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TEORIA BRASILEIRA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS E O ARGUMENTO NOVO, NÃO CONSIDERADO NA FORMAÇÃO DA TESE JURÍDICA

TEORIA BRASILEIRA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS E O ARGUMENTO NOVO, NÃO CONSIDERADO NA FORMAÇÃO DA TESE JURÍDICA

Délio Mota de Oliveira Júnior

SUMÁRIO: Introdução – 1. O distinguishing e o overruling: outra análise interpretativa: 1.1. A técnica do distinguishing; 1.2. A técnica do overruling – 2. A formação dos precedentes judiciais – 3. Análise acerca da não aplicação da tese jurídica em razão de argumento novo, que não foi abordado na fundamentação do precedente judicial – Conclusão – Referências.

INTRODUÇÃO

A teoria brasileira dos precedentes judiciais dimensionada pelo Código de Processo Civil de 2015 institui procedimentos para a padronização decisória, estabelecendo força vinculante a determinadas decisões (art. 927),([1]) ([2]) de modo a garantir que casos análogos sejam julgados da mesma forma, em observância, notadamente, aos princípios da segurança jurídica e da isonomia.

Contudo, é necessário que essa teoria brasileira dos precedentes judiciais assegure mecanismos que possibilitem os sujeitos do processo discutirem a distinção entre o caso concreto e o precedente paradigma, permitindo que processos com circunstâncias fáticas e argumentativas distintas possam ser julgados de forma diferente. Além disso, também é essencial que sejam assegurados meios para a superação da tese jurídica, possibilitando a evolução do direito, de modo a alinhá-lo com as modificações sociais, econômicas, políticas ou jurídicas que a sociedade vier a passar.

Neste sentido, uma das premissas essenciais para o desenvolvimento da sistemática dos precedentes judiciais é o:

Delineamento de técnicas processuais idôneas de distinção (distinguishing) e superação (overruling) do padrão decisório: A ideia de se padronizar entendimentos não se presta tão só ao fim de promover um modo eficiente e rápido de julgar casos, para se gerar uma profusão numérica de julgamentos. Nestes termos, a cada precedente formado (padrão decisório), devem ser criados modos idôneos de se demonstrar que o caso em que se aplicaria um precedente é diferente daquele padrão, mesmo que aparentemente seja semelhante, e de proceder à superação de seu conteúdo pela inexorável mudança social – como ordinariamente ocorre em países de common law.([3])

Assim, na aplicação do precedente, é necessário que o órgão julgador realize comparações para verificar se os fatos determinantes para a construção da tese jurídica encontram-se, de forma análoga, no caso concreto. A decisão de aplicar o precedente ao caso concreto é “presidida e informada por uma ponderação de princípios, que se encontra na base do processo de comparação de casos por meio de analogias e contra-analogias”.([4])

A observância às garantias do contraditório comparticipativo e da fundamentação racional são essenciais para o desenvolvimento da teoria brasileira dos precedentes judiciais, na medida em que a correta aplicação da tese jurídica somente é possível a partir do devido processo argumentativo.

A comparação entre o precedente judicial e o caso concreto, com a finalidade de verificar se os fatos determinantes para a construção da tese jurídica estão presentes no caso sub judice, depende da análise interpretativa dos sujeitos do processo, que, a partir do exercício do contraditório substancial, apresentarão os argumentos favoráveis ou contrários à aplicação do precedente.

Assim, considerando a contribuição das partes do processo na construção do provimento jurisdicional, o órgão julgador, ao aplicar ou afastar determinado precedente suscitado na lide, terá o dever de considerar os discursos argumentativos das partes, justificando as razões para a incidência ou não da tese jurídica no caso concreto.

Da mesma forma, esse discurso argumentativo desenvolvido pelos sujeitos do processo também é necessário para a adequada e precisa identificação da ratio decidendi do precedente judicial, de modo a evitar que argumentos jurídicos acessórios e secundários, expostos apenas de passagem na decisão (obter dictum) sejam tidos, indevidamente, como vinculantes.

Portanto, assegurar o efetivo exercício do contraditório e da fundamentação coerente na aplicação do precedente judicial é essencial para que a parte possa suscitar a distinção e/ou a superação da tese jurídica.

Constata-se, portanto, que, diante da teoria brasileira dos precedentes judiciais, estabelecida pelo Código de Processo Civil, há a necessidade de os operadores do direito adequarem sua cultura para a constitucional e correta formação e aplicação da tese jurídica decorrente do direito jurisprudencial.

No atual sistema jurídico brasileiro, o discurso argumentativo para a construção do provimento jurisdicional deve considerar e observar a eventual existência de precedente judicial que verse sobre a mesma questão de direito em situação fática semelhante, bem como é necessário analisar se há elementos para a distinção ou superação da tese jurídica.

1 A DISTINÇÃO (DISTINGUISHING) E A SUPERAÇÃO (OVERRULING): UMA ANÁLISE INTERPRETATIVA          

1.1 A técnica da distinção (distinguishing)

O precedente judicial é um texto a ser interpretado pelo juiz do caso concreto posterior. O aplicador do direito, além de interpretar o precedente judicial para identificar a sua ratio decidendi, deve analisá-lo para verificar se as circunstâncias fáticas entre a decisão paradigma e o caso concreto são semelhantes a ponto de justificar a aplicação da tese jurídica formada no precedente judicial.

O direito jurisprudencial dá grande relevo aos fatos do caso, seja quando da elaboração do precedente, seja quando da análise e aplicação da tese jurídica formada nos precedentes. É necessário que o juiz analise os elementos fáticos do precedente judicial, de modo a verificar se há semelhança com o caso sob julgamento.

A diferenciação dos elementos fáticos do precedente e do caso concreto ocorre mediante a técnica do distinguishing. Trata-se da técnica de confronto e diferenciação entre os fatos relevantes de dois casos, de modo a garantir que cada processo receba a solução adequada, sem que a tese jurídica do precedente judicial seja aplicada de forma automática e em dissintonia com as circunstâncias fáticas.

Contudo, para que se aplique determinado precedente judicial a outro caso subsequente, não é necessário que as demandas sejam absolutamente idênticas, sob pena de enfraquecer e relativizar a teoria do stare decisis.([5])

Para a utilização da técnica do distinguishing é necessário, como antecedente lógico, que o aplicador do direito identifique a ratio decidendi do precedente judicial, na medida em que é preciso apurar quais fatos foram tomados em consideração para a fixação da tese jurídica. Somente a partir da identificação desses fatos fundamentais e relevantes para a formação da ratio decidendi é que se poderá verificar se tais circunstâncias fáticas também se repetem no caso concreto.

A utilização da técnica do distinguishing exige prudência e critérios, posto que não pode significar válvula de escape para que os juízes deixem de seguir o precedente obrigatório, sob a alegação de que há circunstâncias fáticas distintas entre os casos.([6]) O juiz deve se ater aos fatos fundamentais para a formação da tese jurídica, pouco importando se há fatos imateriais distintos.

O juiz, ao deixar de aplicar determinado precedente judicial, deve fundamentar sua decisão, identificando quais são os fatos materiais que não se encontram presentes no caso concreto, tendo em vista que não é qualquer distinção fática que justifica a aplicação da técnica do distinguishing. Deste modo, “a complexa atividade lógica de interpretação do precedente judicial vale-se, assim, do método de confronto, denominado distinguishing, pelo qual o juiz verifica se o caso em julgamento pode ou não ser considerado análogo ao paradigma”.([7])

Quando as distinções fáticas do caso concreto são imateriais, de modo que não justificam o afastamento da tese jurídica do precedente, caso o juiz do caso concreto promova a fuga ilegítima da ratio decidendi, cometerá error in judicando. Essa utilização falha da técnica de distinção, por meio de fatos e argumentos que não são capazes de justificar o afastamento da tese jurídica, é denominada distinção inconsistente (inconsistent distinguishing).([8])

Neil Duxbury ressalta que os advogados e os juízes têm controle sobre eventual utilização indevida e reiterada da técnica de distinção dos precedentes, ao fundamento que:

O juiz que tenta “distinguir” casos com base em fatos materialmente irrelevantes está propenso a ser facilmente descoberto. Advogados e outros juízes que têm razões para controlar sua atividade provavelmente não terão dificuldade em evidenciar a sua atividade como de alguém descuidado ou desonesto, e, então, sua reputação será desgastada e sua decisão questionada. O fato de os juízes terem o poder de “distinguir” não significa que eles podem negar os precedentes quando lhes for conveniente.([9])

Em regra, a adoção do distinguishing não retira qualquer autoridade do precedente judicial, muito menos está a questionar a sua validade, eficácia, legitimidade ou a hierarquia. O uso da técnica do distinguishing apenas revela que o caso concreto não apresenta os fatos fundamentais que foram considerados na formação da ratio decidendi do precedente.([10])

Contudo, o uso reiterado e indiscriminado da técnica de distinção em relação a determinado precedente pode ensejar o enfraquecimento, revelando que esta decisão judicial está perdendo a sua credibilidade.([11])

Neste sentido, René David destaca que as técnicas do distinguishing devem ser utilizadas com cautela, na medida em que “o uso indiscriminado do poder de distinguir pode levar a se duvidar, de modo geral, da real vinculação aos precedentes obrigatórios e, consequentemente, levar à falência do sistema, o que, com certeza, não é desejado”.([12])

Assim, constatando-se que os fatos relevantes do precedente judicial são distintos do caso sob julgamento, o juiz pode: (I) dar à ratio decidendi uma interpretação restritiva, em razão de o caso concreto possuir peculiaridades que não possibilitam a aplicação da mesma tese jurídica outrora firmada (restrictive distinguishing), situação em que julgará o processo livremente, sem qualquer vinculação ao precedente; ou (II) estender ao caso sub judice a mesma solução conferida no precedente judicial, por entender que, apesar das peculiaridades concretas, aquela tese jurídica ainda lhe é aplicável (ampliative distinguishing).([13])

Na distinção ampliativa (ampliative distinguishing), a hipótese fática da ratio decidendi torna-se mais ampla, tendo em vista que a tese jurídica passa a ser aplicada para outras circunstâncias fáticas que não estavam previstas no precedente originário. Ocorre a expansão silenciosa do precedente originário.([14]) Por outro lado, na distinção restritiva (restrictive distinguishing), a contribuição do julgador é justamente em delimitar melhor a hipótese fática de aplicação do precedente originário, indicando que tal tese jurídica não se aplica a determinados fatos subsequentes, diante da divergência de fatos relevantes e fundamentais.

Verifica-se, portanto, que, à medida que o precedente judicial passa a ser aplicado a casos subsequentes, os fatos materiais e fundamentais e a ratio decidendi do precedente originário tornam-se, ainda mais, precisos e claros, tendo em vista que as novas decisões vão delimitando e especificando as hipóteses de aplicação do precedente originário.

Portanto, a utilização da técnica do distinguishing decorre do processo argumentativo, que deve ser realizado em contraditório comparticipativo, no qual os operadores do direito demonstrarão a pertinência ou não da aplicação de determinado precedente ao caso concreto.([15]) O uso da técnica do distinguishing pressupõe e exige análise interpretativa do precedente originário e do caso concreto, de modo a verificar se os fatos determinantes para a construção da tese jurídica do primeiro julgado também se apresentam, de forma análoga, no caso subsequente a ponto de justificar a não aplicação da ratio decidendi.

1.2 A técnica da superação (overruling)

A adoção da teoria do stare decisis não pode implicar no engessamento do direito. A alteração do contexto social, econômico, político ou jurídico pode acarretar a necessidade de mudança do entendimento anteriormente fixado no precedente judicial, sob pena de serem cometidas injustiças.

A teoria do stare decisis visa a garantir a segurança jurídica para as relações sociais; contudo, não se pretende um direito estático, avesso às mudanças sociais, econômicas, políticas e jurídicas. O direito deve evoluir se adequando às realidades sociais.([16])

Na tradição do common law, a técnica da superação do precedente judicial (overruling) garante dinamismo na aplicação do direito jurisprudencial, de modo a alinhá-lo às alterações das concepções da sociedade.

Deste modo, os juízes do common law utilizam-se a técnica do overruling para justificar a necessidade de vigência de uma nova norma jurídica, a despeito da existência de outra anterior e que lhe seja contrária. Essa alteração pode se impor por uma série de razões, que vão desde a injustiça do precedente anterior até a modificação das condições sociais, econômicas, políticas ou jurídicas.([17])

Neste sentido, o que justifica a própria autoridade da jurisprudência é a racionalização do Direito positivo, sua sintonia com as ideias de correção, justiça, imparcialidade. Portanto, ainda que se reconheça a existência de razões de autoridade que militam a favor da vinculação ao precedente judicial – visualizando o precedente como uma fonte normativa que encontra sustentação tanto nessas razões de autoridade quanto em argumentos puramente racionais, sendo que em caso de conflito entre esses dois tipos de justificação é necessária uma ponderação entre eles – essas razões não podem ter força absoluta: o poder de estabelecer o case law deve englobar também o de revisá-lo, aperfeiçoá-lo, viabilizar sua evolução, ainda que sob certos limites.([18])

Assim, apesar de os fatos relevantes do precedente judicial serem semelhantes ao caso sob judice, é possível que o órgão julgador queira decidir de outra maneira, por entender que a valoração das circunstâncias sociais, econômicas, políticas ou jurídicas mudou.([19]) A força vinculante do precedente não impede que uma determinada tese jurídica (ratio decidendi), ainda que pacificada, possa ser superada, passando-se a um novo processo de normatização. “A mutação progressiva de paradigmas de um determinado episódio da vida, dotado de relevância jurídica, sempre veio imposta pela historicidade da realidade social, constituindo mesmo uma exigência de justiça”.([20])

A possibilidade de superação do precedente, ao contrário do que possa parecer, garante racionalidade ao stare decisis, deixando de enfraquecer a teoria da vinculação obrigatória dos precedentes judiciais, na medida em que possibilita a evolução do direito, caso utilizada com o devido cuidado.([21])

Com a superação do precedente judicial, há a substituição do entendimento anterior pela nova tese jurídica, que passa a deter a eficácia vinculante para os casos subsequentes, mantendo-se a teoria do stare decisis.([22])

Destaca-se que apenas a Corte que formou o precedente ou a Corte hierarquicamente superior a ela em termos de matéria tem competência para superar o precedente judicial.([23]) Tal imposição decorre do fato de que, se com a superação do precedente judicial há a substituição da norma jurídica, com a vinculação do novo entendimento, tal alteração somente pode ocorrer por intermédio da Corte que possui competência para estabelecer essa força vinculante.

Deste modo, na tradição do common law, as Cortes inferiores não possuem competência para questionar o mérito dos precedentes das Cortes superiores e, muito menos, para superá-lo.([24]) Caso a Corte inferior deixe de aplicar o precedente, em situação fática na qual ele deveria ser aplicado, incorre em error in judicando.

A superação do precedente deve ocorrer, sempre que possível, mediante critérios que garantam a segurança jurídica dos jurisdicionados. A prática do overruling pelas Cortes pode ocorrer de forma expressa, quando o órgão julgador faz menção direta à tese jurídica anterior que está sendo superada; ou implícita, quando o órgão julgador altera o entendimento sem fazer referência expressa à existência da tese jurídica anterior, formada em outro precedente.([25])

A superação implícita acarreta problemas na prática jurídica, na medida em que promove a insegurança acerca de real superação ou não do precedente anterior. Deste modo, a doutrina é clara no sentido de repudiar as superações implícitas, exigindo que o overruling se dê após a devida justificação, considerando o dever de autorreferência do tribunal.([26])

A decisão que promover o overruling exige fundamentação idônea e precisa, suscitando argumentos ainda não analisados, bem como apresentando uma justificação complementar acerca da necessidade de superação do precedente (dever de levar em consideração o precedente, com fundamento no princípio da universalidade e da imparcialidade na atividade judiciária).([27])

Portanto, constata-se que o overruling é uma técnica excepcional, que se compatibiliza com a força vinculante em sentido forte do precedente judicial; tanto que, para superar o case law, é necessário um discurso de justificação normativa.

2 A FORMAÇÃO DOS PRECEDENTES JUDICIAIS

O sistema jurídico brasileiro, principalmente a partir do Código de Processo Civil de 2015, estabeleceu uma teoria própria acerca da formação dos precedentes judiciais.

O modelo constitucional do devido processo legal impõe que a formação do precedente judicial no ordenamento jurídico brasileiro deve ocorrer mediante a possibilidade de participação de todos os interessados e a necessidade do esgotamento discursivo de todas as questões jurídicas relevantes para a fixação da tese jurídica.

Observe que, já no final do século XX, com a promulgação da Lei nº 9.868/1999, que versa sobre as ações de controle concentrado da constitucionalidade, passou-se a permitir que o relator admita a manifestação de outros órgãos ou entidades, em razão da relevância da matéria e a representatividade dos postulantes (art. 7º, § 2º). Consagrou-se, portanto, a intervenção da figura do amicus curiae ou “amigo da corte”, cuja função principal é apresentar ao tribunal parecer com informações relevantes sobre a matéria de direito objeto da ação, bem como acerca dos reflexos que o julgamento da demanda pode acarretar.

A intervenção do amicus curiae nos processos de controle concentrado de constitucionalidade decorre da concepção de democracia deliberativa e participativa e da transcendência dos efeitos do julgamento dessas ações.([28]) Desta forma, a intervenção do amicus curiae visa a possibilitar que o tribunal tenha pleno conhecimento das posições jurídicas e dos reflexos diretos e indiretos relacionados ao objeto das ações de controle concentrado de constitucionalidade, de modo a proporcionar o exaurimento discursivo de todas as questões jurídicas relevantes para a fixação da tese jurídica.([29])

Ressalta-se, inclusive, que o caráter pluralista e democrático do amicus curiae, possibilitando uma cognição mais completa e adequada do órgão julgador, torna mais legitimado o procedimento de aplicação do precedente a casos futuros.([30]) ([31])

Também nesse viés do contraditório substancial, em relação ao rito dos recursos repetitivos ou do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), o Código de Processo Civil estabelece a possibilidade da admissão da intervenção de amici curiae (pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia) e da designação de audiências públicas, ocasião em que pessoas com experiência e conhecimento na matéria se manifestarão com a finalidade de instruir o procedimento.([32])

Ressalta-se que, como a participação do amicus curiae e a realização de audiências públicas têm o propósito de qualificar o debate com o aporte de entendimentos técnicos ou científicos, as informações decorrentes dessas intervenções devem ser necessariamente consideradas no momento do julgamento.([33])

Promove-se, portanto, com a participação desses interessados, o esgotamento e o amadurecimento da temática, permitindo que, na formação do precedente judicial, o órgão julgador decida acerca da pertinência ou não de todas as argumentações suscitadas, fixando a tese jurídica de forma completa.([34])

Portanto, uma das premissas essenciais para o adequado funcionamento da teoria dos precedentes judiciais é o esgotamento prévio da temática antes de sua utilização como um padrão decisório (precedente).([35])

Em observância às garantias de contraditório substancial e fundamentação racional, o Código de Processo Civil estabelece que, no âmbito do rito dos recursos repetitivos, devem ser selecionados como recursos representativos da controvérsia aqueles que possuam abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida (art. 1.036, § 6º). Com esse critério, acredita-se assegurar no julgamento amplo debate, propiciando ao tribunal conhecer, analisar e responder todas as teses suscitadas e encerrar a controvérsia jurídica.([36])

Destaca-se, inclusive, que esta era a orientação administrativa do STJ, antes mesmo da vigência do Código de Processo Civil de 2015. É que a Resolução nº 08/2008 do STJ estabelecia, em seu art. 1º, § 1º, que, no rito dos recursos repetitivos, “serão selecionados pelo menos um processo de cada Relator e, dentre esses, os que contiverem maior diversidade de fundamentos no acórdão e de argumentos no recurso especial”.[37]

Em razão da transcendência dos efeitos do julgamento dos incidentes ou dos recursos repetitivos, que formam precedentes de observância obrigatória (art. 927), nesses casos, o relator passa a assumir enorme responsabilidade na seleção desses recursos. O zelo em afetar como representativos da controvérsia aqueles recursos com ampla discussão da questão jurídica é essencial para o adequado funcionamento da sistemática dos recursos repetitivos e salvaguardar a legitimidade da decisão proferida pela Corte. Só assim estará assegurado que todos os argumentos suscitados pelos interessados, relevantes para o deslinde da causa, sejam considerados no momento da decisão,([38]) prestigiando-se, assim, o princípio do contraditório como influência, e não surpresa (art. 10).([39])

Recomenda-se, inclusive, que “sejam selecionados processos que busquem a vitória de teses opostas, a fim de equilibrar a forma com que os argumentos são envergados”.([40]) ([41])

A escolha de recursos representativos da controvérsia em que há desproporção de representatividade do cidadão em relação aos grandes litigantes retira a legitimidade do julgamento dos incidentes ou dos recursos repetitivos, diante da violação ao contraditório em razão da evidente disparidade de armas entre os litigantes.

Neste sentido, Antonio do Passo Cabral propõe:

Dois vetores básicos para guiar a escolha da causa-piloto. Sempre que houver restrições ao contraditório, seja no procedimento do processo originário, seja quando a escolha da causa puder limitar o contraditório no próprio incidente, deve-se rever ou corrigir a seleção do processo-teste. O segundo vetor de interpretação para a escolha da causa-piloto é a pluralidade e representatividade dos sujeitos do processo originário. Isso porque, de acordo com o desenho estrutural dos procedimentos, muitas vezes o papel das partes do processo originário é maior no âmbito do incidente. Assim, o próprio contraditório no incidente pode ser impactado se dele participar litigante mal preparado ou inexperiente, por exemplo. Conjugando ambas as ideias, vemos que, em um processo originário em que tenha havido uma ampla participação, com audiências públicas, intervenção de amicus curiae, vários sujeitos debatendo e controvertendo as argumentações uns dos outros, é evidente que o contraditório mais operoso apresentará ao Tribunal julgador do incidente um material mais qualificado para decisão, reduzindo ainda as necessidades de mecanismos para mitigar o déficit de contraditório no curso do próprio incidente.([42])

Observe-se, ainda, que o dever de fundamentação coerente e legítima, com ampla análise de todas as argumentações suscitadas pelas partes e interessados, torna-se ainda mais rigoroso nos julgamentos dos incidentes ou recursos representativos da controvérsia, que formam precedentes de observância obrigatória, estabelecendo-se tese jurídica sobre determinada questão de direito.

Nesses incidentes ou recursos representativos da controvérsia, o precedente não pode ignorar os argumentos favoráveis e, muito menos, os contrários à tese jurídica, sob pena de fragilizar a formação da ratio decidendi e prejudicar a sua aplicação aos demais casos futuros. É que, se o tribunal não enfrentar e refutar todas as argumentações (favoráveis e contrárias à tese jurídica), haverá espaço para o questionamento da real extensão do precedente.([43])

Deste modo, de forma ainda mais precisa, os acórdãos dos precedentes que fixam as teses jurídicas, cuja observância é obrigatória, devem abranger necessariamente a análise de todos os fundamentos relevantes da tese jurídica discutida, sob pena de negativa de jurisdição e ofensa às garantias fundamentais do contraditório e da fundamentação.([44])

Os argumentos que devem ser necessariamente analisados pelo tribunal não se limitam apenas àqueles deduzidos pelas partes dos incidentes ou dos recursos representativos da controvérsia, mas também as teses suscitadas pelos amici curiae e pelos interessados nas audiências públicas.

A legitimidade e a aceitação da tese jurídica formada no precedente dependem necessariamente de sua fundamentação, pois, somente mediante o convencimento pelos argumentos é que a sociedade sentir-se-á juridicamente segura.([45])

Na formação do precedente judicial, o órgão julgador deve ter a consciência de que devem ser criados dois discursos a partir da decisão judicial: um relativo à solução do caso concreto; e o outro com a finalidade de promover a unidade do direito, que é voltado para a sociedade em geral.([46])

3 ANÁLISE ACERCA DA NÃO APLICAÇÃO DA TESE JURÍDICA EM RAZÃO DE ARGUMENTO NOVO, NÃO ABORDADO NA FUNDAMENTAÇÃO DO PRECEDENTE JUDICIAL

Na formação do precedente judicial, o dever de fundamentação coerente e legítima deve ser mais rigoroso, com ampla análise de todas as argumentações suscitadas pelas partes e interessados (art. 984, § 2º, e 1.038, § 3º). Recorde-se, inclusive, que os argumentos que devem ser necessariamente analisados pelo tribunal não se limitam apenas àqueles deduzidos pelas partes do incidente ou dos recursos representativos da controvérsia, mas também as teses suscitadas pelos amici curiae e pelos interessados nas audiências públicas.

A legitimidade e a aceitação da tese jurídica formada no precedente dependem necessariamente da análise de todos os fundamentos relevantes acerca da tese jurídica objeto da controvérsia.

Se na formação do precedente judicial o órgão julgador não enfrentar e refutar todas as argumentações (favoráveis e contrárias à tese jurídica), haverá espaço para o questionamento da real extensão da tese jurídica, acarretando no enfraquecimento da sua força vinculante.([47])

É que, em observância às garantias do contraditório e da fundamentação, somente há coerência na imposição da vinculação das partes e do órgão jurisdicional à tese jurídica em caso análogo se todos os argumentos suscitados pelos jurisdicionados no caso concreto já foram considerados e enfrentados na formada no precedente judicial.

Ressalta-se, inclusive, que o órgão julgador, ao aplicar a tese jurídica, não está obrigado a enfrentar os fundamentos jurídicos deduzidos no processo que já foram enfrentados na formação da decisão paradigma (exceção à regra imposta pelo art. 489, inciso I).([48]) Nesta situação, o órgão julgador deve dedicar a sua fundamentação na correta demonstração da correlação fática e jurídica entre o caso concreto e o precedente judicial.

Contudo, se no caso concreto as partes apresentaram argumento novo, capaz de infirmar a tese jurídica formada, que não foi considerado e enfrentado na formação do precedente judicial, o órgão deve necessariamente analisar essa argumentação nova, sob pena de violar o contraditório comparticipativo.

O precedente judicial é formado pelos fatos determinantes, pela tese jurídica e pela argumentação jurídica utilizada na construção do provimento jurisdicional. Deste modo, caso o órgão julgador entenda que a argumentação nova é capaz de infirmar a tese jurídica, ele pode afastar a aplicação do precedente judicial, em razão do acolhimento desse fundamento que não foi analisado na formação do precedente judicial.

Portanto, nesta hipótese, o órgão julgador pode deixar de se vincular ao precedente judicial, em razão de distinção entre a argumentação jurídica do caso concreto e a do precedente judicial, sem que isso configure qualquer violação a teoria do stare decisis prevista nos arts. 926 e 927 do Código de Processo Civil.

Essa possibilidade do afastamento da tese jurídica em virtude da distinção entre a argumentação jurídica do precedente judicial e do caso concreto se justifica com base nas garantias do contraditório comparticipativo e da fundamentação racional, que impõem o direito do jurisdicionado de contribuir para a construção do provimento jurisdicional e o dever do órgão julgador de analisar todos os argumentos suscitados pelas partes, principalmente aqueles que não foram abordados na formação do precedente judicial.

Destaca-se a que a possibilidade de o órgão julgador deixar de aplicar a tese jurídica em razão de argumento novo suscitado pela parte, que não foi abordado na formação do precedente judicial, impede o engessamento do direito. Evita-se, portanto, o risco de ocorrer a consolidação de determinado entendimento a partir do julgamento de poucos casos, sem que se permita o necessário amadurecimento da tese jurídica.

A preocupação com a celeridade processual e com a imediata redução dos recursos submetidos aos tribunais superiores não pode cercear o legítimo processo de construção em contraditório do entendimento jurisprudencial, que zela pela evolução qualitativa das decisões judiciais.

A utilização do direito jurisprudencial não deve ter finalidade de prevenir o debate acerca de determinada questão jurídica, com o intuito de evitar a profusão das demandas. A Constituição da República de 1988 outorga aos tribunais superiores o papel de uniformizar as decisões judiciais, com o esgotamento das razões jurídicas, por meio do devido processo legal, e não o de evitar o debate, pacificando precocemente o entendimento jurisprudencial.([49])

Ressalta-se, por fim, que a análise do argumento novo, não apreciado na formação da tese jurídica do precedente vinculante, pelo juiz hierarquicamente inferior, não seria caso de aplicação da técnica de superação, na medida em que apenas a Corte que formou o precedente ou a Corte hierarquicamente superior a ela em termos de matéria têm competência para superar o precedente judicial.([50])

CONCLUSÃO

A teoria brasileira dos precedentes judiciais é dimensionada no Código de Processo Civil de 2015 a partir do modelo constitucional do devido processo legal. Deste modo, na formação e aplicação dos precedentes judiciais, devem ser asseguradas as garantias do contraditório substancial e da fundamentação coerente e legítima.

Portanto, na aplicação da tese jurídica ao caso concreto, o órgão julgador deve analisar se, além da similitude dos elementos fáticos considerados no julgamento do precedente vinculante, também há identidade entre os argumentos enfrentados no procedimento de formação da ratio decidendi. Desconsiderar o argumento novo suscitado no caso concreto, que poderia ser capaz de infirmar a tese jurídica formada no precedente vinculante, violaria a garantia constitucional do contraditório comparticipativo.

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[1] Neste sentido: Enunciado 170 do FPPC: “As decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgãos jurisdicionais a eles submetidos”. Concordando com este entendimento: DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. 11. ed. Salvador: JusPodivm, v. 2, 2016. p. 469; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. III, 2016. p. 797-799; ZANETI JR., Hermes. Comentários aos arts. 926 a 928. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, p. 1.323; MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 447-448.

[2] Em sentido contrário: Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam que, “como o juiz não é a boca da lei, pois interpreta, analisa os fins sociais a que ela se destina para aplicá-la ao caso concreto, culminando com a sentença de mérito que é a norma jurídica que faz lei entre as partes, o juiz também não é a boca dos tribunais, pois deve aplicar a súmula vinculante e o resultado de procedência da ADIn ao caso concreto (CF, 102, § 2º, e 103-A; CPC, 927, I e II), e, nas demais situações (CPC, 927, III a V), aplicar livremente os preceitos abstratos e gerais (leis, lato sensu) constantes das súmulas simples dos tribunais, orientações do plenário ou do órgão especial do TRF e TJ, justificando a aplicação ou não do dispositivo oriundo do tribunal. Só existe hierarquia jurisdicional do tribunal sobre o juiz no caso de competência recursal, vale dizer, quando o tribunal, qualquer que seja ele, julga matéria de sua competência Recursal. Aqui pode o tribunal cassar e reformar a decisão recorrida, em acórdão que vincula e vale apenas para o caso concreto. Nisso reside a hierarquia prevista no sistema constitucional brasileiro. Vinculação a preceitos abstratos, gerais, vale dizer, com características de lei, só mediante autorização da Carta Política, que até agora não existe. STF e STJ, segundo a CF 102 e 105, são tribunais que decidem mediante casos concretos, que resolvem lides objetivas (e.g. ADIn) e subjetivas (e.g. RE, REsp). Não legislam para todos com elaboração de preceitos abstratos: salvo quanto à súmula vinculante (STF, CF 103-A), não são tribunais de teses. Fazer valer e dar eficácia ao CPC, 927, III a V, é deixar de observar o due process of law, o texto e o espírito da Constituição. […] À exceção das hipóteses enunciadas no CPC, 927, I e II, os demais casos arrolados no dispositivo comentado (927, III a V) não podem vincular tribunal ou juiz, por lhes faltar autorização constitucional para tanto, isto é, por não haver prévia e imprescindível previsão constitucional autorizando a vinculação fora dos casos da CF, 103-A (súmula vinculante do STF) e 102, § 2º (sentença de mérito transitada em julgado proferida pelo STF em ADIn e ADC). O legislador ordinário – do CPC – não tem competência para conceder ao Poder Judiciário delegação para legislar”. (NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1836-1840).

[3] NUNES, Dierle. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização decisória. Revista de Processo, São Paulo: RT, ano 36, v. 199, set. 2011. p. 69.

[4] DERZI, Misabel de Abreu Machado; BUSTAMATE. Thomas da Rosa de. O efeito vinculante e o princípio da motivação das decisões judiciais: em que sentido pode haver precedentes vinculantes no direito brasileiro? In: Novas tendências do processo civil: estudos sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. Salvador: JusPodivm, v. I, 2013. p. 353.

[5] SCHAUER, Frederick. Precedents. Stanford Law Review, Stanford, v. 39, 1987. p. 577.

[6] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 327.

[7] TUCCI, José Rogério Cruz e. Parâmetros de eficácia e critérios de interpretação do precedente judicial. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, v. I, 2012. p. 560.

[8] EISENBERG, Melvin Aron. The nature of the common law. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1988. p. 115.

[9] Tradução: Luiz Guilherme Marinoni. No original: “The judge who tries to distinguish cases on the basis of materially irrelevant facts is likely to be easily found out. Lawyers and other judges who have reason to scrutinize his effort will probably have no trouble showing it to be the initiative of someone who is careless or dishonest, and so his reputation might be damaged and his decision appealed. That judges have the power to distinguish does not mean they can flout precedent whenever it suits them”. (DUXBURY, Neil. The nature and authority of precedent. New York: Cambridge, University Press, 2008. p. 114. Apud: MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 328).

[10] NUNES, Dierle; HORTA, André Frederico. Aplicação de precedentes e distinguishing no CPC/2015: uma breve introdução. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de (Coord.). Precedentes. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 313.

[11] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 328.

[12] DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Tradução Hermínio A. Carvalho. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 352.

[13] DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, op. cit., p. 505.

[14] JACOB, Marc. Precedents and case-based reasoning in the European Court of Justice: unfinished business. New York: Cambridge University Press, 2014. p. 129.

[15] MACÊDO, op. cit., p. 354.

[16] SUMMERS, Robert S. Precedent in the United States (New York State). In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. (Ed.) Interpreting precedents: a comparative study. Aldershot: Ashgate, 1997. p. 374.

[17]  LIMA, Tiago Asfor Rocha. Precedentes judiciais civis no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 206.

[18] BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação das regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012. p. 395.

[19] ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como técnica da fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva. Revisão técnica da tradução e introdução à edição brasileira: Cláudia Toledo. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005. p. 265.

[20] TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: RT, 2004. p. 180.

[21] PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. Salvador: JusPodivm, 2015. p. 197.

[22]  BENDITT, Theodore M. The rule of precedent. In: GOLDSTEIN, Laurence (Ed.). Precedent in law. Oxford: Clarendon Press, 1987. p. 101.

[23] Neste sentido: SUMMERS, Robert; ENG, Svein. Departures from precedent. In: MACCORMICK; SUMMERS, op. cit., 1997. p. 524; CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in English law. 4. ed. Oxford: Clarendon Press, 2004. p. 127; BUSTAMANTE, op. cit., p. 388; PEIXOTO, op. cit., p. 198; RISOTO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012. p. 307.

[24] LAMOND, Grant. Precedent. Philosophy Compass, v. 2, 2007. p. 700.

[25] A superação implícita também pode ser denominada de transformação (transformation). Neste sentido: EISENBERG, op. cit., p. 55-56; PETERS, Christopher J. Under the table overruling. Wayne Law Review, n. 54, 2008. p. 1067-1073.

[26] SUMMERS, Robert S.; ENG, Svein. Departures from precedent. In: MACCORMICK; SUMMERS, op. cit., 1997. p. 522; BUSTAMANTE, op. cit., p. 387-388.

[27] Claro exemplo de decisão devidamente fundamentada, que implicou overruling (precedente superado: HC 72.131/RJ – STF), é o voto do eminente Ministro Celso de Mello, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343-1/SP, que versa sobre a questão da prisão civil do depositário infiel.

[28] CABRAL, Antonio do Passo. Pelas asas de Hermes: a intervenção do amicus curiae, um terceiro especial. Revista de Processo, n. 117, set./out. 2004. p. 13.

[29]  Dierle Nunes destaca que “somente não podemos vislumbrar o amicus como uma figura, por essência, imparcial e neutra, uma vez que sua intervenção pode se dar com um cunho estratégico, especialmente pela percepção que parcela dos litigantes habituais (repeat players) vem usando da litigância estratégica, de modo a impactar a aplicação do direito e construir padrões decisórios benéficos a seus interesses. Isto torna os amici uma figura essencial que merece ter seus argumentos analisados, mas que pode, atendendo o requisito da representatividade adequada (interesse institucional), estar defendendo o interesse de alguma das partes”. (NUNES, Dierle. Do julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. (Org.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2015. p. 2321-2342).

[30]  Neste sentido: MACIEL, Adhemar Ferreira. Amicus curiae: um instituto democrático. Revista de Processo, v. 106, abr./jun. 2002. p. 281; CABRAL, Antonio do Passo. Comentários ao artigo 138. In: STRECK, Lênio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 210-211.

[31] Prevalece o entendimento de que “uma vez iniciado o julgamento, não há mais espaço para o ingresso de amicus curiae. De fato, já não há utilidade prática de sua intervenção, pois nesse momento processual não cabe mais sustentação oral, nem apresentação de manifestação escrita, como franqueia a Resolução 8/2008 do STJ, e, segundo assevera remansosa jurisprudência, o amicus curiae não tem legitimidade recursal, inviabilizando-se a pretensão de intervenção posterior ao julgamento (EDcl no REsp 1.261.020-CE, Primeira Seção, DJe 02.04.2013). O STJ tem entendido que, segundo o § 4º do art. 543-C do CPC, bem como o art. 3º da Resolução 8/2008 do STJ, admite-se a intervenção de amicus curiae nos recursos submetidos ao rito dos recursos repetitivos somente antes do julgamento pelo órgão colegiado e a critério do relator (EDcl no REsp 1.120.295-SP, Primeira Seção, DJe 24.04.2013). Ademais, o STF já decidiu que o amicus curiae pode pedir sua participação no processo até a liberação do processo para pauta (ADI 4.071 AgR, Tribunal Pleno, DJe 16.10.2009)”. (BRASIL, STJ. QO no REsp 1.152.218-RS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julgado em 07.05.2014).

[32] Marcelo Veiga Franco destaca que, “quando está desenvolvida a formação de precedentes com aptidão persuasiva ou vinculante, é necessário que a participação dialética não se restrinja às partes do processo. A ampliação do contraditório se projeta também para todos aqueles que, direta ou indiretamente, tenham relação com a tese jurídica em debate, seja através da figura do amicus curiae ou seja por meio da realização de audiências públicas. Daí resulta a necessidade de respeito ao contraditório nas técnicas de julgamento das demandas repetitivas. Ainda que o precedente tenha sido devidamente fundamentado, é possível que o caso concreto guarde particularidades que impeçam a aplicação da tese jurídica adotada como paradigma”. (FRANCO, Marcelo Veiga. A teoria dos precedentes judiciais no novo Código de Processo Civil. In: DIDIER JR.; CUNHA; ATAÍDE JR.; MACÊDO, op. cit., p. 527).

[33] Analisando a formação dos precedentes judiciais nos recursos repetitivos, a pesquisa “A força normativa do direito judicial: uma análise da aplicação prática do precedente no direito brasileiro e dos seus desafios para a legitimação da autoridade do Poder Judiciário”, realizada pela Faculdade de Direito da UFMG e subsidiada pelo CNJ, constatou que “o Superior Tribunal de Justiça raramente utiliza os argumentos aduzidos por terceiros para fundamentar suas decisões. Nos 50 acórdãos analisados, somente observaram-se duas menções claras aos argumentos trazidos ao processo por terceiros interessados. Dessa forma, com referência ao universo de análise considerado, a conclusão à qual se chega é a de que, apesar de provocados a apresentar seus argumentos no processo, a participação de terceiros parece ter pouca influência sobre a formação do precedente jurisprudencial da Corte”. (A FORÇA normativa do direito judicial: uma análise da aplicação prática do precedente no direito brasileiro e dos seus desafios para a legitimação da autoridade do Poder Judiciário. Coord. Thomas da Rosa de Bustamante et al.; Alice Gontijo Santos Teixeira et al.; Colab. Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves et al. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2015. p. 90).

[34] JAYME, Fernando Gonzaga; OLIVEIRA JÚNIOR, Délio Mota de. Recursos extraordinário e especial repetitivos. In: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo civil brasileiro: novos rumos a partir do CPC/2015. Belo Horizonte: Del Rey, 2016. p. 264.

[35] NUNES, Dierle. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva: a litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização decisória. Revista de Processo, São Paulo: RT, ano. 36, v. 199, set. 2011. p. 66.

[36] JAYME; OLIVEIRA JÚNIOR, cit., p. 256.37

[37] Disponível em: http://bdjur.stj.br/jspui/bitstream/2011/17559/Res_8_2008_PRE.pdf

[38] THEODORO JUNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Litigiosidade em massa e repercussão geral no recurso extraordinário. Revista de Processo, ano 34, n. 177, nov. 2009. p. 23.

[39] JAYME; OLIVEIRA JÚNIOR, cit., p. 256-257.

[40] CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos. Revista de Processo, v. 231, 2014. p. 206.

[41] Ressalta-se a correta advertência do Ministro Herman Benjamin sobre a gravidade de não se observar o contraditório substancial no julgamento dos recursos repetitivos: “Difícil negar que, no âmbito do STJ, a demanda não estava madura para, de cara, prolatar-se decisão unificadora e uniformizadora a orientar a Seção, suas duas Turmas e todos os Tribunais e juízos do Brasil. Em litígios dessa envergadura, que envolvem milhões de jurisdicionados, é indispensável a preservação do espaço técnico-retórico para exposição ampla, investigação criteriosa e dissecação minuciosa dos temas ora levantados ou que venham a ser levantados. Do contrário, restringir-se-á o salutar debate e tolher-se-á o contraditório, tão necessários ao embasamento de uma boa e segura decisão do Colegiado dos Dez. É bem verdade que o Regimento Interno prevê a “afetação” de processos à Seção “em razão da relevância da questão jurídica, ou da necessidade de prevenir divergências entre as Turmas” (art. 127). […] Finalmente, elegeu-se exatamente a demanda de uma consumidora pobre e negra (como dissemos acima, triplamente vulnerável), destituída de recursos financeiros para se fazer presente fisicamente no STJ, por meio de apresentação de memoriais, audiências com os Ministros e sustentação oral. Como juiz, mas também como cidadão, não posso deixar de lamentar que, na argumentação(?) oral perante a Seção e também em visitas aos Gabinetes, verdadeiro monólogo dos maiores e melhores escritórios de advocacia do País, a voz dos consumidores não se tenha feito ouvir. Não lastimo somente o silêncio de D. Camila Mendes Soares, mas sobretudo a ausência, em sustentação oral, de representantes dos interesses dos litigantes-sombra, todos aqueles que serão diretamente afetados pela decisão desta demanda, uma gigantesca multidão de brasileiros (mais de 30 milhões de assinantes) que, por bem ou por mal, pagam a conta bilionária da assinatura-básica. […] Em síntese, a vitória das empresas de telefonia, que hoje se prenuncia, não é exclusivamente de mérito; é, antes de tudo, o sucesso de uma estratégia judicial, legal na forma, mas que, na substância, arranha o precioso princípio do acesso à justiça, uma vez que, intencionalmente ou não, inviabiliza o debate judicial e o efetivo contraditório, rasgando a ratio essendi do sistema de processo civil coletivo em vigor (Lei 7.347/85 e CDC)”. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 911.802/RS, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Seção, julgado em 24.10.2007, DJe 01.09.2008).

[42] CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos. Revista de Processo, v. 231, 2014. p. 210.

[43] BARCELLOS, Ana Paula de. Voltando ao básico: Precedentes, uniformidade, coerência e isonomia. Algumas reflexões sobre o dever de motivação. MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, v. II, 2014. p. 154-155.

[44] FRANCO, Marcelo Veiga. A teoria dos precedentes judiciais no novo Código de Processo Civil. In: DIDIER JR.; CUNHA; ATAÍDE JR.; MACÊDO, op. cit., p. 531.

[45] JAYME; OLIVEIRA JÚNIOR, cit., p. 265.

[46] MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e precedente: dois discursos a partir da decisão judicial. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 206, p. 62-75, 2012.

[47] BARCELLOS, cit., p. 154-155.

[48] Enunciado nº 524 do FPPC: “O art. 489, § 1º, IV, não obriga o órgão julgador a enfrentar os fundamentos jurídicos deduzidos no processo e já enfrentados na formação da decisão paradigma, sendo necessário demonstrar a correlação fática e jurídica entre o caso concreto e aquele já apreciado”.

[49] Neste sentido, Dierle Nunes destaca que “a atual sistemática do código reformado e do Projeto de novo CPC viabilizam a utilização de julgados com a finalidade preventiva toda vez que se perceber a possibilidade de profusão de demandas. Nestes termos, ao receber uma das primeiras demandas ou recursos, o Judiciário afetaria como repetitivo e o julgaria com parcos argumentos, antes mesmo da ocorrência do salutar dissenso argumentativo. […] Padrões decisórios não podem empobrecer o discurso jurídico, nem tampouco serem formados sem o prévio dissenso argumentativo e um contraditório dinâmico, que imporia ao seu prolator buscar o esgotamento momentâneo dos argumentos potencialmente aplicáveis à espécie. Não se trata de mais um julgado, mas de uma decisão que deve implementar uma interpretação idônea e panorâmica da temática ali discutida. Seu papel deve ser o de uniformizar e não o de prevenir um debate”. (NUNES, Dierle. Precedentes, padronização decisória preventiva e coletivização – paradoxos do sistema jurídico brasileiro: uma abordagem constitucional democrática. WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012. p. 245-276).

[50] Neste sentido: SUMMERS, Robert; ENG, Svein. Departures from precedent. In: MACCORMICK; SUMMERS, op. cit., p. 524; CROSS; HARRIS, op. cit., p. 127; BUSTAMANTE, op. cit., p. 388; PEIXOTO, op. cit., p. 198; RISOTO, op. cit., p. 307.