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TEMA REPETITIVO Nº 1.096 DO STJ E A QUESTÃO DO DANO PRESUMIDO AO ERÁRIO

TEMA REPETITIVO Nº 1.096 DO STJ E A QUESTÃO DO DANO PRESUMIDO AO ERÁRIO

Bernardo Strobel Guimarães

Caio Augusto Nazário de Souza

Luis Henrique Braga Madalena

Nos termos do inciso VIII do artigo 10 da Lei nº 8.429/92, configura ato de improbidade a conduta de “frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente” (redação dada pela Lei nº 13.019/2014).

À luz desse dispositivo, o stj (Superior Tribunal de Justiça) foi instado a se pronunciar sobre a possibilidade ou não de se presumir o dano ao erário para fins de punição nesses casos de fraude à licitação e/ou processo seletivo[1]. O mero ato de fraudar ou dispensar indevidamente o procedimento é suficiente para a caracterização de dano ao erário, ainda que, na prática, não se verifique prejuízo aos cofres públicos?

Em junho de 2021 (portanto, antes da edição da Lei nº 14.230/21) a questão foi afetada no Tema Repetitivo nº 1.096, que ficou assim ementado: “Definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)”.

O objetivo desse artigo é refletir sobre essa controvérsia, especialmente para indicar a necessidade de consideração, no julgamento, das modificações introduzidas pela Lei nº 14.230/21 no sistema brasileiro de combate à improbidade.

Se já antes da Lei de Reforma entendíamos pela impossibilidade de se presumir qualquer espécie de dano ou lesão ao erário nos casos de improbidade, agora isso está previsto em lei. Ao tratar dos atos de improbidade que causam lesão ao erário, o legislador incluiu textualmente a exigência de que o dano seja efetivo e comprovado:

“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva;”

De igual modo, ao dispor sobre a sanção de ressarcimento integral do dano patrimonial no caput do artigo 12 e no inciso I do artigo 21, o legislador condicionou a sua aplicação à efetividade (existência real e comprovada) do dano[2]. Como já pontuamos isso significa que “… não há o que se falar na condenação do acusado a reparar dano hipotético ou presumido, mas somente o dano efetivamente causado, que deve estar demonstrado documentalmente nos autos[3].

Embora conheçamos a jurisprudência da corte em sentido contrário, de que a dispensa indevida de licitação configura dano in re ipsa, permitindo a configuração do ato de improbidade que causa prejuízo ao erário (por todos, REsp nº 1.879.048/AL), fato é que com a Lei nº 14.230/21 o legislador expressamente pôs fim a esse entendimento ao exigir a comprovação real e efetiva do dano não só para a configuração dos atos tipificados no artigo 10, mas também para a aplicação da sanção de ressarcimento do dano.[4] O inciso I do artigo 21 resume bem a questão:

“Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:

I – da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento e às condutas previstas no art. 10 desta Lei;”

Veja-se que uma leitura sistemática da lei não autoriza conclusão para o Tema 1.096 que não o reconhecimento da impossibilidade de se presumir o dano ao erário para fins de punição na hipótese de ato que frustra licitação e/ou processo seletivo ou os dispensa indevidamente. A ver como se pronunciará a corte. O que está em jogo não é apenas a interpretação de um dispositivo legal, mas a própria autoridade do Legislativo e a racionalidade que a Lei nº 14.230/21 impôs ao sistema da improbidade administrativa.

 

[1] Lembre-se que o rol do art. 10 diz respeito aos atos de improbidade que causam lesão ao erário, sendo a demonstração desse dano condição de possibilidade para a configuração do ato.

[2] No caso da sanção de ressarcimento, desde 2009 a redação do inc. I do art. 21 exige a demonstração da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público.

[3] GUIMARÃES, Bernardo Strobel; SOUZA, Caio Augusto Nazário de; VIOLIN, Jordão; MADALENA, Luis Henrique. A nova improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 142.

[4] Nesse ponto, vale destacar que há julgados do STJ no sentido de que a presunção de dano se restringe ao juízo de configuração do ato de improbidade administrativa por ausência de regular procedimento licitatório, não abrangendo a imposição da obrigação de ressarcimento ao erário (REsp nº 1.755.958/MG).