste numa medida cautelar em descrever, apreender e depositar determinado numerário de bens expostos um risco de dano e o registro de protesto contra alienação de bem como medida cautelar que objetiva assegurar, em virtude perigo de dano de corrente da aludida alienação, a tutela reparatória ou ressarcimento do direito agredido.
Pela própria extensão do dispositivo supracitado, tem-se uma amplitude de medidas cautelares de forma ilimitada, sobretudo, quando o legislador expressa “qualquer outra medida idônea para asseguração do direito“.
Assim, apenas título exemplificativo, teríamos “admissão de exercício provisório de servidão de passagem“, quando objeto de litígio; “proibição de dispor“, como medida conservativa da posse do dono, interditando tão somente a possibilidade de alienação da coisa ou mesmo conteúdos deveras conhecidos como “sustação de protesto de títulos“, “medidas destinadas a prevenir riscos de dilapidação de fortuna“, “proibição de utilização de nome comercial“, dentre muitas.
4.1 Tutela de Urgência Cautelar Antecedente
Sempre que se fizer necessária a tutela de urgência cautelar de forma preparatória, objetivando conservar bens, pessoas ou provas que possam sofrer perigo de dano em decorrência da demasiada delonga por que passa a marcha processual, o CPC/2015 estabeleceu um procedimento específico.
- a) Petição inicial
Além do dever de respeitar os elementos ínsitos a uma petição inicial (art. 319), ou seja, autoridade competente endereçada, qualificação das partes, pedido com suas especificações, o valor da causa bem como as provas que pretende comprovar os fatos alegados, regra, especificamente o art. 305, os demais conteúdos necessários a compor a petição inicial do pedido de tutela de urgência cautelarde caráter antecedente:
“Art. 305. A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.”
Assim, deverá a petição inicial conter:
– Indicação da lide (conflito de interesse qualificado por pretensão resistida) e seu fundamento. Trata-se da necessidade de constar da petição inicial a lide que será objeto meritório do pedido principal a ser formulado posteriormente – como se verá adiante – bem como o fundamento jurídico decorrente da mesma, portanto, traduzindo-se na própria causa petendi da demanda, ainda que de forma sumária, já que a própria causa de pedir, em sua extensão poderá ser aditada no momento da formulação do pedido principal, conforme regra o § 2º do art. 308.
– Exposição sumária do direito que se objetiva assegurar. Significa a probabilidade do direito que se entende ser necessário acautelar, traduzindo-se no fumus boni iuris, o que repercute também no interesse de agir do requerente da medida de urgência cautelar antecedente, pois que a necessidade da medida precisa ser demonstrada em princípio, aparentando-se no “bom direito” e, por isso, ligando em nexo de referibilidade com o pedido principal.
– Perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Necessidade de se evidenciar o periculum in mora, representado pelo potencial risco de lesão que pode a parte requerente experimentar diante da não concessão da medida de urgência cautelar conservativa.
Como já exposto em outro momento da presente temática (vide item tutela de urgência), caso o autor venha requerer tutela de urgência de natureza cautelar (conservativa) e, na verdade, tratar-se de tutela de urgência antecipada (satisfativa), caberá ao magistrado aplicar a fungibilidade das pretensões, conhecendo então da pretensão satisfativa ou, invés, da conservativa (ex vi do parágrafo único do art. 305 do CPC) e vice-versa.
- b) Despacho da petição inicial e citação do réu
Uma vez recebida a petição inicial, caberá ao juízo a análise da mesma.
Havendo pedido liminar inaudita altera parte, poderá concedê-la desde que existentes os elementos para tal ou mesmo após justificação prévia do autor (art. 300, § 2º, do CPC).
Deferida a peça inicial, será o réu citado para contestar o pedido de tutela de urgência cautelar antecedente, devendo sua peça de defesa ser apresentada em cinco dias, cabendo nesta indicar ainda as provas que pretende produzir, situação na qual o procedimento comum deverá ser observado (arts. 306 e 307, parágrafo único).
Por outro lado, sendo o pedido de tutela de urgência cautelar antecedente negado, o processo será extinto, sem necessitar, obviamente, da obrigatoriedade do autor em apresentar o pedido principal. No entanto, nada impede que o autor formule o pedido principal, inaugurando uma nova ação em autos próprios, sendo esta de cognição plena, abarcando então o pedido principal, tendo em vista que a tutela de urgência cautelar é que fora negada, salvo se o motivo que a obstou for o reconhecimento de decadência ou de prescrição (art. 310).
Não sendo contestado o pedido pelo réu, presumir-se-ão aceitos os fatos alegados na exordial e cabendo ao magistrado decidir a tutela provisória em cinco dias, conforme caput do art. 307.
- c) Formulação do pedido principal
Uma vez deferida e efetivada a medida de urgência cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 dias, sendo apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais (art. 308, caput).
É de chamar a atenção para a contagem do prazo retro referido: este se dará da efetivação da medida (cumprimento do mandado judicial que concedeu a tutela acautelatória), e não do seu deferimento, logicamente, excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento (arts. 219 e 224 do CPC).
Sendo o pedido principal apresentado, as partes serão intimadas para a audiência de conciliação ou de mediação, na forma do art. 334, por seus advogados ou pessoalmente, sem necessidade de nova citação do réu (§ 3º do art. 308).
Não ocorrendo a autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335 [22].
- d) Cessação da tutela de urgência concedida de forma antecedente
Expressa o art. 309 do CPC:
“Art. 309. Cessa a eficácia da tutela concedida em caráter antecedente, se:
I – o autor não deduzir o pedido principal no prazo legal;
II – não for efetivada dentro de 30 (trinta) dias;
III – o juiz julgar improcedente o pedido principal formulado pelo autor ou extinguir o processo sem resolução de mérito.”
Dito isso, entende-se no inciso I que, concedida a medida em procedimento preparatório, terá a parte 30 dias, contados da sua efetivação, para ingressar com a ação principal. Logo, a norma visa repelir a inércia imotivada do autor que pudesse prolongar indefinidamente a situação litigiosa, enquanto perdurassem os efeitos da medida constritiva, como, p. ex., o arresto ou o sequestro em face do réu.
Já o inciso II reporta à situação de não efetivada em 30 (dias) a medida já deferida pelo juízo. Por isso, desde que o requerente receba o deferimento da tutela de urgência cautelar pretendida, abre-se o prazo de 30 dias para a sua execução, contados do seu deferimento. Ultrapassado o período assinalado, contudo, a inatividade será tida como renúncia tácita, ensejadora da cessação dos efeitos da medida.
Por fim, no inciso III, devemos considerar a possibilidade de afastamento total da eficácia da tutela de urgência cautelar quando a) advier o trânsito em julgado da decisão contrária ao requerente; ou b) quando ocorrer a sua substituição por um provimento final satisfativo, quer dizer, capaz de liquidar a sua pretensão. Porquanto, sempre que passível de recurso ou pendente o seu cumprimento, será possível não ter a sentença o condão absoluto de acabar com os efeitos da tutela cautelar outrora deferida.
Completando o raciocínio supra, pode acontecer de, excepcionalmente, a sentença de improcedência não levar à cessação da eficácia da tutela cautelar. Isso porque existem situações em que o dano pode ser tão grave e ocorrer automaticamente depois da sentença de improcedência que pode o juiz decidir julgar improcedente o pedido, mas manter a proteção cautelar, mormente se vislumbra a possibilidade de o tribunal modificar a decisão [23].
Por fim, resta o entendimento de que, qualquer que seja a causa da cessação da eficácia da tutela cautelar, ficará vedado à parte renovar o pedido feito, salvo se puder apresentar nova fundamentação, impondo aí importante restrição ao requerente daquela tutela (parágrafo único do art. 308).
4.2 Tutela de Urgência Cautelar Requerida em Caráter Inicial e Incidental
No que toca ao pedido incidental da tutela de urgência cautelar, poderá o autor requerer a medida já na própria petição inicial, portanto, cumulativamente, com o pedido principal (§ 1º do art. 308), necessariamente, apontando a incidência dos requisitos basilares da medida, prevalecendo a partir daí o procedimento comum.
Em se tratando de pedido de liminar em cautelar inaudita altera parte, o que se justifica quando o risco do dano se faz imediato, sendo imprescindível a concessão da medida sem qualquer oitiva da parte contrária em um primeiro momento, já que comprovada a possibilidade de a parte requerida causar embaraços à plena consecução da medida acautelatória, o magistrado, convencendo-se dos argumentos supracitados e desde que presentes os conteúdos autorizadores da tutela em questão, i.e., a probabilidade do direito (fumus boni iuris) e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora) deferirão, liminarmente, a medida já no momento em que aceita a peça inicial autoral.
Insta destacar a possibilidade de incidência do § 1º do art. 300:
“Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.”
Daí, o contraditório da parte ex adversa deverá ser realizado, em um momento subsequente ao provimento da medida requerida [24], frise-se caso seja comprovada a real necessidade de se evitar que a parte ré cause qualquer embaraço à plena consecução da medida cautelar.
Assim, uma vez deferida a tutela em comento, será a parte requerida intimada da concessão da liminar da tutela de urgência cautelar, podendo a ela se opor por meio de agravo de instrumento (art. 1.015, I, do CPC), sendo, por conseguinte, conforme o rito comum citada para a audiência de conciliação ou de mediação (art. 334 do CPC).
Por outro lado, é possível o requerimento da tutela de urgência cautelar na forma incidental, ou seja, no decorrer do andamento processual (art. 294, parágrafo único, do CPC), evidentemente, dotado dos requisitos essenciais já reiteradamente acostados em linhas atrás, para o seu conhecimento e possível aceite pelo órgão julgador.
Neste caso, uma vez requerida a pretensão cautelar por qualquer das partes e sendo esta deferida, a parte requerida será intimada para o devido contraditório, este a realizar-se no prazo de cinco dias, já que não se faz previsto qualquer prazo específico para dita questão (art. 218, § 3º), salvo se o magistrado estipular outro lapso temporal para tal fim.
Por outro lado, sendo o pedido de tutela provisória de urgência em sede incidental indeferido, caberá ao requerente interpor o agravo de instrumento para que possa tentar a concessão da medida perante o juízo ad quem (art. 1.050, I, do CPC).
5 Poder Geral de Cautela
Nota-se da dicção do art. 297 do CPC a possibilidade de o magistrado determinar medidas que considerar adequadas para a efetivação da tutela provisória. Nestes termos:
“Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.”
Trata-se do denominado poder geral de cautela do órgão julgador.
Ainda sob a égide do CPC/73, vinha aludido poder permitido no art. 798, da seguinte forma:
“Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.”
Já dizíamos naquela época do Código revogado que a existência de tal poder justifica-se com fulcro no argumento de que, ao legislador, seria impossível prever e dispor, taxativa e exaustivamente, sobre todas as formas de perigo exequíveis e suas possíveis soluções. Dessa feita, caberá ao magistrado, quando provocado, a tarefa de determinar, em face do caso concreto, as medidas necessárias para o enfrentamento das situações de direito merecedoras de proteção [25].
Pois bem, no CPC/2015, além ratificamos as ideias supracitadas, podemos avançar inclusive para os próprios deveres do juiz, que se entende ser aquele de interesse do Estado, também, ao chamar para si a tutela jurisdicional. Dizemos isso sob a luz do incontestável indicador disposto no art. 139, IV:
“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
(…)
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;”
Nota-se, por tudo, que a promoção da tutela voltada à estimulação da efetividade processual se mostra como tônica forte nos ideários da novel legislação processual civil, o que reforma a permissão do emprego de uma diversidade de técnicas processuais voltadas ao cumprimento necessário de situações jurídicas substanciais.
No presente caso, o do poder geral de cautela, não poderá o magistrado, evidentemente, prescindir da existência dos requisitos necessários para a devida aplicação de medida apta à pretensão objetivada pela parte requerente da tutela de urgência cautelar, ou seja, a probabilidade do direito (fumus boni iuris) e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora).
6 Tutela de Evidência
O art. 311 do CPC/2015 trata especificamente da presente tutela.
É de se notar, de pronto, que a Tutela de Evidência, espécie de Tutela Provisória, objetiva o acolhimento no todo ou em parte, do pedido principal do autor da ação, independentemente da presença de urgência, quando a existência do direito se mostra prima facie indiscutível, de acordo com as hipóteses previstas no art. 311 [26].
Justificando a adoção da tutela em tela, ainda que em sede do anteprojeto de 2010, Fux expressou sua necessidade sob o argumento:
“Nas hipóteses em que uma parte ostenta direito evidente, não se relevaria justo, ao ângulo do princípio da isonomia, postergar a satisfação daquele que se apresenta no processo com melhor direito, calcado em prova inequívoca, favorecendo a parte que, ao menos prima facie, não tem razão.” [27]
Em verdade, não se quer dizer que a tutela de evidência venha ser concedida sem o devido e sagrado contraditório, a favor de qualquer direito evidente. Não.
Para sua concessão há de respeitar o efetivo diálogo em contraditório somado à demonstração de probabilidade do direito sustentado em sede de requerimento de tutela de evidência, ainda que a urgência não seja a tônica da medida em tela, cabendo seu requerimento e concessão, em regra, na forma incidental [28], consoante interpretação do parágrafo único do art. 294 do CPC. No entanto, ocorre que, em determinadas situações, há certa presunção de que a possível defesa do réu será inconsistente [29] (art. 311, II e III), autorizando o legislador a concessão da tutela de evidência de forma liminar (art. 311, parágrafo único).
Cabe destacar ainda que sua concessão funda-se em cognição sumária, não sendo sua decisão suscetível de coisa julgada.
As hipóteses que abarcam a autorização para o requerimento da tutela de evidência estão dispostas no art. 311, caput, nos seguintes termos:
“Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.”
Insta, desde já, esclarecer que as supracitadas hipóteses não se confundem com aquelas em que é permitido ao juiz, de forma antecipada, julgar o mérito (ex vi dos arts. 355 e 356), porquanto a decisão em sede de tutela de evidência, diferentemente do julgamento antecipado se pauta em cognição sumária e, por isso, como já bem salientado alhures, traduz em uma decisão revogável e provisória [30].
Como já expressado conceitualmente no início do presente item, na tutela da evidência não se exige a presença da urgência para o seu deferimento, pois se pauta na evidência da pretensão solicitada, portanto, não se está a cogitar o periculum in mora, mas, sim, a probabilidade do direito da parte, o que, à exceção do inciso I do art. 311, se mostra de total necessidade nos demais incisos o convencimento do órgão julgador quanto ao provável direito da parte requerente.
Não obstante isso, ainda que o inciso I supra não faça referência a qualquer conteúdo documental, não seria razoável a concessão da medida somente pelo comprovado abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte, sem que, sequer, mostre-se provável o pedido do autor, e daí tem-se coerência com o espírito de antecipação da tutela de evidência, ratificando-se, inclusive, a própria diferença entre esta tutela e aquela da urgência.
Por tudo, é de se afirmar que, em qualquer das hipóteses, deverá o requerente da medida comprovar a evidência e a probabilidade do seu direito, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo.
Com relação ao inciso I do art. 331, despiciendo afirmar que o mesmo possui similitude com o caput e o inciso II do art. 273 do CPC/73. Trata-se da possibilidade de concessão da tutela de evidência quando caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte contrária, portanto, sendo a defesa abusiva, excessiva ou mesmo inadequada e com o propósito de frustrar ou retardar a prestação jurisdicional, v.g., repetir alegações já indeferidas ou mesmo insistir na discussão de matéria tida como reclusa, demonstrando claramente o intuito procrastinatório da atitude volitiva da parte, tanto na defesa como na própria marcha processual.
No que toca ao inciso II do art. 331, temos a concessão da medida de evidência quando as alegações de fato colacionadas pelo requerente puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante a respeito.
De pronto, observa-se que, nesta hipótese, independemente de qualquer atitude do réu, deve o autor comprovar documentalmente (e lógico, de forma idônea) suas alegações de fato bem como estar a mesma assentada em tese firmada em julgamento de casos repetitivos (entende-se, decorrentes de incidente de resolução de demandas repetitivas – arts. 976 a 987 e recursos repetitivos – arts. 1.036 a 1.041) ou em súmula vinculante. Mostra-se aí a preocupação do legislador em prestigiar os precedentes jurisprudenciais dos Tribunais Superiores, em clara demonstração ao respeito à isonomia dos julgamentos através da verticalização das decisões, como no caso de recursos repetitivos e súmulas vinculantes ou mesmo de jurisprudência firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas nos Tribunais de Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais [31].
Aponta o inciso III para a possibilidade de concessão da tutela de evidência quando se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa.
Digitada hipótese se relaciona com o contrato de depósito, este devidamente regulado pelo Código Civil, nos arts. 627 e ss.
Em síntese apertada, no aludido contrato, o depositário tem por obrigação guardar e conservar a coisa depositada como se dele fosse e, notadamente, deve restituí-la com seus frutos ao depositante, correndo as despesas da restituição por conta do próprio depositante. Poderá o depositário reter o depósito até que se lhe pague a retribuição devida, o líquido valor das despesas, ou dos prejuízos a que se refere o artigo anterior, provando imediatamente esses prejuízos ou essas despesas.
No modelo do CPC/73, uma vez negada a devolução do bem e havendo prova literal do depósito (conforme era expresso no art. 902 do CPC/73), o depositante ingressava com a respectiva ação de depósito, mirando então o exato cumprimento obrigacional, i.e., a devolução do bem pelo depositário.
No CPC/2015, pode o legislador prever dita hipótese como possível em sede de tutela provisória de evidência, cabendo ao depositante, fundado em prova documental adequada ao contrato de depósito, reivindicar a coisa, inclusive com a cominação de multa ao depositário, caso seja recalcitrante no cumprimento espontâneo do comando judicial.
Por fim, preceitua o inciso IV do art. 331, como forma de admissão de tutela de evidência, hipótese em que a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Neste caso, caberá ao requerente da medida de evidência instruir sua peça inicial com prova documental satisfatória, para comprovar os fatos constitutivos que alega ter razão e, diante disso, ter carecido parte ex adversa de oferecer conteúdo probante capaz de estabelecer dúvida razoável aos fatos e, por isso, razões do autor do pedido daquela medida.
Perceba-se que não se trata da denominada incontrovérsia (como se vê do art. 356, nos casos de julgamento antecipado de mérito), mas de ausência de prova de forma consistente por parte do réu, que pudesse fazer frente àquela apresentada pelo autor do pedido de tutela de evidência [32].
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______. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. São Paulo: RT, 1997.
______; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2015.
______; ______; ______. Novo curso de processo civil. São Paulo: RT, 2015. v. 2.
MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2015.
NERY Jr., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil: novo CPC – Lei 13.105/2015. São Paulo: RT, 2015.
PISANI, Andrea Proto. Appunti sull agiustiza civile. Bari: Cacucci, 1982.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015.
[1] Cf. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo. São Paulo: RT, 1997. p. 121.
[2] PISANI, Andrea Proto. Appunti sulla giustiza civile. Bari: Cacucci, 1982. p.18 e ss.
[3] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. São Paulo: RT, 1997. p. 17.
[4] Enunciado nº 31 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “O poder geral de cautela está mantido no NCPC”.
[5] Importante neste âmbito são os enunciados do FPPC abaixo:
Nº 29: “A decisão que condicionar a apreciação da tutela antecipada incidentalmente ao recolhimento de custas ou a outra exigência não prevista em lei equivale a negá-la, sendo impugnável por agravo de instrumento”.
Nº 30: “O juiz deve justificar a postergação da análise liminar da tutela antecipada de urgência sempre que estabelecer a necessidade de contraditório prévio”.
Nº 141: “O disposto no art. 298 do CPC, aplica-se igualmente à decisão monocrática ou colegiada do Tribunal”.
Nº 142: “Da decisão monocrática do relator que concede ou nega o efeito suspensivo ao agravo de instrumento ou que concede, nega, modifica ou revoga, no todo ou em parte, a tutela jurisdicional nos casos de competência originária ou recursal, cabe o recurso de agravo interno nos termos do art. 1.021 do CPC”.
[6] STJ, EDcl no AgRg na AR 3.163/PR, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, 3ª Seção, j. 08.03.06, DJ 20.03.06.
[7] Ver: MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 476.
[8] NERY Jr., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil: novo CPC – Lei 13.105/2015. São Paulo: RT, 2015. p. 859.
Entendendo como possível a obtenção da tutela de urgência antecipada em quaisquer casuísmos, ou seja, não sendo a irreversibilidade óbice à obtenção da medida, dentre outros: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 313.
[9] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias de urgência. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 291.
[10] Cf. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 507.
[11] Entendendo da possibilidade de o réu se opor à presente decisão concessiva de tutela antecipada antecedente, não somente por meio de recurso, mas por qualquer outra forma de oposição ao decisum, v.g., contestação, reconvenção, a fim de se evitar a extinção do processo, cf., WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Ob. cit., p. 512.
[12] Interessante, neste caso, parece ser o fato de que a decisão interlocutória concessiva da medida de urgência antecipada antecedente, caso não enfrentada pelo respectivo recurso do agravo de instrumento, se “converterá” em sentença.
Para NERY Jr., Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade (ob. cit., p. 864), “cria-se um problema que não havia na concessão da tutela antecipada do CPC/73, relativamente a casos nos quais o pedido de antecipação de tutela seja exauriente e consista no único provimento requerido na ação principal, corroborando neste ínterim com a presença, então, de uma tutela de índole satisfativa”.
Verdade é que o autor, smj, somente terá interesse em tal modalidade de demanda de urgência antecipada antecedente, caso a tutela consistir no único objeto da ação principal a ser proposta.
Na mesma toada entende Leonardo Greco, para quem o “mecanismo engendrado constituirá extraordinário desestímulo à propositura da tutela antecipada em caráter antecedente, porque ficará prejudicado o pedido principal do requerente pela inércia do requerido, tendo aquele de contentar-se com a decisão concessiva da antecipação que, apesar de estável, não fará coisa julgada, pois revogável por ação de iniciativa do requerido” (A tutela da urgência e a tutela da evidência no Código de Processo Civil de 2014/2015. Disponível em: <http://www.redp.com.br/arquivos/redp_ht14_edicao.pdf>. Acesso em: 15 set. 2015).
[13] Na mesma ratio, cf. GRECO, Leonardo, idem; NERY Jr., Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade, idem, p. 864.
Importante é o Enunciado nº 33 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, que acrescenta neste contexto, o seguinte entendimento: “Não cabe ação rescisória nos casos de estabilização da tutela antecipada de urgência”.
[14] No mesmo sentido, BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 224.
[15] Digno de nota é prática frequente do juízo que posterga a análise de pedido antecipatório acostado na petição inicial, para momento subsequente ao da resposta do réu. Tal atitude silente possui a capacidade de causar verdadeiro gravame à parte que clama por urgência, os efeitos antecipados da tutela do direito material pretendido.
Nisto, tal postergação do ato judicial corresponde, em termos práticos, a uma verdadeira denegação, ainda que temporária da medida antecipatória solicitada, tratando-se, inequivocadamente, de uma decisão interlocutória cujo enfrentamento tem como via recursal o agravo na modalidade instrumento
Na mesma toada expressa, acertadamente, Joel Dias Figueira Junior no tocante ao cabimento do agravo de instrumento e uma possível supressão da instância recursal, dado a possibilidade de inexistência de ato denegatório formal diante da solicitação de tutela antecipada no caso em tela: “(…) Não há supressão de instância ou violação ao princípio do juiz natural o conhecimento do pedido e concessão da tutela antecipatória pelo tribunal ad quem, na exata medida em que o juiz originário foi instado a manifestar-se e optou pelo não conhecimento imediato do pedido, causando gravame ao autor”. E ainda adverte: “(…) Mesmo que se entenda haver violação aos princípios apontados no item anterior, faz-se mister equacioná-los com outros princípios identicamente constitucionais em conflito, tais como o direito de obtenção de tutela estatal hábil a sanar a lesão ou evitar ameaça a direito (acesso à jurisdição) e o direito de receber a proteção jurisdicional de maneira célere e em tempo razoável (compatível com a hipótese em concreto)”, posição que, seguramente, encontra respaldo em bases sólidas ditadas por direitos fundamentais (FIGUEIRA Jr., Joel Dias. Do recurso cabível contra ato judicial que posterga a análise de pedido de antecipação de tutela para momento subsequente ao oferecimento de resposta. In: FABRÍCIO, Adroaldo Furtado [Coord.]. Meios de impugnação ao julgado civil: estudos em homenagem a José Carlos Barbosa Moreira. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 354-355).
[16] Conforme bem pontua MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil. São Paulo: RT, 2015. v. 2. p. 207: “A possibilidade de o tempo ou a atuação da parte contrária frustrar a efetividade da tutela sumária constitui pressuposto para postergação do contraditório no processo civil”.
[17] Conforme já exteriorizado em notas anteriores, em relação à regulação da tutela provisória de evidência no CPC/2015, entendemos que os óbices à concessão da tutela antecipada em face da Fazenda Pública não se aplicam em sede de tutela de evidência. Aliás, em importante Enunciado de nº 35 do FPPC do qual ratificamos, bem explícito está o seguinte entendimento: “As vedações à concessão de tutela provisória contra a Fazenda Pública limitam-se às tutelas de urgência”.
[18] LOPES, João Batista. Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: RT, 1997. p. 214; MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 212-213.
[19] CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 71.
[20] Idem, p. 72.
[21] Sobre o assunto, ver o nosso Tutela específica das obrigações de fazer. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2015. p. 126-135.
[22] “Art. 335. O réu poderá oferecer contestação, por petição, no prazo de 15 (quinze) dias, cujo termo inicial será a data:
I – da audiência de conciliação ou de mediação, ou da última sessão de conciliação, quando qualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver autocomposição;
II – do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou de mediação apresentado pelo réu, quando ocorrer a hipótese do art. 334, § 4º, inciso I;
III – prevista no art. 231, de acordo com o modo como foi feita a citação, nos demais casos.”
[23] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 320.
[24] Conforme bem pontua MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil. São Paulo: RT, 2015. v. 2. p. 207: “A possibilidade de o tempo ou a atuação da parte contrária frustrar a efetividade da tutela sumária constitui pressuposto para postergação do contraditório no processo civil”.
[25] GAIO Jr., Antônio Pereira. Instituições de direito processual civil. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2013. p. 661.
[26] Cf. GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. 2. p. 370.
[27] FUX, Luiz. O novo processo civil. In: FUX, Luiz (Coord.). O novo processo civil brasileiro: direito em expectativa. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 18.
[28] GRECO, Leonardo. Instituições…, p. 370.
[29] Nos mesmos termos, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 322.
[30] Cf. também sobre a questão, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 523.
[31] Em acerto, seria de efetiva concessão da tutela de evidência em ações onde se questionasse a exigência de depósito para a admissão de recurso administrativo (Súmula Vinculante nº 21) ou se pretendesse matrícula em universidade pública sem sujeitar-se ao pagamento de taxa (Súmula Vinculante nº 12).
[32] Em acerto, seria de efetiva concessão da tutela de evidência em ações onde se questionasse a exigência de depósito para a admissão de recurso administrativo (Súmula Vinculante nº 21) ou se pretendesse matrícula em universidade pública sem sujeitar-se ao pagamento de taxa (Súmula Vinculante nº 12).