TRANSEXUALIDADE – possibilidade de alteração-retificação de nome de pessoas cuja identidade de gênero distingue daquela designada em seu nascimento.
Matheus Xavier de Souza.
A singularidade do nome
Segundo prescreve o art. 16 do Código Civil, toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome. Por isso, tem-se o nome como primeiro identificador essencial de qualquer pessoa.
A função perfunctória do nome é estabelecer uma identidade específica a cada indivíduo, tendo em vista o interesse público de se diferenciar dos demais membros da sociedade em que se vive cumulado ao interesse particular subjetivo de se distinguir e não ser confundido com outra pessoa.
Portanto, muito mais do que simples palavras, a natureza do nome reflete a essência da personalidade característica de determinada pessoa, seu estado social, seus atributos físicos, morais, jurídicos, econômicos, sua honra e também seu psiquismo.[1]
Alteração de nome de pessoas transexuais
Via de regra, a norma que instrumentaliza o registro público estabelece que o prenome é definitivo, mas excepcionalmente poderá ser substituído.[2]
Embora existam diversos obstáculos, principalmente com relação aos pares do convívio social, as transformações que se submetem as pessoas cuja identidade de gênero difere daquela designada no nascimento são fatores preponderantes na possibilidade que sejam alterados-retificados os registros civis, garantindo-lhes sua efetiva e completa atividade no meio em que se vive.
Fato é que a ausência dessa identidade-personalidade da pessoa transexual provoca desmedido desajuste psicológico, se opondo por completo ao princípio da dignidade da pessoa humana e aos critérios constitucionais, que asseguram a todo e qualquer indivíduo seus direitos sociais.[3]
Por essa razão, as alterações-retificações buscam garantir e assegurar os direitos de personalidade da pessoa transexual, que não pode ser categorizada apenas pelos critérios morfológicos e fisiológicos designados no momento em que nasce, mas sim garantindo que essa pessoa construa sua vida, transpasse por dissabores, constrangimentos, percalços, conquistas, alegrias e tristezas, sentindo e vivendo como lhe deveria ser de direito sem restrições.
Em compêndio, cabe a cada indivíduo definir a sua própria personalidade, que se imposta pelo mundo exterior perde sua essência e sentido, observadas as circunstâncias de cada caso, em que o nome de registro esteja dissonante com sua identidade-personalidade social, podendo levar a pessoa transexual a situação vexatória ou de ridículo, inclusive, sendo vítima de agressões quando precisa se utilizar de seus documentos pessoais.[4]
Procedimentos para alteração de nome
Durante décadas o Poder Judiciário foi provocado a fim de solucionar esse conflito sobremaneira habitual, mas as decisões proferidas pelas Cortes do país eram conflitantes no sentido de que seria necessária, ou não, a realização de cirurgia de transgenitalização, comumente denominada redesignação de sexo, para que fosse autorizada a alteração-averbação do nome civil de pessoa transexual.
Contudo, nos idos de 2018 o Supremo Tribunal Federal colocou uma pá de cal no assunto, quando deu provimento ao Recurso Extraordinário n. 670.422 e fixou a tese de que “o transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo, para tanto, nada além da manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa”.
Desta maneira, a pessoa transexual que deseja alterar-retificar o seu nome deve eleger de forma autônoma a via mais adequada e oportuna, podendo se valer dos cartórios de registro civil das pessoas naturais ou então da via judicial, após preenchidos alguns requisitos específicos previstos no Provimento n. 73/2018 do Conselho Nacional de Justiça.
Até que sobrevenha ulterior lei específica autorizadora, incontestável que a análise intrínseca e extrínseca da Constituição Federal garantiu às pessoas transexuais, principalmente, seus direitos à liberdade e à vida.
[1] VASSILIEFF, Silvia 2005. Direito à adequação do nome ao novo estado pessoal em função de viuvez e de cirurgia sexual genital. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes (coord.). A outra face do Poder Judiciário. Belo Horizonte: Del Rey.
[2] Lei 6.015/1973, art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.
[3] CF, art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
[4] DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva – O Preconceito e a Justiça. Revista dos Tribunais, 2011, pag. 185.