RKL Escritório de Advocacia

TRAIÇÃO GERA DEVER DE INDENIZAR POR DANO MORAL?

TRAIÇÃO GERA DEVER DE INDENIZAR POR DANO MORAL?

 Marcos Bonfim

 

Traição gera dever de indenizar por dano moral? Essa é questão tormentosa na doutrina, a que a jurisprudência, igualmente, não dá uma resposta de forma uníssona.

O Superior Tribunal de Justiça, Corte de uniformização das decisões judiciais pátrias, já houve por ocasião, mais de uma vez, reconhecer a ofensa gerada pela traição à dignidade do traído, sem, no entanto, firmar uma tese abrangente a respeito, cingindo-se a asseverar que, na hipótese, a lesão moral estava configurada (AgInt no AREsp 1673702/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 14/09/2020, DJe 18/09/2020 e REsp 922.462/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/04/2013, DJe 13/05/2013).

Diante disso, o presente artigo intenta ofertar uma embasada opinião a respeito, delimitando balizas para a solução dos casos concretos.

Nessa tarefa, tem-se que a questão deve ser resolvida à luz dos princípios norteadores do Direito de Família contemporâneo, em especial o da liberdade, que goza de posição preferencial na matéria.

Hoje, entende-se as entidades familiares não mais como longa manus do Estado no controle social, mas como lócus da realização existencial de seus membros. Isto é, a relação afetivo-conjugal existe para a satisfação de cada cônjuge, devendo ser mínima a interferência estatal nessa seara[1].

Em consequência, a quebra do dever de fidelidade, por si só, não gera o dever de indenizar.

É que, descabendo ao Estado ditar o comportamento dos consortes, não é dado ao Poder Judiciário, por conseguinte, se imiscuir na relação afetivo-conjugal para aferir a culpa pelo término do matrimônio ou união estável. A ruptura do vínculo amoroso, mesmo por traição, é fruto de escolhas existenciais – e da liberdade – de cada uma das partes, devendo permanecer à salvo da intervenção estatal. Afinal, “o amor não pode ser objeto de imposição legal[2] e não seria inadequado ver a traição como “a busca de uma recomposição emocional[3] diante de uma relação afetivo-conjugal que, em verdade, no âmago já se desfez.

Dito isso, é preciso destacar, no entanto, que existem situações de infidelidade nas quais o adúltero coloca o traído em verdadeira posição vexatória ou humilhante. Típico exemplo tem-se quando, em razão de sua conduta deliberada, o caso ganha repercussão social. Em hipóteses como essas, que hão de ser apuradas na casuística, há não apenas a quebra da confiança conjugal, mas ato ilícito, gerando o dever de indenizar por dano moral.

Em suma, entende-se que não é toda traição que deve ensejar condenação, mas apenas aquelas em que, desbordando da “normalidade”, o adúltero submete o traído à vexame ou humilhação.

Nesse sentido colhe-se recentes decisões no âmbito do Tribunal de Justiça do Paraná:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INFIDELIDADE QUE, POR SI SÓ, NÃO GERA DEVER DE INDENIZAR, NECESSIDADE DE DEMONSTRAR QUE A TRAIÇÃO CAUSOU AO OUTRO COMPANHEIRO UMA SITUAÇÃO VEXATÓRIA E HUMILHANTE. COMPROVAÇÃO PELA AUTORA DE QUE A INFIDELIDADE DO SEU EX-COMPANHEIRO A COLOCOU EM SITUAÇÃO VEXATÓRIA, ABALANDO A SUA MORAL E HONRA. APELANTE QUE NÃO SE PREOCUPOU COM A DISCRIÇÃO DO SEU RELACIONAMENTO EXTRACONJUGAL, COLABORANDO COM OS COMENTÁRIOS DA POPULAÇÃO LOCAL, O QUE CONSEQUENTEMENTE FEZ COM QUE A APELADA SE SENTISSE MENOSPREZADA E HUMILHADA. CIDADE PEQUENA DO INTERIOR. FATOS OCORRIDOS QUE SE TORNARAM DE CONHECIMENTO DE MUITAS PESSOAS. FATO QUE ULTRAPASSOU O QUE SE DENOMINA OS LIMITES DA RAZOABILIDADE NA INFIDELIDADE CONJUGAL.” (TJPR – 11ª C.Cível – 0000110-32.2018.8.16.0168 – Terra Roxa –  Rel.: DESEMBARGADOR SIGURD ROBERTO BENGTSSON –  J. 23.08.2021)

DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO C/C PARTILHA DE BENS, DANOS MORAIS E ALIMENTOS. DANO MORAL – TRAIÇÃO – SITUAÇÃO QUE, POR SI SÓ, NÃO ENSEJA O DIREITO À INDENIZAÇÃO – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE A INFIDELIDADE ENSEJOU SITUAÇÃO DE HUMILHAÇÃO, VEXAME OU DANO À IMAGEM DE MANEIRA PÚBLICA. RECURSOS DE APELAÇÃO 1 E 2 CONHECIDOS E DESPROVIDOS.” (TJPR – 11ª C.Cível – 0027880-11.2017.8.16.0014 – Londrina –  Rel.: DESEMBARGADOR RUY MUGGIATI –  J. 18.11.2020)

 

[1] RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski; BONFIM, Marcos Augusto Bernardes. Uma análise do Recurso Extraordinário nº 878.694 à luz do direito fundamental à liberdade: qual espaço para a autodeterminação nas relações familiares?. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, v. 22, p. 141-178, out./dez. 2019

[2] REsp 922.462/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/04/2013, DJe 13/05/2013

[3] FILHO, Rodolfo Pamplona; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil: Direito de família. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2017, e-book.