A TRANSMISSIBILIDADE DO DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Danielli Xavier Freitas
Camila Mato
Abordam-se as três correntes relativas à transmissibilidade do dano moral, analisando o entendimento de parte dos doutrinadores e Tribunais do Brasil
No tocante à transmissibilidade do dano moral, a doutrina e a jurisprudência brasileira atualmente se dividem em três correntes: a) a intransmissibilidade, na qual o direito à indenização por dano moral não se transmite aos herdeiros; b) a transmissibilidade condicionada, em que somente irá transmitir o direito à reparação do dano extrapatrimonial caso a vítima tenha ingressado com a ação em vida; c) transmissibilidade, sendo o direito à indenização por dano moral transmissível aos herdeiros, mesmo que a vítima não tenha entrado com a ação devida quando ainda estava viva.
A questão da transmissibilidade da indenização por dano moral vem sendo muito discutida nos tribunais brasileiros. É difícil identificar uma corrente unânime sobre o assunto, havendo muita divergência entre tribunais. O Superior Tribunal de Justiça, apesar de já ter entendido que o dano moral é intransmissível, atualmente firmou entendimento de que o dano extrapatrimonial é transmissível aos herdeiros da vítima, independente da propositura da ação por esta quando viva.
Intransmissibilidade
A corrente da intransmissibilidade entende que pelo fato do dano moral ser decorrente dos direitos da personalidade, aplica-se o previsto no artigo 11 do Código Civil de 2002: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.
Essa teoria é a menos adotada pelos doutrinadores e juízes brasileiros, tendo em vista seu posicionamento de que mesmo que a vítima do dano ingresse com ação indenizatória antes de seu falecimento, os herdeiros não poderão suceda-la, quanto menos se não o fizesse em vida.
O doutrinador Silva (1999, p. 648-649) afirmava que o dano moral, tendo em vista seu caráter subjetivo, nunca poderia ser transferido ativamente a terceiros, tanto pela cessão comum, quanto pelo “jus haereditatis“. Os bens morais são inerentes à pessoa e desaparecem com esta, visto que são ligados ao seu foro íntimo. Não é cabível que a vítima possa transferir suas dores e angústias para terceiros, somente é possível que terceiros possam compartilhar da dor sofrida pela vítima e buscarem reparação de direito próprio e não do ofendido em si.
Explica Coelho (2010, p. 437) que os doutrinadores que entendem pela intransmissibilidade do dano moral, apegam-se à ideia de que o sentimento psíquico da dor não integra o patrimônio da vítima, e desaparece completamente com o falecimento desta, bem como que o direito à indenização por dano moral é personalíssimo, sendo intransmissível aos herdeiros do de cujus. Todavia, não é o seu caso, eis que entende pela transmissibilidade.
Segundo Ripert (1999, p. 342-343) a ação possui caráter pessoal, assim o prejuízo sendo puramente moral desaparece com a pessoa que o sofreu, caracterizando a intransmissibilidade desse direito. Acrescenta que tendo em vista o caráter punitivo da indenização por dano moral, esta seria intransmissível à medida que “em todo o caso qualquer reparação por prejuízo moral, desde que não foi liquidada, desaparece com a vítima; é uma prova de que a vítima tem menos em vista a reparação dum prejuízo, do que exercer um direito de punição”.
O Superior Tribunal de Justiça, apesar de não ser o entendimento majoritário, já entendeu que se aplica a intransmissibilidade do dano moral (STJ, 2001, REsp n. 302.029/RJ):
“Recurso especial. Processual civil. Acórdão. Omissão. Invalidade. Inexistência. Divergência jurisprudencial. Comprovação. Dano moral. Ação de indenização. Herdeiro da vítima. Legitimidade ativa ad causam. Inexistência de invalidade do acórdão recorrido, o qual, de forma clara e precisa, pronunciou-se acerca dos fundamentos suficientes à prestação jurisdicional invocada. Não se conhece o Recurso Especial pela divergência se inexiste a confrontação analítica dos julgados. Na ação de indenização de danos morais, os herdeiros da vítima carecem de legitimidade ativa ad causam”.
A Relatora Ministra Nancy Andrighi (STJ, 2001, REsp n. 302.29/RJ), em seu voto, afirmou que “em se tratando de direito personalíssimo, tal como o direito à honra, o direito de exigir a reparação do dano e o dever de indenizar os prejuízos são intransmissíveis”.
Salienta que somente a vítima, direta ou indireta, dos danos morais é que pode ingressar com a respectiva ação de indenização. Depreende-se do voto da Relatora (STJ, 2001, REsp n. 302.029/RJ):
A presente ação não foi proposta iure proprio, tendo em vista que a indenização que se pretende não se refere aos danos morais indiretos sofridos pelas autoras, ora recorrentes, em razão da morte de seu genitor, mas diz respeito aos danos sofridos por este último em decorrência de prática de calúnia pelo ora recorrido, tendo sido a presente ação proposta iure hereditatis. Não se justifica que aquele que não sofreu qualquer dano, seja direto ou indireto, venha pleitear indenização, pois não se atingiu qualquer bem jurídico, patrimonial ou moral a ele pertencente. Reconhece-se, assim, que carecem as recorrentes de legitimidade ativa ad causam para pleitear a indenização dos danos morais sofridos por seu genitor.
Acrescenta a relatora (STJ, 2001, REsp n. 302.029/RJ) que ao considerar que a reparação por danos morais possui caráter sancionador e compensatório, caso se admitisse que na respectiva ação os herdeiros da vítima possuem legitimidade ativa ad causam, estar-se-ia tão-somente analisando o caráter sancionatório da indenização, vez que obriga o ofensor ao ressarcimento dos danos morais a despeito do falecimento da vítima. Entretanto, não se alcançaria o caráter compensatório da reparação, eis que a prestação pecuniária deixaria de proporcionar à vítima uma satisfação material e sentimental de maneira a diminuir os danos morais sofridos.
A eminente relatora (STJ, 2001, REsp n. 302.029/RJ) afirma que caso se adote a patrimonialização dos danos morais, em relação à transmissibilidade, importará na equiparação a reparação de dano moral ao patrimonial, de maneira a negar o caráter compensatório da indenização e, consequentemente, desconsiderar as diferenças essenciais entre as reparações em questão.
Conclui em seu voto a relatora (STJ, 2001, REsp n. 302.029/RJ) alegando que caso se permita que as pessoas que não sofreram qualquer dano moral, direto ou indireto, busquem a indenização pela simples natureza patrimonial desta, implicará na admissão que o dano moral pode se comercializar, o que no é inadmissível e reprovável.
Em voto-vista concedido ao Ministro Ari Pargendler (STJ, 2001, REsp n. 302.029/RJ), este seguiu o entendimento adotado pela relatora, no sentido de que o de cujus nunca se manifestou sobre a dor sofrida em decorrência da violação de sua honra ou reputação, sequer aos seus parentes, assim não podem os sucessores agirem como vítimas do crime de calúnia, para reivindicar, como herdeiros, a reparação do dano moral em questão.
A respeito do tema:
“APELAÇÃO CÍVEL – ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL – COBRANÇA DE VERBAS REMUNERATÓRIAS – PRESCRIÇÃO BIENAL DO ART. 7º, XXIX, DA CF/88 – INAPLICABILIDADE – ART. 39, § 3º, DA CF/88 – APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DO ART. 1º DO DECRETO N. 20.910/32 – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
[…]
DANOS MORAIS – LEGITIMAÇÃO – CARÊNCIA DE AÇÃO RECONHECIDA EX OFFICIO – INTRANSMISSIBILIDADE DOS DIREITOS PERSONALÍSSIMOS – EXTINÇÃO DO PROCESSO QUANTO AO REFERIDO PEDIDO INDENIZATÓRIO.
O pedido de reparação a título de danos morais constitui-se em direito personalíssimo, sendo infactível sua transmissão, nos termos do art. 11 do Código Civil. Hipótese em que o mencionado direito se extinguiu juntamente com a morte de seu titular, marido da autora, a qual não possui legitimidade ativa para requerer indenização dessa natureza, pois o falecimento ocorreu antes de o ofendido ter ajuizado a competente ação para reconhecer-lhe tal direito.” (TJSC, 2008, AC n. 2004.011615-2)
Entendeu o eminente relator Desembargador Rui Fortes (TJSC, 2008, AC n. 2004.011615-2) que o pedido de indenização por danos morais constitui direito personalíssimo, não sendo possível sua transmissão, nos termos do artigo 11 do CC/2002. Como tal direito veio a se extinguir juntamente com a morte da vítima, eis que trata de violação à honra subjetiva da pessoa.
Para o relator (TJSC, 2008, AC n. 2004.011615-2), tendo efeito diferente do dano patrimonial, o dano moral, dado o seu caráter subjetivo, não se transfere a terceiros, tanto pela cessão comum quanto pelo direito hereditário, visto que é direito personalíssimo daquele que o experimentou. É ligado diretamente ao foro íntimo da vítima, “porque os bens morais são inerentes à pessoa – incapazes, por isto, de substituir sozinhos – patrimônio individual, cujo campo de incidência é o mundo interior de cada um, de modo a desaparecer com o próprio indivíduo”.
Explana o relator Rui Fortes (TJSC, 2008, AC n. 2004.011615-2) que não existe direito hereditário relativo ao dano moral, sendo o direito à indenização apenas da própria vítima, isto é, personalíssimo. Em caso de morte deste, não é cabível o reconhecimento do interesse de agir para, em ação, ser postulado o direito de reparação de dano moral, como parcela autônoma, por seus herdeiros.
Finaliza (TJSC, 2008, AC n. 2004.011615-2) relatando que é incabível a substituição na dor e no sentimento, eventualmente sofrido pelo de cujus, e a posterior substituição na titularidade da pretensão por dano moral, quando havia, naquela época, apenas a pretensão ou a expectativa de direito.
Ainda sobre a questão, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul já se posicionou no sentido de que o dano moral é intransmissível (TJRS, 2009, AC n. 70032013427):
“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CHEQUE COM ASSINATURA FALSIFICADA. FRAUDE QUALIFICADA. INDIFERENÇA. RISCO DO EMPREENDIMENTO. RESPONSABILIDADE DO BANCO INDEPENDENTE DA EXISTÊNCIA DE CULPA. DANOS MORAIS VERIFICADOS. Deve responder civilmente o banco que efetuou a compensação do cheque não emitido pelo correntista, porquanto sua responsabilidade por danos decorrentes de sua atividade é objetiva. Aplicação da teoria do risco do negócio. DANOS MORAIS. INTRANSMISSIBILIDADE DOS DIREITOS PERSONALÍSSIMOS. ILEGITIMIDADE DO ESPÓLIO, NESSE CASO, DE PLEITEAR A REPARAÇÃO PELOS DANOS MORAIS. O pedido de reparação a título de danos morais constitui-se em um direito personalíssimo da pessoa, sendo infactível sua transmissão, nos termos do art. 11 do Código Civil. Hipótese em que o mencionado direito se extinguiu juntamente com a morte de seu titular, pai dos demandantes, os quais não possuem legitimidade ad causam na seara. APELOS DESPROVIDOS. UNÂNIME”.
A Relatora Desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira (TJRS, 2009, AC n. 70032013427), em seu voto, afirmou que “o dano moral é personalíssimo e o espólio não pode substituir o titular nesse direito, sendo ilegítimo para postular dita reparação”. Assim, não é possível que se admita que os herdeiros do de cujus sucedam nos transtornos e aborrecimentos sofridos em relação à conduta lesiva do réu.
Acrescenta a relatora (TJRS, 2009, AC n. 70032013427) que, o pedido de reparação relativo ao dano moral trata-se de um direito personalíssimo da pessoa, sendo inexequível sua transmissão aos herdeiros, nos termos do artigo 11 do Código Civil de 2002. No caso em tela, o direito a indenização se extinguiu juntamente com a morte da vítima, visto que se trata de violação à honra subjetiva da pessoa.
Ainda nesse sentido:
“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. 1. LEGITIMIDADE ATIVA. O pedido de reparação a título de danos morais constitui-se em um direito personalíssimo da pessoa, sendo infactível sua transmissão, nos termos do art. 11 do Código Civil. Hipótese em que o mencionado direito se extinguiu juntamente com a morte de seu titular, pai dos demandantes, os quais não possuem legitimidade ad causam na seara. 2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Argüição recursal de insuficiência do patamar adotado em primeiro grau em favor do patrono dos requerentes. Majoração da verba, de forma a remunerar adequadamente o trabalho do profissional. Incidência do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil. RECURSO PROVIDO EM PARTE.” (TJRS, 2007, AC n. 70019145242) (grifo nosso)
Entendeu o Desembargador Relator Ubirajara Mach de Oliveira (TJRS, 2007, AC n. 70019145242) que o pedido de indenização a título de danos morais trata-se de um direito personalíssimo, sendo infactível a transmissão aos seus herdeiros, com base no artigo 11 do CC/2002. Acrescenta que tal direito se extinguiu juntamente com a morte de seu titular, tendo em vista que trata a respeito de uma violação à honra subjetiva da pessoa.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (TJRN, 2011, AC n. 2010.014988-4), ao analisar a questão da possibilidade de transmissão do dano moral aos herdeiros da vítima, vem decidindo que há intransmissibilidade:
“DIREITO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS PROPOSTA PELO AUTOR QUE VEIO À ÓBITO NO DECORRER DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO CORRETAMENTE APLICADA. PERDA SUPERVENIENTE DE SEU OBJETO. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. DIREITO PERSONALÍSSIMO E INTRANSFERÍVEL. ÓBITO DEVIDAMENTE COMPROVADO. INTRANSMISSIBILIDADE DA DISCUSSÃO DO POSSÍVEL DANO MORAL AOS HERDEIROS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE 1º GRAU. PRECEDENTES. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DA APELAÇÃO CÍVEL.”
O Relator Desembargador Aderson Silvino (TJRN, 2011, AC n. 2010.014988-4) alegou que o artigo 11 do CC/2002 prevê que os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não sendo possível o seu exercício sofrer limitação voluntária, isto é, quando se trata de direito personalíssimo, a morte da vítima, em data anterior à prolatação da sentença, implica na impossibilidade do julgamento do mérito do feito.
Transmissibilidade condicionada
A corrente da transmissibilidade condicionada utiliza como embasamento jurídico o artigo 943 do Código Civil de 2002, que prevê: “O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança”.
Segundo Rizzardo (2007, p. 275), o dano moral é foro íntimo da vítima, eis que inerente à pessoa. Assim, há a impossibilidade de transmissão hereditária dos direitos ao dano moral. Não se pode reconhecer aos herdeiros da vítima que demandem a reparação pelas tristezas, ofensas, angústias, dores, sensações de ausência e outros estados interiores deprimentes que sentiu, vivenciou ou experimentou, visto que são inerentes à sua personalidade e dependente da iniciativa do direito à sua individualidade.
Caso a vítima não pretendeu a recompensa pelo mal sofrido, nada existe para ser transmitido aos herdeiros. Entretanto, se o ofendido já exercitou o seu direito, ou promoveu a competente lide, opera-se a sucessão hereditária, visto concretizada a expectativa do direito (RIZZARDO, 2007, p. 275).
Não há o que se falar na incidência do artigo 943 do CC/2002 sobre a possibilidade de transmissão, considerando que o conceito da ofensa moral é subjetivo, cabendo unicamente ao ofendido propor a ação competente, somente sendo possível a transmissão do direito em caso deste ter manifestado o direito à reparação quando em vida (RIZZARDO, 2007, p. 275).
Entende Rizzardo (2007, p. 276) que o herdeiro não sucede o sofrimento da vítima, não sendo razoável se admitir que o sofrimento do ofendido se prolongasse ou se estendesse ao herdeiro e este, fazendo a dor do morto, demandasse como responsável, com o intuito de ser indenizado por dor alheia. Todavia, é indiscutível que o herdeiro sucede ao direito de ação que o de cujus, quando ainda estava vivo, tinha contra o ofensor.
Deve-se levar em conta que se a possibilidade jurídica de obter dinheiro pela dor já existia no patrimônio do de cujus, constituindo um elemento do mesmo, não é justo que fique de fora da sucessão. O ressarcimento trata do dano moral experimentado pelo morto e sofrido pelos parentes próximos. Não se confunde, pois, quando a ofensa atingiu os parentes, que sofreram com a morte do de cujus. Neste caso, os herdeiros promovem a exigibilidade da reparação por direito próprio, visto que neles incidiu o sentimento de perda e ausência (RIZZARDO, 2007, p. 277).
Andrade (out./nov.2004, p. 32) explica que na teoria em questão, adota-se o entendimento de que antes de exercida, a pretensão de reparação é de natureza personalíssima e, assim, intransmissível, mas que com o ajuizamento da demanda assume um caráter patrimonial. A falta de ajuizamento da ação indenizatória pode significar que a vítima não se sentiu ofendida; ou que não tivesse a intenção de pleitear reparação pelo dano sofrido; ou, ainda, que renunciou à pretensão ou perdoou o ofensor.
Assim, o ajuizamento da demanda indenizatória pela própria vítima demonstraria não apenas a existência do dano moral, como também a disposição desta em obter a reparação, que poderia, a partir de então, ser transmitida aos seus herdeiros (ANDRADE, out./nov.2004, p. 32).
Afirma Cavalieri Filho (2010, p. 94) que se a vítima do dano moral falece no curso da ação de reparação, é indiscutível que o herdeiro suceda o de cujus no processo, eis que se trata de ação de natureza patrimonial. Diante disto, exercido o direito de ação pela vítima, o conteúdo econômico da indenização por dano moral fica configurado, transmitindo-se aos herdeiros.
Bittar (1999, p. 157) explana que é perfeitamente aceitável a transmissão do direito à indenização, de modo a se operar a substituição processual com a habilitação incidente, em caso da vítima vir a falecer no curso do processo, “como, de resto, ocorre com os demais direitos suscetíveis de translação”.
A respeito da transmissibilidade condicionada do dano moral, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entendeu (TJRS, 2010, 70035178987):
“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE DAR C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EXTINÇÃO EM RELAÇÃO AO PEDIDO INDENIZATÓRIO TENDO EM VISTA O FALECIMENTO DO AUTOR NO CURSO DO PROCESSO.TRANSMISSIBILIDADE DOS DANOS MORAIS PARA OS HERDEIROS DA VÍTIMA RECONHECIDA. NÃO É O DIREITO PERSONALÍSSIMO QUE SE TRANSFERE, MAS OS GANHOS PATRIMONIAIS DE SUA VIOLAÇÃO, MORMENTE NO CASO CONCRETO, EM QUE A DEMANDA FOI PROPOSTA PELA PRÓPRIA VÍTIMA E OS SEUS HERDEIROS ATUAM COMO SUCESSORES. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO STJ. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL COMO FONTE DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PEDIDO DE MAJORAÇÃO ACOLHIDO. POR UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.”
Afirma o Desembargador Relator Angelo Maraninchi Giannakos (TJRS, 2010, 70035178987), que apesar do artigo 11 do CC/2002 regulamentar que os direitos da personalidade são intransmissíveis, essa “não atinge os reflexos patrimoniais advindos dos prejuízos morais experimentados, que são perfeitamente transmissíveis aos herdeiros”, tendo em vista que a própria vítima ingressou com a ação de indenização, vindo a falecer no curso do processo.
Acrescenta o relator (TJRS, 2010, 70035178987) que o artigo 943 do CC/2002 determina a transmissibilidade do direito à reparação, não fazendo qualquer distinção entre dano moral e patrimonial, sendo ambos espécies do gênero dano indenizável, o que afasta a alegação que de não são transmissíveis. Não havendo o que se falar, assim, em intransmissibilidade da indenização a título de danos morais aos herdeiros do de cujus.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também a se posicionou sobre o assunto (TJSP, 2011, AC n. 9100807.31.2007.8.26.0000):
“RESPONSABILIDADE CIVIL – Indenização por dano moral – Morte do autor após o ajuizamento da ação respectiva, ainda não julgada – Intransmissibilidade do direito à indenização aos herdeiros, segundo a sentença; que, em função disso, extinguiu o feito à égide do artigo 267, I, do CPC – Verba que se destinaria a reparar o sofrimento do de cujus e não dos parentes – Entendimento jurisprudencial em sentido contrário, todavia, inclusive na esfera do STJ – Apelo provido, para permitir o prosseguimento da demanda.”
Segundo o relator (TJSP, 2011, AC n. 9100807.31.2007.8.26.0000), “é razoável o entendimento segundo o qual, se a vítima não chegou a propor ação para reparar o dano moral sofrido, seus herdeiros não terão como fazê-lo”. Como no caso em questão a vítima ingressou com a referida ação quando ainda em vida, deve-se levar em consideração que caso a vítima já tivesse recebido a indenização, esta faria parte de seu patrimônio, por conseguinte, se transmitiria aos herdeiros.
Assim, em se tratando de direito personalíssimo, o princípio geral será sempre de que somente o titular pode exercer tal direito. Entretanto, desde que proponha efetivamente a ação de ressarcimento, a morte no curso do processo da vítima não impedirá que seu espólio, ou seus respectivos herdeiros, prossigam na demanda, como se pretendia no caso supracitado (TJSP, 2011, AC n. 9100807.31.2007.8.26.0000).
Transmissibilidade incondicionada
Os doutrinadores e juízes que entendem pela transmissibilidade do direito à reparação por dano moral, acompanham o entendimento da corrente da transmissibilidade condicionada, e utilizam como embasamento jurídico, o artigo 943 do Código Civil de 2002, que prevê: “O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança”.
Além disso, utilizam-se no mesmo sentido dos artigos 12 e 20 do Código Civil de 2002, que prescrevem
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 369) dispõem que a legitimação para demandar pela indenização se transmite aos seus herdeiros, de modo que a existência de um crédito é também transferida na morte, com a abertura da sucessão, conforme se verifica no artigo 943 do CC/2002.
Entendem Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 369-370) que não há a menor distinção entre a transmissibilidade do dano moral e do dano patrimonial, tendo em vista que o próprio CC/2002 regulamenta em seus artigos 12 e 20 a legitimação dos herdeiros com relação à proteção de direitos da personalidade do de cujus. Acrescentam que é o posicionamento mais razoável, eis que não se justifica um tratamento diferenciado quanto aos aspectos pecuniários das reparações por danos materiais ou morais.
Sampaio (2003, p. 105) ensina que, com fundamento no artigo 943 do CC/2002, os herdeiros da vítima têm legitimidade para exigirem a reparação do dano moral. Ou seja, esse direito, de cunho patrimonial, acaba por integrar o acervo hereditário e, assim, será transmitido aos seus sucessores, a título universal, do de cujus, com base nas regras do direito de sucessão.
Explica Andrade (out./nov.2004, p. 34) que para a corrente in casu, o direito de indenização do dano moral é sempre transmissível, assim como o dano material. É imposta uma diferenciação entre o direito da personalidade e o direito da indenização. O primeiro possui caráter intransmissível, enquanto o segundo é de natureza patrimonial, sendo transmissível aos herdeiros do de cujus.
“O direito indenizatório constitui um crédito que integra o conjunto de bens patrimoniais da vítima e pode, conforme os créditos em geral, ser cedido por ato entre vivos ou transmitido por morte do titular” (ANDRADE, out./nov.2004, p. 34).
O direito à reparação do dano moral surge a partir do dano ocorrido, não sendo necessário que, no momento da propositura da ação reparatória, a vítima ainda padeça ou sinta reflexos do dano sofrido. “A vítima pode ter superado inteiramente o dano, seja ele físico ou psicológico, não apresentando nenhuma sequela, nem introjetando nenhum sentimento negativo”. Mesmo assim, a reparação pelo dano será exigível, tendo em vista que não terá perdido o seu fundamento, situado em um acontecimento passado. É esse fato passado que servirá de base para a fixação da reparação, que possui cunho patrimonial, não se inserindo entre os direitos personalíssimos (ANDRADE, out./nov.2004, 40/41).
Entende Andrade (out./nov.2004, p. 41) que não há razão aceitável para que a propositura da ação reparatória do dano moral pelo de cujus constitua condição para a transmissibilidade do direito indenizatório. Não é o ajuizamento da ação de indenização pela vítima que assegura caráter patrimonial ao direito reparatório.
Ademais, a falta de ajuizamento de ação pela vítima não pode também ser interpretada como renúncia ao direito indenizatório, eis que não se admite renúncia presumida ou implícita. Como também não pode ser interpretada como falta de interesse do ofendido em obter a indenização do dano, tendo em vista que várias são as circunstâncias que podem ter determinado a falta de propositura da ação, tais como: é possível que a vítima não tenha tido tempo necessário para o ajuizamento da demanda; “os padecimentos sofridos ou o abatimento espiritual trazidos pelo dano moral podem ter levado a vítima à inação; a vítima pode ter relutado em demandar apenas por receio das vicissitudes de um processo judicial” (ANDRADE, out./nov.2004, p. 41).
Acrescenta Andrade (out./nov.2004, p. 41) que o ajuizamento da ação de indenização pelo de cujus também não pode ser tido como indício único da existência do dano moral sofrido. Em se tratando de violação aos direitos personalíssimos físicos e morais, o dano é demonstrado diretamente, sendo presumido a partir de algum fato objetivo.
Não prospera, igualmente, a objeção de que, com a morte da vítima, a reparação deixaria de preencher sua função de compensação ou satisfação. “Sempre restaria o caráter sancionatório ou punitivo, próprio de qualquer reparação e que é ainda mais acentuado em se tratando de indenização do dano moral”, tendo em vista que a doutrina majoritária entende que esta possui duplo caráter: punitivo e compensatório. O caráter punitivo é fundamento para a transmissibilidade do dano moral, visto que a indenização, mesmo que não pudesse exercer nenhuma função de reparação, compensação ou satisfação para o ofendido, ainda assim seria necessária como meio de punição do ofensor. Por outro prisma, o caráter sancionatório da indenização caracteriza que após adentrar no patrimônio da vítima, a pretensão à reparação é oponível por seus herdeiros como simples direito patrimonial. Assim, do instante em que nascer o direito à indenização por dano moral, esta assume feição patrimonial e se transmite como os direitos patrimoniais em geral (ANDRADE, out./nov.2004, p. 41-42).
Expõe Cavalieri Filho (2010, p. 94) que o dano moral, sempre é decorrente de uma agressão a bens que fazem parte da personalidade da pessoa (honra, imagem, bom nome, dignidade, etc.), somente a vítima pode sofrer, e enquanto estiver viva, eis que a personalidade extingue-se com a morte. Não obstante, o que se extingue é a personalidade da vítima, e não o dano consumado, nem o direito à reparação.
Causado dano, tanto moral quanto material, à vítima quando ainda viva; o direito à indenização correspondente não se extingue com a sua morte. Isto porque, a obrigação de reparar o dano moral nasce no mesmo instante em que nasce a obrigação de indenizar o dano patrimonial, isto é, no momento em que o ofensor começa a praticar o ato ilícito e o bem juridicamente tutelado sofre a lesão. Não havendo distinção alguma entre o dano moral e o patrimonial. Ademais, nesse instante, o direito à indenização, que possui caráter patrimonial, passa a integrar o patrimônio do ofendido e, por conseguinte, se transmite aos herdeiros do titular da indenização (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 94).
Para Cavalieri Filho (2010, p. 95) nota-se que é possível a transmissão do direito à reparação por dano moral, e não do próprio dano sofrido. O problema resume-se, unicamente, em saber se houve ou não o dano moral, ou seja, se o ofendido, quando ainda vivo, foi ou não atingido em sua dignidade. Se foi, não há motivos que impeçam a transmissão aos seus herdeiros do direito à indenização, com fulcro no previsto pelo artigo 943 do CC/2002.
Explana Cavalieri Filho (2010, p. 95), que o artigo 11 do CC/2002 é expresso quanto à intransmissibilidade dos direitos da personalidade, e o disposto no parágrafo único do artigo 20 do CC/2002, que confere legitimidade ao cônjuge, ascendentes e descendentes para resguardarem a imagem do de cujus, ou a reparação pela ofensa à sua boa fama e respeitabilidade, abrange as ofensas causadas após o falecimento, caso em que os herdeiros irão a juízo por direito próprio. Não se confundindo, assim, com a situação em que a postulação é realizada em decorrência daquele sentimento próprio da vítima já morta. No primeiro caso, o que confere a legitimidade é o direito dos herdeiros à proteção da imagem do de cujus, enquanto no segundo caso, trata-se da incorporação ao patrimônio dos herdeiros do direito que nasceu e foi reconhecido pela própria vítima, a qual, entretanto, não teve chance de ingressar com a ação.
Entende Dias (2006, p. 1074) que a ação de indenização por dano moral se transmite como qualquer outra ação ou direito aos sucessores da vítima, não havendo qualquer distinção se a ação se funda em dano moral ou patrimonial. O direito de ação que se transmite aos sucessores do ofendido pressupõe prejuízo causado em vida a este, eis que não se pode causar nenhum dano a uma pessoa morta.
Segundo Coelho (2010, p. 438) os danos morais são transmissíveis, primeiramente, pelo fato de que na lei a regra da transmissão do direito à reparação não exclui os danos extrapatrimoniais, conforme prescreve o artigo 934 do CC/2002. Ademais, o direito de ser indenizado em forma de pecúnia surge com o evento danoso e, desde então, incorpora-se ao patrimônio do ofendido.
Não é a sentença de condenação que faz surgir o direito à indenização por danos morais, mas sim o ato lícito, responsabilidade objetiva, ou ilícito, responsabilidade subjetiva, praticado pelo ofensor. Apenas a quantificação dos danos morais é que depende da decisão judicial. Os danos morais incorporam-se, como tantos outros direitos, ainda ilíquido ao patrimônio do ofendido. Dessa maneira, transmitindo-se aos seus herdeiros (COELHO, 2010, p. 438).
Não é o sofrimento que está sendo transmitido; este, de fato, é personalíssimo e morre com a vítima. Transmite-se, na verdade, o direito à indenização pecuniária pelo dano moral sofrido pela vítima quando ainda viva (COELHO, 2010, p. 438).
Acrescenta Coelho (2010, p. 438) que o direito à reparação da dor surge ainda, ilíquido, no instante do acidente inevitável ou do ato ilícito. Imediatamente, incorpora-se ao patrimônio da vítima. Os efeitos do dano são extrapatrimoniais, todavia sua compensação será sempre uma forma de enriquecimento patrimonial da vítima. Assim, transmite-se aos herdeiros e sucessores o direito de exigir a indenização moral.
Gonçalves (2010, p. 619) fundamenta que apesar dos direitos da personalidade serem personalíssimos, como o direito à honra, à imagem, etc., e, assim, intransmissíveis, a pretensão ou o direito de exigir a sua reparação pecuniária, em caso de ofensa, transmite-se aos sucessores, conforme o artigo 943 do CC/2002. Como também apesar de ser imprescritível, a pretensão a sua indenização está sujeita aos prazos prescricionais estabelecidos na lei.
Conforme Porto (nov.1990, p. 10), o sofrimento em si é intransmissível aos herdeiros, bem como a dor não é um bem que componha o patrimônio transmissível da vítima. Contudo, entende que num todo é transmissível, através do direito hereditário, o direito de ação que a vítima, ainda viva, tinha contra o seu ofensor, sendo tal direito de natureza patrimonial e não personalíssimo.
Silva (jul.1997, p. 200) afirma que se o direito refere-se à personalidade, não significa que o direito à ação também o seja, tendo em vista que esta trata sobre uma realidade anterior e que se projeta no tempo. Isto é, se o direito passa a incorporar o patrimônio do ofendido, ele passa, por conseguinte, a possuir caráter patrimonial. “Em sendo assim, se já houve a lesão e o indivíduo já poderia manifestar a sua pretensão na via judicial, há um elemento novo na relação que é a ação de natureza processual”.
Ocorrido o dano moral e tornando-se possível a obrigação de indenizar, haverá uma reparação transmissível, ainda que não ajuizada a ação, visto que como a indenização é proveniente de ato ilícito, o momento da exigibilidade do direito é o do acontecimento do fato (SILVA, jul.1997, p. 202).
O acontecimento do dano moral atinge apenas a pessoa e não aos seus herdeiros. “Como há uma concomitância entre a aquisição do direito à reparação e a sua exigibilidade, desde aquele momento a pessoa passa a ter pretensão”, faltando apenas exercê-la. Esta faculdade pode ser transmitida aos herdeiros do de cujus (SILVA, jul.1997, p. 202).
Silva (jul.1997, p. 203) entende que os herdeiros da vítima, mesmo que haja posições em contrário, são legítimos por direito hereditário para as ações que visem à indenização por dano moral, desde que efetivamente tenha ocorrido. Sendo irrelevante, no aspecto da transmissibilidade, se o dano é objetivo ou subjetivo, uma vez que incorporado no patrimônio do de cujus, é passível da transmissão.
Conclui o doutrinador Silva (jul.1997, p. 203) que no tocante à transmissibilidade da ação de indenização por dano moral, ainda que este possua caráter personalíssimo, isto não contamina a ação, eis que a referida ação incorpora o patrimônio pecuniário e abrange todos os direitos que, mesmo que não acionados na via judicial, já são exigíveis por parte da vítima.
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça consolidou seu entendimento a respeito da transmissibilidade do dano moral, adotando o posicionamento de que é transmissível aos herdeiros, independente da vítima ter ajuizado a ação em vida. No embate jurídico proferido no REsp n. 343.654/SP (STJ, 2002), entendeu-se:
“Responsabilidade civil. Ação de indenização em decorrência de acidente sofrido pelo de cujus. Legitimidade ativa do espólio.
Dotado o espólio de capacidade processual (art. 12, V, do Código de Processo Civil), tem legitimidade ativa para postular em Juízo a reparação de dano sofrido pelo de cujus, direito que se transmite com a herança (art. 1.526 do Código Civil).
Recurso especial conhecido e provido.”
O relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito (STJ, 2002, REsp n. 343.654/SP) explanou que se o espólio possui capacidade processual, estaria ele legitimado a “postular em defesa da universalidade, da herança, procurando direito que pertence ao patrimônio que deverá ser partilhado”. Por não estar o espólio postulando reparação de dano moral em nome próprio nem em nome dos herdeiros, e sim requerendo, no exercício de sua capacidade processual, direito que pertencia ao de cujus e que, consequentemente, deveria incorporar o patrimônio dos herdeiros. Tendo o espólio capacidade processual, “se o direito material comanda que o direito a exigir reparação transmite-se com a herança, é evidente que o espólio pode ajuizar a ação com tal finalidade”
No julgamento do REsp n. 978.651/SP (STJ, 2009), em que foi relatora a Ministra Denise Arruda, assim restou ementado:
“RECURSO ESPECIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. OFENDIDO FALECIDO. LEGITIMIDADE DOS SUCESSORES PARA PROPOR AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. TRANSMISSIBILIDADE DO DIREITO À REPARAÇÃO. 1. Na hipótese dos autos, o filho dos recorridos, em abordagem policial, foi exposto a situação vexatória e a espancamento efetuado por policiais militares, o que lhe causou lesões corporais de natureza leve e danos de ordem moral. A ação penal transitou em julgado. Após, os genitores da vítima, quando esta já havia falecido por razões outras, propuseram ação de indenização contra o fato referido, visando à reparação do dano moral sofrido pelo filho. 2. A questão controvertida consiste em saber se os pais possuem legitimidade ativa ad causam para propor ação, postulando indenização por dano moral sofrido, em vida, pelo filho falecido. […] 4. Interpretando-se sistematicamente os arts. 12, parágrafo único, e 943 do Código Civil (antigo art. 1.526 do Código Civil de 1916), infere-se que o direito à indenização, ou seja, o direito de se exigir a reparação de dano, tanto de ordem material como moral, foi assegurado pelo Código Civil aos sucessores do lesado, transmitindo-se com a herança. Isso, porque o direito que se sucede é o de ação, que possui natureza patrimonial, e não o direito moral em si, que é personalíssimo e, portanto, intransmissível. […] 9. Ressalte-se, por oportuno, que, conforme explicitado na r. Sentença e no v. Acórdão recorrido, “o finado era solteiro e não deixou filhos, fato incontroverso comprovado pelo documento de fl. 14 (certidão de óbito), sendo os autores seus únicos herdeiros, legitimados, pois, a propor a demanda” (fl. 154). Ademais, foi salientado nos autos que a vítima sentiu-se lesada moral e fisicamente com o ato praticado pelos policiais militares e que a ação somente foi proposta após sua morte porque aguardava-se o trânsito em julgado da ação penal. 10. Com essas considerações doutrinárias e jurisprudenciais, pode-se concluir que, embora o dano moral seja intransmissível, o direito à indenização correspondente transmite-se causa mortis, na medida em que integra o patrimônio da vítima. Não se olvida que os herdeiros não sucedem na dor, no sofrimento, na angústia e no aborrecimento suportados pelo ofendido, tendo em vista que os sentimentos não constituem um “bem” capaz de integrar o patrimônio do de cujus. Contudo, é devida a transmissão do direito patrimonial de exigir a reparação daí decorrente. Entende-se, assim, pela legitimidade ativa ad causam dos pais do ofendido, já falecido, para propor ação de indenização por danos morais, em virtude de ofensa moral por ele suportada. 11. Recurso especial do Estado de São Paulo conhecido, mas desprovido.”
Explica a relatora (STJ, 2009, REsp n. 978.651/SP) que o dano moral, decorrente de ofensa a direito personalíssimo, enseja o direito da vítima à reparação, conforme previsão constitucional (art. 5º, inciso X da CF/88). O referido direito, qual seja o de ajuizar ação no Judiciário para obter a indenização econômica da violação moral assume caráter patrimonial, podendo, consequentemente, ser objeto da sucessão hereditária, com base nos artigos 12, parágrafo único, e 943 do CC/2002. Trata-se de uma verdadeira sucessão de direito de crédito, e não de direito personalíssimo, motivo pelo qual não é aplicável o expresso no artigo 11 do CC/2002.
No julgamento do REsp n. 302.029/RJ (STJ, 2001) em que foi relatora a Ministra Nancy Andrighi, o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro teve seu voto divergente vencido, entendendo que a legitimidade dos herdeiros para ajuizar ação de indenização por ato dirigido contra a vítima é, em tese, de ser reconhecida.
Complementou o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro (STJ, 2001, REsp n. 302.029/RJ) que se a vítima ajuíza ação, os herdeiros podem prosseguir com o processo, sendo a matéria pacificada pelo Tribunal. Ademais, foi convicto ao entender que ao ocorrer indenização por dano moral, não se transmitirá o aborrecimento, o mal-estar, mas sim o direito patrimonial correspondente, a obrigação de indenizar.
Esclarece o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro (STJ, 2001, REsp n. 302.029/RJ) que não há razão para que o direito à indenização não se transmita aos herdeiros do de cujus, inclusive por não haver nenhum diploma legal que o impeça ou que exclua a possibilidade de ajuizamento da ação de dano moral pelos herdeiros.
O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC, 2010, AC n. 2009.052918-1), ao se pronunciar a respeito da matéria, compreendeu:
“ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL – REALIZAÇÃO DE EXAME EM LABORATÓRIO MUNICIPAL INDICATIVO DE GRAVE MOLÉSTIA – RESULTADO POSITIVO NOS DOIS PRIMEIROS TESTES QUE NÃO SE CONFIRMOU ANOS DEPOIS – ERRO DOS AGENTES PÚBLICOS – DANO MORAL – RECURSO DESPROVIDO. […]3. Conforme a doutrina e a jurisprudência, “embora o dano moral seja intransmissível, o direito à indenização correspondente transmite-se causa mortis, na medida em que integra o patrimônio da vítima. Não se olvida que os herdeiros não sucedem na dor, no sofrimento, na angústia e no aborrecimento suportados pelo ofendido, tendo em vista que os sentimentos não constituem um ‘bem’ capaz de integrar o patrimônio do de cujus. Contudo, é devida a transmissão do direito patrimonial de exigir a reparação daí decorrente. Entende-se, assim, pela legitimidade ativa ad causam dos pais do ofendido, já falecido, para propor ação de indenização por danos morais, em virtude de ofensa moral por ele suportada” (REsp n. 978.651, Min. Denise Arruda; AC n. 1999.006870-6, Des. Newton Trisotto; REsp 324.886, Min. José Delgado; REsp n. 11.735, Min. Antônio de Pádua Ribeiro; Sérgio Cavalieri Filho, Mário Moacyr Porto, José de Aguiar Dias).
Sobre a questão, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS, 2009, AC n. 70029870748) já decidiu:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. DIREITO PATRIMONIAL. TRANSMISSIBILIDADE. DANOS MORAIS. ACOLHIMENTO. Os autores têm legitimidade para figurarem no pólo ativo da relação jurídico-processual, pois o direito de postular indenização por danos morais é de natureza patrimonial, sendo, portanto, transmissível à esposa e aos filhos do de cujus ofendido.”
O relator (TJRS, 2009, AC n. 70029870748) afirmou que os herdeiros “possuem legitimidade para figurarem no polo ativo da relação jurídico-processual, uma vez que o direito de postular a reparação por danos morais é de natureza patrimonial”, sendo, assim, transmissível aos herdeiros do de cujus ofendido.
A respeito do tema:
“LEGITIMIDADE ATIVA Ação movida pelo espólio, buscando declaração de inexistência de relação contratual e da dívida decorrente, e indenização por dano moral tendo em vista indevida anotação de pendência financeira em nome do de cujus em cadastro de proteção ao crédito Legitimidade do espólio Dano moral sofrido pelo de cujus Com a morte extingue-se apenas a personalidade e não o direito à declaração pretendida, o dano consumado e a indenização que por decorrência dele for devida, integrados em vida no patrimônio jurídico do de cujus Embora não intransmissível a dor, transmissível é o direito de ação da vítima, por se tratar de direito patrimonial. Embargos infringentes rejeitados.” (TJSP, 2011, Embargos Infringentes n. 9171896-17.2007.8.26.0000)
O relator Desembargador João Carlos Saletti (TJSP, 2011, Embargos Infringentes n. 9171896-17.2007.8.26.000) entendeu que considerando que o direito ao dano moral integra o patrimônio pessoal do de cujus, este é transmissível e transmitido aos herdeiros com a abertura da sucessão. Não tendo o que se falar em ilegitimidade dos herdeiros pleitearem o direito à indenização pelo dano moral sofrido pela vítima quando em vida.
CONCLUSÃO
O Superior Tribunal de Justiça tem firmado posicionamento no sentido de reconhecer a legitimidade dos herdeiros da vítima que sofreu dano moral, para ir ao Judiciário pleitear a referida ação, ao argumento de que o artigo 943 do Código Civil de 2002 regulamenta que o direito de exigir a reparação transmite-se por herança e, considerando que não há qualquer menção se esse direito é material ou moral, entende-se que ambos os casos estão regulamentados.
Juntamente com o entendimento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais de Justiça brasileiros, em sua maioria, estão opinando no mesmo sentido, inclusive utilizando como embasamento jurídico aquele adotado pelo Tribunal Superior.
Apesar de ainda haver posicionamentos em contrário, como nos casos das duas primeiras correntes, a doutrina e a jurisprudência brasileira predominante vêm entendendo que a corrente mais adequada é da transmissibilidade incondicionada do direito à indenização por dano moral.
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