RKL Escritório de Advocacia

TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA E CELERIDADE PROCESSUAL

TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA E CELERIDADE PROCESSUAL

Talden Farias

 

O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é um acordo celebrado entre as partes interessadas com o objetivo de proteger direitos de caráter transindividual. Trata-se de um título executivo extrajudicial que contém pelo menos uma obrigação de fazer ou de não fazer e a correspondente cominação para o caso de seu descumprimento. Foi esse o foco do § 6º ao art. 5º da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública – LACP), ao estabelecer que “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”.

O TAC foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pelo art. 211 da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), tendo sua atuação limitada às questões relativas à infância e à juventude. Em seguida, o art. 113 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) ampliou sua aplicação a todos os direitos difusos e coletivos, ao acrescentar o § 6º ao art. 5º da LACP, determinando que os órgãos públicos legitimados à propositura da Ação Civil Pública – ACP poderão celebrar TAC[1]. Somente a partir daí o instrumento passou a ser utilizado amplamente para a resolução de conflitos em matéria de direitos difusos e coletivos, pois anteriormente a isso somente era possível fazer recomendações e propor a ACP[2].

Em matéria de moralidade administrativa, após as alterações trazidas pela Lei 13.964/2019, a Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa)[3] passou finalmente a permitir a celebração de acordo, já que antes a lei vedava expressamente qualquer negociação nesse sentido. O assunto foi objeto de regulamentação da Resolução 179/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP[4], de maneira que não existem mais dúvidas quanto a essa possibilidade. E não poderia ser diferente, pois até mesmo em matéria criminal existem as soluções negociadas, como o acordo de não persecução criminal e a delação premiada.

A sua natureza é de acordo substitutivo de penalidade, possuindo em regra feição pré-processual e contendo obrigação de caráter líquido e certo. Essa iniciativa vai à esteira da tendência de resolução alternativa de conflitos jurídicos, a exemplo da mediação e da arbitragem, guardando fundamento não apenas no Novo Código de Processo Civil[5], mas também em uma série de outros dispositivos legais[6].

Ainda existe dúvida quanto à necessidade de ratificação do TAC por parte do Ministério Público, o que guardaria fundamento no § 1º do art. 5º da LACP[7]. Ocorre que a prática já tornou essa discussão inócua, uma vez que as demais instituições legitimadas têm celebrado o acordo sem qualquer tipo de problema. Demais, cumpre lembrar que não existe previsão legal a esse respeito, e que o entendimento predominante é que os outros legitimados poderão fazê-lo sem a aquiescência ministerial[8]. Pela sua própria natureza dos interesses em questão, não é interessante que a sua defesa fique restrita a um único órgão ou ente federativo, o que não retira, obviamente, o protagonismo ministerial. A própria Defensoria Pública tem se destacado bastante na defesa dos interesses transindividuais, o que também guarda fundamento no Novo Código de Processo Civil[9] e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[10].

Os direitos de natureza transindividual têm fundamento na Constituição Federal, guardando relação direta com os direitos fundamentais da pessoa humana. É o caso dos direitos relativos aos seguintes valores: biossegurança (art. 225), ciência e tecnologia (arts. 23, 187, 216, 218 e 219), comunicação social (arts. 220 a 224), consumidor (arts. 5º, 170 e 48 do ADCT), criança e adolescente (arts. 226 a 230), economia (art. 170), educação (arts. 6º, 22, 24, 205, 208, 211, 212, 213, 225, 227), família (arts. 203 e 226), função social da propriedade (arts. 5º, 170 e 186), idoso (arts. 203, 229 230), meio ambiente (arts. 5º, 170, 200, 225), moralidade administrativa (art. 37, caput), patrimônio cultural (arts. 215 e 216), cultura (art. 216-A), reforma agrária (arts. 184 a 191), saneamento básico (arts. 196 a 200 e 225), saúde (arts. 196 a 200), urbanismo (arts. 182 e 183) etc.

Afora a resolução do problema em si, o instituto implica na desoneração do Poder Judiciário e dos órgãos de regulação administrativa, que terão mais tempo e recursos para cuidar das suas demais demandas. Portanto, a ideia de economia, eficiência e celeridade não diz respeito apenas ao órgão legitimado para o TAC ou ao caso concreto, mas a todo o sistema jurídico. Há, também, certa informalidade na negociação que deixa as partes envolvidas mais à vontade quanto ao conteúdo e ao momento da proposta.

A maior vantagem do TAC é a celeridade com que os conflitos podem ser solucionados, já que, em regra, as lesões ou ameaças a direitos de natureza transindividual possuem caráter de urgência e não podem esperar o trânsito em julgado de um processo judicial. Em relação isso, Rafael Lima Daudt D’Oliveira expõe o seguinte:

As grandes vantagens que se alcançam pela negociação e o resultante acordo ambiental, em vez da adoção de sanções administrativas e, eventualmente, medidas judiciais, são que se consegue, com maior efetividade, evitar a consumação de danos (v.g., em infrações continuadas), recuperar o ambiente e/ou compensar o dano ambiental irrecuperável de forma mais célere, bem como ajustar a conduta do infrator as disposições legais (caso seja necessário). Demais disso, o acordo acarreta menor custo para todos os envolvidos do que intermináveis batalhas judiciais que se prolongam anos a fio. Em suma, o ambiente é beneficiado E a situação controvertida é resolvida, prestigiando-se a segurança jurídica[11].

Por versar sobre interesses de âmbito coletivo, a execução das obrigações estabelecidas no TAC, para o caso de descumprimento de seus termos, poderá ser feita por qualquer legitimado, independentemente de ter sido ele ou não o responsável pelo compromisso estabelecido. Na verdade, apesar de não terem legitimidade para celebrar o acordo, até as associações civis e as fundações privadas podem executar essa obrigação, visto serem titulares da ACP, instrumento que pode ser utilizado também para execução de obrigação de fazer ou de não fazer[12].

É possível fazer a transação parcial das obrigações sem impedir a celebração de outro acordo ou a propositura de uma ação judicial quanto às demais obrigações[13]. Com efeito, pelas razões de celeridade, efetividade e voluntariedade, não haveria razão para não se formalizar a negociação da parte incontroversa, o que guarda total consonância com a sistemática processual atual[14].

Se por um lado o instituto objetiva adequar os empreendimentos às exigências necessárias, devendo constar uma descrição detalhada tanto das obras e serviços a serem executados como das metas trimestrais a serem atingidas, por outro lado o documento deve prever a multa ou alguma outra forma de penalidade administrativa para o caso de descumprimento total ou parcial. Somente se ressalvando o caso fortuito ou de força maior, no caso de descumprimento de suas cláusulas o termo de compromisso estará rescindido de pleno direito, de maneira que as multas e outras penalidades administrativas previstas poderão ser executadas imediatamente[15].

Também é preciso levar em conta os requisitos formais, que são em geral os de qualquer instrumento contratual, a exemplo da descrição das partes envolvidas, prazo de validade, descrição detalhada do objeto, direitos e obrigações das partes, foro competente para dirimir litígios etc. A respeito disso, Margaret Mitchels Bilhalva afirma o seguinte:

Por óbvio, é indispensável à qualificação das partes, a identificação precisa do seu objeto, com o estabelecimento de prazos de execução de medidas necessárias à sua implementação e, ainda, que este é celebrado com força de título executivo extrajudicial ou judicial, conforme o caso. No entanto, existem outras cláusulas não tão intuitivas, como a estipulação de cláusula penal para casos de seu descumprimento (a qual deverá ser proporcional à parcela inadimplida) e de obrigação de dar publicidade ao instrumento, que versa sobre bens e direitos de toda a sociedade, as quais são igualmente recomendáveis[16].

Na prática, a mais importante dessas formalidades é o estabelecimento de uma ou mais penalidades para o caso de descumprimento voluntário da obrigação, o que encontra fundamento no § 6º ao art. 5º da LACP. De fato, não faz sentido estabelecer uma obrigação sem a correspondente sanção ao seu descumprimento, pois do contrário se estaria diante de uma mera declaração de boa vontade, o que resultaria inútil. Normalmente são cláusulas penais de multa ou de embargo, que funcionam como obrigações acessórias no caso de descumprimento integral ou parcial dos termos acordados[17].

O TAC desponta como instrumento de efetivação do acesso à justiça no sentido mais amplo da expressão, que significa o acesso aos direitos propriamente e não apenas ao Poder Judiciário, posto que inquestionavelmente contribua para a defesa dos direitos transindividuais. O instrumento contribui especialmente para o alargamento da concepção de acesso à justiça, ao trazer celeridade, efetividade e informalidade na resolução de conflitos, o que se torna especialmente importante no contexto da sociedade de risco, onde a cada dia surgem novos problemas sem que o Estado tenha tempo de se adequar com os instrumentos jurídicos convencionais.

 

[1] “Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I – o Ministério Público; II – a Defensoria Pública; III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V – a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”.

[2] Anteriormente a isso, a Lei 7.244/84, que dispunha sobre a criação e o funcionamento do Juizado Especial de Pequenas Causas, dispôs sobre instrumento semelhante, com legitimação do Parquet, embora sem foco nos interesses difusos e coletivos: “Art. 55 – O acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, poderá ser homologado, no juízo competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo judicial. Parágrafo único – Valerá como título executivo extrajudicial o acordo celebrado pelas partes, por instrumento escrito, referendado pelo órgão competente do Ministério Público”.

[3] “Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar. § 1º As ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não persecução cível, nos termos desta Lei. (…) § 10-A. Havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes requerer ao juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa) dias” (…). Na redação anterior da lei, o § 1º vedava expressamente qualquer transação, acordo ou conciliação.

[4] “Art. 1º. (…) § 2º É cabível o compromisso de ajustamento de conduta nas hipóteses configuradoras de improbidade administrativa, sem prejuízo do ressarcimento ao erário e da aplicação de uma ou algumas das sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou o ato praticado” (…).

[5] No inciso III do art. 174 do Novo Código de Processo Civil o TAC é citado como uma das formas de solução consensual de conflitos na esfera administrativa. O instrumento também encontra fundamento nos incisos IV e XII do art. 784 dessa norma, que determina serem títulos executivos extrajudiciais “o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal” e “todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva”. Não se pode esquecer que a resolução negociada de conflitos é uma máxima desse diploma legal: “Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.

[6] A Lei 13.140/2015, que dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública, prevê, dentre outras soluções semelhantes, o TAC. O Decreto-lei 4.657/42 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro), após as modificações trazidas pela Lei 13.655/2018, passou a prever a celebração de compromisso como forma de eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa em matéria de Direito Pública. Em igual norte, é possível destacar o termo de compromisso previsto na Lei 12.529/2011 (Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência), na Lei 6.385/1976 (Lei do Mercado e da Comissão de Valores Mobiliários) e nas Leis 9.656/1998 e 9.961/2000 (Lei dos Planos e Seguros Privados de Assistência à Saúde e Lei da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS). Mesmo em matéria ambiental, antes dessas normas, a Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes e das Infrações Administrativas Ambientais), após as alterações impingidas pelas Medidas Provisórias 1.710/98 e 2.163-41/2001, já tinha previsto a possibilidade de celebração de Termos de Compromisso, por parte dos órgãos integrantes do SISNAMA, fazendo uso de uma sistemática muito parecida com a do TAC.

[7]“Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (…) § 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei. (…)”.

[8] MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 1404-1405.

[9] “Art. 185. A Defensoria Pública exercerá a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, em todos os graus, de forma integral e gratuita”.

[10] Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.943, proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP e que teve como relatora a Ministra Carmem Lúcia Antunes de Melo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Defensoria Pública tem legitimidade para propor ACP independentemente da comprovação da existência de hipossuficientes envolvidos e interessados.

[11] DAUDT D’OLIVEIRA, Rafael Lima. A simplificação no direito administrativo e ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020, p. 169.

[12] LACP: “Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer” e “Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor”.

[13] Resolução 179/2017 do CNMP: “Art. 2º No exercício de suas atribuições, poderá o órgão do Ministério Público tomar compromisso de ajustamento de conduta para a adoção de medidas provisórias ou definitivas, parciais ou totais. Parágrafo único. Na hipótese de adoção de medida provisória ou parcial, a investigação deverá continuar em relação aos demais aspectos da questão, ressalvada situação excepcional que enseje arquivamento fundamentado”.

[14] Vide os arts. 523 e 526 do Novo Código de Processo Civil.

[15] FINK, Daniel Roberto; MACEDO, André Camargo Horta de. Roteiro para licenciamento ambiental e outras considerações. In: FINK, Daniel Roberto; ALONSO JÚNIOR, Hamilton; DAWALIBI, Marcelo (Org.). Aspectos jurídicos do licenciamento ambiental. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 27.

[16] BILHALVA, Margaret Mitchels. Questões práticas para celebração de TAC e TC em matéria ambiental. In: GONÇALVES, Albenir Itaboraí Querubini; BURMANN, Alexandre; ANTUNES, Paulo de Bessa (orgs). Direito ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988. Londrina: Thoth, 2018, p. 374.

[17] RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito ambiental esquematizado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 635.