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TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE

TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE

Cláudia Elisabete Schwerz Cahali

O CPC/15 (Lei 13.105/2015) inovou ao tratar em um único título a tutela de urgência (arts. 300 a 2002) abrangendo as duas espécies, a tutela cautelar e a tutela antecipada

Impende rememorar que a tutela de urgência será concedida diante da presença da probabilidade do direito e do perigo de dano ou o risco do resultado útil do processo, requisitos que podem ser definidos pelas consagradas expressões latinas “fumus boni juirs” e “periculum in mora”.

Os requisitos para concessão são comuns às duas espécies, não mais sobrevivendo a gradação que o CPC/73 sugeria, indicando um “fumus” mais vigoroso para a tutela antecipada. Aliás, trata-se de alteração digna de elogios.

A tutela de urgência é espécie do gênero tutela provisória que abrange também a tutela de evidência (que independe de perigo de dano ou de risco do resultado útil do processo).

Com o CPC/15 tem-se a tutela provisória, como aquela que se lastreia na cognição sumaria, contrapondo-se a ela a tutela definitiva, baseada na cognição plena.

Feitas essas primeiras anotações, passa-se a enfrentar o tema de estudo: tutela cautelar antecedente.

1. Tutela cautelar – caracterização

A novel legislação mantém a diferenciação entre a tutela antecipada e a tutela cautelar, que se mostra relevante em razão do procedimento distinto, a depender da natureza da tutela de urgência, se cautelar ou antecipada, e da opção pela estabilização da decisão, que cabe somente na antecipada.

A tutela cautelar tem como finalidade conservar, assegurar o direito, prevenindo dano ou garantindo o resultado útil do processo. A tutela antecipada, por sua vez, tem como objetivo realizar o direito, antecipando parcial ou totalmente o próprio pedido principal ou seus efeitos.

Um exemplo que caracteriza o pedido de natureza cautelar é aquele formulado com a finalidade de pedir a indisponibilidade de bens, diante da conduta do devedor que está a dissipar os seus bens, em dívida não vencida. Observe-se que a tutela cautelar tem o condão de garantir, assegurar o resultado útil do processo, não antecipa o pedido principal (que é a satisfação do crédito, com a entrega do numerário ao credor).

Releva destacar duas relevantes alterações introduzidas pelo CPC/15.

Suprimiram-se as cautelares típicas, o que atendeu a significativa parte da doutrina, que procedia duras críticas à sua previsão no CPC/73, em face do acentuado dissenso de concessão ou não de pedido quando não preenchidos os requisitos específicos.

Em verdade, qualquer espécie de providência cautelar pode ser admitida para assegurar o direito ameaçado de dano ou significar risco ao resultado útil ao processo.[1]

A outra alteração diz respeito a ação cautelar ter perdido a sua autonomia

(existente no CPC/73), cabendo pedidos antecedente ou incidental ao pedido principal, sem configurar nova demanda.  No âmbito da tutela cautelar incidental, basta uma simples petição contendo a demonstração do periculum in mora (além de breve exposição da fumaça do bom direito e seu fundamento, que certamente já devem estar expostos no pedido principal ajuizado).

O CPC/15 previu o procedimento da tutela cautelar requerida em caráter antecedente estabelecendo prazos distintos da tutela antecipada antecedente. O legislador, nesse tópico, perdeu a oportunidade de simplifica-los, merecendo críticas.

 

2. Procedimento da tutela cautelar requerida em caráter antecedente

Os arts. 305 a 310 disciplinam o procedimento da tutela cautelar antecedente ou preparatória.

A petição inicial que veicula a formulação do pedido de tutela cautelar antecedente deverá indicar a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito e a demonstração do perito de dano, ou o risco ao resultado útil do processo.

Entende-se como a indicação da lide e seu fundamento, a menção ao objeto, ao mérito do pedido principal e a sua respectiva causa de pedir.[2]

Não é necessário expor de modo percuciente ou exaustiva o objeto do pedido principal e a causa de pedir. Basta simplesmente a alusão ou mera indicação do objeto do pedido principal. A causa de pedir poderá ser aditada por ocasião da formulação do pedido principal (art. 308, § 2º).

A petição inicial deverá conter a exposição sumária do direito que se pretende assegurar, ou seja, o “fumus boni iuris”. O autor demonstrará a aparência do seu bom direito, que revela o seu interesse, e a razão pela qual a sua pretensão merece ser acolhida ou resguardada até a solução definitiva a ser examina no pedido principal.

Exige-se além da plausibilidade do direito, a presença do “periculum in mora”, ou seja o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. O receio de lesão é requisito para a concessão das tutelas de urgência.[3]

É preciso também que o autor observe os requisitos da petição inicial contidos no art. 319 do CPC/15. Será devido o pagamento de custas iniciais, cujo valor da causa deverá considerar o interesse econômico do pedido principal.

Anote-se que o autor deduzirá o pedido principal independentemente do recolhimento de custas processuais (art. 308)

A tutela cautelar poderá ser requerida liminarmente (art. 300, § 2º), podendo ser concedida inaudita altera parte (sem que a parte contrária tenha sido citada). O Réu terá o contraditório deferido, podendo apresentar recurso e defesa oportunamente. Neste particular, convém anotar que se a citação for acompanhada da intimação da liminar, o termo inicial do prazo do agravo de instrumento inicia da juntada do mandado (art. 1.003, § 2º), ou seja, o prazo do recurso de agravo de instrumento começa juntamente com o prazo para defesa, da juntada do mandado ou do A.R. (art. 231).

Na hipótese de o réu não apresentar recurso contra a liminar deferida de tutela cautelar, não há a estabilização da decisão, que ocorre tão somente na tutela antecipada (art. 304).

O indeferimento da medida liminar não impede a apresentação do pedido principal pelo autor, no prazo de 30 dias contados da intimação da decisão não concessiva da cautelar. Caso o autor deixe e aditar a inicial, extingue-se o processo.[4]

O juiz poderá exigir caução, conforme o caso, para o deferimento da liminar requerida no âmbito da tutela provisória a fim de ressarcir os prejuízos que a parte adversária possa a vir sofrer, podendo a caução ser dispensada, se a parte for hipossuficiente financeiramente, sem condições de ofertá-la.

 

3. Da fungibilidade

Diz o parágrafo único, do art. 305: “[c]aso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no art. 303”, do qual se extrai a fungibilidade entre as tutelas antecipada e cautelar, facultando ao juiz receber a cautelar como antecipada, caso assim entenda. Nesta hipótese o juiz deverá conferir prazo para o Autor emendar a inicial, permitindo-lhe aditar o pedido com a opção pela estabilização (arts. 303 e 304).

Tratando-se de direito que evidencie urgência de grau elevado, devidamente comprovada, deve o juiz conceder a liminar para somente depois proceder fungibilidade (incluindo-se a oportunidade para o Autor aditar a petição inicial).

A fungibilidade tem mão dupla.

Isso significa que o juiz também poderá receber a tutela antecipada como tutela cautelar, ou seja, o contrário da previsão expressamente prevista no parágrafo citado.  Neste sentido é a orientação de Cassio Scarpinella Bueno,[5]  que propugna pela interpretação ampla para albergar a hipótese inversa.[6]

Cumpre destacar que o parágrafo único do art. 305, contém redação imprecisa quanto à fungibilidade.  Em verdade o dispositivo em estudo mais se aproxima da ideia de “correção do procedimento, que não auxilia um raciocínio de fungibilidade”.[7]

Não obstante a letra da lei, defendemos a ampla fungibilidade de procedimentos, considerando que ambas são espécies da tutela de urgência.

 

4. Prazo para contestação

Recebida a petição inicial de tutela cautelar antecedente, deferida ou não a liminar, o juiz determinará a citação do réu para contestar em 5 dias e indicar as provas que pretende produzir, conforme preceitua o art. 306 do CPC/15. O prazo inicia segundo o critério disposto no at. 231 do CPC/15.

O réu será citado para contestar o pedido cautelar e não para comparecer à audiência de conciliação ou mediação.

Releva enfatizar que a contestação referida no art. 306 está delimitada ao pedido cautelar antecedente, pois o pedido principal será formulado depois, ex vi do art. 308.

Cuidando-se de tutela cautelar deferida liminarmente, a ausência de recurso do réu, como já anotado, não tem a vocação de gerar a sua estabilização. Neste caso, a decisão liminar permanece eficaz até decisão definitiva.

Contestado o pedido no prazo legal, observar-se-á o procedimento comum (parágrafo único, do art. 307).

E conforme a natureza da defesa, caberá a réplica. Neste sentido o Enunciado 381 do FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civil: “[é] cabível réplica no procedimento de tutela cautelar requerida em caráter antecedente.”

 

5. Da ausência de contestação

Na hipótese de o réu quedar-se inerte, ou apresentar a contestação ao pedido cautelar fora do prazo legal o art. 307 prevê os efeitos da revelia, segundo o qual presumir-se-ão aceitos como verdadeiros os fatos alegados pelo autor, o que não implica, necessariamente na procedência da demanda, e, conforme o caso, poderá exigir que o autor prove os fatos em que se assenta o seu pedido

É preciso anotar que a decisão judicial que aprecia a tutela cautelar será uma decisão interlocutória (não sentença, exceto se o pronunciamento judicial reconhecer a prescrição ou a decadência), desafiando o recurso de agravo de instrumento.

A decisão referida está circunscrita à tutela cautelar, não se referindo ao pedido principal.

A tutela cautelar não tem o condão de gerar a coisa julgada material, embora o pedido cautelar antecedente não possa ser renovado, se por qualquer motivo tenha cessado a sua eficácia (art. 309, parágrafo único), salvo se por novos fundamentos. Isso porque a parte não fica impedida de deduzir o pedido principal em nova demanda, ficando sujeita tão somente ao prazo prescricional.[8]

 

6. Do pedido principal

O pedido principal será apresentado no prazo de 30 dias nos mesmos autos, dispensado o recolhimento de novas custas.

Cabe observar que o pedido principal e o pedido cautelar são formulados no mesmo processo, revelando a perda da autonomia do processo cautelar, diferentemente do modelo que fora adotado pelo revogado CPC/73.

O termo inicial do prazo de 30 dias para que o autor formule o pedido principal ocorre da efetivação ou da execução da medida cautelar.

O pedido principal, conforme autoriza o § 1º do art. 308, pode ser deduzido conjuntamente com o processo cautelar, dispensando, por óbvio, sua apresentação posterior.

Na hipótese de o autor optar por apresentar pedido cautelar antecedente poderá aditar a causa de pedir no momento de formulação do pedido principal (§ 2º do art. 308).

Apresentado o pedido principal, as partes serão intimadas por seu advogado para comparecerem à audiência de conciliação e mediação. Caso o réu tenha permanecido silente diante do pedido cautelar e/ou não tenha constituído advogado, será intimado pessoalmente do pedido principal.

Frustrada a tentativa de solução consensual, o prazo para a contestação fluirá na forma do art. 335, cuja inércia levará à revelia.

Verifica-se a previsão de que o réu será citado/intimado para apresentar 2 defesas no mesmo processo: a primeira em face do pedido cautelar, e a segunda em razão do pedido principal (salvo se cumulou os pedidos conforme faculta o § 1º do art. 338, situação que o réu será citado para comparecer à audiência e contestar os pedidos em 15 dias.

Caso o réu tenha contestado a medida cautelar, deixando de fazê-lo em relação ao pedido principal, tal omissão não produz necessariamente os efeitos da revelia, na pendência de se constatar o conteúdo daquela defesa apresentada em face da tutela cautelar que pode ter atacado desde logo o pedido principal já mencionado na petição inicial.

 

7. Hipóteses de cessação da eficácia da tutela cautelar antecedente

O art. 309 apresenta três hipóteses que autorizam a revogação da tutela cautelar. Cuida-se de rol não exaustivo.

O inciso I, do art. 309 estabelece que cessa a eficácia da tutela cautelar em caráter antecedente quando o autor não deduzir o pedido principal no prazo de 30 dias, contados da efetivação ou execução da medida.

Neste sentido remanesce íntegra a Sumula 482 do STJ: “[a] falta de ajuizamento do processo principal no prazo do art. 806 do Código de Processo Civil acarreta a perda da eficácia da liminar deferida e a extinção do processo cautelar.”

Ressalva-se a excepcional hipótese do pedido formulado para garantir o resultado útil de um pedido principal apresentar peculiaridades, tais como uma execução ou ação de cobrança de dívida não vencida, cujo vencimento supera o prazo de 30 dias. Nesse caso, admite-se ajuizamento posterior, contando-se o prazo de 30 dias da data do vencimento da dívida.

A segunda hipótese que faz cessar a eficácia da tutela cautelar está prevista no inciso II do art. 309 ocorre quando a medida cautelar não for efetivada em 30 dias, contados de sua intimação ou ciência da concessão da tutela. Neste caso, mostra-se evidente, que tal ocorre se a não efetivação ocorrer por motivo alheio à vontade do autor.

O inciso III, do art. 309 estabelece que cessa a eficácia da tutela cautelar no caso de o juiz julgar improcedente o pedido principal formulado pelo autor ou extinguir o processo sem resolução de mérito.

Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ribeiro e Rogério Mello outros mencionam que há outras situações não previstas no art. 309 que podem justificar a revogação da cautelar, exemplificando a alteração fática que autorizaram a sua concessão.[9]

Com efeito, com a cessação da eficácia da tutela cautelar é vedado sua renovação, exceto se houver novo fundamento conforme preconiza o parágrafo único, do art. 309.

É objetiva a responsabilidade do autor da tutela cautelar diante da cessação de sua eficácia pelos eventuais prejuízos que a efetivação da medida possa ter causado ao réu (art. 302).[10]

 

8. O indeferimento do pedido cautelar e sua influencia no pedido principal

O art. 310 dispõe que o indeferimento da tutela cautelar não veda que a parte formule o pedido principal, nem influi no julgamento desse, ressalvado se houver o reconhecimento da prescrição ou da decadência.

A tutela cautelar requerida e decidida no âmbito da cognição sumária não deve condicionar o julgamento do pedido principal que contempla o conhecimento pleno dos fatos e do direito.

O dispositivo corrobora com a distinção da tutela cautelar e da tutela satisfativa. A tutela cautelar tem a finalidade de garantir, de assegurar o resultado útil do processo principal e não realiza do direito (característica da tutela antecipada).

 

Referências

BUENO, Cassio Scarpinella, Novo Código de Processo Civil Anotado. 2 ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016.

GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcellos; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Teoria geral do processo. Comentários ao CPC de 2015 – parte geral. São Paulo: Forense, 2015.

MITIDIERO, Daniel.  Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini e Bruno Dantas (coords.). 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentário ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

TESHEINER, José Maria Rosa; THAMAY, Rennan Faria Krüger. Aspectos da tutela provisória: da tutela de urgência e tutela de evidência. Revista de Processo, v. 257, jul., 2016, pp. 179-214.

THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil.  58. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. Volume 1.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

 

[1] MITIDIERO, Daniel. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil, p. 836.

[2] Neste sentido, THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil, p. 661.

[3] Ibidem.

[4] TESHEINER, José Maria Rosa; THAMAY, Rennan Faria Krüger. Aspectos da tutela provisória: da tutela de urgência e tutela de evidência. Revista de Processo, v. 257, pp. 179-214

[5] TESHEINER, José Maria Rosa; THAMAY, Rennan Faria Krüger. Aspectos da tutela provisória: da tutela de urgência e tutela de evidência. Revista de Processo, v. 257, pp. 179-214

[6] No mesmo sentido, GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcellos; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Teoria geral do processo. Comentários ao CPC de 2015 – parte geral, p. 907.

[7] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil, p. 569.

[8] Conforme NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentário ao Código de Processo Civil, p.870.

[9] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil.p. 574.

[10] NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentário ao Código de Processo Civil, p. 870.