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SISTEMA DE CARGA PROBATÓRIA NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO: OBSERVAÇÕES NECESSÁRIAS

SISTEMA DE CARGA PROBATÓRIA NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO: OBSERVAÇÕES NECESSÁRIAS

José Henrique Mouta Araújo

Vinicius Silva Lemos

 

INTRODUÇÃO

O presente texto pretende enfrentar os vários cenários ligados à produção probatória e sua importância para o processo civil, especialmente quanto à busca de solução meritória atrelada ao conceito de verdade e de justiça.

Ora, se a verdade não é exatamente a busca do processo e a prova é relacionada com as alegações das partes sobre os fatos, estas terão cargas probatórias, ou seja, ônus sobre o que devem provar.

No entanto, qual seria a concepção desse ônus? A acepção do termo ônus deve ser compreendido como a atribuição a determinado indivíduo em certa conduta e, em caso de omissão, sofre as consequências da sua própria desídia.

Com o não cumprimento de seu ônus, há, pura e simplesmente, os impactos consequenciais dessa conduta, aqueles que estão previamente previstos.

Ônus não pode ser confundido com obrigação[1], uma vez que na obrigação há um vínculo em busca de adimplemento, com algum benefício para outrem e, ainda, com a possibilidade de coerção para que cumpra ao que se obrigou. Logo, no tocante a sua própria narrativa fática, a parte não está obrigada a provar o que narra, tanto por não ter obrigação com a outra parte quanto esta não poder cobrar pelo inadimplemento da conduta da parte que alegou.

Também não se pode concluir que a parte que alega determinada narrativa fática detenha o dever de provar o que alegou[2]. O dever tem uma visão de perpetuidade em sua concepção, sem um esgotamento diante de seu cumprimento, como no ônus, o que se desincumbe quando realiza o que se tem de ônus. Não há, portanto, qualquer dever das partes que alegam em provar, somente um ônus.

Deve-se concluir que a relação da parte com a prova não será de obrigação, tampouco de dever, mas somente de ônus. A parte inter-relaciona-se com os fatos que alega de maneira a ter o ônus de provar que a sua versão narrativa é a correta, é a mais provável e verossimilhante, com a consequência possível de que, se assim não fizer, assume o risco de essa alegação não ser provado e, assim, diante de uma não comprovação da sua narrativa fática, o que pleiteia não será julgado procedente.

Logo, as alegações devem ser provadas para serem consideradas no processo, sem a busca pela verdade, mas com a necessidade de apresentação de verossimilhança pela parte que alegou, com o ônus da prova.

Por ser um ônus de provar, quem não o faz, deve ter a ciência da consequência de não desincumbir-se desse ônus: a sua narrativa não ser considerada para a cognição fática e, posteriormente, jurídica.

Este é o cenário ligado à carga e ao ônus da prova que se pretende aprofundar.

 

1 ANÁLISES GERAIS SOBRE ÔNUS DA PROVA

Os fatos alegados no processo necessitam da devida comprovação, dada a controvérsia pela contra argumentação. A indagação se torna pertinente: Quem tem o ônus de provar cada fato alegado? O art. 373 do CPC é o dispositivo que determina a base da distribuição legal e comum do ônus da prova.

De modo básico, o ônus da prova é de quem alegar aquele fato.

Como o autor que traz o fato base da ação, dada à narrativa da causa de pedir e a consequência jurídica almejada, será dele o ônus da prova sobre esse fato.

O fato constitutivo é aquele que demonstra o direito do autor, aquele fato que é a base para o direito que o autor afirmar deter em juízo. É o que concede suporte fático que enseja uma consequência jurídica que o autor afirma ter direito e ser titular. Como o fato foi narrado pelo autor, ele que terá a incumbência legal de provar que esse fato ocorreu.

O réu, a princípio, não detém o ônus de provar a sua versão sobre o fato do autor[3], somente deve impugnar que este não condiz com a realidade, sem qualquer ônus de provar a sua versão.

No entanto, caso o réu traga ao processo, em sua defesa, a narrativa de existência de um fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, deve provar a sua alegação sobre esse fato que não fora trazido pelo autor.

Ou seja, o réu somente tem o ônus da prova quando alega a existência de um fato, igualmente ao autor quando alega o seu fato constitutivo do seu direito e, consequentemente, sobre esse fato, o autor, quando instado a manifestar-se, somente deve contrapor-se a existência desse fato impeditivo, modificativo ou extintivo de seu direito, sem qualquer ônus da prova.

O réu detém o ônus de provar somente se trouxer esses fatos que não estão no processo e que, por isso, serão tidos como novos.

O fato impeditivo do direito do autor é aquele que tem o condão de obstar a produção dos efeitos do fato narrado pelo autor e a sua consequência jurídica.

Ele se relaciona com o fato gerador do direito do autor; contudo, esclarece que há impedimentos para que o fato trazido como suporte fático do autor produza efeitos no processo.

O fato impeditivo demonstra um vício na validade do fato narrado pelo autor e, assim, a sua impossibilidade de gerar efeitos.

O fato modificativo do direito do autor deve ser alegado quando houver a certeza de que aquele direito existiu; contudo, este foi alterado por um novo fato e essa alteração ocorre de maneira que seja impossível que o direito afirmado continue do modo que consta naquele pleito pela jurisdição. Um exemplo de um fato modificativo do direito do autor é a renegociação contratual, com a inserção de novas cláusulas, a revisão de algumas com outros textos, ou seja, um fato posterior modifica o direito do autor.

O fato extintivo do direito do autor é aquele que faz com que o afirmado pelo autor em seu pedido não tenha mais como subsistir. É um fato que extingue o direito anterior, tornando impossível de ser considerado para aquela pretensão.

Um exemplo de um fato extintivo do direito do autor é o pagamento. Se há uma ação de cobrança de uma dívida, por exemplo, a comprovação de outro fato, como o pagamento, extingue o direito constante no fato anterior.

A regra, então, é sobre a alegação da existência do fato. Quem alega a existência de um fato deterá o ônus de provar a sua alegação.

Por ser a regra legal da distribuição do ônus da prova, essa é tida como a distribuição estática do ônus da prova.

Outrossim, esse ônus pode ser analisado, dentro da processualidade, em dois aspectos: subjetivo e objetivo.

No aspecto subjetivo, a carga sobre as provas deve ser distribuída entre as partes, uma vez que cada qual tem uma narrativa e, ainda, cada um tem a sua responsabilidade perante o processo.

O autor detém, por logicidade processual, uma carga maior inicial[4], justamente pelo fato de propor a ação e que esta seja julgada procedente contra o réu.

Por consequência, o réu não precisa provar a sua versão, somente contrapor-se à do autor.

Mas, evidentemente, que, se a narrativa do réu trouxer fatos que não foram narrados pelo autor, cabe ao réu provar que estes ocorreram e como ocorreram, diante da probabilidade e verossimilhança de suas alegações.

Dessa maneira, o ônus da prova é uma regra de conduta das partes.

Para litigar, o autor deve ter a ciência de suas condutas probatórias, suas dificuldades, seus limites e suas consequências e, de igual maneira, o réu também tem a mesma ciência. Essa cientificação legal das partes sobre o ônus probatório impõe que cada um haja de determinado modo quanto a provar as suas alegações sobre os fatos, com consequências preestabelecidas.

O ônus da prova, então, tem esse aspecto que impacta as partes de um processo e, consequentemente, o torna um aspecto subjetivo.

As partes devem entender que as suas atividades processuais sobre a prova detêm serventia para a comprovação de suas alegações, com reflexos processuais.

Se ela não realiza tal conduta processual probatória, o ônus estará para adverti-la das consequências processuais. As partes, portanto, devem agir de maneira a considerar, processualmente, o ônus da prova.

No aspecto objetivo, a carga sobre as provas apresenta um linear de julgamento pelo juízo. Não há a possibilidade de ausência de julgamento, pela opção pela falta de jurisdição. Logo, a busca pelos fatos e a sua narrativa não podem almejar necessária e primordialmente a verdade absoluta, como vimos, mas em fornecer subsídios para a prestação jurisdicional.

Se o juízo não pode deixar de dar uma decisão posta à apreciação, se as partes não provarem as suas alegações, o ônus da prova servirá de regra de julgamento para a construção da decisão judicial. Desse modo, o juízo deve prestar a jurisdição, deve responder o objeto do processo e, diante disso, o ônus probatório servirá, diante das posições das partes sobre as suas alegações e sobre os seus atos probatórias.

Se o autor têm o ônus de provar determinado fato que ele mesmo alega e, assim, não age no processo, consequentemente, deve arcar com o ônus de não eficiência no ato de provar sua alegação. O mesmo vale para o réu sobre a alegação de fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor, se o réu alega e não consegue provar, arca com esse ônus.

O juízo será influenciado no ato de decidir não somente na formação de sua convicção sobre os fatos de maneira positiva, com a prova de cada qual com as suas alegações, mas também pelo sistema de ônus probatório de cada parte.

 

2 AS IMPLICAÇÕES DO ASPECTO OBJETIVO DO ÔNUS DA PROVA

O aspecto objetivo do ônus da prova considera que a jurisdição é inevitável e, consequentemente, a sentença será dada. As alegações realizadas pelas partes devem ser provadas diante do ônus imposto pela norma processual, com duas implicações sobre a sua incidência ou não: (i) o ônus ser visto como regra de julgamento; (ii) a aplicação somente subsidiária das regras de ônus da prova.

O intuito da fase probatória é delinear o modo com que os fatos ocorreram no mundo fenomênico, diante das alegações postas na fase postulatória. Com a controvérsia sobre questão de fato relevante e esta se tornando thema probandum, a fase probatória se torna essencial para o devido entendimento da conjuntura fática que dará suporte à cognição jurídica.

Diante disso, os fatos devem ser delineados, positiva ou negativamente, pelo juízo para que se possa julgar a questão jurídica.

A distribuição do ônus da prova é importante para delinear o modus operandi judicante, caso alguma questão de fato não seja efetivamente provada, com a incumbência de determinar regra de julgamento diante de uma situação processual como esta, com uma questão de fato não comprovada.

Se acaso encerrou a fase probatória, cabe ao juízo, diante da necessária cognição sobre os fatos, realizar um exame de suficiência das provas sobre as alegações de fato. Se o que se produziu de provas no processo são capazes de determinar se as narrativas fáticas realizadas foram de uma maneira ou de outra.

Essa é a função judicante sobre os fatos. Definir os fatos diante das provas produzidas e das alegações feitas pelas partes.

No entanto, há a possibilidade de ocorrência de uma insuficiência de provas produzidas pelas partes, apesar de oportunizadas em juízo. Sem provas sobre os fatos, há possibilidade de definição dos fatos? Essa é a utilização do ônus da prova como regra de julgamento.

Se não há prova suficiente para criar um suporte fático diante das narrativas feitas pelas partes, sem conseguir uma adesão cognitiva entre as alegações e as provas, uma das partes deve arcar com o ônus dessa ineficiência na produção de provas.

Sem a possibilidade de uma ausência de jurisdição, o ônus da prova servirá para determinar, diante da insuficiência probatória, qual das partes arcará com esta ausência de comprovação de uma alegação de fato. Se há um ônus de provar e não foi realizado, entender-se-á que o fato não ocorreu daquela maneira, culminando em um julgamento que considere não ocorrido o fato ou não ocorrido daquele modo.

Consequentemente, os fatos não serão considerados como narrados por quem, processualmente, detinha o ônus de provar e não realizou tal prova de maneira suficiente. Haverá, portanto, uma definição sobre os fatos, não relacionando- a com as provas propriamente ditas, mas com a ausência destas e, posteriormente, com a subsunção diante dessa ausência, impactando no julgamento da questão jurídica.

A ideia da fase probatória é chegar até a devida comprovação do thema probadum. Ainda que não seja a verdade absoluta, mas que seja a interligação entre a alegação de fato realizada e a prova realizada pela parte que a alegou.

Sem essa possibilidade ocorrida no processo, por falta de um agir da parte que detém aquele ônus, esta arcará com a ausência comprobatória, o que torna necessária a utilização do ônus como regra de julgamento, como delineado.

No entanto, é pertinente entender que a aplicação do ônus da prova não é o intuito do processo civil, mas um meio legal de determinar quem prova qual alegação de fato, retirando do próprio exercício da jurisdição a necessidade da busca pela verdade absoluta e possibilitando o exercício da jurisdição.

O cerne da fase probatória é conseguir-se entender que o fato alegado foi provado e, diante da relação entre o fato e a prova, alcançar-se uma cognição sobre o fato que resulte em sua definição para aquele processo. A partir daí, com a definição fática realizada, passa-se para a subsunção. Se o fato está provado, não há necessidade de utilizar o ônus da prova dentro do julgamento. Este, portanto, somente terá aplicação de modo subsidiário, de maneira a influir no julgamento quando a fase probatória for deficitária pelas partes[5].

Dessa maneira, se, após toda a fase probatória, toda a possibilidade de comprovação pelas partes e a persistência de dúvida sobre determinada alegação de fato, o juízo deve utilizar a regra do ônus probatório, como modo subsidiário de análise para a definição se os fatos serão considerados como as narrativas das partes.

Ou seja, o juízo não utilizará prioritariamente as imputações da carga probatória, analisando, primeiramente, se o thema probadum foi provado, em uma interligação do que se produziu e a alegação do fato. Se há conjunto probatório suficiente, ele que definirá a cognição fática pelo juízo. Na ausência de provas sobre determinada alegação de fato, o juízo utilizará a regra do ônus da prova. É um meio de solucionar os fatos e as suas alegações quando não há prova do que se alegou[6]. Mesmo a ausência de prova pode influenciar um julgamento.

 

3 A DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA E AS SUAS ESPÉCIES

Se as partes devem provar as suas alegações sobre os fatos, o ônus dessa prova é consequência necessária, como vimos.

No entanto, uma indagação é pertinente: Como funciona a distribuição desse ônus? O juízo deve posicionar-se sobre os fatos controvertidos pelas postulações das partes, como visto no capítulo de saneamento e organização do processo, e, a partir daí, determinar a relação entre cada fato e o devido ônus, distribuindo entre as partes o ônus de provar determinada alegação de fato.

Diante da análise pelo juízo sobre os fatos alegados pelas partes, o art. 373 do CPC é a base para a distribuição do ônus da prova, com a decisão relacional entre qual o fato e o ônus da prova de qual das partes.

Seguindo a lógica do art. 373 do CPC, quem alega o fato deve provar.

Se o autor provoca a jurisdição para o seu devido exercício, deve provar os fatos que alega sobre a constituição do seu direito.

Cabe o juízo determinar que um fato constitutivo do direito do autor restou controvertido pela postulação defensiva do réu, o que importa na necessidade de provas sobre a alegação do autor sobre aquele fato, imputando a este o ônus de provar.

O autor tem o intuito de provar em juízo que detém um direito a ser reconhecido e julgado procedente, logo, tem o ônus de provar os fatos que constituem esse direito.

No entanto, o réu pode se defender trazendo objeções fáticas, com a inserção de outros fatos além daqueles narrados pelo autor.

Diferentemente do que somente não concordar com os fatos narrados pelo autor, o réu pode ir além e narrar fatos novos, aqueles que possam impedir modificar ou extinguir o direito do autor. Se assim postular, com o incremento de novas narrativas fáticas, o réu deve provar a sua alegação sobre esse fato que não fora trazido pelo autor.

Não há um ônus inicial probatório do réu se ele somente se contrapuser ao que foi narrado pelo autor, somente terá o ônus da prova quando alega a existência de um fato novo, sendo este impactando e com objeção ao direito do autor.

Dessa maneira, o réu detém o ônus de provar somente se trouxer esses fatos que não estão no processo e que, por isso, serão tidos como novos.

Como as partes devem ter a ciência sobre os ônus da produção das provas e a sua relação com os fatos que alegam. Se o autor traz um direito que entende ser constituído, deve ter sapiência de que terá o ônus da prova sobre isso e, de maneira inversa, o réu, ao alegar os fatos que objetam esse direito, deve provar as suas alegações.

O juízo, diante da controvérsia sobre esses fatos, deve atribuir essa distribuição estática do ônus da prova.

Outrossim, se a distribuição do ônus da prova segue a regra base do art. 373 do CPC, também existirão outras possibilidades de distribuição do ônus da prova, de modo diverso da distribuição estática e legal, com outras diretrizes que concederão dinamismo[7] a essa distribuição.

Logo, se há a possibilidade de uma nova distribuição do ônus da prova, em tais possibilidades: (i) a inversão do ônus da prova por previsão legal: ope legis; (ii) a inversão convencional do ônus da prova; (iii) a distribuição dinâmica do ônus da prova pelo juízo.

Diante disso, além do modo estático, o ônus da prova pode ser revisto diante dessas hipóteses, as quais vão analisar detalhadamente.

 

4 A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E SUAS VARIÁVEIS

O art. 373 do CPC é a base para a distribuição estática do ônus da prova; contudo, a própria legislação pode determinar situações específicas que necessitem de outra distribuição.

A própria norma pode prever hipóteses excepcionais, em que distribui de modo diverso o ônus de provar, seja imputando aquele que seria ao autor para o réu, seja vice-versa.

A lei determina a base da regra no dispositivo supracitado. É uma maneira diversa de estipular o ônus da prova, considerando que há uma regra geral e invertendo, em situações preestabelecidas, o ônus da prova, adequando determinada situação a um ônus probatório mais condizente.

Entende-se como uma inversão legal do ônus da prova por ser diferente da regra do art. 373 do CPC; contudo, é outra maneira, nesse caso excepcional, de distribuição do ônus da prova determinado pela lei. Mas é outra maneira legal de distribuição, não necessariamente uma inversão[8], apesar de entender-se o entendimento de que seria uma inversão à regra legal geral.

Da mesma maneira que a regra do art. 373 do CPC, as demais regras legais sobre o ônus da prova que versarem de modo diverso devem servir como regra de julgamento e de maneira subsidiária, porém devem ser considerados outros moldes para o ônus.

São vários os exemplos de distribuição legal de maneira diversa ao art. 373 do CPC, como no art. 6º, VII, do Código de Defesa do Consumidor[9], quando estipula o direito do consumidor à inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.

Nesta e em demais hipóteses de inversão legal do ônus da prova, o juízo deve somente entender que aquela situação processual enquadrou-se nos ditames daquela excepcionalidade e, com isso, a regra de julgamento se altera para esse dispositivo específico – qualquer que seja retirando da regra do art. 373 do CPC.

Outra possibilidade de inversão do ônus da prova é a convenção[10] entre as partes de conceder um novo ditame probatório sobre determinadas alegações de fato, com diretrizes diferentes do que o art. 373 do CPC dispõe.

Além do art. 190 do CPC sobre os negócios jurídico-processuais atípicos, o art. 373, § 3º, do CPC tipifica essa possibilidade negocial sobre o ônus da prova pelas partes, com total liberdade das partes realizarem tal negociação[11] e apresentarem ao juízo, o qual deve considerar tanto como regra de julgamento quanto em sua aplicação subsidiária.

Não há nenhuma limitação a qual o fato pode ser invertido em seu ônus, podendo tanto ser para o réu quanto para o autor, ou, ainda, sem nem se saber quem será autor ou réu, pelo fato de ser, nos ditames do art. 373, § 4º, do CPC, até antes do processo, sem nem se ter ciência sobre se haverá problema naquele objeto contratual/convencionado.

Obviamente que as partes devem trazer a convenção ao conhecimento do juízo para que produza efeitos dentro do processo, além da possibilidade de a convenção ser realizada dentro do próprio processo. Uma vez trazida aos autos ou realizada nos próprios autos, consequentemente, o juízo se vinculará a essa negociação processual para as diretrizes ali convencionadas como o ônus de prova diferenciando da regra do art. 373 do CPC.

Firmada a convenção, com a sua própria validade cumprida, os efeitos são imediatos, vinculando as partes e o juízo; contudo, há a necessidade de conhecimento da matéria convencionado pelo juízo, justamente para aplicar a sua eficácia imediatamente, conforme as diretrizes do art. 200 do CPC.

O juízo somente realiza um controle de validade[12], sem analisar o conteúdo do próprio negócio apresentado. Uma vez apresentado o negócio que altera a carga probatória das partes, pela própria vontade dessas, não será possível o juízo decidir sobre tal ônus, somente pela invalidade do negócio jurídico, se for o caso. E, ainda, dessa decisão não cabe agravo de instrumento.

Por outro lado, se o controle de validade realizado pelo juízo nada constatar de vício, o juízo não tem necessidade de decidir pela homologação, mas somente pela constatação de que a redistribuição está válida, sem a possibilidade de agravo de instrumento por nenhuma das partes, pelo fato de que ambas negociaram essa redistribuição, não contendo interesse recursal para nenhuma das partes, tampouco conteúdo agravável em eventual decisão que declarou válido o negócio jurídico realizado.

No entanto, há uma vedação sobre essa distribuição[13], conforme os incisos do art. 373, § 3º, do CPC: I – recair sobre direito indisponível da parte; II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

O intuito das vedações está em não possibilitar que o negócio jurídico-processual sobre o ônus da prova torne um direito ser impossibilitado por essa cláusula contratual ou convenção. Ou seja, não se pode deliberadamente utilizar-se desse ato convencional para inviabilizar-se a efetivação de um direito. No processo, cada parte tem o intuito de provar os fatos para a efetivação do seu direito, não para que tenha a perda de seu direito, o que ocorreria em atribuir a uma parte o ônus de provar uma prova diabólica.

Caso seja realizado um negócio jurídico-processual sobre o ônus da prova em pontos que tenham diretrizes no art. 373, § 3º, do CPC e seus incisos, este é passível de invalidação pelo juízo, seja ex officio, seja por iniciativa da parte prejudicada.

A convenção sobre o ônus da prova impacta o juízo? A resposta é positiva.

O juízo deve aplicar a regra de julgamento estipulada pelas partes em seus ônus.

Todavia, há de se lembrar de que o ônus da prova é regra de julgamento com aplicação subsidiária, somente para propor um modo de considerar-se os fatos e as narrativas quando não tiverem provas suficientes para tanto, com as implicações consequenciais para que detinham o ônus de provas.

Dessa maneira, a convenção sobre o ônus da prova é uma convenção de aplicação igualmente subsidiária, com a busca prioritária pelas partes e pelo juízo, quando a lei permitir, pela comprovação das narrativas, pela produção de provas possíveis e viáveis, com os pleitos devidos pelas partes ou com a produção oficiosa.

O juízo está vinculado a julgar nos moldes da convenção das partes, mas não está limitado a deixar de produzir provas, tanto pelas partes quanto as que a lei o autoriza a produzir, afinal, a aplicação do ônus da prova é subsidiário.

É importante ainda mencionar que a convenção pode dispor sobre quais os fatos que terão uma convenção diferente, bem como que outros fatos sigam a distribuição estática do ônus da prova. Ou seja, não é necessário que a convenção processual sobre ônus da prova seja sobre a integralidade dos fatos, mas somente com a redistribuição de um determinado fato, se as partes assim quiserem e convencionarem.

Além das hipóteses em que a própria lei processual determina uma distribuição diferente do ônus da prova e as partes poderem convencionar um novo ônus da prova, o juízo pode alterar o ônus da prova, distribuindo dinamicamente esse ônus, com outros requisitos para tanto.

O juízo pode distribuir o ônus da prova de maneira diferente do que está na regra legal, o que importa em uma dinamização da regra probatória.

O intuito da abertura dessa redistribuição do ônus da prova saindo do regramento é a busca pela adaptabilidade do ônus probatório diante da melhor configuração daquela realidade processual, equalizando a situação das partes para uma melhor eficiência, diante do contexto das narrativas e das relações com as provas possíveis de serem produzidas.

Se há uma visão cooperativa[14] e em busca de uma eficiência, há a possibilidade dessa dinamização do ônus da prova em situações de peculiaridades, em que os pressupostos estejam presentes.

Diante disso, a percepção judicante, de modo oficioso ou responsivo a requerimento de uma das partes, deve priorizar a possibilidade de produção da prova, diante das melhores condições de uma parte que não detém o ônus normal de produção da prova, mas que assim será redistribuída excepcionalmente.

O intuito do art. 373, § 1º, do CPC e a distribuição dinâmica do ônus da prova consistem na busca pela melhor elucidação, ou melhor, probabilidade dos fatos ali descritos e, com isso, almejar uma melhor solução da lide com a definição fática mais próxima da realidade[15], diante de certos pressupostos necessários para a redistribuição.

A intenção do legislador, ao positivar essa redistribuição do ônus da prova, foi pacificar o que era comumente aceito na doutrina[16] e na jurisprudência[17]. A regra normal de ônus probatório pode ser tergiversada de acordo com a situação da parte em relação à produção de determinada prova, alegando impossibilidade ou extrema dificuldade, cominando com a possibilidade da outra parte em realizá-la, podendo o juízo, preferencialmente no saneamento, analisando o caso em concreto, redistribuir o ônus da prova.

Quem tiver a melhor condição de produzir a prova, seja pelo seu caráter econômico ou processual, deve ser o responsável pela produção da prova. Inviável a permanência de uma lide sem a solução meritória, simplesmente por existir uma incapacidade de buscar a melhor verossimilhança possível. Evidentemente que a mudança da carga probatória deve ser acompanhada do preenchimento dos seus pressupostos formais.

Uma dúvida: a redistribuição do ônus da prova pode ser feita de maneira oficiosa ou somente a requerimento? A resposta é complexa. De modo geral, o modo oficioso deve ser excepcional, somente quando perceber um devido enquadramento nos pressupostos e, ainda, tiver uma hipossuficiência da parte no processo, inserindo como regra o requerimento da parte que entende necessária a redistribuição.

A parte que entender como impossibilitada – ou com extrema dificuldade – e exercer o direito probatório deve requerer ao juízo tal pleito, com a explicação da relação de dificuldade de sua incumbência cominada com a existência de possibilidade pela outra parte. Mediante tal situação de pleito, o juízo deve proporcionar o contraditório para a outra parte, justamente para que essa possa desincumbir-se do possível novo ônus, comprovando que também não detém meios para a realização de tal prova.

Após o exercício do contraditório prévio e influenciante, o juízo deve decidir pela redistribuição da prova ou pelo seu indeferimento.

Excepcionalmente, o juízo, caso entenda que essa situação se impõe, pode, oficiosamente, realizar tal distribuição dinâmica, contudo com o prévio contraditório.

O ideal, no entanto, é que seja realizado somente após pleito de alguma das partes.

Dessa decisão que altera o disposto no caput do art. 373 do CPC, atribuindo nova sistemática na distribuição de provas, ambas as partes podem recorrer, via agravo de instrumento[18], diante do interesse recursal. Esse recurso também será possível da negativa da redistribuição.

Para realizar tal redistribuição, o juízo deve analisar o preenchimento de todos os pressupostos para tal redistribuição.

 

5 REDISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA E SEUS PRESSUPOSTOS

Para que seja possível a incidência do art. 373, § 1º, do CPC é necessário o preenchimento de diversos pressupostos.

Os pressupostos se dividem entre 2 (dois) pontos: formais e materiais. Os formais são: (i) contraditório prévio; (ii) decisão motivada; (iii) proibição de a redistribuição implicar em ônus impossível, como uma prova diabólica reversa.

Uma vez requerida por uma das partes à redistribuição do ônus da prova – ou excepcionalmente pelo juízo de modo oficioso –, o juízo deve possibilitar a manifestação da outra parte ou de ambas as partes, com um contraditório prévio.

Se for realizado o pedido por uma das partes, que seja intimada a outra parte para manifestar-se sobre tal pedido; se for perceptível pelo juízo à configuração dos pressupostos, deve abrir prazo para ambas as partes se manifestarem sobre a necessidade dessa redistribuição.

Dessa maneira, para ser viável essa redistribuição, somente deve ocorrer após um devido contraditório, possibilitando a manifestação das partes, com as alegações de impossibilidade e dificuldade[19] em cada espécie de prova.

Não há como se aceitar que a redistribuição do ônus da prova seja realizada sem a oportunidade das partes, até pela necessidade de um contraditório como prevenção e influência à decisão a ser proferida, nos ditames dos arts. 9º e 10 do CPC.

Independentemente do momento em que a redistribuição for realizada, o contraditório é necessário de forma preventiva, de modo anterior à própria decisão que redistribui tal ônus. Se uma parte pleiteou a redistribuição, o juízo deve oportunizar a outra parte a se manifestar, justamente para se desincumbir e demonstrar que não há meios para produzir tal prova, tampouco possibilidade ou eventual facilidade.

Somente após tal intimação, com o transcurso do prazo para a manifestação da parte, que o juízo deve decidir pela redistribuição ou não do ônus da prova.

Desse modo, a sistematização procedimental deve ser pelo pleito de uma das partes, recepção pelo juízo de tal pedido, com a abertura de prazo para a outra parte se manifestar e, após o transcurso deste, a decisão do juízo.

Esse é o rito a ser seguido.

Se o juízo for decidir oficiosamente, por óbvio que o rito tem uma alteração, sem a existência de um pleito de qualquer das partes, com o ato a ser realizado pelo juízo. Todavia, importante mencionar e salientar que, mesmo de ofício, pelo teor do art. 10 do CPC, não há possibilidade de o juízo decidir sem as partes terem manifestado sobre tal matéria. O juízo não pode prolatar decisões surpresas de matérias não submetidas ao contraditório.

Nesses moldes, o rito oficioso seria da abertura do prazo para ambas as partes se manifestarem e, com o transcurso deste, a decisão do juízo sobre a redistribuição.

Se há a necessidade de um contraditório, não é possível uma decisão surpresa, tampouco que o ônus da prova redistribuído seja decidido e declarado somente na sentença, o que deixaria, notadamente, as partes com ignorância sobre essa redistribuição, o que é justamente o que não se espera de uma decisão que altera o modo de julgar subsidiariamente.

A redistribuição deve ser em momento anterior à sentença e com a perspectiva de que tenha uma fase probatória, ainda que depois se dispensem as provas e apliquem o ônus redistribuído como regra de julgamento. Mas é importante frisar: não é possível redistribuir somente na sentença.

Depois do contraditório oportunizado para as partes, o próximo ponto é a decisão motivada.

A decisão que redistribui o ônus da prova, diante do art. 373, § 1º, do CPC, deve ser fundamentada devidamente, com a análise da incidência dos pressupostos e os motivos pelos quais o processo deve seguir uma ordem diversa da carga probatória. Não pode o juízo decidir pela redistribuição da carga probatória sem argumentar e explicar os motivos jurídicos e processuais que levaram a tal desiderato.

A própria dicção do art. art. 373, § 1º, do CPC especifica esse requisito da fundamentação adequada, o que acrescenta a necessidade desta junto com as regras gerais da fundamentação da decisão judicial constante nos arts. 11 e 489, § 1º, do CPC.

Na fundamentação, deve conter o enfrentamento de todos os pontos que o juízo entender como impossível ou de extrema dificuldade por uma parte e, concomitantemente, a possibilidade e facilidade pela outra parte, justamente esta que agora terá um ônus maior do que a regra positiva, ou seja, um autêntico ônus probatório judicial.

Sem uma fundamentação adequada, além de não cumprir o art. 373, § 1º, do CPC, não há como as partes terem a ciência dos motivos ensejadores de tal redistribuição, tornando a decisão totalmente equivocada e nula.

A redistribuição do ônus da prova tem a serventia de melhorar a carga probatória dentro de uma realidade motivada, retirando o ônus de uma das partes para imputar à outra parte, diante de uma plausibilidade de a própria prova ser realizada por esse novo imputado.

Logo, a redistribuição melhora a situação de uma parte sobre a sua carga probatória, dada a impossibilidade ou extrema dificuldade da produção da prova para repassá-la à outra parte que detém uma possibilidade ou até facilidade nessa produção.

Dessa maneira, não pode a redistribuição do ônus da prova servir de mera transferência de impossibilidades ou dificuldades. Não é permissível que a redistribuição retire um ônus sobre prova diabólica a uma parte e repasse para a outra parte o ônus de uma prova que também seria diabólica para esta parte. O intuito é transferir o ônus de uma prova diabólica (impossível ou extremamente difícil) para uma parte, mas que não seja igualmente diabólica para a outra parte.

Essa impossibilidade se torna um pressuposto negativo para a redistribuição do ônus da prova, conforme constante no art. 373, § 2º, do CPC.

Se a prova for duplamente diabólica, não será possível a transferência do ônus da prova de uma parte para outra parte. Em uma situação como essa, deve-se entender como impossível a redistribuição e utilizar a regra de julgamento com um outro sentido, com a atribuição do risco da inesclarecibilidade[20].

Para que seja viável a redistribuição do ônus da prova, há a necessidade do preenchimento de um dos pressupostos materiais, sem a necessidade de que se completem ambos os pressupostos.

Por outro lado, os pressupostos materiais são: (i) a existência de uma prova diabólica; (ii) a maior possibilidade ou facilidade da produção da prova pela outra parte ou a produção de um fato contrário.

O primeiro pressuposto material é a existência de uma prova diabólica.

A prova diabólica é aquela prova que a sua produção é impossível ou com extrema dificuldade. O termo diabólico é que imputa a quem detém o seu ônus uma dificuldade tamanha que se torna diabólico exigir a sua veracidade ou comprovação por aquela parte.

Câmara explica que a “expressão que se encontra na doutrina para fazer referência àqueles casos em que a prova da veracidade da alegação a respeito de um fato é extremamente difícil, nenhum meio de prova sendo capaz de permitir tal demonstração[21].

A prova diabólica pode ser unilateralmente diabólica ou duplamente diabólica.

Se for somente unilateralmente, uma parte detém essa extrema dificuldade ou impossibilidade na produção da prova, pela sua posição em relação a essa prova. Já a prova duplamente diabólica é aquela que a dificuldade extrema ou impossibilidade é da própria produção da prova, seja qualquer das partes.

Somente a prova diabólica unilateral é passível de redistribuição do ônus da prova, sendo impossível a redistribuição quando a prova for duplamente diabólica.

O segundo pressuposto material é a maior facilidade de uma das partes em produzir ou obter aquela prova ou de um fato contrário.

A prova pode ser mais fácil para uma das partes do que para a outra parte e, com isso, se tornar possível de redistribuir o ônus da prova. Não seria a impossibilidade de uma das partes que daria ensejo a essa redistribuição, mas a maior possibilidade ou até facilidade na produção da prova pela outra parte, com a demonstração dessa relação da parte com a possibilidade de obtenção da prova necessária.

No entanto, há outra possibilidade: a viabilidade de se provar o fato em contrário de modo mais fácil do que a prova daquele fato.

Muitas vezes é mais fácil provar que um fato alegado ocorreu de determinada maneira diferente da alegada do que provar que ocorreu do modo alegado.

Um exemplo seria uma ação que versa sobre um erro técnico de determinada profissão, como um defeito em uma construção, a parte que é leiga no assunto somente invoca que houve o dano e tenta realizar o nexo de causalidade; contudo, há maior facilidade da outra parte, aquela que detém a tecnicidade do assunto, em provar que agiu dentro das diretrizes técnicas.

Logo, a redistribuição seria para determinar que a parte que tem tecnicidade prove um fato contrário ao alegado pela parte que não detém tal sapiência no assunto discutido.

Não há a necessidade de que os dois pressupostos materiais estejam presentes, somente que um deles esteja para que seja possível a redistribuição do ônus da prova, com base no art. 373, § 1º, do CPC.

 

6 A PLURALIDADE DE ALEGAÇÕES DE FATO E A NECESSIDADE DE REDISTRIBUIÇÃO ESPECÍFICA SOBRE O ÔNUS DE CADA ALEGAÇÃO

Em uma mesma ação, diante das narrativas das partes, pode ter uma pluralidade de questões de fato, por causa das peculiaridades das narrativas das partes. Se forem muitos os fatos controvertidos no processo que dependem de prova, a redistribuição, nos moldes do art. 373, § 1º, do CPC, não ocorrerá sobre todos os fatos, mas de modo específico por fato.

Afinal, se os requisitos são específicos sobre prova diabólica ou de maior facilidade de a outra parte produzir a prova ou prova de fato contrário, a existência de um desses pressupostos materiais para um fato não significa que todos os fatos objeto de prova no processo sejam de necessária redistribuição.

Dessa maneira, pode um processo, em sua fase de instrução, ter um ônus da prova específico para cada fato tido como thema probandum. Sobre um fato pode incorrer a regra do caput do art. 373 do CPC e, em outro, a regra da redistribuição do ônus da prova, conforme o art. 373, § 1º, do CPC. Essa situação levaria a cada thema probandum ter um ônus diverso, com a necessidade de entendimento que não há uma inversão geral do ônus da prova por causa da redistribuição.

Não se inverte tudo, tampouco cria uma responsabilidade maior sobre toda a fase instrutória, e o juízo realizará a avaliação de possibilidade e dificuldade em cada espécie de prova, considerando a situação de cada parte.

É importante esclarecer que a regra do ônus da prova está prevista no art. 373 do CPC, como vimos. No entanto, outros modos de distribuição do ônus da prova são possíveis no ordenamento; porém, é necessário diferenciar a regra que autoriza a redistribuição daquelas regras que redistribuem o ônus da prova.

Se a lei processual atribuir uma redistribuição diversa em determinado caso, essa é uma regra em que a redistribuição é diferente da regra do art. 373 do CPC. Não há discricionariedade do juízo sobre essa regra, sendo a norma que define um ônus diverso para aquela situação.

Diferentemente, ocorre quando há uma norma autorizante de uma redistribuição do ônus da prova, com a possibilidade, diante de determinados pressupostos a serem preenchidos, de o juízo determinar a redistribuição.

Dessa maneira, essa norma é uma regra que autoriza a redistribuição do ônus da prova, sem ser uma regra que redistribui esse ônus.

 

7 O ÔNUS DA PROVA DE FATO NEGATIVO

Entre os fatos que podem ser objeto de prova está aquele que é negativo.

A dúvida se torna normal quanto a isso: É possível provar um fato negativo?

A resposta é positiva. O fato negativo é possível ser objeto de prova.

O fato negativo tem a contraposição de um fato positivo. Ou seja, se alguma das partes alega que não ocorreu o fato, há a possibilidade de provar que o fato ocorreu. Logo, há uma contraposição entre o fato negativo e o fato positivo, com a alegação de um podendo ser provada diante da prova positiva.

Mas como estabelecer o ônus da prova sobre os fatos negativos? Primeiramente, há de se estabelecer as diferenças entre os fatos absoluta e relativamente negativos. Para entender a diferença, o fato de negativa absoluta “é a afirmação pura de um não-fato, indefinida no tempo e/ou no espaço […] já a negativa relativa é afirmação de um não-fato, definida no tempo e/ou no espaço, justificada pela ocorrência de um fato positivo[22].

A negativa absoluta traz em si uma dificuldade, até uma impossibilidade de prova, pela sua própria indefinição no tempo, o que torna um fato como indeterminado, o que não pode ser objeto de prova, pela necessidade de que o fato seja determinado, para a delimitação do que se quer efetivamente provar.

Dessa maneira, um fato de negativa absoluta tem uma indefinição na sua própria utilidade no processo. Termos como “nunca realizou”, “nunca esteve” e “nunca fez” são comuns e com dificuldade de prova e até de relação com a causa de pedir, uma vez que não são determinados no tempo e em sua possível incidência.

De modo diverso, os fatos com negativa relativa são passíveis de prova, por serem negativas sobre determinado acontecimento específico, seja no tempo, seja em determinado ato. Se a parte alega que nunca contratou um determinado serviço, a prova pode ser realizada de que houve a contratação, com a juntada do contrato, discussão muito comum em ações consumeristas, por exemplo.

Essa relatividade da negativa de um fato está em alegar a não ocorrência de um fato específico e determinado, o que importa que a sua prova é possível de produção, mas é interessante entender que a produção da prova será de um fato positivo. Se uma parte alega que não ocorreu um acidente, por exemplo, a outra comprova o acidente.

Estabelecidas às diferenças e as possibilidades probatórias de um fato negativo relativo, o ônus da prova dependerá do que foi alegado e como foi alegado.

O fato negativo pode ser alegado no processo tanto pelo autor quanto pelo réu.

Se for pelo autor, o fato pode ser alegado como um fato negativo em duas maneiras: (i) para alegar que outro positivo ocorreu e que torna um determinado fato positivo em negativo; (ii) para alegar que determinado fato positivo é negativo, mas sem ter a alegação de outro fato.

Na primeira hipótese, o autor alega que o fato positivo que lhe impacta não ocorreu por ter outro fato positivo que impossibilitaria este. Didier, Braga e Oliveira dão o exemplo de uma multa ser discutida em juízo e o autor alegar que o fato que ensejou aquela multa não ocorreu por estar em outro local[23]. Há uma alegação de que o direito constitutivo do autor para a ação é alegar que determinado fato positivo é, na verdade, negativo, com a necessidade de que se comprove outro fato que impossibilitaria a positividade deste.

O fato de estar em outro local impossibilita o autor de ter sido multado, com a prova devida do fato positivo, torna-se o fato anteriormente tido como positivo em negativo.

O ônus da prova será do autor ou de quem alega; contudo, é pertinente entender que deve provar tanto a negatividade daquele fato quanto a positividade do fato que torna o primeiro negativo.

Já, na segunda hipótese, o autor fundamenta o seu direito na inocorrência de determinado fato positivo, contudo sem ter como alegar outro fato positivo que torne aquele negativo. O ônus da prova é mais complexo nessa situação.

Se o autor está inscrito por uma dívida que desconhece, a ação para declaração de inexistência dessa dívida seria baseada no fato negativo sobre determinada relação jurídica, sem necessariamente ter outro fato positivo para tornar aquele tido como positivo – a existência de relação jurídica ou o contrato – em negativo.

Em uma situação como essa, a alegação será de que ocorreu uma fraude (um fato também positivo), contudo, que não há como o autor provar, justamente por nunca ter participado da relação jurídica narrada.

Diante disso, o ônus da prova seria invertido para que detém informações suficientes para provar que o fato positivo ocorreu dentro da validade, como o réu trazer o contrato e demonstrar a positividade de sua ocorrência e de sua legalidade.

A distribuição do ônus será pela própria conjuntura fática e a probabilidade da produção da prova.

Pelo réu, o fato negativo pode ser alegado como uma defesa sobre a constituição de um direito do autor.

O réu pode alegar um fato negativo com a comprovação de um fato positivo em contrário. O autor alega que o réu causou um acidente específico; no entanto, o réu alega que, em determinado dia, não participou do acidente, tampouco foi o seu causador porque estaria em viagem. Se comprovar a viagem, por exemplo, utiliza-se da alegação de um fato positivo para provar um fato negativo (não ter participação no acidente).

Em uma situação como essa, o ônus da prova é de quem alegou o fato positivo que comprova que o fato anteriormente tido como positivo é, na verdade, um fato negativo.

De certa maneira, assim como no caso do autor o alega, para o réu, em uma situação como essa, o ônus não está interligado somente a provar o fato negativo, mas em provar o fato positivo que impossibilita a ocorrência de outro fato alegado.

 

CONCLUSÕES

Em virtude do exposto, é possível concluir que:

– O fato constitutivo é aquele que demonstra o direito do autor, aquele fato que é a base para o direito que o autor afirmar deter em juízo;

– O fato impeditivo do direito do autor é aquele que tem o condão de obstar a produção dos efeitos do fato narrado pelo autor e a sua consequência jurídica;

– O fato modificativo do direito do autor deve ser alegado quando houver a certeza de que aquele direito existiu, contudo este foi alteado por um novo fato, e essa alteração ocorre de maneira que seja impossível que o direito afirmado continue do modo que consta naquele pleito pela jurisdição;

– O fato extintivo do direito do autor é aquele que faz com que o afirmado pelo autor em seu pedido não tenha mais como subsistir;

– O ônus da prova é uma regra de conduta das partes. As alegações devem ser provadas diante do ônus imposto pela norma processual, com duas implicações sobre a sua incidência ou não: (i) o ônus ser visto como regra de julgamento; (ii) a aplicação somente subsidiária das regras de ônus da prova;

– A distribuição do ônus da prova é importante para delinear o modus operandi judicante, caso alguma questão de fato não seja efetivamente provada, com a incumbência de determinar regra de julgamento diante de uma situação processual como esta, com uma questão de fato não comprovada;

– Se não há prova suficiente para criar um suporte fático diante das narrativas feitas pelas partes, sem conseguir uma adesão cognitiva entre as alegações e as provas, uma das partes deve arcar com o ônus dessa ineficiência na produção de provas;

– O cerne da fase probatória é conseguir entender que o fato alegado foi provado e, diante da relação entre o fato e a prova, alcançar-se uma cognição sobre o fato que resulte em sua definição para aquele processo;

– Diante da análise pelo juízo sobre os fatos alegados pelas partes, o art. 373 do CPC é a base para a distribuição do ônus da prova, com a decisão relacional entre qual o fato e o ônus da prova de qual das partes. Contudo, a própria norma consagra hipóteses excepcionais, em que distribui de modo diverso o ônus de provar, seja imputando aquele que seria ao autor para o réu, seja vice-versa;

– O juízo está vinculado a julgar nos moldes da convenção das partes, mas não está limitado a deixar de produzir provas, tanto pelas partes quanto as que a lei o autoriza a produzir;

– Uma vez requerida por uma das partes a redistribuição do ônus da prova – ou excepcionalmente pelo juízo de modo oficioso –, o juízo deve possibilitar a manifestação da outra parte ou de ambas as partes, com um contraditório prévio;

– A redistribuição deve ser em momento anterior à sentença e com a perspectiva de que tenha uma fase probatória, ainda que depois se dispensem as provas e aplique o ônus redistribuído como regra de julgamento;

– Se for pelo autor, o fato pode ser alegado como um fato negativo em duas maneiras: (i) para alegar que outro positivo ocorreu e que torna um determinado fato positivo em negativo; (ii) para alegar que determinado fato positivo é negativo, mas sem ter a alegação de outro fato. Já o réu pode alegar um fato negativo com a comprovação de um fato positivo em contrário.

 

 

[1] “A distinção que nos parece primordial é a de que a obrigação pede uma conduta cujo adimplemento ou cumprimento traz benefícios à parte que ocupa o outro polo da relação jurídica. Havendo omissão do obrigado, este será ou poderá ser coercitivamente obrigado pelo sujeito ativo. Já com relação ao ônus, o indivíduo que não o cumprir sofrerá, pura e simplesmente, em regra, as consequências negativas do descumprimento que recairão sobre ele próprio. Aquela é essencialmente transitiva e o ônus só o é reflexamente.” (ALVIM, A. Manual de direito processual civil. 15. ed. São Paulo: RT, 2012. p. 969)

[2] “Há, ainda, uma terceira figura, a do dever (stricto sensu). Além de não ser conversível em pecúnia, tem como característica básica a ‘perpetuidade’, ao contrário do ônus e da obrigação, que se esgotam com o seu cumprimento.” (ALVIM, A. Manual de direito processual civil. 15. ed. São Paulo: RT, 2012. p. 969)

[3] “A partir dessa regra, conclui-se que, proposta uma ação, baseada em determinado fato, o réu poderá contestar apenas negando tal fato, incumbindo ao autor o ônus probatório quanto ao alegado, sob pena de perder a ação.” (THAMAY, R. F. K. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 299)

[4] “O maior interessado em que o juiz se convença da veracidade de um fato é o próprio litigante a quem aproveita o reconhecimento dele como verdadeiro. É esse interesse que estimula a parte a atuar no sentido de persuadir o julgador mediante as provas de que o fato realmente ocorreu. Assim o desejo de vencer o litígio cria, no litigante, a necessidade de pesar os meios de que se pode valer em seu trabalho de persuasão e de esforçar-se para que esses meios sejam efetivamente utilizados na instrução da causa.” (CAMBI, E. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: RT, 2006. p. 322)

[5] “Os resultados da atividade instrutória são apreciados pelo órgão julgador sem qualquer valoração, positiva ou negativa, desse comportamento. Se persistiu a obscuridade, em nada aproveita à parte onerada alegar que fez, para dissipá-la, tudo que estava ao seu alcance, e portanto nenhuma culpa se lhe pode imputar.” (BARBOSA MOREIRA, J. C. As presunções e a prova. Temas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 75)

[6] “O sistema probatório não se esgota em meios de prova e procedimentos respectivos, mas inclui importante elemento que é a solução para os casos em que as afirmações fáticas não foram ou não puderam ser demonstradas. Nesses casos, a fim de evitar a fuga do julgamento, como faziam os juízes romanos diante do non liquet instrutório (se reservavam, sob juramento, sibi non liquera não emitir opinião, sendo nomeado outro juiz), existem fórmulas para a solução, daí Barbosa Moreira denominá-las de sucedâneos da prova faltante.” (FERREIRA, W. S. Limites da inversão do ônus da prova e a “reinversão” nas ações de responsabilidade civil. In: GUERRA, A.; BENACCHIO, M. Responsabilidade civil bancária. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2012. p. 363)

[7] “A dinamização do ônus da prova, ao seu turno, tal qual a inversão deste ônus, corresponde a um modelo intermediário, no qual o ordenamento fixa de antemão a forma de repartição dos encargos, mas convida o juiz (e, conforme o caso, as partes) a redefinir este comando e a redistribuir a posição das peças do jogo, em atenção às peculiaridades do caso concreto, normalmente a partir de conceitos abertos. Parte-se da premissa de que a distribuição estática do ônus da prova (ou seja, a fixação a priori), conquanto baseada em critérios gerais aplicáveis a todos os litigantes e, assim, abstratamente compatível com a igualdade e com a paridade de armas, pode se mostrar injusta no caso concreto e assim interferir negativamente no fair play, ao colocar uma das partes em situação de excessiva vantagem sobre a outra. E, como visto, a depender do volume de informações disponíveis nos autos, esta posição de vantagem pode ser determinante na resolução do litígio e assim na realização, ou não, do direito material em disputa. A dinamização surge, portanto, como mais um resultado possível na antiga busca pelo equilíbrio entre a segurança e a previsibilidade (de um lado) e a justiça do caso concreto (de outro).” (SILVA NETO, F. de B. e. Dinamização do ônus da prova no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 239, ano 40, p. 407-418, 2015. p. 410)

[8] “A lei determina que, numa dada situação, haverá uma distribuição do ônus da prova diferente do regramento comum previsto no art. 373 do CPC. Rigorosamente, não há aí qualquer inversão; há, tão somente, uma exceção legal à regra genérica do ônus da prova. É, pois, igualmente, uma norma que trata do ônus da prova, excepcionando a regra contida no art. 373 do CPC.” (DIDIER JR., F.; BRAGA, P. S.; OLIVEIRA, R. A. de. Curso de processo civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, v. 2, 2015. p. 113/114)

[9] Código de Defesa do Consumidor: “Art. 6º […] VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.

[10] No mesmo sentido, com a possibilidade de convenção: “O novo CPC, ao adotar expressamente a possibilidade de as partes firmarem negócios jurídicos processuais e amoldarem o procedimento com o objetivo de garantir maior efetividade à prestação da tutela jurisdicional e à resolução do mérito da controvérsia, permite que as partes conjuntamente escolham o perito” (NASSER, P. M. Comentários ao artigo 464. In: CABRAL, A. do P.; CRAMER, R. (coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 661).

[11] GODINHO, R. R. Convenções sobre o ônus da prova – Estudo sobre a divisão de trabalho entre as partes e os juízes no processo civil brasileiro. Tese de Doutoramento. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2013. p. 178.

[12] Sobre a questão da análise da validade: “O negócio jurídico processual, evidentemente, não é absoluto, sujeitando-se ao regime de invalidades dos negócios jurídicos. Permite-se o controle, pelo órgão jurisdicional, de ofício ou a requerimento da parte, da validade da convenções estabelecidas no negócio jurídico processual. O parágrafo único do art. 190 sob análise, contudo, admite a recusa do juiz em aplicar o negócio jurídico processual, ou parte dele, exclusivamente nos casos de nulidade, de constância do negócio jurídico processual em contrato sob a forma de adesão ou existindo manifesta situação de vulnerabilidade de uma parte relativamente à outra” (ALVIM, T. A.; CONCEIÇÃO, M. L. L.; RIBEIRO, L. F. da S.; MELLO, R. L. T. de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 355). “Sem igualdade, não há condições mínimas para o exercício da liberdade, porque as disposições convencionais terão sido assumidas num quadro em que o consentimento não foi livre e esclarecido, e, portanto, fora de um espaço real e efetivo para o exercício da liberdade” (CABRAL, A. do P. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 49).

[13] Nem sempre será possível a convenção para a redistribuição, contendo, para tanto, limites determinados pela própria norma processual: “A convenção das partes sobre o ônus da prova encontra limites na indisponibilidade do direito ou no tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito” (DUARTE, Z. Comentário ao artigo 373. Novo código de processo civil comentado – Artigo 318 ao artigo 770. Organização: Sergio Luiz Almeida Ribeiro, Roberto Pinheiro Campos Gouveia Filho, Izabel Cristina Pantaleão e Lucio Grassi de Gouveia. São Paulo: Lualri, 2017. p. 111).

[14] “O processo cooperativo exige que a modificação do ônus da prova respeite a necessidade da prévia informação às partes dos novos encargos probatórios e permitir a atuação da parte para desincumbir-se do novo ônus a ela imposto.” (DIDIER JR., F.; BRAGA, P. S.; OLIVEIRA, R. A. de. Curso de processo civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, v. 2, 2015. p. 125)

[15] “O NCPC contém regra expressa sobre a distribuição dinâmica da ônus da prova, o que, em determinadas situações, já vem sendo admitido pela doutrina e jurisprudência. Assim, o juiz poderá, a partir da análise, no caso concreto, de quem está em melhores condições de produzir a prova, distribuir o respectivo ônus entre as partes, de forma diversa daquela fixada em lei. Mas deverá fazê-lo na decisão de saneamento e organização do processo, de forma a não colher as partes de surpresa e assegurar-lhes tempo hábil de se desincumbirem do ônus que originariamente não lhes cabia.” (ALVIM, T. A.; CONCEIÇÃO, M. L. L.; RIBEIRO, L. F. da S.; MELLO, R. L. T. de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 650)

[16] “O juiz, nesse contexto, seria parcial se assistisse inerte, como espectador de um duelo, ao massacre de uma das partes, ou seja, de deixasse de interferir para tornar iguais partes que são desiguais. A interferência do juiz na fase probatória, vista sob este ângulo, não o torna parcial. Ao contrário, pois tem ele a função de impedir que uma das partes se torne vencedora na ação, não por causa do direito que assevera ter, mas porque, por exemplo, é economicamente mais favorecida que a outra. A circunstância de uma delas ser hipossuficiente pode fazer com que não consiga demonstrar e provar o direito que efetivamente tem. O processo foi concebido para declarar lato sensu o direito da parte que a ela faz jus e não para dela retirá-lo, dando-o a quem não o possua. Em função desse parâmetro, pois, devem ser concebidas todas as regras do processo, inclusive e principalmente as que dizem respeito ao ônus da prova.” (ALVIM, T. A. O ônus da prova. Revista Jurídica Consulex, Brasília: Consulex, n. 200, p. 40, maio 2005)

[17]“Todavia, não são estáticas essas formalidades do ônus da prova, podendo, de acordo com as condições pertinentes ao caso concreto, o juízo redistribuir a responsabilidade pelo ônus da prova, diante de alguma dificuldade excessiva ou impossibilidade por uma das partes, ou melhor, possibilidade pela outra parte. O intuito do art. 373, § 1º consiste na busca pela elucidação ou a melhor probabilidade dos fatos ali descritos e, com isso, almejar uma melhor solução da lide com a definição fática mais próxima da realidade.” (LEMOS, V. S. Recursos e processos nos tribunais. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 350)

[18] Sobre o assunto: LEMOS, V. S. A redistribuição do ônus da prova e sua recorribilidade. Disponível em: http://portalprocessual.com/a-redistribuicao-do-onus-da-prova-e-suarecorribilidade/.

[19] “O juiz deve-se atentar, portanto, de um lado, a facilidade com que uma das partes poderá fazer a prova de determinado fato, e, outro, para a impossibilidade ou extrema dificuldade que a parte, a quem originariamente incumbiria o ônus, teria para fazer a prova desse mesmo fato. A facilidade, dificuldade ou impossibilidade está relacionada ao aspecto técnico, e não econômico pois, em relação a este, há as regras da assistência judiciária gratuita. Se a extrema dificuldade for de ambas as partes, não há que se redistribuir o ônus.” (ALVIM, T. A.; CONCEIÇÃO, M. L. L.; RIBEIRO, L. F. da S.; MELLO, R. L. T. de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015. p. 650)

[20] “Em tal situação, deve ser utilizada a regra da inesclarecibilidade, de forma a analisar qual das partes assumiu o risco da situação de dúvida insolúvel, devendo esta ser submetida à decisão desfavorável.” (DIDIER JR., F.; BRAGA, P. S.; OLIVEIRA, R. A. de. Curso de processo civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, v. 2, 2015. p. 126)

[21] CÂMARA, A. F. Doenças preexistentes e ônus da prova: o problema da prova diabólica e uma possível solução. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo: Dialética, v. 31, p. 12, 2005.

[22] DIDIER JR., F.; BRAGA, P. S.; OLIVEIRA, R. A. de. Curso de processo civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, v. 2,. 2015. p. 117.

[23]“Por exemplo, se um indivíduo pretende afastar judicialmente uma multa de trânsito (direito potestativo), sob o argumento de que não conversava ao celular, na condução do seu veículo, no dia 12 de novembro de 2007, às 00h00, na Avenida Otávio Mangabeira (fato negativo), porque estava com seu veículo estacionado, neste mesmo momento, na Zona Azul, em frente à Casa do Comércio (fato positivo), cabe-lhe o encargo de provar, de forma indireta, o fato negativo, com a demonstração do fato positivo que a ele corresponde.” (DIDIER JR., F.; BRAGA, P. S.; OLIVEIRA, R. A. de. Curso de processo civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, v. 2, 2015. p. 119)