SOBRE A TUTELA DE URGÊNCIA NO PROJETO DE NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Luis Alberto Reichelt
José Victor Pacheco Alves
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Questões de Natureza Conceitual Relativas à Tutela de Urgência. 3 Dos Requisitos para a Concessão da Tutela de Urgência. 4 Sobre a Tutela Antecipada Satisfativa Solicitada na Petição Inicial. 5 Conclusão. 6 Referências Bibliográficas.
1 Introdução
Dentre as inúmeras alterações propostas pelo legislador na elaboração do projeto de NCPC, destaca-se, de imediato, a nova ordenação proposta para as normas que regulamentam os temas anteriormente tratados pela codificação de 1973. Uma das medidas implementadas pela sistemática legislativa processual civil projetada é a exclusão do livro hoje destinado ao processo cautelar, que passa a ser regulado juntamente com a temática da antecipação de tutela e da tutela de evidência no Livro V da Parte Geral do projeto de novo Código de Processo Civil.
O presente ensaio pretende investigar, pois, os novos contornos propostos para a regulamentação da tutela de urgência no projeto de NCPC. Nesse sentido, o estudo desenvolver-se-á em três direções fundamentais. Primeiro, um exame em torno de questões de ordem conceitual, com a exposição e a crítica em torno da terminologia empregada pelo legislador no uso de categorias ligadas à tutela de urgência. Mais adiante, propõe-se a investigação em torno do regime jurídico aplicável com vistas à concessão da tutela de urgência segundo a novel codificação. Por fim, passar-se-á à análise das peculiaridades presentes no regime jurídico aplicável à tutela antecipada satisfativa requerida na própria petição inicial.
2 Questões de Natureza Conceitual Relativas à Tutela de Urgência
Uma primeira problemática a ser considerada na análise do projeto de NCPC diz respeito à forma como o texto lida com a terminologia ligada à tutela de urgência. Nesse sentido, é de se destacar que o texto trata como gênero a categoria tutela antecipada, que dá nome ao Livro V da Parte Geral, sendo que o Título I dá a entender que seriam espécies a ele pertencentes a tutela de urgência e a tutela de evidência.
Desse primeiro olhar logo exsurge uma questão a ser solucionada. Em se tomando o quadro acima descrito, impõe-se investigar se a tutela cautelar, que é tratada no Título II do mesmo livro no que se refere à sua concessão em caráter antecedente, seria um tertium genus em relação aos dois anteriores, ou se deveria ser considerada uma subespécie de algum deles. Sob essa ótica, a única certeza que há é que se mostra legítimo inferir a existência de uma outra subespécie de tutela cautelar, qual seja aquela concedida em caráter incidental.
A construção de uma classificação que leve em conta os dados constantes do texto legal ganha cores ainda mais vivas em se considerando o disposto no art. 295, segundo o qual a tutela antecipada poderia ser classificada levando em conta distintos critérios[1]. A teor do caput do comando legal em questão, uma primeira classificação a ser implementada é a que contrapõe a tutela antecipada de natureza satisfativa em relação à tutela antecipada cautelar. Na mesma trilha, ainda segundo o caput do art. 295 supracitado, cumpre distinguir a tutela antecipada concedida em caráter antecedente em relação à tutela antecipada veiculada de maneira incidental. Por fim, o parágrafo único do comando legal mencionado dispõe sobre uma terceira contraposição, qual seja aquela existente entre a tutela antecipada fundamentada em urgência em relação à tutela antecipada concedida com fulcro em evidência.
As classificações acima elencadas são construídas levando em conta uma base conceitual um tanto confusa. O que o legislador chama de antecipação de tutela é, em verdade, a oferta de proteção jurisdicional provisória ou temporária da questão objeto do pedido formulado pela parte [2], em contraponto à solução definitiva ofertada em relação a uma questão através da sentença, que é a decisão que encerra o debate travado entre os sujeitos do processo.
Um ponto a considerar diz respeito aos meios de que dispõe o ordenamento jurídico para a veiculação da tutela antecipada. A regulação temporária ou provisória de uma questão costuma ser concedida, no mais das vezes, através de decisões interlocutórias, as quais podem ser decisões liminares[3] concedidas por órgãos jurisdicionais monocráticos, decisões proferidas ao longo do debate processual antes da prolação de sentença ou, ainda, decisões proferidas pelo relator integrante de um órgão colegiado, no caso de tramitação do processo perante tribunais. O fato é que, em todos esses casos, a decisão que dispõe sobre a tutela antecipada não extingue o processo, nem resolve o mérito, mas atribui às partes direitos, deveres, ônus e faculdades.
Outra via a ser considerada é a sua oferta às partes na própria sentença, caso no qual a regulação definitiva da questão debatida vem acompanhada de comando dispondo sobre a regra a ser respeitada pelas partes durante certo período de tempo nela mesmo determinado ou, em não sendo estabelecido termo final expresso, até a superveniência de outra decisão jurisdicional que a confirme ou revogue. Sobre esse ponto, o art. 1.026, § 5º, da novel codificação incorpora orientação já consolidada na jurisprudência pátria no sentido de estabelecer que o capítulo da sentença que confirma, concede ou revoga a tutela antecipada é impugnável na apelação[4], de modo que a positivação da regra em questão não se constitui em uma inovação que não pudesse ser considerada razoavelmente previsível.
O que impõe a adoção de tal sistemática recursal, em verdade, é o próprio conceito de sentença, visto como decisão que coloca fim ao debate travado nos autos em torno da questão objeto do pedido formulado pela parte, fazendo-o ora por ter como conteúdo a resolução do mérito (isto é, ofertando uma solução para a questão que é objeto do pedido formulado pela parte demandante em seu pleito inicial), ora por simplesmente estabelecer o termo final da marcha processual [5]. A simples coexistência, em um mesmo ato do juiz, de um comando que disponha sobre a temática da tutela antecipada ao lado de outro no qual vem estabelecida a resolução do mérito ou a extinção do processo faz com que, por amor ao princípio da unirrecorribilidade, o recurso a ser manejado seja aquele correspondente ao conteúdo da questão principal sobre a qual recai a decisão, que é a apelação.
As hipóteses tratadas nos parágrafos anteriores compreendem as possibilidades de antecipação de tutela concedida em caráter incidental, isto é, no bojo do mesmo debate processual em que discutida a questão que se pretende seja solucionada de forma definitiva. Essas possibilidades não excluem, por certo, a hipótese de concessão de tutela antecipada em caráter antecedente, isto é, mediante a instauração de debate prévio específico a respeito da regulação provisória ou temporária de uma questão que, posteriormente, pretenda-se seja solucionada de maneira definitiva em um outro debate que se considera como sendo de natureza principal.
Uma ulterior dicotomia é a que contrapõe a tutela antecipada satisfativa em relação à tutela antecipada cautelar. É justamente nesse ponto que se impõe a compreensão do gênero tutela de urgência, que é a proteção jurisdicional que, ofertada em momento anterior ao do oferecimento da solução definitiva à questão objeto do pedido formulado pela parte, busca impedir que a parte seja prejudicada por força da produção de um dano considerado irreparável ou de difícil reparação [6]. Desse gênero é que exsurge, como primeira categoria, a tutela antecipada satisfativa, definida como tutela de urgência na qual as medidas que buscam impedir a produção do dano irreparável ou de difícil reparação permitem à parte desde logo usufruir dos efeitos que seriam produzidos por uma sentença que julgasse a ação de modo favorável ao seu interesse. Diferentemente, a tutela antecipada cautelar é definida por exclusão, correspondendo à tutela de urgência na qual as medidas que buscam impedir a produção do dano irreparável ou de difícil reparação sem que isso importe em permitir que a parte desde logo usufrua dos efeitos que seriam produzidos por uma sentença que julgasse a ação de modo favorável ao seu interesse.
Essa última dicotomia toma como critério de distinção o conteúdo da fórmula empregada com vistas à oferta de proteção em face do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. Há que se investigar se a tutela antecipada permite ou não a produção de consequências que seriam alcançadas à parte na eventualidade de uma eventual sentença favorável ao seu interesse. A possibilidade de diferenciação entre as espécies em questão pressupõe, pois, a comparação entre duas premissas: de um lado, as consequências decorrentes da solução definitiva almejada pela parte em relação à questão principal a ser debatida e, de outro, o conteúdo da solução provisória ou temporária concedida sob a forma de tutela de urgência.
Desse panorama exsurge, ainda, como conclusão importante, a consideração no sentido de que o caráter satisfativo ou cautelar associado a uma decisão que antecipa efeitos da tutela jurisdicional não pode ser explicado a partir da análise de questões de direito material [7], mas, antes, é fruto de uma comparação de fenômenos de natureza eminentemente processual. Os efeitos que são antecipados são aqueles que se seriam impostos por uma sentença que eventualmente viesse a julgar procedente determinada ação, independentemente de a questão nela versada ser de natureza processual ou de direito material. Exemplo disso pode ser visto na possibilidade de concessão de decisão liminar em sede de ação rescisória com vistas a impedir a adoção de medidas com vistas ao cumprimento da sentença transitada em julgado, já encontrada no art. 489 do CPC/73 [8] e mantida pelo art. 981 do projeto de nova sistemática processual.
3 Dos Requisitos para a Concessão da Tutela de Urgência
Conforme referido, apesar de integrarem o gênero “tutela de urgência“, a tutela antecipada satisfativa e a tutela cautelar constituem-se em espécies distintas. Entretanto, o projeto do NCPC, ao estabelecer um único regime aplicável a tais categorias, não se ocupou de estabelecer premissas e distinções convenientes e necessárias, que teriam o efeito de evitar dúvidas por parte do intérprete.
Em nosso ordenamento atual, a par das diversas finalidades associadas à tutela satisfativa e à tutela cautelar[9], admite-se a existência de diferenças entre os requisitos autorizadores da concessão dessas medidas[10]. A novel legislação, contudo, passou ao largo das distinções doutrinárias sobre o ponto. Como exemplo, cite-se a redação do caput do art. 301 do projeto de NCPC que, ao tratar do gênero tutela de urgência, deixou de estabelecer qualquer diferenciação acerca dos pressupostos à concessão de cada uma das respectivas espécies nele inseridas.
A aludida aproximação dos pressupostos destoa dos esforços da doutrina brasileira que tratou de diferenciar tutela cautelar de tutela satisfativa. Nesse contexto, soa presumível que tais discussões ganharão maior intensidade, agora fomentadas pela alteração em nosso ordenamento jurídico projetado.
Observa-se que o texto do projeto de NCPC abandonou a criticada terminologia do caput do art. 273 do diploma processual civil vigente[11], que não mais fala em prova inequívoca ou em verossimilhança da alegação, mas, em substituição, opta pela expressão probabilidade do direito. Se, de um lado, certo setor da doutrina trata tal terminologia sem efetuar qualquer distinção semântica[12], cumpre registrar, de outro, que inúmeros estudos dão conta de que probabilidade e verossimilhança não devem ser tratadas como expressões sinônimas.
As dificuldades em questão restam ainda mais acentuadas em se considerando, ainda, que a própria noção de probabilidade comporta inúmeras acepções. Uma primeira aproximação em direção ao significado dos termos ora cotejados é a que parte da afirmação de que existência de probabilidade é condição para que se possa falar na verossimilhança de uma alegação[13]. Há quem mencione que a noção de probabilidade compreende uma série de matizes inseridas dentro de um mesmo gênero[14]. De outro lado, há quem entenda que no Direito brasileiro o verossímil é reflexo de probabilidade elevada de verdade [15]. Registre-se, ainda, uma outra linha de entendimento segundo a qual a noção de probabilidade deve ser utilizada no âmbito da antecipação de tutela satisfativa, ao passo que em sede de tutela cautelar seria possível ao julgador adotar um standard de prova menos exigente, contentando-se com a existência de mera plausibilidade [16].
Como se vê, ao fazer tal processo de escolha, não estará o novo legislador imune ao surgimento de novas críticas. A verdade é que se abre todo um novo espaço para debate diante da nova dicção legal, envolvendo temática inegavelmente complexa, cuja adequada análise reclama mergulho em águas consideravelmente turbulentas, envolvendo o exame da finalidade da prova no processo civil [17].
Outro ponto a ser discutido diz respeito à possibilidade ou não de concessão de tutela antecipada ex officio. O projeto de NCPC, em seu art. 300, caput, refere expressamente que a “tutela antecipada será requerida ao juízo da causa (…)”. O texto em questão comporta mais de uma interpretação. A menção ao fato de a tutela antecipada ser “requerida” pode ser entendida como exigência, por parte do legislador, de requerimento expresso da parte interessada com vistas à concessão de provimento antecipatório, seja este de cunho satisfativo ou cautelar. Outra possibilidade exegética é a que toma tal dispositivo como cuidando basicamente de uma mera regra de competência, com o endereçamento “ao juízo da causa“, o que abriria as portas para a possibilidade de concessão ex officio das tutelas de urgência.
É conveniente lembrar que hodiernamente prevalece – ao menos como regra – o entendimento que nega a possibilidade de o juiz conceder a tutela antecipada satisfativa de ofício[18]. Diferente, contudo, é a orientação relativamente à tutela cautelar, que poderá ser concedida sem o requerimento da parte, em face da previsão do art. 797 do CPC[19].
Registre-se, quanto ao CPC projetado, que o seu art. 298 mantém as mesmas bases ao regulamentar o poder geral de cautela, de sorte que possível o deferimento da medida de urgência sem requerimento da parte tal como ocorre nos dias atuais. Vale lembrar que o texto do projeto de CPC aprovado pela Câmara dos Deputados tem redação distinta daquele anteriormente aprovado no Senado Federal, cujo art. 270 reproduzia, em sua essência, o art. 798 do CPC. Inexiste no texto aprovado pela Câmara dos Deputados, contudo, dispositivo semelhante ao do art. 277 do texto votado pelo Senado Federal, que expressamente permitia a concessão de medidas de urgência de ofício.
Remanescem, portanto, dúvidas quanto ao ponto no que se refere à possibilidade de concessão da tutela antecipada satisfativa ex officio. Entretanto, independentemente de qualquer resposta a ser adotada, parece evidente que caberia ao legislador aproveitar a oportunidade para dispor de forma expressa acerca da problemática. Como isso não ocorreu, estar-se-á dando novo fôlego ao debate, agora com novos argumentos.
Outra questão a ser considerada diz respeito à exegese do art. 302 do projeto, que manteve a regra constante do § 2º do art. 273 do CPC vigente ao dispor sobre a proibição, sem qualquer restrição, de concessão da antecipação de tutela quando houver “perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão“. É conveniente ressaltar que dita proibição encontra justificativa na preocupação de preservar o núcleo essencial do direito fundamental à segurança jurídica do réu [20]. Entretanto, releva trazer a crítica de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, ao referir que a resposta a priori do legislador esbarra com as exigências da própria vida, desconhecendo além do mais a riqueza infinita da problemática do viver humano [21].
Repetiu-se o exagero na prudência que deve orientar o magistrado [22], desconsiderando-se que há muito tempo a doutrina e os tribunais concebem uma série de exceções justificadas a tal proibição. O emprego de técnicas como as da proporcionalidade, ponderando-se os interesses em conflito [23], impede que a técnica antecipatória se revele impotente diante da ameaça de esvaziamento da efetividade do processo, ignorando-se os postulados do processo justo. Poderia ter o legislador referido a possibilidade de atenuar-se a regra, fazendo menção a um juízo de proporcionalidade, a critério do magistrado.
Um exemplo em que bem se flexibilizou a previsão constante de uma regra geral pode ser extraído do art. 9º, parágrafo único, I, do texto projetado, que excepciona a exigência de respeito ao contraditório prévio em se tratando de tutela de urgência. A exigência de efetividade processual – e, em consequência, o direito a um processo justo – faz com que em muitos casos não há como implementar o contraditório prévio como condição para uma decisão a respeito do provimento de urgência requerido, sob pena de perecimento do direito. Em tais casos, o respeito ao contraditório é igualmente assegurado, mas se dá de maneira distinta, mediante a oitiva da parte a posteriori. Nesse contexto, restam devidamente preservados os direitos à participação no debate processual, ao diálogo entre os sujeitos e à participação conjunta e ordenada na construção da decisão judicial (que, inclusive, poderá ser modificada, em juízo monocrático ou colegiado), impedindo-se que as partes sejam surpreendidas pelos termos do debate e da decisão judicial [24]. Portanto, como dito, apenas se aguarda um momento processual ulterior, porquanto mesmo que se considere a relevância do contraditório prévio, isso não significa a impossibilidade de sua relativização [25].
Ainda, não há como deixar de mencionar a preocupação do legislador com a fundamentação das decisões judiciais, especialmente pelas previsões constantes do art. 499 do CPC projetado. O § 1º do aludido dispositivo traz uma verdadeira cláusula geral dispondo sobre o dever de motivação, elencando uma série de vetores a serem observados, dentre os quais releva destacar o que constou do inciso II, ao dispor não se considerar fundamentada uma decisão (inclusive interlocutória) que empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso.
De início, cumpre referir que o emprego de linguagem exageradamente fechada do ponto de vista semântico quando da redação do texto legal, em muitos casos, acaba se constituindo em um entrave à prestação jurisdicional. Daí porque se justifica a necessidade de constarem positivados conceitos abertos, cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, a possibilitar ao intérprete realizar a concretização valorativa [26].
Exemplos do uso de conceitos jurídicos indeterminados podem ser vistos nas noções de probabilidade e de perigo de dano irreparável, que se constituem em pilares da tutela de urgência. Significa dizer que o magistrado, ao se deparar com um caso concreto, deverá, com base no amplo espectro interpretativo que esses conceitos lhe outorgam, realizar um cotejo entre a previsão legal e o contexto dos autos, informando de que forma a realidade dos fatos fornece subsídios para que se possa entender o campo semântico dos conceitos cotejados. Certo é que a alusão a expressões como perigo de dano irreparável e probabilidade, mesmo em uma decisão interlocutória, não pode se dar de forma genérica, superficial [27].
Entretanto, é de se indagar se tal comando legal terá efetiva aplicabilidade no dia a dia forense. Sabe-se não serem raros os casos em que as decisões antecipatórias apenas referem a presença ou a ausência dos requisitos legais, sem maiores digressões, por parte do juiz, acerca de sua vinculação com a prova dos autos. Não obstante isso, cumpre registrar que a decisão que deixar de atender à exigência legal não pode ser considerada simplesmente sucinta, mas, antes, deve ser tida como desprovida de fundamentação, a ensejar o decreto de nulidade não apenas por ofensa ao disposto em lei, mas também ao art. 93, IX, da Constituição Federal.
4 Sobre a Tutela Antecipada Satisfativa Solicitada na Petição Inicial
A teor do art. 304 do projeto de NCPC, nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada satisfativa e à mera indicação do pedido de tutela final. Trata-se de fórmula concebida pelo legislador tomando como ponto de partida o reconhecimento de que a solução que se dê em sede de regulação provisória ou temporária de um conflito muitas vezes pode até mesmo tornar desnecessária a posterior oferta de uma solução definitiva em sede de sentença.
A dinâmica proposta pelo legislador com vistas a viabilizar ferramentas adequadas no que se refere ao ponto em questão é composta por pontos positivos e negativos. Na primeira categoria se insere o constante do § 1º do mesmo comando legal, que estabelece, em seu inciso I, que uma vez concedida a antecipação de tutela em favor do autor, este deverá aditar a petição inicial, com a complementação da sua argumentação, juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 dias, ou em outro prazo maior que o órgão jurisdicional fixar. Essa fórmula é sábia na medida em que combinada com o constante do § 2º do mesmo art. 304, no qual vem previsto que a não realização do aditamento em questão importa na extinção do processo sem resolução do mérito, o que nada mais é do que o reconhecimento de que o debate dos autos não deve prosseguir se não mais houver necessidade da intervenção do Poder Judiciário na esfera jurídica das partes.
De outro lado, dentre os pontos negativos da regulamentação proposta, o primeiro que chama a atenção é o mecanismo inserido no § 6º do mesmo comando legal. Segundo tal dispositivo, nos casos em que o julgador entenda que não há elementos para a concessão da tutela antecipada, o órgão jurisdicional determinará a emenda da petição inicial em até cinco dias. Não sendo procedida a emenda à inicial no prazo concedido, estabelece o mesmo comando legal que a petição inicial será indeferida, de modo que o processo seja extinto sem resolução de mérito. Trata-se, aqui, de uma fórmula que traz consigo um paradoxo insuperável: se a demanda foi proposta com o fito primordial de obtenção de tutela antecipada dotada de caráter satisfativo, e não vislumbrou o julgador razões para a sua concessão, não se vê por qual motivo o processo deva seguir, já que esvaziada a utilidade do debate nos termos em que proposto. Melhor andaria o legislador se impusesse expressamente ao julgador a adoção de uma sistemática análoga à mencionada no parágrafo anterior, determinando a extinção do processo sem resolução do mérito. De qualquer forma, esse é o desfecho que tende a ser adotado em casos assim, já que inexistente interesse de agir em favor da parte autora no que se refere ao prosseguimento do feito. Sendo virtualmente inútil qualquer providência com vistas à emenda à inicial nos casos em que a discussão a respeito da questão principal restar absolutamente esvaziada em função da negativa de concessão da tutela antecipada satisfativa, não restaria ao magistrado outra alternativa que não a prolação de sentença na forma do art. 495, VI, do projeto de NCPC, que reproduz, no ponto, fórmula análoga à do art. 267 da codificação de 1973.
O § 5º do art. 304 impõe ao autor a exigência de indicar na petição inicial que pretende se valer da sistemática prevista no caput que foi acima descrita. É de se pensar, contudo, que a fórmula em questão deixa de considerar o fato de que a caracterização da tutela antecipada como satisfativa ou cautelar não depende da vontade da parte, mas, antes, é um dado de natureza objetiva. Nesse sentido, melhor caminharia o legislador se estabelecesse que a sistemática diferenciada do caput do mesmo art. 304 deveria ser aplicada de maneira obrigatória a todo caso em que a petição inicial veiculasse pleito de natureza liminar de caráter satisfativo de modo a fazer com que o debate processual posterior restasse esvaziado.
Outro ponto curioso do projeto diz respeito à dinâmica relacionada à citação do réu no caso de concessão da tutela antecipada satisfativa, na forma do art. 301, § 1º, do projeto de NCPC. Três são as questões reguladas pelo legislador, quais sejam o termo inicial para o cumprimento da decisão liminar (imediatamente após realizada a citação, na forma do inciso II do comando legal mencionado), o termo inicial para a apresentação de resposta do réu (que é a data da intimação em relação ao aditamento proposto pelo autor, na forma do mesmo dispositivo legal) e o termo para a apresentação de agravo de instrumento em face da decisão interlocutória proferida. Sobre este último ponto, aplicar-se-á a sistemática geral recursal prevista no art. 1.016 da novel codificação, sendo que a ocorrência de preclusão temporal para o réu traz consigo, ainda, uma outra consequência relevante, qual seja a estabilização da tutela jurisdicional antecipada, na forma do art. 305 do mesmo diploma legal.
De acordo com Leonardo Carneiro da Cunha, a estabilização da tutela antecipada consiste numa “monitorização” do procedimento: obtida a providência perseguida e não havendo recurso, tudo está resolvido e satisfeito, extinguindo-se o processo [28]. Subjacente a tal sistemática, que parece ter pretensão de semelhança com a existente na experiência italiana [29], encontram-se duas ideias fundamentais. A primeira delas é a já antes mencionada inexistência de interesse de agir a justificar o prosseguimento do processo, de modo que, a teor do § 1º do art. 305 antes referido, uma vez não tendo sido interposto recurso pela parte ré, o processo deve, efetivamente, ser extinto sem resolução do mérito. A segunda, por sua vez, é a de que o modelo em questão se constitui em uma tentativa de mudança de 180 graus em relação ao paradigma constante do CPC/73. Essa segunda reflexão exige sejam feitos desenvolvimentos ulteriores para a sua compreensão. Sob o signo do paradigma anterior, a tutela antecipada era sempre vista como medida incidental, de modo que os seus efeitos eram sempre tendentes ao desaparecimento em função da temporariedade ou provisoriedade que se viesse a ela associar, a teor do constante do art. 273 da codificação de 1973. Nesse cenário, é inviável falar em estabilização dos efeitos antecipados da tutela jurisdicional, seja porque a decisão liminar tende a produzir efeitos apenas por certo período, seja porque os efeitos produzidos antecipadamente cessam diante do advento da sentença.
A tutela cautelar, por sua vez, vinha prevista no CPC/73 como medida que poderia ser veiculada não apenas de maneira incidental (art. 798), mas também sob a forma de providência antecedente em processo distinto daquele no qual vem debatida a questão principal (art. 796) [30]. Relativamente à tutela cautelar concedida de maneira incidental, tem-se que tudo o que antes foi dito em relação à antecipação de tutela liminarmente assegurada à parte é aplicável, dado que também ali é presente o caráter temporário ou provisório da medida mencionada. De outro lado, em se tratando da tutela cautelar concedida à parte de maneira antecedente, a previsão constante do art. 808 da codificação de 1973 servia como um fator a inibir as chances de estabilização dos efeitos por ela produzidos, que fatalmente parariam de ser produzidos com o advento de alguma das circunstâncias ali elencadas. A exceção existente à regra era, na esteira da melhor doutrina, justamente a possibilidade de sobrevivência dos efeitos de uma decisão liminar cautelar que não se colocasse dependente em relação a um chamado processo principal [31].
O que o legislador de 2014 pretende ao estabelecer a possibilidade de estabilização dos efeitos da antecipação de tutela de caráter satisfativo é fazer com que os efeitos de uma decisão liminar em relação à qual não se estabeleceu qualquer controvérsia recursal possam extrapolar os estreitos limites do debate processual no qual tal comando foi proferido. Não significa isso que a estabilidade dos efeitos da antecipação de tutela satisfativa signifique qualquer traço de definitividade ou irrevogabilidade, até mesmo por força do previsto no art. 305, §§ 2º e 3º, do projeto de NCPC. Significa, apenas, que a decisão proferida segue produzindo efeitos mesmo após encerrado o debate no bojo do qual a mesma foi produzida.
A novel codificação não inova ao dispor no sentido de que a estabilização dos efeitos da tutela antecipada satisfativa acarreta a manutenção das consequências inerentes à decisão liminar inicialmente proferida ser confirmada pela correspondente sentença de procedência (art. 1.025, § 1º, IV), já que essa fórmula já era trazida pelo legislador de 1973 na redação dada ao art. 520, VII, pela reforma legislativa de 2001 [32]. A verdadeira novidade consiste na manutenção dos efeitos da tutela antecipada satisfativa concedida mesmo no caso de a sentença posteriormente proferida simplesmente extinguir o processo sem resolução do mérito, como se extrai do art. 305, § 1º.
Partindo dessa premissa, tem-se que a causa para a estabilização da tutela antecipada não pode ser vista na eventual inexistência de interesse da parte no prosseguimento do debate processual após a concessão da medida incidental ou qualquer ganho estatístico que se tenha em termos de gestão judicial [33]. Em verdade, esses são efeitos decorrentes da estabilização da tutela antecipada satisfativa. A causa eficiente, por sua vez, é a existência de um indício que recomenda que a regra veiculada em sede de tutela antecipada seja mantida, qual seja a inexistência de controvérsia entre as partes. E justamente por se tratar de um mero indício que o legislador projeta a possibilidade de estancar a produção de efeitos antecipados a partir da prolação de decisão judicial que vier a ser proferida em outra demanda.
Por fim, é de se questionar o projeto de NCPC no ponto em que contemplou a instituição de uma passarelle a unir o debate no qual se dá a solicitação de tutela de urgência àquele no qual se discute a chamada questão principal [34]. A ideia da passarelle é excelente em se pensando no caráter instrumental inerente às medidas em questão, e se revela extremamente útil em se considerando os casos nos quais a tutela antecipada satisfativa ou cautelar, uma vez concedida, enseja a produção de efeitos que possam ser revertidos. O ponto que merece avanço nesse aspecto é a art. 304, § 6º, que não diferencia os casos em que antecipados efeitos da tutela jurisdicional de maneira satisfativa e irreversível, como, por exemplo, em uma decisão que determinasse a derrubada de um prédio histórico com vistas à adoção de medidas necessárias ao resguardo da integridade da vida ou da saúde de pessoas que vivem em seu entorno.
5 Conclusão
A tutela de urgência é ferramenta cuja importância prática é inegável, daí decorrendo a necessidade de atenção redobrada em se discutindo a sua novel regulamentação. Entre avanços e retrocessos, vê-se que o legislador adota uma nova sistematização, e inclui novas categorias, propondo-se a criar alternativas para os desafios que os tempos atuais impõem ao processo no que se refere à exigência de efetividade.
Não se pode dizer que o trabalho do legislador é livre de qualquer crítica. Ao contrário, observa-se que há muito trabalho a ser desenvolvido, cabendo à doutrina ofertar subsídios consistentes aos operadores que se deparam com o ponto de partida estabelecido pela lei. Da mesma forma, acredita-se, por certo, que a jurisprudência haverá de atenuar eventuais excessos presentes nos contornos da delimitação legal, temperando os exageros e descompassos pontualmente existentes. Aos estudiosos e aos aplicadores do ordenamento jurídico caberá, pois, a missão de construir um sistema que de forma alguma pode ser considerado pronto simplesmente graças ao fato de que nova legem habemus.
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[1] A referência à numeração dos dispositivos do referido projeto de lei toma em conta a redação final dada ao PL nº 6.025/05 (apenso ao Projeto de Lei nº 8.046/2010), aprovada pela Câmara dos Deputados em 26.03.2014.
[2] As definições de provisoriedade e temporariedade aqui empregadas seguem a trilha de CALAMANDREI, Piero. Introducción al estudio sistemático de las providencias cautelares. Buenos Aires: El Foro, 1996. p. 35 (“temporal es, simplemente, lo que no dura siempre; lo que independientemente de que sobrevenga otro evento, tiene por sí mismo duración limitada; provisorio es, en cambio, lo que está destinado a durar hasta tanto que sobrevenha un evento sucesivo, en vista y espera del cual el estado de provisoriedad subsiste durante el tempo intermédio”) e SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil. 3. ed. São Paulo: RT, 2000. v. III. p. 64-65.
[3] A expressão liminar vem empregada para indicar a “decisão proferida no início do processo”, de modo a revelar “o momento em que o provimento judicial é proferido, não seu conteúdo”, como ensina BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). São Paulo: Malheiros, 1998. p. 278.
[4] Sobre o ponto, ver, exemplificativamente, o que foi decidido no REsp 1.133.660/RS, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado pela Terceira Turma do STJ em 22.02.2011, e no REsp 267.540/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado pela Terceira Turma do STJ em 21.11.06.
[5] Não se pode deixar de registrar o equívoco do legislador ao insistir em definir a sentença como “o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 495 e 497, põe fim ao processo ou a alguma de suas fases” (203, § 1º, do NCPC). Se, por um lado, vê-se avanço em relação ao conceito contido no art. 162, § 1º, do CPC/73 (que simplesmente construía um conceito a partir da remissão a outros comandos legais – no caso, os arts. 267 e 269, respectivamente), o fato é que a definição do conceito de sentença como decisão que poderia encerrar uma “fase” do processo simplesmente desconsidera o fato de que há fases como a de liquidação da sentença que, seja à luz do sistema antes vigente (art. 475-H), seja pela nova política estabelecida pelo legislador de 2014 (art. 525, parágrafo único), somente pode ser objeto de recurso na via do agravo de instrumento. De se registrar, ainda, que a nova definição legal acima mencionada não importa em mudança do cenário anterior no que se refere à existência de três possíveis tipos de sentença (ora trazendo a extinção do processo sem resolução do mérito, ora importando na extinção do processo com resolução do mérito, e, ainda, eventualmente podendo acarretar a resolução do mérito sem extinção do processo). Sobre esse último aspecto, à luz do modelo de 1973, ver: REICHELT, Luis Alberto. Considerações sobre o novo conceito de sentença do Código de Processo Civil: da necessidade de uma abordagem sistemática do paradigma processual civil contemporâneo. Revista Jurídica, v. 369 (2008): 43-66.
[6] Sobre o significado da expressão “tutela de urgência” no PL nº 166/2010, que era o texto originalmente proposto para o NCPC, anota MACHADO, Marcelo Pacheco. Simplificação, autonomia e estabilização das tutelas de urgência: análise da proposta de NCPC. Revista de Processo, v. 202 (2011): 233-267, especialmente p. 236, que “as tutelas de urgência, nessa medida, por prescindirem de uma cognição exauriente, são classicamente estudadas e concebidas como tutelas instrumentais e ‘temporâneas’, destinadas a perdurarem somente enquanto o sistema ainda não é capaz de conceder uma resposta segura e definitiva para a situação conflituosa. Tratamos aqui de técnicas cuja razão de ser está na futura discussão definitiva do conflito, por meio de tutela baseada na cognição exauriente”.
[7] Diverge-se, aqui, com a devida vênia, da opinião de BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Op. cit., p. 279, para quem “a eficácia na relação material, possibilitando que efeitos pretendidos possam ser usufruídos antecipadamente, pode ou não ser concedida liminarmente, anotando, linhas adiante, que presentes os requisitos legais, o juiz concede ao autor, total ou parcialmente, a proteção pretendida no plano material”.
[8] Sobre a exegese do comando legal em comento, ver, por todos, BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 15. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2010. v. V. p. 184 e seguintes.
[9] Adota-se, aqui, a ideia de que a medida cautelar serve à segurança da execução ao passo que a antecipação de tutela está afeta à execução-para-segurança. Tais expressões são utilizadas por SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil. 3. ed. São Paulo: RT, 2000. v. III. p. 56.
[10] Cite-se o entendimento de BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Op. cit. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 316-317 ao referir que fumus boni iuris não está ligado ao conceito de prova inequívoca da verossimilhança, pois este traz em seu bojo um grau mais intenso de probabilidade da existência do direito, em relação àquele.
[11] Uma das críticas à redação mencionada pode ser encontrada em FIGUEIRA Jr., Joel Dias. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2001. v. IV. Tomo I. p. 180 para quem a utilização da expressão “prova inequívoca” foi pouco apropriada, pois esta traria ao julgador um juízo de certeza, contrapondo-se à verossimilhança.
[12] Exemplificativamente, cite-se MITIDIERO, Daniel. Antecipação de tutela: da tutela cautelar à técnica antecipatória. São Paulo: RT, 2013. p. 97, que admite ter empregado, indistintamente, ambos os termos, em estudo anterior. No mesmo sentido, WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 128, ao ressaltar inexistir uniformidade na doutrina quanto à terminologia adequada, bem como a extensão de seu significado.
[13] REICHELT, Luis Alberto. A prova no direito processual civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. especialmente p. 195.
[14] MALATESTA, Nicola Framarino dei. A lógica das provas em matéria criminal. Tradução de J. Alves de Sá. 2. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1927. p. 66-67, ao referir que uma probabilidade mínima pode ser chamada de verossímil, uma probabilidade média pode ser tida como provável e uma probabilidade máxima pode ser conceituada de probabilíssimo. O mesmo autor, logo após, refere a dificuldade em determinar os limites precisos dessas categorias. Para um estudo mais atual sobre a distinção entre verdade e probabilidade, ver: TARUFFO, Michele. Uma simples verdade. O juiz e a construção dos fatos. Tradução de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2012. p. 112-114.
[15] Essa é a posição referida por WATANABE, Kazuo. Op. cit., p. 128.
[16] LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 70.
[17] Para uma melhor compreensão dessas questões, inclusive com o intuito de propiciar variadas definições acerca da ideia de probabilidade, ver: REICHELT, Luis Alberto. A prova no direito processual civil. Op. cit., p. 187-232.
[18] CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. III. p. 32-33, para quem “a tutela antecipada jamais poderá ser concedida de oficio”, inadmitindo qualquer exceção à tal alegação, em função da posição “super partes” do magistrado. No mesmo sentido, SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 27. ed.. São Paulo: Saraiva, 2011. v. II. p. 167. Igualmente, cite-se ZAVASCKI, Teori. Antecipação da tutela. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 103 e CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 61. Em sentido contrário, FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 63 ao conceber “esse pedido como embutido na postulação de uma decisão justa e adequada para a causa”. Igualmente, admitindo a concessão de ofício da tutela antecipada, mas em caráter excepcional, especialmente em “casos graves e de evidente disparidade de armas entre as partes” MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. 2. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 269. Em sede jurisprudencial, ver, pela possibilidade de concessão da antecipação de tutela de ofício, exemplificativamente: REsp 1.178.500/SP, Relª Minª Nancy Andrighi, julgado pela Terceira Turma do STJ em 04.12.2012 e AC 2002.02.01.019114-1, Rel. p/ o Acórdão Des. André Kozlowski, julgado pela Primeira Turma do Tribunal Regional Federal em 23.03.04.
[19] Nesse sentido, LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. VIII. Tomo I. p. 81, quando esclarece que “enquanto o art. 804 cogita da tutela liminar, a pedido do autor, sem audiência do réu, o art. 797 cuida do poder legal do juiz de decretar medidas cautelares ‘sem a audiência das partes’, no plural, isto é, sem audiência do autor e do réu. Em outras palavras, consagra-se a cautela de ofício”. Na mesma esteira de entendimento, pela possibilidade de concessão de tutela cautelar de ofício, THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito processual civil. 38. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. v. II. p. 419.
[20] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Op. cit. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 321.
[21] ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Perfil dogmático da tutela de urgência. Revista Forense, v. 342 (1998): 13-28, especialmente p. 28.
[22] Expressão referida por SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. v. I. p. 132.
[23] A elucidar a aplicação do princípio da proporcionalidade, diante de situação, em tese, irreversível, ver, exemplificativamente, o decidido no Agravo de Instrumento 70006686752, Relª Desª Marilene Bonzanini Bernardi, julgado pela Nona Câmara Cível do TJRS em 05.08.03.
[24] Sobre o conteúdo dos direitos mencionados, vide: REICHELT, Luis Alberto. O conteúdo da garantia do contraditório no direito processual civil. Revista de Processo, v. 162 (2008): 330-351.
[25] THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito processual civil. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. I. p. 31.
[26] Nesse sentido, KUHN, João Lacê. Breves considerações sobre a teoria geral da tutela de urgência. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 39, n. 2, p. 238.
[27] A esse respeito, vale colacionar a lição de BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao Estado de Direito. Revista Brasileira de Direito Processual, v. 16 (1978): 111-127, especialmente p. 116, ao referir ser impossível analisar a legalidade da decisão sem conhecer as razões que a inspiraram: “Vale acentuar que a necessidade da motivação se torna mais premente na medida em que se reconhece o papel desempenhado, no processo decisório, pelas opções valorativas do julgador, por exemplo ao concretizar conceitos jurídicos indeterminados (…)”. Mais adiante, refere “(…) a motivação é tanto mais necessária quanto mais forte o teor de discricionariedade da decisão, já que apenas à vista dela se pode saber se o juiz usou bem ou mal a sua liberdade de escolha, e sobretudo se não terá ultrapassado os limites da discrição para cair no arbítrio”.
[28] CUNHA, Leonardo Carneiro da. Tutela jurisdicional de urgência no Brasil: relatório nacional (Brasil). Revista de Processo, v. 219 (2013): 307-343, especialmente p. 343. A noção de monitorização também vem empregada por TALAMINI, Eduardo. Tutela de urgência no novo Código de Processo Civil: a estabilização da medida urgente e a “monitorização” do processo civil brasileiro. Revista de Processo, v. 209 (2012): 13-34, especialmente p. 24-25.
[29] Sobre a experiência italiana, ver: PICARDI, Nicola. Manuale del Processo Civile. 2. ed. Milão: Giuffè, 2010. p. 627-628, enfatizando a instrumentalidade funcional inerente ao art. 669-octies da codificação italiana (com a redação dada pela reforma de 2005) e THEODORO Jr., Humberto. A autonomização e a estabilização da tutela de urgência no projeto de CPC. Revista de Processo, v. 206 (2012): p. 13-59, especialmente p. 18-28, e MACHADO, Marcelo Pacheco. Op. cit., p. 252-253.
[30] Conforme lembra LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil.. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. VIII. Tomo I. p. 44, refletindo sobre o contexto da codificação de 1973, “o conceito de ‘processo principal’ empregado pelo art. 796 é o mais amplo possível. Abrange todo e qualquer processo relacionado com a segurança e em função do qual é pedida. Esse processo pode ser futuro ou atual, conforme se tratar de cautela antecedente ou incidente”.
[31] Como ensina SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil. Op. cit. v. III. p. 179, em análise ao sistema de 1973, “nosso legislador e a doutrina que o ampara ignoram a existência de medidas cautelares autônomas, que prescindem da existência de um processo principal (…). Não havendo, em tais casos, um processo principal a servir de referência, torna-se mais evidente a dependência da duração da medida cautelar da existência do ‘estado perigoso’, que é o pressuposto que haverá de balizar a permanência ou a revogação de toda e qualquer providência verdadeiramente cautelar”. Cita o autor referido como exemplo de tal medida a ação de produção antecipada de provas, referindo ser a mesma uma medida “antecedente, sem ser preparatória” (Op. cit., p. 123-124).
[32] A respeito da exegese do comando legal em questão, WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil. 3. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 277 anotam que, antes do advento do art. 520, VII, do Código de Processo Civil de 1973, “rigorosamente, o problema só existia em decorrência da falta de cuidado do legislador, que permitiu subsistisse no sistema recursal esse paradoxo. Decisões proferidas com base em verossimilhança, de regra, seriam imediatamente exequíveis. Sentenças, de regra, estão sujeitas a recurso com efeito suspensivo. E a medida antecipatória, concedida ou confirmada por sentença, uma vez interposta a apelação, estava destinada a não gerar efeitos. Era, pois, necessária a criatividade da doutrina para nos tirar do impasse. E a boa vontade dos nossos Tribunais para entender o sentido inequívoco da lei, que, desta vez, positivamente não se extraía de sua literalidade” (o grifo é do original).
[33]Discorda-se, aqui, de BAUERMANN, Desirê. As tutelas de urgência no projeto de novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 224 (2013): 425-445, especialmente p. 441, para quem “as razões pelas quais se justifica a adoção da estabilização da tutela antecipada são o afastamento do ônus que possui o requerente, mesmo sem interesse, de propor processo principal para que a medida não perca sua eficácia, e a potencial diminuição no número de processos submetidos à apreciação judicial. Busca-se a definição da questão posta sub judice sem que haja embate entre as partes, abreviando-se a sua discussão em juízo”.
[34] O legislador acabou por atender a uma reivindicação de THEODORO Jr., Humberto. Op. cit., p. 54-55, para quem o projeto de lei em questão deveria avançar em direção à “criação de ponte ou passagem (passerelle) entre o procedimento de cognição sumária e o procedimento de cognição plena,116 de modo que se o juiz entender que não cabe o procedimento preparatório pode determinar a passagem imediata para o procedimento de cognição plena”, na trilha do rèfèrè francês. Sobre a realidade francesa em relação à passarelle em questão, ver: CADIET, Loïc; JEULAND, Emmanuel. Droit judiciaire privé. 7. ed. Paris: LexisNexis, 2011. especialmente p. 487-488.