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SÓCIO INVISÍVEL, OCULTO: EFEITOS JURÍDICOS DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS AS RELAÇÕES EMPRESARIAIS

SÓCIO INVISÍVEL, OCULTO: EFEITOS JURÍDICOS DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS AS RELAÇÕES EMPRESARIAIS

Karla Denise Rosin

A sociedade empresarial contemporânea, estruturada sob as bases do direito civil e empresarial, ainda convive com lacunas que, por vezes, são ignoradas pelas partes e pelo próprio Poder Judiciário. Uma delas diz respeito às implicações do regime de comunhão universal de bens na dinâmica interna e externa das empresas, especialmente quando ocorre o falecimento de um dos cônjuges que, embora não figure formalmente no contrato social, participa indiretamente da titularidade empresarial. Trata-se do “sócio invisível”.

Contextualização do problema

A problemática emerge de uma situação real. Uma empresa familiar, constituída por um sócio formalmente registrado no contrato social, contratou uma cédula de crédito bancária com garantia acessória de seguro prestamista. Ocorre que esse sócio era casado sob o regime da comunhão universal de bens, e o cônjuge não constava no quadro societário.

Com o falecimento do cônjuge, surgiram efeitos jurídicos não antecipadamente enfrentados: a participação indireta do falecido na empresa levou à necessidade de abertura de inventário, incidindo sobre parte das cotas sociais e alterando a composição patrimonial da sociedade. Além disso, questiona-se a aplicação do seguro prestamista contratado para quitação do saldo devedor da cédula de crédito, já que o falecido era cônjuge de sócio, coobrigado no contrato.

Regime da comunhão universal e sociedade empresária

Nos termos do artigo 1.667 do Código Civil, “no regime de comunhão universal, comunicam-se todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções dos artigos seguintes”. Logo, os bens empresariais, ainda que adquiridos apenas por um dos cônjuges, integram o patrimônio comum do casal. A jurisprudência é pacífica no sentido de que, em caso de falência ou divórcio, a meação recai inclusive sobre participações societárias.

A situação se complexifica quando o cônjuge sobrevivente é chamado a inventariar a parte do falecido que, embora não fosse sócio no papel, participava da titularidade da empresa. Surge, então, uma figura não prevista expressamente na legislação societária: o “sócio invisível”, titular indireto de direitos e deveres empresariais.

Seguro prestamista e omissão jurisprudencial

No caso concreto, o falecimento do cônjuge casado sob o regime da comunhão universal de bens ensejaria, em tese, a ativação do seguro prestamista contratado em conjunto com a cédula de crédito bancária. Entretanto, por não ser sócio formal, o falecido não consta como segurado ou como parte no contrato de empréstimo. Esse é o ponto de interrogação jurídica: é possível invocar a incidência do seguro prestamista para quitar, ainda que parcialmente, a dívida empresarial, se o falecido participava indiretamente da relação obrigacional em razão do regime de bens?

A jurisprudência nacional carece de decisões que enfrentem de forma direta essa hipótese. Em pesquisas realizadas nos tribunais estaduais e superiores, verifica-se que o entendimento predominante se limita a relações de consumo ou de empréstimos pessoais. Quando se trata de cédulas empresariais com garantia de seguro prestamista, a discussão não contempla a figura do cônjuge como parte afetada pela dívida.

Repercussões patrimoniais e sucessórias

A falta de previsão contratual expressa ou de reconhecimento jurídico da figura do cônjuge como coobrigado ou cotitular da dívida compromete a segurança jurídica da sociedade e do núcleo familiar. O inventário do cônjuge falecido passa a abarcar parte das cotas da empresa, o que pode paralisar decisões societárias, comprometer a gestão e gerar disputas internas. Além disso, a ausência de cobertura do seguro transfere a dívida integralmente aos herdeiros e ao espólio, provocando desequilíbrio financeiro.

Propostas para enfrentamento da questão

Diante desse cenário, algumas medidas se impõem:

  • Previsão contratual clara sobre os efeitos do regime de bens nas relações empresariais, com anexação de apólices de seguro que incluam o cônjuge como segurado indireto;
  • Discussão legislativa e doutrinária sobre a figura do “sócio invisível” e suas implicações jurídicas;
  • Estímulo à jurisprudência para que reconheça a incidência do seguro prestamista em casos de comunicação patrimonial decorrente do regime de bens;
  • Elaboração de pareceres e estudos técnicos junto aos tribunais para fomentar a discussão do tema.

Considerações finais

O direito não pode continuar ignorando a existência de sujeitos que, embora não formalizados em contratos ou registros públicos, têm participação ativa e real em relações empresariais. O cônjuge sob regime de comunhão universal de bens é um exemplo emblemático dessa omissão normativa. Seu reconhecimento como parte relevante nas relações obrigacionais, inclusive para fins de cobertura securitária, é essencial e de caráter urgente.

A ausência de jurisprudência e doutrina sobre o tema revela o caráter “oculto” do problema. Torna-se fundamental fomentar o debate acadêmico e judicial, para que o Direito acompanhe a realidade das relações familiares e empresariais, atribuindo segurança jurídica a todos os envolvidos. O “sócio invisível” precisa ser, enfim, reconhecido como o cônjuge não formalmente integrante do quadro societário, mas que, em razão do regime de bens, partilha do risco e do patrimônio da empresa.

REFERÊNCIAS

https://www.conjur.com.br/2025-ago-07/o-socio-invisivel-efeitos-juridicos-da-comunhao-universal-de-bens-nas-relacoes-empresariais/