TESTAMENTO PÚBLICO- Incapacidade, Língua Portuguesa, Leitura, Testemunhas, Local, Indignidade e Deserdação
Rénan Kfuri Lopes
Testamento público
O testamento público é aquele escrito por oficial público, em seu livro de notas, de acordo com o ditado ou as declarações do testador, em presença de duas testemunhas, levando as assinaturas do testador, das testemunhas e do oficial.
O testamento como ato jurídico, deve observar além dos requisitos específicos para cada modalidade de testamento, aqueles gerais, estabelecidos no art. 104 do CC, entre os quais está a capacidade do agente e a observância da forma prescrita em lei para o negócio jurídico.
Os requisitos essenciais do testamento público estão previstos no art. 1.864 do CC, e são os seguintes: (i) ser escrito por tabelião ou substituto no livro de notas, de acordo com a declaração do testador; (ii) ser lido em voz alta na presença do testador e de duas testemunhas; e (iii) ser assinado pelo testador e pelas testemunhas depois da leitura.
O testamento público, como ato solene por excelência, exige o cumprimento dos aludidos requisitos para que seja válido o que significa que a inobservância dos mesmos ensejará a nulidade do testamento.
Incapacidade testadora
Por ser ato jurídico de última vontade que depende unicamente do desejo do testador, sendo, portanto, imprescindível que este seja capaz. Tanto é assim que o art. 1.860, caput, do CC, estabelece que não podem testar os incapazes e aqueles que não tiverem pleno discernimento. Assim, ad ilustrandum, nulo será o testamento assinado pela falecida se no dia do ato de testar era portadora de demência, portanto incapaz, impedindo a correta percepção de realidade e as consequências de suas decisões.
Compreensão da língua portuguesa
O art. 13, caput, da CF estabelece que a língua portuguesa é o idioma oficial do país.
O testamento público é inscrito em livro de notas por tabelião e escrito em vernáculo elaborado, de modo que o testador deve compreender a língua portuguesa para que possa lavrar este tipo de testamento; exigência que se justifica para garantia de que o testador compreenda o conteúdo de sua vontade transcrita no documento.
Mesmo o testador naturalizado brasileiro, a lei exige que tenha compreensão do idioma nacional para testar de forma pública. A ausência de compreensão da língua portuguesa é afronta ao princípio da oralidade, intrínseco aos testamentos públicos, porque deturpa a possibilidade de leitura do testamento em voz alta e de verificação da vontade do testador.
Leitura em voz alta
A lei estabelece a necessidade de leitura do testamento público em voz alta, simultaneamente perante o testador e as testemunhas, como requisito de validade deste, considerando a importância de confirmação, pelo testador, pelo tabelião e pelas testemunhas que acompanham o ato, de que o conteúdo do documento reflete a vontade do testador.
A leitura do testamento em voz alta é, portanto, indispensável para a manifestação oral do autor da disposição de última vontade, dirigida ao oficial público no sentido de se tratar de seu testamento, cujas determinações quer sejam fielmente reproduzidas e cumpridas.
Testemunhas no acompanhamento
A obrigatoriedade estabelecida em lei de acompanhamento da lavratura do testamento público por duas testemunhas capazes tem como finalidade possibilitar a prova do conhecimento pleno do conteúdo do testamento e presenciar a manifestação da vontade do testador.
As testemunhas são tidas como indispensáveis para a segurança e autenticidade do testamento, razão pela qual devem estar presentes durante todo o ato e ouvir as declarações do testador.
Local de lavratura do testamento
Se o testamento foi assinado em local diverso do tabelionato, imprescindível constar da escritura essa circunstância, porque o ato somente gera efeitos depois da morte do testador, quando não há mais possibilidade de esclarecimentos ou prática de ato novo. A indicação do local em que foi lavrado o testamento faz-se também necessária a fim de que se verifique o cumprimento das normas atinentes à competência e à jurisdição, cuja violação também pode ensejar a nulidade do ato.
Declaração de indignidade do filho do testador
Se o filho se valeu da incapacidade do pai, autor da herança, devidamente comprovado, para obter testamento a seu favor, há de ser reconhecida sua indignidade, incidindo a conduta tipificada no numerus clausus do art. 1.814, III do CC, pois obstou, por meios fraudulentos, a vontade do testador.
A sanção legal aplica-se não apenas àquele que usa de violência ou meios fraudulentos para alterar a livre declaração de vontade constante do testamento, mas, também, àquele que se vale desses meios com a finalidade de obter declaração de vontade que inexistiria sem atuação do indigno. O art. 1.814, III, do CC, é claro no sentido de que será punido com a exclusão da herança o herdeiro que induzir a elaboração de ato de última vontade pelo testador, exatamente como fez o filho da testadora.
O art. 1.816 do CC é expresso no sentido de que com a exclusão do pai da herança da avó, os netos passariam à condição de herdeiros por representação, como se seu pai morto fosse. Isso porque os efeitos da declaração da indignidade são pessoais, equiparando-se à premoriência.
Deserdação
É instituto por meio do qual se efetiva a privação da legítima do herdeiro necessário por meio de testamento. A cláusula testamentária de deserdação se trata de ato severo, só cabível em situações dotadas de gravidade que justifiquem as razões motivadoras do testador deserdar um filho.
A deserdação, como exceção à regra da legítima, não se opera mediante a simples vontade do testador, se sujeitando a normas para evitar a propagação de injustiças. A lei estabelece as causas em que pode se efetivar, a obrigação de indicar essas causas em testamento e, ainda, depois da morte do autor da herança, comprovar tais causas judicialmente, em ação própria.
As causas de deserdação são as mesmas causas de exclusão da herança por indignidade, estabelecidas no art. 1.814 do CC e detalhadas acima, acrescidas daquelas constantes dos arts. 1.962 e 1.963, do mesmo diploma legal. Em suma, são as seguintes: (i) autor, coautor ou partícipe de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; (ii) acusação caluniosa em juízo o autor da herança ou prática de crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; (iii) intimidação ou impedimento de o autor da herança dispor livremente de seus bens por ato de última vontade, por violência ou meios fraudulentos; (iv) ofensa física; (v) injúria grave; (vi) relações ilícitas com madrasta/padrasto (no caso de deserdação de descendente por ascendente) e com mulher/marido/companheiro(a) do filho(a) ou do neto(a) -no caso de deserdação do ascendente pelo descendente-; e (vii) desamparo do autor da herança com deficiência mental ou grave enfermidade.
A exemplo do que ocorre com a exclusão da herança por indignidade, tem-se entendido que o rol é taxativo e existem movimentos no sentido de que deveria haver a ampliação na interpretação destas hipóteses, de acordo com cada caso, o que entendemos correto, pelos mesmos motivos anteriormente expostos.
O testamento deverá conter a causa da deserdação, de forma detalhada e completa, para verificação do enquadramento legal, não bastando a vontade do testador e a indicação genérica de deserdação do herdeiro necessário, sob pena de se transformar mera animosidade em causa para a grave privação de um herdeiro necessário da legítima que lhe é constitucionalmente garantida (art. 5º, caput, e XXX, CF.)
A deserdação, como cláusula do testamento, pode ser posteriormente revogada pelo testador em outro testamento, não se admitindo revogação por meio de outro instrumento, ainda que público.
A veracidade dos motivos expressos em testamento deverá ser apurada em ação própria, promovida pelo herdeiro interessado ou por aquele a quem a deserdação aproveitar, processo este no qual será declarada ou não a deserdação. Apenas se for esta ação procedente, a deserdação irá se efetivar. Do contrário, a cláusula de deserdação será ineficaz.