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A TUTELA ANTECIPADA DE ALIMENTOS E SUAS IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

A TUTELA ANTECIPADA DE ALIMENTOS E SUAS IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

Jovana Sottili

SUMÁRIO: Introdução. 1 Evolução da Tutela Antecipada de Alimentos; 1.1 Da Tutela Antecipada no Novo Código de Processo Civil. 2 Da Eficácia da Tutela Antecipada de Alimentos. 3 A Estabilização da Tutela Antecipada Antecedente. 4 Fixação da Data Inicial dos Alimentos. 5 Da execução dos Alimentos Concedidos em Tutela Antecipada. 6 A Tutela Antecipada de Alimentos e a Irreversibilidade Recíproca. Conclusão. Referências.

 

Introdução

A tutela antecipada de alimentos sofreu uma grande evolução desde a Lei nº 5.478/68. Sendo o meio utilizado para salvaguardar a sobrevivência digna do alimentando, sua aplicação é de tamanha relevância que merece ser o tema principal do presente estudo.

Com o advento do novo Código de Processo Civil observaram-se, pois, algumas adequações da tutela antecipada, principalmente alimentar. Conforme se verá há mais a distinção, nominal, entre alimentos provisórios ou provisionais, entre outras alterações.

A questão da fixação da data inicial dos alimentos deferidos em tutela antecipada, inaudita altera pars, que desde há muito é polemizada e divide opiniões entre os julgadores, é confrontada com o princípio fundamental maior da dignidade do alimentando[1] e a efetividade da tutela jurisdicional em busca de uma solução que harmonize questões teóricas e práticas.

Por isso, a execução da tutela antecipada de alimentos é estudada em sua forma e seu meio, pela forma de execução provisória em autos apartados, através dos meios executórios de desconto, expropriação ou coerção pessoal, objetivando a eficácia do recebimento da verba alimentar.

Há, ainda, um requisito da tutela antecipatória que, quando diz respeito a alimentos, não raramente está presente a ambos os polos da ação. Trata-se da chamada irreversibilidade recíproca, que deve ser solvida pela ponderação. Ou seja, a irreversibilidade da medida deve ser mensurada objetivando a proteção do interesse daquele cujo o valor jurídico do bem a ser sacrificado é maior quando comparado ao outro bem a ser sacrificado.

Visam, portanto, os pontos abordados, elucidar algumas implicações práticas acerca da tutela antecipada de alimentos, ensejando um direcionamento implícito à seara dos direitos fundamentais.

1 Evolução da Tutela Antecipada de Alimentos 

Antes do advento da Lei nº 8.952/94, que incluiu a tutela antecipada no Código de Processo Civil de 1973, os alimentos – em caráter liminar – eram fixados, exclusivamente, com base na Lei Especial nº 5.478/68, que trouxe em seu art. 4º a previsão de que, “ao despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita”, e na Seção VII do Código de Processo Civil de 1973: “Dos alimentos Provisionais”.

Acerca dos alimentos provisionais, leciona Marcus Vinicius Rios[2]: “A sua função principal é prover o sustento daqueles que eles necessitam, enquanto tramita determinação ação”. E, sobre a diferenciação das duas espécies de tutela alimentar, dispõe que “os alimentos provisórios não se confundem com os provisionais. Aqueles são fixados liminarmente em ação de alimentos pelo rito especial. O juiz concede por decisão interlocutória quando houver prova pré-constituída da obrigação”. A diferença é meramente processual, procedimental.

Segundo Carlos Alberto Álvaro de Oliveira e Galeno Lacerda[3], a diferença entre ambas as tutelas é de: (a) no caso da tutela dita “alimentos provisórios” insculpidos na Lei de Alimentos, não se fala em discrição do juiz, nem em probabilidade, sendo dispensado o exame da aparência do direito e o risco de dano; (b) quando o requerente não dispuser da prova pré-constituída referida junto ao art. 2º da Lei nº 5.478/68, pode valer-se da previsão contida no art. 273 do Código de Processo Civil de 1973, compreendendo juízo de verossimilhança, juízo de probabilidade e risco de dano.

Nas palavras de Araken de Assis[4]:

Porém, a nota fundamental da distinção reside em que a concessão de alimentos provisórios depende de prova pré-constituída do parentesco ou da obrigação alimentar art. 2º da Lei nº 5.478/68), o que poderá ser estipulado no ‘contrato de convivência’, também chamado de ‘contrato de bem viver’, mencionado, indiretamente, no art. 5º, §2º, da Lei nº 9.278/96. Já nos alimentos provisionais incumbe ao juiz aquilatar o perigo de dano, ou seja, se no curso de processo podem faltar recursos à subsistência do postulante, e a verossimilhança do direito alegado, vale dizer, se o desfecho provável da ação ajuizada não implicará a perda do direito à percepção de alimentos pelo demandante.”

Não haveria, pois, um afeito prático dessa divisão, pois “na vida real as coisas não se passam de modo tão linear[5]. Em outras palavras, as situações vendo diferentes elementos que as tronam peculiares, sobre as quais também deve se ter um olhar específico.

Nessa cadeia evolutiva, já no ano de 1983 discutia-se mais uma possível forma de antecipação de alimentos. Ovídio Araújo Baptista da Silva propôs a inclusão da tutela antecipatória de mérito no Código de Processo Civil[6]. Contudo, foi somente em 1º de fevereiro de 1995, por meio da Lei nº 8.952/94, que a tutela antecipatória de mérito foi incorporada ao Diploma Processual Civil.

Logo, a partir da vigência da Lei nº 8.952/94, o ordenamento brasileiro passou a contar com três hipóteses de tutela sumária de percepção de alimentos, sendo elas: pela lei especial, os alimentos provisórios – que não deixam de ter caráter de tutela antecipatória de mérito –, e, pelo Código de Processo Civil de 1973, os alimentos provisionais (arts. 852 a 854) e a tutela antecipatória de mérito propriamente dita (art. 273).

1.1 Da Tutela Antecipada no Novo Código de Processo Civil 

No Novo Código de Processo Civil, os provimentos de tutela sumária são denominados de tutelas provisórias, as quais são divididas em tutelas de urgência e de evidência.

A tutela de urgência, por sua vez, é dividida em tutela cautelar e tutela antecipada, sendo que ambas podem ser manejadas de forma antecedente ou incidental.

A maior inovação é que a tutela antecipada passa a comportar a técnica antecedente, podendo o autor, nos termos do art. 303 do Código de Processo Civil, limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com exposição da lide, do direito que se busca e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Contudo, nesta modalidade o autor é obrigado a aditar a petição inicial, complementando sua argumentação, se necessário juntando novos documentos e requerendo a confirmação do pedido de tutela final, sob pena de a ação ser extinta sem julgamento de mérito, conforme o art. 303, I e § 2º, do Código de Processo Civil.

Outrossim, substituiu-se o requisito da “verossimilhança do direito” pela “plausibilidade do direito”, indicando menos rigor à concessão da tutela, sendo mister destacar, também, que há fungibilidade entre tutelas, conforme importante observação de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero[7]:

Porém, tendo em conta a necessidade de aproveitamento dos atos processuais – por força do princípio da razoável do processo e da necessidade de promoção da economia processual dele decorrente – e a necessidade de privilegiar a prolação de mérito em detrimento de decisões puramente formais para a concessão, há ampla fungibilidade entre as tutelas provisórias: quer formulado o pedido e maneira incidental, quer de maneira antecedente, há fungibilidade entre as tutelas que podem ser obtidas mediante a técnica antecipatória.

No direito aos alimentos, contudo, a concessão da tutela antecipada depende, além da forte evidencia do binômio: possibilidade do alimentante e necessidade do alimentado, do requisito da urgência à percepção da verba. Assim, caso careça de evidencia do binômio, resta comprometida, desde logo, a tutela pretendida.

O novo Código de Processo Civil não faz menção aos alimentos provisionais, mas somente aos alimentos provisórios, sendo que a execução dos alimentos provisórios, bem como dos alimentos fixados em sentença, ainda não transitada em julgado, deve ser processada em autos apartados[8].

Os citados autores também referem que a tutela pretendida em sede de alimentos provisionais deverá ser requerida como “tutela antecipatória”, pois “o legislador reformista diferencia a tutela cautelar antecipada, valendo-se tão só do caráter assecuratório ou satisfativo da medida”.

Pode-se concluir, portanto, que foi dado tratamento uniforme às tutelas de urgência, cautelar e antecipatória, como provisórias, a qual, independente de subgêneros, pode ser modificada, revogada, ou vir a ser um procedimento de cognição exauriente, razão pela qual, na prática, a teoria da diferenciação das tutelas não causam qualquer efeito.

2 Da Eficácia da Tutela Antecipada de Alimentos

Quanto à forma e motivação da tutela, importa notar que, no âmbito da ação de separação judicial, divórcio, nulidade ou anulação de casamento, tem-se a possibilidade de requerer os alimentos provisionais, concedidos em tutela de urgência específica.

No caso dos alimentos provisórios, dispensam-se os requisitos da urgência, do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e do perigo da mora, eis que se tratam de alimentos requeridos em procedimento especial, fundamentando-se, portanto, na própria Lei de Alimentos, mais especificadamente no art. 4º. Para essa espécie de alimentos é suficiente a prova pré-constituída do parentesco, bem como do binômio necessidade-possibilidade.

De outra banda, os alimentos provisionais são fundados na verossimilhança das alegações, encontrando-se, portanto, entre os alimentos provisionais e definitivos.

Assim, o procedimento adequado no caso de urgência é o dos alimentos provisionais, ou seja, na hipótese de o requerente não ter condições de aguardar o término da ação, mormente se houver processo de conhecimento versando sobre a relação de parentesco.

De qualquer sorte, além de o novo Código de Processo Civil não fazer distinção entre alimentos provisórios e provisionais, ele não pareceria eficaz.

Há um certo esquecimento quanto à possibilidade de utilização da tela de evidência. Veja-se que, presentes os requisitos, há possibilidade de deferimento de tutela de evidência ou de urgência. Contudo, a tutela cautelar não apresenta a mesma efetividade, pois, em regra, a tutela de alimentos não parece se tratar de “assegurar um direito”, mas de “antecipar o direito pretendido”, e, mesmo assim, qualquer tutela deferida pode ser revogada/revisada quando alterado o binômio necessidade-possibilidade.

Isso porque, a tutela antecipada de alimentos é motivada pelo caráter alimentar da verba, sua urgência, e pelo binômio necessidade-possibilidade. A necessidade pode ser entendida como a impossibilidade de manter o próprio sustento com o fruto de seu trabalho, na linha do disposto no art. 1.695 do Código Cível, sendo que a possibilidade está intimamente ligada à condição financeira do alimentante.

Isso porque, a tutela antecipada de alimentos é motivada pelo caráter alimentar da verba, sua urgência, e pelo binômio necessidade-possibilidade. A necessidade pode ser entendida como a impossibilidade de manter o próprio sustento com o fruto de seu trabalho, na linha do disposto no art. 1.695 do Código Civil[9], sendo que a possibilidade está intimamente ligada à condição financeira do alimentante.

Importante, outrossim, atentar para eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497 do CPC. Ou seja, ainda que não estejam presentes os requisitos ensejadores da tutela antecipada de alimentos, vencido o contraditório, quando do momento da sentença, verificando o juiz a procedência do pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. Leia-se: mais um fundamento para justificar a acertada indistinção entre alimentos provisionais e provisórios no novo Código de Processo Civil.

3 A Estabilização da Tutela Antecipada Antecedente

No que concerne à estabilização da tutela antecipada antecedente, o Fórum Permanente de Processuais Civis já fixou o Enunciado nº 500, o qual prevê que “o regime da estabilização da tutela antecipada antecedente aplica-se aos alimentos provisórios previstos no art. 4º da Lei nº 5.478/68, observado o § 1º do art. 13 da mesma lei”.

Nessa linha, convém colacionar a previsão contida no art. 304, § 2º, do novo Código de Processo Civil: “Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput”.

Ademais, já é assente que “a interposição de agravo de instrumento contra decisão que conceder a tutela antecipada é hábil a evitar a estabilização. Inteligência dos arts. 303, 304, 994 e 1.015, I, do NCPS. DECISÃO MANTIDA Recurso provido[10].

E a estabilização, outrossim, é cabível quando: o juiz tiver concedido a tutela antecipada requerida em caráter antecedente e autônomo; o autor tiver pleiteado os alimentos por meio da técnica antecedente; a decisão de concessão tenha sido proferida em caráter liminar, antes de ouvido o réu e o demandado não tenha recorrido dessa decisão[11].

 

4 Fixação da Data Inicial dos Alimentos

Segundo Maria Berenice Dias[12], inexistente um regramento específico para fixação dos alimentos deferidos em tutela antecipada, inaudita altera pars, pois o art. 4º da Lei nº 5.478/68 prevê que, ao despachar o pedido, o juiz fixa, desde logo, alimentos provisórios, e o art. 13, § 2º, diz que, em todos os casos, os alimentos fixados retroagem à data citação.

A regra contida no art. 13, § 2º, da Lei de Alimentos, trata, explicitamente, da retroação da verba alimentar, mesmo porque, nos termos do dispositivo, a citação já teria ocorrido. Portanto, o preceito não deveria ser aplicado nos casos em que é deferida antecipação de tutela antes de ouvido o réu.

Nessa linha, merece servir de modelo o art. 1.928, parágrafo único, do Código Civil, o que afirma que os alimentos são exigíveis imediatamente, no começo de cada período.

Objetivamente, quando os alimentos são deferidos em caráter de urgência, inaudita altera pars, é incongruente que se fixe como termo inicial a citação, pois estar-se-ia incluindo o necessitado em um limbo de desamparo, desde o despacho até que a citação se perfectibilize.

Nesse desiderato, Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini[13] referem que “a simples possibilidade de futuro ressarcimento pecuniário, em prol do autor, não afasta, por si só, a caracterização do dano irreparável ou de difícil reparação”.

Importante, outrossim, apontar um exemplo clássico utilizado por Maria Berenice Dias[14]:

Desempenhando o devedor atividade assalariada, ao fixar os alimentos, o juiz oficia ao empregador para que ele, desde logo, dê início ao desconto de pensão na folha de pagamento do alimentante. Os descontos passam a acontecer mesmo antes citação do réu. Porém, não dispondo o alimentante de vínculo laboral, não há como lhe conceder prazo distinto para iniciar o pagamento dos alimentos, qual seja, só após ser citado. Descabido tratamento diferenciado. Além de deixar o credor desassistido, estar-se-ia incentivando o devedor a esquivar-se da citação, a esconder-se do Oficial de Justiça.”

A tutela jurisdicional, portanto, deve ser plena e efetiva, nos termos referidos por Chiovenda: “O processo deve dar, quanto for possível praticamente, quem tem um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir” (2000, p. 67).

5 Da Execução dos Alimentos Concedidos em Tutela Antecipada

Os alimentos concedidos em tutela antecipada podem ter execução provisória, satisfazendo, assim, o direito do autor por meio de um título precário, uma vez que, mesmo após a execução, a tutela pode ser modificada e revogada a qualquer tempo[15].

Quanto à forma em que se dá a execução provisória de alimentos, Maria Berenice Dias[16] esclarece:

A execução dos alimentos provisórios e da sentença sujeita a recurso, se processa em autos apartados (CPC, art. 531,§ 1º). Já para executar acordo extrajudicial é necessário o uso do processo executório autônomo (CPC, art. 911).

Havendo parcelas antigas e atuais, não conseguiu o legislador encontrar uma saída. Parece que continua a ser indispensável que o credor proponha dupla execuções, o que só onera as partes e afoga a justiça. A não ser que a cobrança seja feita em sequência. Frustrada a via da prisão, a execução segue pelo rito da expropriação (CPC, art. 530).

Portanto, a decisão que concede a tutela antecipada de alimentos deve ser executada em autos apartados, não olvidando que, pelo rito da prisão, o credor fica limitado a cobrar as prestações vencidas até três meses antes da execução. E, com o inadimplemento de apenas um, destes um, destes três meses, já pode sofrer a prisão civil, nos termos do art. 528, § 7º, do Código Civil.

Veja-se que há, contudo, uma lacuna legislativa no que concerne às parcelas antigas, sendo necessário interpor nova execução, pelo rito de expropriação, das parcelas anteriores àquelas executadas pelo rito da prisão; salvo, como refere Maria Berenice Dias[17], se a cobrança por feita em sequência: “Frustrada a via da prisão, a execução segue pelo rito da expropriação”.

Sobre os meios executórios da obrigação, dispõe Araken de Assis[18] que se dividem em: desconto (arts. 529 e 912 do CPC), expropriação (art. 528, § 8º, c/c os arts. 530 e 913 do CPC) e coerção pessoal (arts. 528, caput, e 911 do CPC).

O desconto em folha de pagamento muitas vezes é determinado antes mesmo de ouvido o réu, porque presentes os requisitos ensejadores da tutela antecipada. Trata-se, para Luiz Guilherme Marinoni[19], de uma técnica utilizada para assegurar o recebimento dos alimentos, independente da vontade do alimentante.

Nos termos da Lei de Alimentos, a expropriação deve ser utilizada quando não for possível a efetivação executiva da sentença ou do desconto em folha (art. 17 da Lei nº 5.478/68.). Já no Código de Processo Civil não resta nítida essa preferência, devendo prevalecer, contudo, a previsão da lei especial.

A referida gradação entre as técnicas executivas de alimentos atende ao interesse do credor e do devedor, posto que se dá preferência ao modo mais eficaz para o recebimento da verba, sendo que o devedor só terá a prisão decretada em última hipótese[20].

Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini[21] elucidam que o entendimento predominante é de que os meios de prisão e expropriação devem ser aplicados quando frustradas as demais técnicas do desconto em folha de pagamento ou a cobrança em alugueis ou outros rendimentos do devedor, nos termos dispostos pela própria Lei de Alimentos, art. 17.

A técnica processual da expropriação é utilizada quando se faz necessário cobrar prestações em atraso que ultrapassam as três últimas, não comportando, o rito da prisão, a qual, por sua vez, é utilizada como um meio de coerção indireta para dar efetividade à execução de alimentos[22].

Importante ressaltar, por derradeiro, as seguintes questões práticas: os pagamentos parciais não afastam a decretação de prisão; a prisão pronunciada de ofício configura abuso de poder; duas execuções podem ser propostas, concomitantemente, uma pelo rito da prisão civil e outra pela técnica expropriatória, sem que configure litispendência[23].

Discutível, porém, a propositura de duas formas de execução ao mesmo tempo, parecendo mais adequado lançar mão de uma providência e em seguida outra.

De início, o credor pode pedir a execução por meio sub-rogatórios, e, se frustrada essa tentativa, opor a medida coerciva.

Em tese, o credor é livre nas escolhas, com a seguinte ressalva a ser feita:

Em princípio, o credor é livre nessas escolhas. Mas há limites. O art. 1.072, V, do CPC/2015 revogou os arts. 16 a 18 da Lei de Alimentos (Lei nº 5.478/68), que condicionavam o uso da prisão civil à impossibilidade de desconto em folha ou da penhora de algum outro fruto ou rendimento periódico. A despeito disso, esse continua sendo um parâmetro aplicável, com base nos princípios gerais do processo: falta de interesse legítimo para o emprego da prisão civil, quando se pode obter o resultado almejado de modo mais eficiente e menos oneroso para o devedor, mediante desconto em folha.[24]

Assim, ainda que exista a possibilidade legal de escolha do mecanismo de execução da tutela antecipada de alimentos, há uma lógica a ser respeitada, relativo, basicamente, à eficácia do procedimento adotado para o direito perseguido.

6 A Tutela Antecipada de Alimentos e a Irreversibilidade Recíproca

O § 3º do art. 300 do Diploma Processual preconiza que “a tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”.

Assim, a regra geral pressupõe que, mesmo que a tutela tenha preenchido os requisitos constantes no art. 300, caput, do CPC, se houver perigo de irreversibilidade da medida, a mesma deverá ser rechaçada, protegendo o interesse daquele que sofreria dano irreversível. Se trata, portanto, de um pressuposto negativo da antecipação de tutela, conforme entendimento da doutrina.

Contudo, na prática, os operadores do Direito comumente se deparam com a chamada irreversibilidade recíproca. Tal se dá quando as consequências se propagam da seguinte forma: caso deferida a tutela, é considerada irreversível em favor do demandado; caso indeferida, é considerada irreversível em favor do autor. Ou seja, há perigo de dano para ambos os polos, deferida ou não a tutela.

Nesse caso, a doutrina, à exemplo do que lecionam Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini[25], encontra solução no princípio da proporcionalidade que: “Recomenda que, ainda que esteja em jogo um interesse (…) não indenizável, devam ser ponderada os valores em jogo e, em função dessa ponderação, eventualmente conceder-se  a antecipação”.

Em outras palavras, a irreversibilidade recíproca é uma execução da regra da impossibilidade de admissão da tutela de urgência antecipatória capaz de produzir efeitos irreversíveis. Nessa senda, ainda que a concessão do pedido seja de caráter irreversível, a urgência nesses casos é substancial, inexistindo outro meio de proteger o alimentando.

Assim, é possível concluir que a irreversibilidade deve ser considerada tanto para deferir quanto para denegar a tutela antecipada. Importante notar, outrossim, que, no caso da tutela antecipada de alimentos, a irreversibilidade recíproca se dá tanto no mundo jurídico quanto fático. Assim, a irreversibilidade recíproca será sempre sanada por meio do princípio da proporcionalidade, competindo ao julgador sopesar os prós e contras em cada caso concreto.

Oportunamente, há que se fazer uma importante distinção: as regras são aplicadas mediante uma fórmula de tudo ou nada – all or nothing. Os princípios, por sua vez, podem sofrer valoração, possuindo, portanto, uma dimensão de peso – dimension of weight. É o caso de quando estão em confronto dois ou mais princípios, porém um deles é de maior valor, possibilitando que sejam aplicados conjuntamente, por meio da valoração[26].

Na questão dos alimentos estão em jogo princípios fundamentais, os quais serão pesados, a fim de se verificar qual deles se sobrepõe.

Surge, então, a chamada “técnica da ponderação de princípios[27], que nada mais é do que o estudo do caso concreto sobre o qual se pesam os valores dos princípios aplicáveis, resultando em uma ponderação e descobrindo, enfim, o princípio que pode ser sacrificado, no todo ou em parte.

Conclusão

A partir da vigência da Lei nº 8.952/94, o ordenamento brasileiro passou a contar com três hipóteses liminares de percepção de alimentos, sendo elas: pela lei especial, os alimentos provisórios – que não deixam de ter caráter de tutela antecipatória de mérito –, e, pelo Código de Processo Civil de 1973, os alimentos provisionais (arts. 852 a 854) e a tutela antecipatória de mérito propriamente dita (art. 273).

Com o advento do novo Código de Processo Civil, deu-se um tratamento uniforme às tutelas de urgência, cautelar e antecipatória, como se ambas fossem provisórias.

Também, o novo Diploma Processual não trouxe distinção entre alimentos provisórios e provisionais, mesmo porque, na prática, ela parece pouco eficaz. Um fundamento utilizado para justificar a acertada indistinção entre alimentos provisionais e provisórios é o art. 497 do CPC, que atenta para eficácia mandamental, sendo que, mesmo que não estejam presentes os requisitos ensejadores da tutela antecipada de alimentos, vencido o contraditório, quando no momento da sentença, verificando o juiz a procedência do pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.

Contudo, percebe-se um certo esquecimento quanto à possibilidade de utilização da tutela de evidência. Veja-se que, presentes ou requisitos, há possibilidade de deferimento de tutela de evidência ou de urgência. A tutela cautelar não apresenta a mesma efetividade, pois, em regra, a tutela de alimentos não parece se tratar de “assegurar um direito”, mas de “antecipar o direito pretendido”, e, mesmo assim, qualquer tutela deferida pode ser revogada/revisada quando alterado o binômio necessidade-possibilidade.

A questão da irreversibilidade recíproca é, por sua vez, superada pelo princípio da proporcionalidade com a ponderação acerca dos bens jurídicos que estão em jogo, pois, quanto maior for o valor jurídico do bem que poderá ser sacrificado, maior deverá ser a probabilidade de existência do direito a justificar o seu sacrifício.

A data inicial da fixação dos alimentos, em tutela antecipada, também gera polemica. Porém, é de ser ressaltar que a lacuna deve ser suprida em consonância com o bem jurídico que se visa proteger, que, no caso, trata-se da sobrevivência do necessitado/alimentando. Logo, quando os alimentos são deferidos em caráter de urgência, inaudita altera pars, é incongruente que se fixe como termo inicial a citação, pois estar-se-ia incluindo o necessitado em limbo de desamparo, desde o despacho até que a citação se perfectibilize.

Quanto à execução alimentos deferidos em tutela antecipada, é possível a aplicação da execução provisória. Em tese, o credor é livre nas escolhas quanto ao mecanismo de execução, se coercivo ou sub-rogatório; contudo, ainda que exista essa possibilidade legal, há uma lógica a ser respeitada, relativa, basicamente, à eficácia do procedimento adotado para o direito perseguido.

Com isso, verifica-se que a tutela antecipada de alimentos envolve questões processuais importantíssimas – algumas que, na prática, causam certo desconforto – e que se encontram atreladas ao direito material, ao entendimento jurisprudencial e à própria doutrina.

Referências

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[1] Indivíduo a quem deve ser  dada pensão alimentícia; alimentado, alimentário.

[2] GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo curso de direito processual civil, v. 3, p. 339.

[3] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; LACERDA, Galeano ao Código de Processo Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. VIII. T. II.

[4] ASSIS, Araken de. Da execução de alimentos e prisão do devedor. 9. ed. São Paulo: RT, 2016.p. 116.

[5] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de; LACERDA, Galeano. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. VIII. T. II. p. 7.

[6] NERY Jr., Nelson. Atualidades do processo civil. 1. ed. São Paulo: RT, 1995.

[7] ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDEIRO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2015.

[8] LONGO, Gabrielle Ota; PAULA, Ana Cristina Alves de; SILVEIRA, Ediberto M.B. Júnior. Os alimentos provisionais como efetivação do direito aos alimentos e o sistema de tutelas cognitivas de urgência do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015). Dissertação – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Estadual Paulista. São Paulo, 2015. 32 f.

[9] TJRS, Apelação Cível 70062892898, 7ª Câmara Cível, Relª Liselena Schifino Robles Ribeiro, j. 11.02.2015.

[10] TJSP, Processo 2125373-51.2016.8.26.0000, Comarca: São José dos Campos, 21ª Câmara de Direito Privado, Rel. Maria da Rocha, j. 01.09.2016, data de registro: 01.09.2016.

[11] Sica, Heitor Vitor Mendonça. Doze problemas e onze soluções quanto à chamada “estabilização da tutela antecipada”. Disponível em: <http://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2458338/mod_resource/content/0/2015{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20-{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20Doze{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20problemas{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20e{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20onde{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20solu{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}C3{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}A7{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}C3{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}B5es{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20quanto{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}C3{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}A0{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20estabiliza{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}C3{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}A7{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}C3{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}A3o{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20da{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20tutela{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20antecipada.pdf>. Acesso em; 5 ago. 2017.

[12] DIAS, Maria Berenice. A Lei de Alimentos e o que sobrou dela com o novo CPC (Parte 2). Consultor Jurídico, 2 out. 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-out-02/processo-familiar-lei-alimentos-sobrou-dela-cpc-parte>. Acesso e, 15 maio 2017.

[13] WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil 2. 16. ed. São Paulo: RT, 2016. P.833.

[14] Idem, ibidem.

[15] MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.p.28.

[16] DIAS, Maria Berenice. A cobrança de alimentos no novo CPC, 2015. Disponível em: <http://m.migalhas.com.br/depeso/229778/a-cobranca-dos-alimentos-no-novo-cpc>. Acesso em: 1º ago. 2017.

[17] Idem.

[18] ASSIS, Araken de. Da execução de alimentos e prisão do devedor. 9. ed. São Paulo: RT, 2016.

[19] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela de direitos. São Paulo: RT, 2004.p.607.

[20] WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil – Execução. 15. ed. São Paulo:  RT, 2015.v.2.p. 645.

[21] Idem, Ibidem.

[22] NAKATANI, Lidiane Midori. A efetivação da tutela antecipada para pagamento de soma em dinheiro. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2005. 47 f.

[23] ASSIS, Araken de. Da execução de alimentos e prisão do devedor. 9. ed. São Paulo: RT, 2016.p. 115.

[24] WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil – Execução. 16. ed. São Paulo: RT, 2017.v.3.p. 708.

[25] WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo  civil. 10. ed. São Paulo: RT, 2008.v.1.p. 336.

[26] DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

[27] ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005.