SOBRE O CONCEITO DE CONEXÃO NO NCPC
Fredie Didier Jr.
O projeto de NCPC redefine o conceito de conexão para fim de modificação da competência relativa.
Eis a redação do art. 40 do NCPC:
“Art. 40. Consideram-se conexas duas ou mais ações, quando, decididas separadamente, gerarem risco de decisões contraditórias.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput à execução de título extrajudicial e à ação de conhecimento relativas ao mesmo débito.”
Para que fiquem mais claras as minhas observações à proposta, é preciso confrontar o novo texto com a redação do art. 103 do CPC:
“Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir.”
Parece-me que a proposta traz uma boa contribuição: esclarece a possibilidade de haver conexão entre uma ação de conhecimento e outra de execução, quando houver identidade de relação jurídica material litigiosa entre elas. Consagra-se posicionamento doutrinário e jurisprudencial já bem consolidado.
De resto, a proposta não me agradou.
Repete-se o mesmo equívoco do CPC/73: opta-se por conceituar legislativamente a conexão. Há unanimidade na doutrina no sentido de que o conceito de conexão previsto no art. 103 do CPC é insuficiente e deve ser considerado apenas como um exemplo de conexão. A jurisprudência firmou-se neste sentido. Não é propriamente uma tarefa legislativa a definição de institutos jurídicos.
Muito mais adequada, desta forma, a proposta contida no Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América, que deveria ser seguida:
“Art. 29. Conexão – Se houver conexão entre as causas coletivas, ficará prevento o juízo que conheceu da primeira ação, podendo ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar a reunião de todos os processos, mesmo que nestes não atuem integralmente os mesmos sujeitos processuais.”
A proposta do Código Modelo é boa, principalmente porque dá ao tratamento do tema mais flexibilidade. Deixar a conexão como conceito vago é uma boa alternativa, pois transfere ao órgão jurisdicional a tarefa de constatar quando, à luz das peculiaridades do caso concreto (cuja complexidade quase nunca pode ser alcançada pelo legislador, que raciocina sempre abstratamente), as causas devem ser reunidas.
A proposta do Código Modelo está, ainda, em sintonia com a metodologia adotada no projeto de NCPC, que confere ao órgão jurisdicional o poder geral de adequação da norma processual às peculiaridades do caso concreto (art. 107, V, NCPC). Deveria ser adotada, portanto.
Não bastasse o equívoco de estabelecer um conceito legal de conexão, enrijecendo o sistema que se propõe flexível, erra-se também na escolha do conceito a ser
A conexão é definida como uma relação de semelhança entre causas pendentes, cujo processamento separado gera o risco de decisões contraditórias. Essa é a definição que extraí do texto proposto que, porém, não prima pelo estilo e pela precisão na linguagem.
Note a má-redação do texto proposto: “Consideram-se conexas duas ou mais ações, quando, decididas separadamente, gerarem risco de decisões contraditórias“. Na verdade, o que gera o risco de decisões contraditórias não é a existência de decisões proferidas “separadamente“; arriscado é o processamento separado de duas demandas que podem gerar decisões contraditórias. O risco é efeito do processamento separado, e não das “decisões separadas”.
Passe, porém, o problema redacional. Analisemos a opção do projeto.
A prevalecer esse texto, reconhece-se a existência de conexão entre investigação de paternidade e alimentos, consignação em pagamento e despejo por falta de pagamento, cobrança do contrato e nulidade do mesmo contrato etc.
No entanto, há outras situações em que a reunião dos processos por conexão é recomendável, mas que não se subsumiriam à hipótese normativa.
Pense-se no caso de uma ação de despejo por denúncia vazia e uma ação de consignação em pagamento dos aluguéis. O processamento separado destas demandas não gera risco de decisões contraditórias. Mas é absolutamente recomendável que o mesmo juízo cuide de ambas as causas, que versam sobre a mesma relação jurídica material (relação locatícia), tornada litigiosa por razões diversas.
O mesmo se diga da pendência de uma demanda reipersecutória e outra, proposta pelo réu da primeira, em que pleiteia a indenização pelas benfeitorias feitas na coisa. Não há risco de contradição entre as possíveis decisões, mas as causas deveriam tramitar perante o mesmo juízo, tendo em vista a proximidade das relações jurídicas materiais deduzidas.
Pense-se, finalmente, na pendência de demandas repetitivas. Várias pessoas pleiteando a obtenção de um benefício salarial, a suspensão de uma exigência de um edital, o não pagamento de um tributo etc. Não há risco de decisões contraditórias. A concessão do pedido para um e a rejeição para outro não são posicionamentos contraditórios; revelam uma desarmonia na jurisprudência, mas não há contradição.
A administração judiciária das causas repetitivas é o grande desafio da ciência processual brasileira atualmente. O NCPC não ignorou esse fato, criando um verdadeiro microssistema de processamento e julgamento de causas repetitivas, sobretudo para efetivar os princípios da igualdade, segurança jurídica e duração razoável dos processos. Veja, por exemplo, a consagração do incidente de resolução de causas repetitivas e do julgamento dos recursos especiais e extraordinários repetitivos.
Será, então, que não deveríamos defender a existência de uma conexão por afinidade entre essas causas? Parece-me que sim. A vingar a proposta, não se poderia falar em conexão.
Certamente, a jurisprudência cuidaria de, novamente, compreender o conceito legal de conexão como um mero exemplo. Há, então, conveniência na adoção de uma acepção tão estrita de conexão?
Como se viu, opta-se por um conceito de conexão que leva em consideração o efeito (risco) do processamento separado de duas ou mais demandas. Toma-se um dos objetivos da conexão, evitar decisões contraditórias, como elemento para conceituá-la, opção que nos pareceu equivocada, como afirmado. Mas o que estranha ainda mais é a redação do parágrafo único do art. 40 do CPC, que parece definir conexão de outra maneira. Reconhece-se a conexão entre ação de conhecimento e ação executiva, quando disserem respeito ao mesmo “débito”. Adota-se a teoria materialista sobre a conexão: há conexão pela identidade ou pela ligação da relação jurídica controvertida. Aqui, conceitua-se a conexão pelo que ela é, e não pelo que ela pretende evitar. Boa opção técnica, mas diferente daquela feita no caput do mesmo artigo. Fica o registro da minha perplexidade.
Em outro editorial, examinarei o conceito de continência adotado pelo NCPC, que também me pareceu equivocado. Penso, na verdade, que se deveria eliminar a continência. O NCPC resolveu redefinir a continência, passando a considerá-la sinônimo de litispendência parcial, fenômeno diverso. Voltarei ao tema em outro momento.
Proponho, então, que os arts. 39 e 40 do NCPC sejam fundidos, com a seguinte redação:
“Art. XX. A competência relativa poderá modificar-se pela conexão, observado o disposto nesta Seção.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Seção à conexão entre ação de conhecimento e ação de execução.”