TEORIA DA IMPREVISÃO E ONEROSIDADE EXCESSIVA
Rénan Kfuri Lopes
Para ensejar a aplicação da Teoria da Imprevisão, é imprescindível o preenchimento de requisitos cumulativos como: (i) superveniência de um acontecimento imprevisível; (ii) alteração da base econômica do contrato; e (iii) onerosidade excessiva.
No que concerne à superveniência de um acontecimento imprevisível, frisa-se que para caracterização de resolução contratual por onerosidade excessiva, exige-se evento extraordinário, como por exemplo, a calamidade pública decretada com base na pandemia de Covid-19, posto que esta circunstância não estava coberta pelos riscos do próprio negócio.
A teoria da onerosidade excessiva nos contratos é encontrada nos arts. 478 a 480 do Código Civil, in verbis:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Assim como, em casos de desastres naturais e guerras imprevisíveis, se tem a probabilidade de revisão do negócio, uma vez que tais circunstâncias não se adequam a meras alterações que se inserem nos riscos ordinários:
“A onerosidade excessiva, que pode tornar a prestação desproporcional relativamente ao momento de sua execução, pode dar ensejo tanto à resolução do contrato [CC, art. 478] quanto ao pedido de revisão de cláusula contratual [CC, art. 317], mantendo-se o contrato. Essa solução é autorizada pela aplicação, pelo juiz, da cláusula geral da função social do contrato [CC, art. 421] e também da cláusula geral da boa-fé objetiva [CC, art. 422]. O contrato é sempre, e em qualquer circunstância, operação jurídico-econômica que visa a garantir a ambas as partes o sucesso de suas lídimas pretensões. Não se identifica, em nenhuma hipótese, como mecanismo estratégico de que se poderia valer uma das partes para oprimir ou tirar proveito excessivo de outra. Essa ideia de socialidade do contrato está impregnada na consciência da população, que afirma constantemente que o contrato só é bom para ambos os contratantes”.[1]
Por conseguinte, quanto à alteração da base econômica do contrato, esta se direciona ao fato de que, tendo uma circunstância superveniente e imprevisível, como no caso da pandemia, em que houve nefastos na vida patrimonial dos brasileiros, consequentemente se resulta no desiquilíbrio da base objetiva do contrato.
A onerosidade excessiva se caracteriza, ad ilustrandum, num cenário de calamidade pública, ainda que seja fato extraordinário, se tem a prestação extremamente sacrificante para uma das partes, desproporcionalmente vantajosa para com a outra.
Esclarece o Prof. Flávio Tartuce quanto à resolução contratual perante a onerosidade excessiva:
“A primeira tem relação com o Enunciado n. 366 do CJF/STJ prevendo que “o fato extraordinário e imprevisível causador da onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação“. Segundo o autor do enunciado, o advogado e professor Paulo Roque Khouri: “O regime da ‘onerosidade excessiva superveniente’ não pode ser acionado diante de uma simples oscilação econômica para mais ou para menos do valor da prestação. Essa oscilação encontra-se coberta pelos riscos próprios da contratação compreendida pelos riscos próprios do contrato“. [TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 536].”[2]
A expressão “onerosidade excessiva” não é suficiente para revisão[3] ou resolução contratual, sendo primordial a comprovação do acontecimento extraordinário, o qual é desconexo com os riscos ínsitos à prestação subjacente, para que assim, haja a aplicabilidade da Teoria de Imprevisão.
Prescreve o art. 317 do CC a possibilidade de intervenção judicial para resolução do contrato, porém, tanto a doutrina como a jurisprudência majoritárias incluem a revisão contratual nesta hipótese:
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Todavia, a intervenção judicial é medida excepcional no âmbito das relações jurídicas privadas, porquanto vige no seio dessas relações contratuais a liberdade econômica e a força obrigatória dos contratos. Em razão disso, somente quando presentes circunstâncias alheias aos limites da previsibilidade contratual, isto é, que ocasionam manifesto desequilíbrio entre as partes, é que se legitima a atuação do Poder Judiciário, de forma a restabelecer o valor econômico do contrato.
[1] JÚNIOR, Nelson, NERY, Rosa. Seção IV. Da Resolução por Onerosidade Excessiva. In: JÚNIOR, Nelson Nery. Código Civil Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2019.
[2] Civil. Recurso especial. Ação revisional de contratos de compra e venda de safra futura de soja. Ocorrência de praga na lavoura, conhecida como ‘ferrugem asiática’. Onerosidade excessiva. Pedido formulado no sentido de se obter complementação do preço da saca de soja, de acordo com a cotação do produto em bolsa que se verificou no dia do vencimento dos contratos. Impossibilidade. […] – Ademais, nos termos de precedentes do STJ, a ocorrência de ‘ferrugem asiática’ não é fato extraordinário e imprevisível conforme exigido pelo art. 478 do CC/02. Recurso especial ao qual se nega provimento. [REsp 977.007/GO, DJe 02.12.2009.
No mesmo sentido: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE SAFRA FUTURA DE SOJA. CONTRATO QUE TAMBÉM TRAZ BENEFÍCIO AO AGRICULTOR. FERRUGEM ASIÁTICA. DOENÇA QUE ACOMETE AS LAVOURAS DE SOJA DO BRASIL DESDE 2001, PASSÍVEL DE CONTROLE PELO AGRICULTOR. RESOLUÇÃO DO CONTRATO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA. IMPOSSIBILIDADE. OSCILAÇÃO DE PREÇO DA “COMMODITY”. PREVISIBILIDADE NO PANORAMA CONTRATUAL. [REsp 945.166 GO 2007/0092286-4, DJe 28.02.2012].
[3] Revisão judicial do contrato. A imprevisão enseja não apenas a resolução do contrato, mas sua revisão, caso isso seja do interesse das partes. Havendo dissenso entre elas sobre a revisão, ainda assim é possível que seja feita judicialmente, mediante sentença determinativa do juiz. O fundamento para a revisão judicial do contrato é a incidência concomitante das cláusulas gerais da função social do contrato [CC 421], da boa-fé objetiva [CC 422] e da base objetiva do negócio [CC 422]. Sobre a admissibilidade da revisão judicial do contrato por imprevisão: Ghestin-Jamin-Billiau. Traité DC, v. III³, ns. 290/349, p. 355/416.