SUJEITOS DO PROCESSO: O JUIZ, O MINISTÉRIO PÚBLICO E OS AUXILIARES DA JUSTIÇA
Wellington Cacemiro
Carla Elvira do Carmo
Wellington Cacemiro Filho
1. INTRODUÇÃO
Longe da pretensão de ser um artigo científico, o presente texto tem, em essência, características e elementos que o assemelham mais a um ensaio. É, portanto, uma tentativa dos autores de esmiuçar os mecanismos que discernem parte dos sujeitos do processo sem, no entanto, esgotar as interpretações doutrinárias sobre o tema. Busca-se expor, ao longo desta dissertação, o papel do juiz e do ministério público no processo civil brasileiro, bem como dos auxiliares da justiça. As conclusões apresentadas esforçam-se por dirimir dúvidas, apresentar fatos e lançar luz sobre o assunto.
2. DESENVOLVIMENTO
Se há uma questão pacificada no mar das controvérsias do Processo Civil é o conceito de sujeitos do processo. Trata-se de porto seguro, princípio solidamente estabelecido, por assim dizer. Para compreender seu significado é necessário submetê-lo primeiramente ao escrutínio da doutrina.
Cintra, Grinover e Dinamarco, por exemplo, prelecionam que, sendo um instrumento para a resolução imparcial dos conflitos que se verificam na vida social, o processo apresenta, necessariamente, pelo menos três sujeitos: o autor e o réu, nos polos contrastantes da relação processual, como sujeitos parciais; e, como sujeito imparcial, o juiz, representando o interesse coletivo orientado para a justa resolução do litígio (2010, p.318).
A temática, por óbvio, não se esgota na presente definição. Os próprios autores citados afirmam que esta “configuração subjetiva tríplice representa somente um esquema mínimo e simplificado, que clama por esclarecimentos e complementações”.
É, obviamente, uma acepção válida que ajuda a estabelecer uma noção basilar sobre o assunto proposto. Discorrer de forma didática a respeito dos sujeitos processuais requer, portanto, o cuidado de não negligenciar os diversos estudos acerca do tema.
3. SUJEITOS
3.1. VISÃO GERAL
De modo simplista, no primeiro momento pode-se afirmar, com base no exposto acima, que as partes do processo são, de um lado, aquele que pede e, do outro, aquele contra, ou em face de quem, o pedido é formulado. A estes, como esclarecido, a doutrina chama de sujeitos parciais (autor e réu). Há ainda o juiz (sujeito imparcial), representando o interesse coletivo orientado para a justa resolução do litígio.
Necessário dizer, no entanto, que sendo uma sucessão de atos realizados, o processo exige a intervenção de pessoas que, de maneira permanente ou acidental, no exercício de uma profissão ou em defesa de um interesse, interfiram nos autos e façam possível a realização da atividade jurisdicional.
Explicam Cintra, Grinover e Dinamarco:
Essa clássica definição […] contém um quadro extremamente simplificado, que não esgota a realidade atinente aos sujeitos que atuam no processo, merecendo ser realçados os seguintes pontos: a) além do juiz, do autor e do réu, são também indispensáveis os órgãos auxiliares da Justiça, como sujeitos atuantes no processo; b) os juízes podem suceder-se funcionalmente no processo, ou integrar órgãos jurisdicionais colegiados que praticam atos processuais subjetivamente complexos — o que confirma que ele próprio não é sujeito processual, nem o é sempre em caráter singular; c) pode haver pluralidade de autores (litisconsórcio ativo), de réus (litisconsórcio passivo), ou de autores e réus simultaneamente (litisconsórcio misto ou recíproco), além da intervenção de terceiros em processo pendente, com a consequente maior complexidade do processo; d) é indispensável também a participação do advogado, uma vez que as partes, não o sendo, são legalmente proibidas de postular judicialmente por seus direitos [op.cit.]
Torna-se imperativo explicar também, em referência a uma interpretação diversa, porém atual, que, destarte, temos pelo menos três categorias de sujeitos do processo: 1 – os que são partes, apontados na inicial como autores ou como réus: 2 – os sujeitos da lide, que sofrem os efeitos dos atos processuais, em especial os da sentença, sejam ou não partes em sentido formal; 3 – sujeitos, como o fiscal da Lei, autorizados a praticar atos processuais, embora não sejam partes, quer em sentido formal, quer em sentido material.
Pode ocorrer, ainda, que sujeito da lide não sofra os efeitos da sentença, como na reivindicação de coisa comum (Cód. Civil, art. 1.313): o condômino que não interveio no processo, como assistente (litisconsorcial) do autor, não fica sujeito à eficácia da sentença de improcedência, podendo propor a sua ação (TESHEINER, 2010).
Fundamentada, portanto, a ideia central dos sujeitos do processo, compete discorrer sobre o papel desempenhado em especial pelo juiz, o ministério público e os auxiliares da justiça, objeto do presente ensaio. Cabe antes, contudo, breve observação fundamentada em Câmara. Adverte o autor:
Quanto ao Estado, é preciso tornar claro que é este, e não o juiz, que se apresenta como sujeito do processo. O juiz, pessoa natural, é mero agente do Estado, este sim o detentor do poder, e a quem cabe o exercício da função jurisdicional. O Estado se apresenta na relação processual através de um de seus órgãos, os chamados “órgãos jurisdicionais”, ou, simplesmente, juízos. No estudo dos sujeitos da relação processual, porém, há que tecer algumas considerações não só acerca do juízo, mas também sobre a pessoa natural do juiz, já que este agente estatal atuará no processo, e suas características serão levadas em conta para o regular e adequado desenvolvimento do processo (CÂMARA, 2011, p.301).
3.2. ESTADO
O Estado está sempre no exercício da função jurisdicional e, segundo Câmara, ocupa na relação jurídica processual uma posição de supremacia equidistância das partes, pois o processo é um instrumento de exercício do poder soberano do Estado, e a equidistância é a imparcialidade, uma característica essencial da jurisdição. (2011, p.301).
Entretanto, para assegurar a imparcialidade do Estado, é preciso que haja imparcialidade do agente estatal, que irá exercer a função jurisdicional, no caso, o juiz.
3.3. O JUIZ
Em síntese, pode-se afirmar que o juiz é a autoridade para dirimir a lide. Como a jurisdição é função estatal e o seu exercício é dever do Estado, não pode o juiz eximir-se de atuar no processo (inafastabilidade do controle jurisdicional). Cintra, Grinover e Dinamarco ensinam que a qualidade de terceiro estranho ao conflito em causa é essencial à condição de juiz. Sua superior virtude, exigida legalmente e cercada de cuidados constitucionais destinados a resguardá-la, é a imparcialidade.
Theodoro Júnior ensina que “as pessoas que, em nome do Estado, exercem o poder jurisdicional são, genericamente, denominadas juízes” (2015, p. 293). Explica o autor:
No primeiro grau de jurisdição, os órgãos judiciários civis são monocráticos ou singulares, isto é, formados apenas por um juiz. Nos graus superiores (instâncias recursais), os juízos são coletivos ou colegiados, formando tribunais, compostos de vários juízes, que, às vezes, recebem denominações especiais como as de desembargador ou ministro (vide item 291, retro). A Constituição de 1988 criou, outrossim, a figura do Juiz de Paz, que deve ser eleito pelo voto popular, com competência definida por lei ordinária, para o procedimento de habilitação e celebração do casamento, e para exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional (CF, art. 98, II) ( THEODORO JUNIOR, 2015, p. 293).
Como a jurisdição é função estatal e o seu exercício dever do Estado, não pode o juiz eximir-se de atuar no processo, desde que tenha sido adequadamente provocado: no direito moderno não se admite que o juiz lave as mãos e pronuncie o non liquet diante de uma causa incômoda ou complexa, porque tal conduta importaria evidente denegação de justiça e violação da garantia constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (Art. 5, XXXV, CF).
Importante lembrar, ainda, que o juiz também tem deveres no processo. Todos os poderes são, em regra, poderes-deveres, uma vez que não lhe são conferidos para a defesa dos interesses seus, ou do próprio Estado, mas como instrumento para prestação de serviços a comunidade e principalmente aos litigantes. De forma bem simples poder-se-ia dividir os poderes do juiz em:
Poderes: administrativos e jurisdicionais
Administrativos (ou de polícia): exercidos por ocasião do processo, a fim de evitar sua perturbação e de assegurar a ordem e o decoro que devem envolvê-lo.
Jurisdicionais: poderes meio e poderes fins.
Poderes meio: abrangendo os ordinatórios, que dizem respeito ao simples andamento processual, os instrutórios, que se referem à forma de convencimento do juiz e poderes fins, que compreendem os decisórios e os de execução.
Deveres: sentenciar, conduzir o processo segundo a ordem legal, propiciar as partes todas as oportunidades de participação a que tem direito.
3.4. MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público (MP) é órgão do Estado que, segundo a Constituição Federal, é “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127, CF/88).
Indispensável, no regime democrático, atua o mesmo, portanto, no processo civil, como órgão agente ou como órgão interveniente, ou como se costuma encontrar com mais frequência, atua como parte ou como fiscal da lei (custos legis). Neste sentido, em observância ao vigente Código de Processo Civil, preleciona Neve:
O art. 778, § 1º, I, do Novo CPC permite ao Ministério Público promover a demanda executiva nos casos previstos em lei. Há três situações distintas a respeito da legitimação ativa do Ministério Público para executar, ainda que em todos os casos exista expressa previsão legal atribuindo ao órgão essa legitimação, em consonância com a exigência do art. 778, § 1º, I, do Novo CPC (NEVES, 2016).
Neste sentido, também ensina Theodoro Júnior sobre as funções do Ministério Público. Assevera o mestre que:
No processo civil, mesmo quando se comete ao Ministério Público a tutela de interesses particulares de outras pessoas, como os interditos, a Fazenda Pública, a vítima pobre do delito etc., a sua função processual nunca é a de um representante da parte material. Sua posição jurídica é a de substituto processual (art. 18), em razão da própria natureza e fins da instituição do Ministério Público ou em decorrência da vontade da lei. Age, assim, em nome próprio, embora defendendo interesse alheio. Dessa forma, “quer atue como parte principal, quer como substituto processual, o Ministério Público é parte quando está em juízo”, e nunca procurador ou mandatário de terceiros (THEODORO JUNIOR, 2015, p. 316)
Em resumo, o Ministério Público, no processo civil, pode atuar como parte da demanda, órgão agente, nos casos em que lhe é deferido pelo sistema o poder de ação. É o que se dá, por exemplo, no caso da “ação civil pública”, da “ação de investigação de paternidade” e outras. Nestas situações, atua o Ministério Público como demandante, sendo tratado como uma parte comum.
Por fim, válido aludir o que bem explica Neves em sua majestosa obra ao fazer pontual referência também ao papel do MP nas ações de família:
A intervenção do Ministério Público nas ações de família vem prevista no art. 698 do Novo CPC, que parece limitar a sua participação como fiscal da ordem jurídica a duas situações distintas. Havendo interesse de incapaz, o Ministério Público deve participar desde o início do procedimento, figurando como fiscal da ordem jurídica durante todo o desenrolar do processo. Nos demais casos, sua participação será pontual, devendo ser ouvido apenas quando houver pedido de homologação de acordo. [op.cit.]
3.5. AUXILIARES DA JUSTIÇA
Art. 149, CPC. São auxiliares da Justiça, além de outros cujas atribuições sejam determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de avarias.
Preleciona a melhor doutrina que os auxiliares da justiça são todos aqueles que participam do processo no sentido de implementar a prestação jurisdicional. Suas atribuições são determinadas pelas normas de organização judiciária. São eles o escrivão, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador e o intérprete.
Fácil compreender que dessa relação se encontram excluídos, até por ter papel bem delimitado, as partes, as testemunhas, o Ministério Público e os advogados. Os auxiliares da justiça são permanentes ou eventuais. Os permanentes são os auxiliares que aparecem em todos ou quase todos os processos, por exemplo, o escrivão, o oficial de justiça e o distribuidor. Já os eventuais são os auxiliares que atuam em certos tipos de processos, aparecendo nas relações processuais de forma esporádica, como, por exemplo, os intérpretes ou os peritos.
Na obra “Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum”, Theodoro Júnior explicita a importância dos auxiliares para o pleno funcionamento do processo.
O juiz – detentor do poder jurisdicional –, para consecução de suas tarefas,necessita da colaboração de órgãos auxiliares, que, em seu conjunto e sob a direção do magistrado, formam o juízo. Não é possível a realização da prestação jurisdicional sem a formação e o desenvolvimento do processo. E isso não ocorre sem a participação de funcionários encarregados da documentação dos atos processuais praticados; sem o concurso de serventuários que se incumbam de diligências fora da sede do juízo; sem alguém que guarde ou administre os bens litigiosos apreendidos etc. Para cada uma dessas tarefas o juiz conta com um auxiliar específico que pode agir isoladamente, como o depositário ou o intérprete, ou que pode dirigir uma repartição ou serviço complexo (ofício), como o escrivão. (THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 307)
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto ao longo desta dissertação, a relação entre os sujeitos do processo encontra-se bem estabelecida. Explicitá-la, no entanto, é tarefa árdua, não raro com potencial de suscitar novas dúvidas no leitor recém-introduzido no tema.
Há, diga-se, uma linha tênue que separa os elementos expostos, delineada com cuidado pela doutrina. É justo afirmar que, para não ocorrer equívocos, faz-se necessário ater-se ao texto do intérprete, sem perder de vista o que diz a norma jurídica.
5. REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 16 mar. 2017.
__________. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em 16 mar. 2017.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Lumen Juris, 2011.
CINTRA, AC de A.; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. Malheiros editores, 2010.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único. 8 ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.
TESHEINER, José Maria Rosa. Partes no Processo Civil – Conceito e preconceito. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 10, nº 1069, 23 de dezembro de 2010. Disponível em: http://www.tex.pro.br/home/artigos/118-artigos-dez-2003/4587-partes-no-processo-civil-conceito-e-preconceito. >. Acesso em 15 mar. 2017.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I. 56 ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.