TÉCNICAS DE ACELERAÇÃO DO PROCESSO CIVIL- O JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE
Maurilio Casas Maia
O Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), em seu art. 330, prevê o julgamento antecipado da lide (JAL) em duas hipóteses, conforme trechos a seguir transcritos: “Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença: I – quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência; II – quando ocorrer a revelia (art. 319).”
Certamente, tal medida respeita o devido processo legal (Constituição, art. 5º, inciso LIV), representando forma de efetivação deste quando aplicada de maneira correta e harmônica com o mandamento da celeridade processual, também de estatura constitucional (art. 5ª, inciso LXXVIII).
Por esse motivo, os magistrados não somente podem como também devem proceder ao julgamento antecipado da lide quando cabível, situação na qual o art. 330 do CPC/1973 não provocará o cerceamento de defesa (STJ REsp 592.693/MT, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 27/8/2007) e muito menos afronta ao devido processo legal, porquanto o JAL funciona como legítimo óbice a uma desnecessária fase instrutória no caso concreto (BUENO, 2013, p. 224-225).
Oportunamente, cita-se trecho de ementa de julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal pelo qual o julgamento antecipado da lide é visto como dever do juiz e não como mera faculdade judicial: “(…) O julgamento antecipado da lide não é faculdade, mas dever do juiz, quando a convicção já esteja formada pelos elementos dos autos. (…)”. (TJ-DFT, Acórdão n.140784, APC5073398, Rel. SANDRA DE SANTIS, Revisor DÁCIO VIEIRA, 5ª Turma Cível, j. 26/3/2001, p. DJU seção 3 13/8/2001, p. 112, g.n.).
Em outras palavras, de acordo com o devido processo legal e com o direito fundamental a um processo célere e sem dilações indevidas, o julgamento antecipado da lide, longe de mera faculdade do Poder Judiciário, é direito subjetivo público das partes – verdadeiro corolário do due process of Law e do modelo Constitucional do Processo Civil (BUENO, 2013, p. 225).
Todavia, quando os magistrados não observam a correta técnica processual, prestigiando desproporcionalmente o fim célere do feito e não a justa solução, a aplicação do art. 330 do CPC/1973 ocorrerá de forma indevida e gerará efeitos adversos à Justiça e à rapidez do processo. Tal nefasta atitude ocorre, por exemplo, quando o juízo afirma que o processo está maduro para julgamento e – em verdadeira contradição lógica –, julga improcedente a pretensão por ausência de provas. Nessa senda, pontuou o Superior Tribunal de Justiça – STJ: “(…) Correto o reconhecimento de cerceamento de defesa, pois o magistrado de 1º grau, após indeferir a prova pericial requerida pela parte autora, julgou antecipadamente a lide, reconhecendo a improcedência do pedido justamente em face da insuficiência de provas. (…)” (AgRg no Ag 732.711/SP, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, 3ª Turma, j. 2/9/2010, DJe 15/9/2010).
Ainda no mesmo sentido: “Já assentou a Corte que está presente cerceamento de defesa quando, proferido julgamento antecipado da lide, admite-se que não há prova do alegado pela parte ré”. (STJ, REsp 623479/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 7/11/2005).
Com essa mesma razão, o raciocínio jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça é amplo: AgRg no AgRg no REsp 1230951/PR, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª Turma, j. 15/05/2012, DJe 25/05/2012; EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1299597/PE, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª Turma, j. 15/2/2011, DJe 24/2/2011; REsp 1.205.123/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe 15/10/2010 e; REsp 714.467/PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe 9/9/2010.
Tal posicionamento se justifica porque a conduta do magistrado de entender a lide madura para julgamento é incompatível com o entendimento de ausência de provas para análise completa do mérito, configurando-se aí verdadeira atitude contraditória e desarmônica em relação à boa-fé que lhe é exigível (REsp 1.306.463-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 4/9/2012), induzindo o litigante a erro em potencial.
No que se refere ao julgamento antecipado da lide, como medida de cautela se recomenda à parte interessada na eventual produção de prova que interponha agravo (CPC/1973, art. 522), evitando-se a preclusão sobre o debate de seu direito à produção probatória.
Nessa seara, é justamente quando se fala em preclusão e recurso que se agiganta a importância de decisão judicial anunciando o futuro julgamento antecipado da lide. Desta maneira, faculta-se à parte a tentativa de evitar o julgamento prematuro, a surpresa e, ao mesmo tempo, o prejuízo desnecessário à lide e à ampla defesa.
Ademais, para efeito de cooperação, boa-fé e proteção da confiança legítima das partes, faz-se relevante o anúncio prévio do julgamento antecipado da lide como meio profilático para se evitar possíveis nulidades e alegação de cerceamento defesa. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por exemplo, já reconheceu nulidade de sentença que, desconsiderando o requerimento fundamentado de provas necessárias à lide e o deferimento prévio das mesmas, proferiram sentença por meio do julgamento antecipado da lide, tomando de surpresa as partes, além de frustrar sua confiança e ampla defesa. Nesse sentido conferir: TJ-RS, Apelação Cível Nº 70018165068, 9ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Rel. Iris Helena Medeiros Nogueira, J. 6/6/2007.
Em síntese, o Julgamento Antecipado da Lide (JAL) – enquanto técnica de aceleração do Processo Civil –, é instrumento do devido processo legal e da razoável duração processual quando aplicado corretamente. Entretanto, a aplicação incorreta do JAL produz efeitos nefastos e subversivos quanto à sua finalidade primeira de acelerar o acesso à Justiça. Com efeito, cumpre aos magistrados a aplicação cuidadosa e de acordo com a jurisprudência consolidada a fim de evitar o reconhecimento de futuras nulidades que somente retardariam a pacificação da lide e finalização do processo.
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BIBLIOGRAFIA
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Procedimento Comum: Ordinário e Sumário. (Vol. 2, tomo I). 6ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Técnicas de Aceleração do Processo. São Paulo: Lemos & Cruz, 2003.
MAIA, Maurilio Casas. Técnicas de Aceleração do Processo Civil. Visão Jurídica, São Paulo, Vol. 82, Mar. 2013.