TRIBUTAÇÃO DE SOFTWARE POR LICENCIAMENTO OU CESSÃO DE USO – ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, MODULAÇÃO DOS EFEITOS E O QUE VEM POR AÍ
Renato Hilkner
Em 18/02/2021 o Supremo Tribunal Federal encerrou julgamento das ADIs 5.659 e 1.945 que tratam de caso emblemático na esfera tributária: a tributação com operações de software disponibilizado via licenciamento ou cessão de direito de uso, padronizado ou não.
O entendimento majoritário foi o sentido de que “”.
Frise-se que não se afastou a hipótese de incidência de ICMS para bens incorpóreos ou imateriais, mas no caso de software disponibilizado mediante licenciamento ou cessão de uso a Suprema Corte entendeu que é o caso de tributar pelo ISS.
Um ponto importante é a mudança de paradigma no caso de software padronizado, via licenciamento ou cessão de uso, pois houve verdadeira revisão do entendimento de que para operações com software desse tipo passa a ser tributado pelo ISS, não mais pelo ICMS.
Isso porque, menciona o Ministro Relator Dias Toffoli, ‘mesmo se considerando que, na operação com software padronizado, existe a transferência de um bem digital, que está consubstanciado, usualmente, no arquivo digital ou no conjunto de arquivos digitais, julgo que deve incidir sobre a operação o ISS. É que, analisando-se a questão dessa perspectiva, constata-se que há uma operação mista ou complexa’.
O posicionamento do STF nesse caso vai de encontro com o que entende a Secretaria de Fazenda de São Paulo que em inúmeras respostas a consulta, julgamentos pelo Tribunal de Impostos e Taxas e Decisões Normativas CAT 5/2004 e 4/2017 prevê que para operações com software padronizado disponibilizado via streaming, licenciamento ou cessão de uso há incidência de ICMS.
Apesar desse entendimento ter sido ajustado pela Fazenda Paulista, que no início da década de 2010 entendia-se que o ICMS era devido sobre o ‘dobro do valor de mercado das respectivas unidades de suporte físico nas quais estão gravadas as cópias dos programas de computador’, anos depois entendia que havia incidência de ICMS, mas que o imposto não seria exigido ‘até que a legislação defina qual local será considerado como o de ocorrência do fato gerador ‘ logo em seguida previsto pelo Decreto 63.099/2017, o posicionamento da SEFAZ/SP é de que há incidência do imposto sobre circulação de mercadorias no caso de operações com software padronizado disponibilizado na nuvem, via streaming, licença ou cessão de uso.
Por sua vez, finalmente houve a confirmação pelo STF de que Softwares as a Service (SaaS) é serviço, tese esta já consolidada pela Receita Federal na COSIT 191/2017 e pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Os efeitos da decisão foram modulados pelo STF em 24/02/2021 no seguinte sentido:
a) impossibilitar a repetição de indébito do ICMS incidente sobre operações com softwares em favor de quem recolheu esse imposto, até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito, vedando, nesse caso, que os municípios cobrem o ISS em relação aos mesmos fatos geradores;
b) impedir que os estados cobrem o ICMS em relação aos fatos geradores ocorridos até a véspera da data da publicação (10/02/2021) da ata de julgamento do mérito. Ficam ressalvadas (i) as ações judiciais em curso, inclusive de repetição de indébito e execuções fiscais em que se discutam a incidência do ICMS e (ii) as hipóteses de comprovada bitributação, caso em que o contribuinte terá direito à repetição do indébito do ICMS. Por sua vez, incide o ISS no caso de não recolhimento do ICMS ou do ISS em relação aos fatos geradores ocorridos até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito, nos termos do voto do Relator
O que vem por aí….
Apesar desse recente julgado ainda se discute outro dispositivo legal que trata de tributação de software, o Convênio CONFAZ 106/2017 atacado pela ADI nº 5.958 de relatoria da Ministra Cármen Lúcia. Esse Convênio regulamenta operações realizadas com software conforme cláusulas primeira e terceira do dispositivo que imprimem a incidência do ICMS sobre tais operações:
Cláusula Primeira: Asoperações com bens e mercadorias digitais, tais como softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, que sejam padronizados, ainda que tenham sido ou possam ser adaptados, comercializadas por meio de transferência eletrônica de dados observarão as disposições contidas neste convênio
Cláusula Terceira: O imposto será recolhido nas saídas internas e nas importações realizadas por meio de site ou de plataforma eletrônica que efetue a venda ou a disponibilização, ainda que por intermédio de pagamento periódico, de bens e mercadorias digitais mediante transferência eletrônica de dados, na unidade federada onde é domiciliado ou estabelecido o adquirente do bem ou mercadoria digital.
Dessa forma, o STF vai revisitar o tema completamente e não se descarta a possibilidade de revisão do entendimento impresso no recente julgado. É esperar para ver.
Na prática para as empresas de tecnologia sediadas em São Paulo.
Entendemos que depois do trânsito em julgado dessa decisão do STF que promoveu a mudança importante de paradigma, a tendência é que a Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo, bem como o TJSP revisem o posicionamento, e os dispositivos legais como as Decisões Normativas e o Decreto 63.099/2017 e Regulamento do ICMS sejam de alguma forma ajustados.
Importante frisar que apesar de ações como ADI terem caráter geral, o malfadado efeito erga omnes, as ações julgadas pelo STF tratadas aqui tem como objeto legislações de Minas Gerais e do Mato Grosso, sendo que as legislações paulista e de outros estados que tem disposições contrárias ao STF ainda estão em vigor, por isso indicamos a tendência, não obrigatoriedade a curto prazo, de revisão por São Paulo.
Além disso, o Convênio CONFAZ, esse sim aplicável em todas as UFs, ainda será apreciado pelo Supremo, e só depois desse julgado que podemos falar de uma mudança rápida na apuração e obrigações acessórias das empresas de tecnologia da informação situadas em São Paulo.
Portanto, hoje não é prudente avaliar mudança de tributação do ICMS para o ISS sem levar essa discussão em ação própria perante o Poder Judiciário, o que muda é a maré que agora está favorável para os prestadores de serviço desse setor, já que de toda forma esse precedente tem muita força coercitiva em todo território nacional.