TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA: OS PROBLEMAS DO RATING DO DEVEDOR CALCULADO PELA PGFN
A transação em matéria tributária possui como um de seus marcos inicial o Código Tributário Nacional, que através do art. 156, inciso III, dispõe sobre a transação como uma das hipóteses de extinção do crédito tributário. Porém, apenas em 2020, com a edição da Lei 13.988, instituiu-se a transação como um veículo para a solução de litígios cuja finalidade é a extinção de créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária.
A implementação da transação foi muito importante diante do considerável número de processos tributários originados pelos meios de cobrança massificados da Fazenda Pública, culminando na demora em a solução dos litígios e na incidência de pesados encargos, tanto para a Fazenda Pública, quanto para os contribuintes. Segundo o Relatório Justiça em Números 2022 (ano base 2021), tramitam no Poder Judiciário cerca de 26,8 milhões execuções fiscais, que corresponde a aproximadamente 35% do total de processos pendentes no Poder Judiciário. Igualmente, de cada 100 processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2021, apenas 10 foram baixados.
Desse modo, a transação como medida alternativa de solução de litígio e extinção do crédito tributário foi imprescindível, na medida em que permite à Fazenda enxergar a situação econômica do contribuinte que se encontra em situação de crise, assegurando uma nova chance para retomada do cumprimento das obrigações tributárias através de uma negociação personalizada.
É com base nesses objetivos centrais que a Lei 13.988/2020 e a atual Portaria PGFN nº 6.757/2022 dispõem que, para os créditos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, serão concedidos, além de outros benefícios, descontos de 65% ou 70% a depender do caso, nas multas, nos juros e nos encargos legais dos créditos a serem transacionados.
A crítica que faço aqui diz respeito às quais informações são consideradas pela Fazenda Pública ou, ainda, se a forma como são mensuradas tais informações refletem a real capacidade de pagamento (“Capag”) do contribuinte, especialmente diante da ausência de previsão em lei. A falta de transparência e a forte discricionariedade resultam em atribuição de capacidades irreais e aumento da litigiosidade, o que exige algumas reformas no modelo atualmente adotado pela PGFN.
A regulamentação da transação pela Portaria PGFN nº 6.757/2022 viabilizou aos contribuintes tomarem conhecimento de alguns dos parâmetros utilizados para aferir o grau de recuperabilidade e, assim, propor uma negociação.
Todavia, seja na modalidade de transação individual ou por adesão, o contribuinte que se encontra em dificuldades financeiras, mas que não se encaixa nas hipóteses pré-definidas para créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação, deverá se ater aos indicadores utilizados para mensurar a sua Capag, pois, não raramente, a Fazenda utiliza-se de informações e valores que não condizem efetivamente como disponibilidade financeira.
Ademais, a metodologia de aferição não se encontra prescrita em lei ou nas normas relativas à transação e apesar de o cálculo ser realizado com base nas informações prestadas pelo próprio contribuinte, o método não é claro, podendo prejudicar o contribuinte em uma revisão de Capag, cuja análise fica a critério subjetivo da PGFN.
Diante das possíveis informações mensuradas pela PGFN tais como receita bruta, balanço patrimonial e volume de operações de compra e venda ou prestação de serviços, a primeira questão que deve ser analisada é a eventual utilização de origens duplicadas, isto é, fontes utilizadas mais de uma vez na mesma metodologia, como se pudessem ser somadas no resultado da Capag.
Outras informações como os bens e direitos declarados são utilizados como parâmetro para a mensuração da Capag, todavia, fato é que tais fontes apresentam uma capacidade de pagamento irreal, como se pudessem compor recursos para o pagamento de dívidas, quando, muitas vezes, são indispensáveis ao contribuinte e efetivamente não podem ser alienados para fins de pagamento dos débitos tributários, sob pena de implicar simplesmente na liquidação das suas atividades.
Como várias fontes muitas vezes são somadas e utilizadas dentro de uma metodologia com parâmetros conjugados, acaba por refletir uma capacidade de pagamento que não condiz com a realidade. Como resultado, é apresentado ao contribuinte a Capag através de um valor que será desembolsado em um período de 60 meses, somente para pagamento das parcelas das transações, sem levar em consideração compromissos com tributos correntes, outras dívidas ou despesas correntes.
É certo que a transação deve ser formalizada de maneira menos gravosa também para a Fazenda Pública, porém, a falta de previsão legal e de uma estrutura adequada que delibere sobre a real capacidade de pagamento do contribuinte faz com que ocorram as distorções mencionadas, além de gerar novos embates entre contribuintes e o Fisco, nos numerosos pedidos de revisão de Capag.
Outros indicadores financeiros de liquidez podem e devem ser mensurados pela Fazenda Pública, uma vez que demonstram a real possibilidade de o contribuinte honrar com o seu passivo tributário de forma menos gravosa e estimulando a autorregularização. Soma-se que as informações utilizadas e a respectiva metodologia de cálculo devem ser regulamentadas e acessíveis, uma vez que a presunção da Capag com base em parâmetros não previstos em lei dificulta, inclusive, o pedido de revisão.
É preciso melhorar os critérios para a definição da real Capag do contribuinte, pois apesar de a transação ter se mostrado um importante instrumento de resolução de litígios e de extinção do crédito tributário, é importante que tais eventos ocorram conforme os princípios prescritos pela legislação, como proporcionalidade, razoabilidade e transparência.