RKL Escritório de Advocacia

SUCESSÃO TRABALHISTA – CONTROVÉRSIAS PRÁTICAS – CAUTELAS PARA INVESTIDORES E EMPREENDEDORES

SUCESSÃO TRABALHISTA – CONTROVÉRSIAS PRÁTICAS – CAUTELAS PARA INVESTIDORES E EMPREENDEDORES

Antonio Galvão Peres

Luiz Carlos Amorim Robortella

 

Introdução

Os critérios para definição da responsabilidade em casos de sucessão trabalhista está há muito consolidados em doutrina e jurisprudência, mas é frequente seu desrespeito, especialmente em execuções onde o sucessor não tem patrimônio para garantir o pagamento das dívidas assumidas.

Alguns juízes, no afã de satisfazer o credor, tentam soluções rápidas, ao arrepio da melhor técnica e mesmo contrárias ao nosso sistema jurídico.

Tais arroubos pragmáticos são agravados pela dificuldade de defesa no processo de execução, no qual é limitada a produção de prova e a interposição de recursos.

O propósito da coluna de hoje é recuperar conceitos fundamentais que podem reforçar a defesa do executado e atenuar os riscos.

 

Sucessão e responsabilidade trabalhista

No caso de sucessão, a responsabilidade sempre cabe à empresa, independentemente de quem sejam seus controladores, como se vê nos artigos 10 e 448 da CLT.

Pelo princípio da continuidade, o empregado se vincula à empresa, assim considerado o centro de imputação de direitos e obrigações que desenvolve atividade econômica.

O artigo 2º da CLT, com surpreendente clarividência, considera empregador a empresa que dirige e assalaria a prestação pessoal de serviços, assumindo os riscos do empreendimento.

Os efeitos da sucessão ocorrem até mesmo quando há transferência ou venda de um só estabelecimento, como frisa MAURÍCIO GODINHO DELGADO[1]:

há sucessão de empregadores, na acepção celetista, não somente com o transpasse de toda a organização, mas também com a transferência de apenas uma ou algumas de suas frações (“estabelecimentos“): nas duas hipóteses, altera-se subjetivamente o contrato, ingressando, no pólo passivo, novo titular. O objetivo da legislação com as normas regulamentadoras da “sucessão trabalhista” (arts. 10 e 448, CLT), é assegurar a intangibilidade dos contratos de trabalho firmados pelo antigo empregador, garantindo a continuidade desses contratos. Em coerência, estabelece a lei, com respeito aos contratos de trabalho existentes no conjunto da organização empresarial em transferência ou na parcela transferida dessa organização, sua imediata e automática assunção pelo adquirente, a qualquer título, dessa organização ou sua parcela (“estabelecimento comercial”). O novo titular passa a responder pelos efeitos presentes, futuros e passados dos contratos de trabalho que lhe foram transferidos, ex lege.”

O clássico EVARISTO DE MORAES FILHO[2] já dizia:

O único critério válido e indispensável é que a empresa ou o estabelecimento apresentem reais e objetivas condições de sobrevivência, de continuidade no seu exercício, com todos ou alguns elementos indispensáveis para o seu funcionamento. O que importa é a manutenção do seu aviamento, isto é, a esperança de lucros futuros, seu verdadeiro objetivo organizacional.”

Por isto, a sucessão ou transferência do controle em nada modifica os vínculos originais com os empregados, que se mantêm estruturalmente os mesmos.

A continuidade do vínculo garante os direitos adquiridos perante o sucessor, sendo vedadas alterações unilaterais e também as que, embora bilaterais, prejudiquem o empregado (artigo 468 da CLT), como regra geral.

Uma importante exceção, é claro, são os empregados portadores de diploma de nível superior e com salário mensal superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do INSS, como se lê no artigo 444, parágrafo único da CLT, para os quais a lei aceita a livre estipulação de cláusulas.

A responsabilidade também se estende a créditos de empregados cujos contratos foram rescindidos antes da sucessão

Como se vê, ressalvada a hipótese de fraude, a responsabilidade do sucessor é integral.

Afasta-se o sucedido de qualquer obrigação pelos contratos em vigor e mesmo aqueles rescindidos antes da sucessão. Não mais subsiste responsabilidade, inclusive subsidiária ou residual.

Esse entendimento está consagrado na Orientação Jurisprudencial n. 261 da SBDI I do TST:

261. Bancos. Sucessão trabalhista. As obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para o banco sucedido, são de responsabilidade do sucessor, uma vez que a este foram transferidos os ativos, as agências, os direitos e deveres contratuais, caracterizando típica sucessão trabalhista.”

O professor ESTÊVÃO MALLET afirma enfaticamente que “não cabe falar (…) em responsabilidade solidária envolvendo sucessor e sucedido nem mesmo em relação às obrigações anteriores à sucessão[3]:

“(…) a responsabilidade do sucedido por obrigações decorrentes do contrato de trabalho de empregados da empresa, tanto as constituídas após a sucessão como, igualmente, as constituídas antes, deve ser peremptoriamente afastada, o que já levou a jurisprudência até mesmo aludir à carência de ação (…).”

A Orientação 261 mencionada acima é aplicada indistintamente a outros segmentos, merecendo destaque este acórdão do TST:

“… passa o sucessor a responder integralmente pelas dívidas trabalhistas que lhe foram transferidas na medida em que qualquer alteração na organização da empresa não afetará os contratos de trabalho existentes e nem os direitos adquiridos pelos empregados (artigos 10 e 448 da CLT), resguardado, no entanto direito a eventual ação regressiva futura em face da empresa sucedida“. 2- Reconhecida a sucessão trabalhista pelo Tribunal Regional, a responsabilidade pelos créditos decorrentes da presente ação é exclusiva da empresa sucessora. Inteligência dos arts. 10 e 448 da CLT. Incidência da Orientação Jurisprudencial 261 da SDI-I/TST, que, não obstante verse especificamente sobre sucessão de bancos, revela o posicionamento desta Corte acerca da responsabilidade em hipótese de sucessão. Óbices da Súmula 333/TST e do art. 896, § 4º, da CLT. (…).” (TST – RR 0000992-30.2012.5.09.0562 – Rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann – DJe 06.03.2015 – p. 411).

A orientação não se aplica aos casos de fraude, desde que devidamente provada.

No entanto, há decisões judiciais que atribuem ao sucedido responsabilidade diante da mera inadimplência do sucessor, alegando presunção de fraude.

São também comuns cláusulas de proteção do sucessor, como a que limita sua responsabilidade ao momento posterior à sucessão ou a que exige do sucedido a manutenção de uma escrow account (conta de caução, em tradução literal) por determinado tempo.

Tais cláusulas, embora não afetem o direito de terceiros, especialmente empregados, são úteis para resguardar o direito de regresso.

 

Grupo econômico e sucessão trabalhista

Quando se desconecta uma empresa do grupo econômico, cessa a responsabilidade solidária até então existente, como deflui da combinação do artigo 2º, §§ 2º e 3º, da CLT.

O sucedido jamais compõe grupo com o sucessor e isto se estende, claramente, às sociedades àquele vinculadas. São incomunicáveis ao sucessor obrigações das demais sociedades do grupo.

Veja-se a OJ n. 411 da SBDI I do TST:

411. Sucessão Trabalhista. Aquisição de Empresa Pertencente a Grupo Econômico. Responsabilidade Solidária do Sucessor por Débitos Trabalhistas de Empresa não Adquirida. Inexistência. O sucessor não responde solidariamente por débitos trabalhistas de empresa não adquirida, integrante do mesmo grupo econômico da empresa sucedida, quando, à época, a empresa devedora direta era solvente ou idônea economicamente, ressalvada a hipótese de má-fé ou fraude na sucessão.”

Está claro que a responsabilidade do sucessor se limita às obrigações da sociedade adquirida, não valendo para as demais que com ela compunham grupo. Vários julgados adotam essa orientação[4].

Lamentavelmente, na rotina forense esse conceito nem sempre é observado.  Caso emblemático foi à tentativa de responsabilização da TAP, que adquiriu uma só empresa do grupo VARIG, por dívidas de outras componentes.

O tema foi finalmente resolvido no julgamento de incidente de recursos repetitivos pelo TST (IRR-69700-28.2008.5.04.0008), ratificando no tema 7, por maioria de votos, sua jurisprudência tradicional[5]. Até que isso ocorresse, houve terrível sangria no patrimônio da empresa.

Vale repetir, portanto: a responsabilidade do sucessor se restringe a obrigações diretas e exclusivas da empresa sucedida, que se descolou do grupo a que pertencia.

O inverso também é verdadeiro. O grupo original não é mais responsável solidário por dívidas de empresa onde houve sucessão no controle.

Como exemplo, diversos acórdãos do TST afastaram a responsabilidade da PETROBRAS por dívidas da INTERBRAS, entendendo que esta foi sucedida pela União Federal[6].

 

Sucessão. Fusões e incorporações

Quando há fusão ou incorporação, surge potencial conflito entre regulamentos internos aplicáveis ao quadro de pessoal de cada empresa, o que exige muita cautela.

Como se sabe, os regulamentos se incrustam aos contratos de trabalho e abrangem não apenas regras de conduta, mas também benefícios oferecidos aos empregados.

As maiores dificuldades estão justamente na conciliação das diferenças (um pode prever melhor plano de saúde, enquanto outro assegura previdência complementar etc.).

Um dos caminhos é criar um terceiro regulamento para os novos contratados, mantendo-se os originais para os antigos empregados.

É uma solução juridicamente interessante, mas, na prática, pode dificultar a gestão de recursos humanos ao criar distinções entre empregados da mesma empresa.

Os antigos não podem ser prejudicados. É firme e tradicional a oposição do TST à alteração de direitos adquiridos através de normas regulamentares, sendo clássico este acórdão do Ministro MOZART VICTOR RUSSOMANO[7]:

O regulamento da empresa, aprovado por ato unilateral do empregador, torna-se cláusula do contrato de trabalho (ato bilateral), por adesão do empregado. Não pode ser, por isso, modificado, a não ser com efeitos restritos aos contratos de trabalho que venham a ser celebrados no futuro, sem prejuízo da integridade dos contratos celebrados sob a vigência do regulamento anterior. Recurso de revista conhecido e provido, para assegurar-se à empregada abono familiar calculado na forma do regulamento em vigor na época de sua contratação.”

Portanto, lei e jurisprudência só permitem alteração ou mesmo revogação desde que não sejam vulnerados os direitos adquiridos, a teor do artigo 468 da CLT., com exceção já referida do artigo 444, parágrafo único da CLT.

Esse entendimento está cristalizado na Súmula nº 51, I, do TST:

I – As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.”

Uma boa alternativa é possibilitar a opção individual por um dos regulamentos ou por um novo, contida na Súmula n. 51, item II, do TST:

II – Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro.”

A livre escolha do regulamento afasta o risco de superposição de normas mais vantajosas dos dois sistemas.

Tal medida pode ser complementada por acordo coletivo com o sindicato profissional pormenorizando os procedimentos para a opção.

Há ampla liberdade de negociação, podendo ir além dos critérios da Súmula nº 51 acima referidas, apesar de alguns acórdãos restritivos, inclusive do TST, cerceando a liberdade sindical.

As vantagens do acordo coletivo estão na generalidade e uniformidade da solução. Ademais, a reforma trabalhista de 2017 ampliou e reforçou o campo de negociação coletiva e mesmo da individual.

 

Conclusões

Esses temas mostram a complexidade e riscos trabalhistas envolvidos nas operações societárias, por vezes esquecidos.

Condutas aparentemente elementares para os investidores não o são na prática forense, podendo criar entraves para a concretização dos negócios. É essencial desenvolver estratégias de minimização dos riscos.

 

[1] DELGADO, Maurício Godinho. In: BARROS, Alice Monteiro (coord). Curso de Direito do Trabalho : Estudos em memória de Célio Goyatá. São Paulo: LTr, 1993, vol.1. p.389.

[2] MORAES FILHO, Evaristo de. Sucessão nas Obrigações e a Teoria da Empresa. Rio: Forense, 1960, vol.II p. 235.

[3] MALLET, Estêvão. Responsabilidade trabalhista perante a empresa sucessora. Revista de Direito do Trabalho. São Paulo. v.31. n.119. p.329-46. jul./set. 2005.

[4] “SUCESSÃO. RESPONSABILIDADE. HSBC. BASTEC. O Banco HSBC não é responsável pelo passivo trabalhista da BASTEC, porquanto, embora sucessor do Banco Bamerindus, nunca compôs o grupo econômico integrado pelo Banco Bamerindus e pela BASTEC. Saliente-se que os arts. 2º, § 2º, 10 e 448 da CLT bem como a Orientação Jurisprudencial 261 da SBDI-1 tratam de alterações na estrutura jurídica da empresa, sem dispor a respeito das peculiaridades do caso concreto. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se dá provimento em parte”. (TST, SBDI I, E-ED-RR-6321/2002-900-09-00.2, Relator Ministro João Batista Brito Pereira, DJ 14/11/2008). “RECURSO DE EMBARGOS. SUCESSÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. GRUPO ECONÔMICO. A alteração na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afeta os direitos adquiridos por seus empregados. No entanto, a sucessão, para efeito de responsabilidade pelas verbas trabalhistas derivadas do contrato, não tem o condão de nela abranger os empregados de entidades do grupo econômico a que pertencia a empresa adquirida, em virtude da impossibilidade de se conferir essa interpretação extensiva à norma contida no § 2º do artigo 2º da CLT c/c os artigos 10 e 448 do mesmo diploma legal (precedentes: E-RR-97/1999-017-09-00.7, DJ 27/04/2007; E-ED-RR-1751/2000-007-01-OO.0, DJ 31/08/2007; E-ED-RR-6640/1998-020-09-00, DJ 02/05/2008). Embargos conhecidos e providos, no tema.” (TST, SBDI I, E-ED-ED-RR-808556/2001.1, Relator Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, DJ 29/08/2008). “RECURSO DE EMBARGOS – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA OU SUBSIDIÁRIA DO HSBC – SUCESSOR DO BANCO BAMERINDUS – EFEITOS DA SUCESSÃO TRABALHISTA QUANTO AOS DÉBITOS TRABALHISTAS DE EMPREGADO DA EMPRESA BASTEC, INTEGRANTE DO GRUPO ECONÔMICO DA EMPRESA SUCEDIDA. Os efeitos da sucessão operada entre HSBC e Banco Bamerindus não autorizam que se responsabilize aquele, sucessor, pelas obrigações trabalhistas da Bastec, real empregadora do reclamante, pelo simples fato de esta última empresa integrar o grupo econômico do Banco Bamerindus à época da sucessão, nos termos do art. 2º, § 2º, da CLT. A responsabilidade atribuída ao sucessor pelos arts. 10 e 448 da CLT visa, nos seus exatos termos, resguardar os direitos dos empregados da empresa sucedida, o que não é o caso, na medida em que a reclamante prestou serviços exclusivamente à Bastec. O art. 2º, § 2º, da CLT, embora atribua responsabilidade solidária aos integrantes de grupo econômico, não pode ser elastecido a ponto de alcançar o HSBC, que se limitou a adquirir o Banco Bamerindus sem integrar o grupo econômico do qual fazia parte a Bastec. A responsabilidade solidária, segundo o art. 265 do atual Código Civil (art. 896 do Código Civil de 1916), decorre diretamente da vontade das partes ou, então, por força de lei, hipóteses que não se fazem presentes. Também não há amparo legal para responsabilizar subsidiariamente o HSBC, pois essa responsabilidade, segundo jurisprudência pacífica desta Corte Superior, cristalizada na Súmula nº 331, decorreu do fenômeno da terceirização e leva em conta a particularidade do tomador dos serviços, que é o verdadeiro beneficiário direto dos serviços prestados pelo empregado terceirizado, devendo ser considerada a sua culpa  in eligendo  e  in vigilando , que não está presente na sucessão trabalhista em análise. Recurso de embargos conhecido e provido.” (TST, SBDI I, E-ED-RR-48530/2002-900-09-00.3, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DJ 06/06/2008).

[5] Eis a tese então firmada: “(…) nos termos dos artigos 60, parágrafo único, e 141, II, da lei 11.101/2005, a TAP MANUTENÇÃO E ENGENHARIA BRASIL S.A. não poderá ser responsabilizada por obrigações de natureza trabalhista da VARIG S.A. pelo fato de haver adquirido a VEM S.A., empresa que compunha grupo econômico com a segunda.”

[6] Eis um exemplo: “INTERBRÁS SUCESSÃO LEGIMIDIDADE – De acordo com a jurisprudência desta Corte, a União passou a ser a real sucessora da extinta Interbrás, uma vez que o grupo econômico deixou também de existir. Assim, a Petrobrás não pode ser responsabilizada solidária ou subsidiariamente. Recurso conhecido em parte e desprovido.” (TST – E-RR 531953/1999.0 – SBDI 1 – Rel. Min. José Luciano de Castilho Pereira – DJU 07.10.2005).

[7] TST – RR n. 1349/71 – Ac. de 26.12.71.