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A TUTELA E CURATELA NO ATUAL ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 Marcelo Augusto Cabral

 

O novo Código de Processo Civil foi alterado pela Lei 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) em alguns dispositivos, principalmente no tocante a tutela e curatela, assuntos que serão abordados a partir do próximo parágrafo.

Com relação à curatela, o que se tem com o novo instituto é a mudança em relação à curatela em alguns pontos. Isso ocorreu com relação aos arts. 1767 a 1775 do CC/02. Mas, o que vem a ser a curatela, primeiramente?

Curatela, segundo definição de Gonçalves é o “encargo deferido por lei a alguém capaz para reger a pessoa e administrar os bens de quem, em regra maior, não pode fazê-lo por si mesmo” (GONCALVES, 2009). Então, o que se estabelece por meio do Código Civilista, é que a curatela atinge princípios constitucionais, na medida em que garante que o curatelado exerce o princípio da dignidade humana em toda a sua extensão (art. 1º, III, CF/88; BRASIL, 1988).

A grande questão apontada, é que o Regulamento das Pessoas com Deficiência modificou alguns artigos no sentido de possibilitar a inclusão civil de pessoas tidas como absolutamente e relativamente incapazes anteriormente. Então se formaram duas correntes sobre o tema.

A primeira não vê com bons olhos as modificações, pois ressalta que de acordo com o postulado da dignidade-vulnerabilidade tais pessoas deveriam ser resguardadas como vulneráveis e não com o status jurídico modificado (TARTUCE, 2015).

A segunda corrente acredita, ao contrário, que a dignidade-liberdade deve ser evidenciada, pois segundo o que consta na Convenção de Nova York, tratado de direitos humanos do qual o país é signatário, o propósito maior do Estado-Nação brasileiro é o de “promover, proteger e assegurar o pleno exercício de suas liberdades individuais, assim como o de sua dignidade inerente”. Ou seja, não há de se excluir, a priori, a participação social-cidadã de uma pessoa com necessidades especiais de modo a lhe tolher uma expressão manifesta de vontade (TARTUCE, 2015).

Sobre o prisma do que consta escrito, por exemplo, ressalta-se que não existe mais no ordenamento jurídico pessoas incapazes maiores de idade (art. 3º CC/02; BRASIL, 2002), não havendo, portanto, ação de interdição com caráter absoluto. O art. 6º do regulamento diz que o défice não afeta a plena aptidão civil da pessoa, inclusive para: “ f) exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante e adotando, com iguais oportunidades em relação as demais pessoas” (BRASIL, Lei 13.146/15). O art. 4º do CC/02 diz que os antes considerados como absolutamente incapazes, são agora tratados com relativamente incapazes, não fazendo mais citação a pessoas com discernimento reduzido (BRASIL, Lei 13.146/15).

Contudo, o art. 1072, II, CPC/15 revogou os artigos relativos a esse assunto, mais precisamente os arts. 1768 a 1773 CC/02. Então, a compatibilidade das normas processuais é um grande empecilho a ser considerado no enfrentamento dessa temática, pois o CPC, com sua entrada em vigor teve um efeito aparentemente repristinatório com relação as leis implementadas pelo regimento já mencionado, ou seja, interfere diretamente na eficácia procedimental de tais normas, com efeito curto e pouco duradouro (LOBO, 2015. p. 2).

O dispositivo não evidencia qualquer aspecto procedimental, mas expressamente trata sobre a questão da curatela, criando inclusive, a “curatela compartilhada”, no art. 1775-A, que diz que assim que curador for nomeado para pessoa com incapacidade é possível o compartilhamento da mesma a mais de uma pessoa. Quer-se com isso, a ampliação do atendimento a este, fazendo com que o próprio interdito realize o pedido, não interferindo nos seus limites condicionantes, mas sobretudo, não o limitando.

O novo ditame jurídico prevê em seu art. 115 a chamada “Tomada de Decisão Apoiada”. O novo procedimento sugerido para ser adotado, é um processo pelo qual, a pedido da pessoa com incapacidade, são nomeadas duas pessoas consideradas como idôneas e de sua inteira confiança para lhe prestar apoio na tomada de decisão dos atos e decisões necessários para que possa exercer o melhor possível sua aptidão civil (art. 1783-A, caput, BRASIL, 2002), sendo a responsabilidade das pessoas escolhidas passíveis de fiscalização por parte do Poder Judiciário e do Ministério Público (RIVA, 2017).

Então, o grande desafio jurídico é estabelecer procedimentos que sejam integrativos com relação às pessoas com deficiência e que tenham como base um maior aspecto inclusivo, como o regulamento permitiu e preconizou por meio de seus artigos.

Recentemente, houve uma adição ao PLS 757/2015 (BRASIL,2018) -que tramita atualmente na Comissão de Constituição e Justiça do Senado- no propósito de limitar o alcance da curatela atos estritamente de natureza patrimonial e negocial. Se por um lado, tal proposta faz com que pessoas com défice mental, intelectual ou grave, maiores de 18 anos possam exercer plenamente sua aptidão civil com as demais pessoas, nega o recurso da tomada de decisão apoiada para aqueles que não conseguem manifestar sua vontade por qualquer meio, tendo de recorrer à curatela para ter suas prerrogativas atendidas. Contudo, a crítica que se faz é que apesar de significar grandes avanços na área, questões como direito ao próprio poder de decisão são restringidos na parte que engloba a “Tomada de Decisão”, matrimônio, união estável, educação, trabalho e saúde, que não se encontram contemplados.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 18 jul. 2018.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 18 jul. 2018.

BRASIL. Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm>. Acesso em 18 jul. 2018.

BRASIL. SENADO FEDERAL. CCJ aprova tomada de decisão apoiada para pessoa com deficiência grave ou mental (2018). Acessível e disponível em meios digitais em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/06/20/ccj-aprova-tomada-de-decisao-apoiada-para-pessoa-com-deficiencia-grave-ou-mental> Acesso em 18. Jul. 2018.

GONCALVES. Carlos Roberto – Direito Civil Brasileiro – Volume VI – Direito de Família –  6.ed., São Paulo: Saraiva, 2009.

LOBO, Paulo. Com avanços legais, pessoas com deficiência mental não são mais incapazes. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/artigos/>. Acesso em: 18 jul. 2018.

RIVA, Léia Comar. O Direito de Família e as novas determinações do Estatuto da Pessoa com Deficiência. RKL Advocacia, 2017. Disponível em:

<https://rkladvocacia.com/o-direito-de-familia-e-as-novas-determinacoes-do-estatuto-da-pessoa-com-deficiencia/#_ftn47> Acesso em 18. Jul. 2018.

TARTUCE, Flávio. Alterações do Código Civil pela lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Repercussões para o Direito de Família e Confrontações com o Novo CPC. Partes I e II. Site Revista Migalhas, 2015. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI224217,21048-Alteracoes+do+Codigo+Civil+pela+lei+131462015+Estatuto+da+Pessoa+com> Acesso em 18. Jul. 2018.

 

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