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A SEPARAÇÃO EXTRAJUDICIAL E O CÔNJUGE COMO HERDEIRO NECESSÁRIO

A SEPARAÇÃO EXTRAJUDICIAL E O CÔNJUGE COMO HERDEIRO NECESSÁRIO

Karime Costalunga

SUMARIO: 1 Introdução; 1.1 A Sociedade Conjugal e seus Efeitos; 1.1.1 As Maneiras de Finalizar a União; 1.1.2 Os Direitos e Deveres Decorrentes do Casamento; 1.2 O Direito das Sucessões e a Nova Legislação; 1.2.1 A Nova Ordem de Vocação Hereditária; 1.2.2 O Direito Sucessório do Cônjuge Separado Extrajudicialmente. 2 Conclusão. 3 Referências Bibliográficas.

                                  

1 Introdução          

No mês de janeiro de 2007, entrou em vigor a Lei nº 11.441, que versava a respeito da possibilidade de realização de separação ou divórcio em cartório, ou seja, sem a necessidade de submissão das partes ao crivo do Poder Judiciário. Ainda, a referida Lei também autorizava a realização da partilha de bens existentes entre os cônjuges, a partir da observação de uma série de requisitos apresentados pelo legislador.

O novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16.03.2015) praticamente repetiu as disposições da Lei nº 11.441, com pouquíssimas alterações.

Muito embora a Lei de 2007 se apresentasse, no primeiro momento, como uma maneira de desafogar o Poder Judiciário e, consequentemente, dar maior celeridade à finalização das uniões funestas, ainda acabava levantando questões que não vinham sendo respondidas com a devida atenção pelos estudiosos do Direito: fosse por lacuna da própria lei a respeito da matéria ou, simplesmente, porque a prática do dia a dia ainda não tinha apontado os questionamentos necessariamente decorrentes dos casos concretos. A maioria desses problemas não foi solucionado pelo novo CPC.

E uma dessas questões que, passados cerca de oito anos de vigência da Lei nº 11.441, continua merecendo atenção diz respeito à condição de herdeiro necessário, imposta ao cônjuge sobrevivente, quando do falecimento de seu consorte. Torna-se urgente, portanto, um amoldamento da jurisprudência – se é que houve necessidade de atenção no Poder Judiciário sobre o tema, ou se, efetivamente, foi aplicado nas decisões o estudo parelho a este, no sentido de total utilização do artigo de lei específico, também no que respeita aos consortes que tivessem optado pela separação extrajudicial.

Vale dizer que, muito embora o Código Civil de 2002 tenha apresentado a nova posição ocupada pelo cônjuge sobrevivente, quando de sua entrada em vigor, o mesmo sistema ainda não enfrentava a possibilidade de realização do divórcio ou separação das partes em cartório – e isso faz com que seja questionado até que momento o cônjuge sobrevivente ostenta a condição de herdeiro, considerando, inclusive, as ressalvas que o próprio codificador apresentou.

Essas e outras questões serão novamente abordadas ao longo destas linhas, que devem versar sobre a condição de herdeiro necessário do cônjuge sobrevivente: como respeitar a ordem de vocação hereditária, uma vez realizada a separação ou o divórcio extrajudicialmente?

1.1 A Sociedade Conjugal e seus Efeitos     

O Código Civil de 2002, dotado de sistemática distinta do Código de 1916, tendo em vista a latente necessidade de alteração dos seus tipos, apresenta como um dos exemplos – e na área de Direito de Família – do quanto, muitas vezes, a norma se apresenta desvinculada da realidade daquilo que é vivido pelos particulares: refere-se à formação da família. É o art. 1.513 do Código Civil que trata da comunhão de vida instituída pela família e que deve ser assim preservada por qualquer pessoa. É o direito à preservação da intimidade, sem que ocorra a intervenção pública, para que possam viver os pares como quiserem e, consequentemente, determinar sobre as suas vidas conforme melhor lhes parecer, sempre tendo em consideração que a intimidade, via de regra, não envolve direitos de terceiros.

Partiu de Clóvis do Couto e Silva a ideia da divisão do Direito de Família em dois grandes eixos: o pessoal e o patrimonial, tendo em vista a nítida diferença entre as relações jurídicas de ordem familiar, que reside na sua maior ou menor carga de pessoalidade. Declarou o autor que a grande diferença entre os dois eixos consiste no fato de o ordenamento jurídico não poder “deixar de valorizar as relações dos partícipes da família, levando em conta seus atributos de pessoalidade e patrimonialidade já existentes na dimensão social“.

Desta feita, é possível dizer que é na esfera do Direito Pessoal que as relações entre cônjuges se desenvolvem, de modo a fazer com que os vínculos permaneçam, criando entre as partes a proximidade necessária para o estabelecimento de família. Ocorre que nem sempre a dimensão de uma vida a dois em que vivem os partícipes do casamento traz realização – até por outros motivos que não merecem análise neste momento -, o que faz com que se busque, de pronto, a finalização da união, sem descuidar, no entanto, dos direitos e deveres decorrentes do laço.

1.1.1 As Maneiras de Finalizar a União            

Desde a entrada em vigor da Lei do Divórcio, em 1977, passou a ser facultada aos cônjuges a dissolução da sociedade conjugal, tendo em vista a impossibilidade de mantença da vida a dois. Até então somente era possível o desquite, o que, em contrapartida, não autorizava aos cônjuges novo casamento, conforme recebido na legislação de 1916. O microssistema da Lei do Divórcio acabou incorporado, em sua quase totalidade, pelo novo Código Civil, tendo, assim, tido vigência durante os primeiros anos.

Portanto, é de grande relevância o estudo das possibilidades de dissolução da sociedade conjugal, que encontrava guarida no art. 1.571 do novo Código Civil, ao elencar, entre outras hipóteses, a separação judicial. Constituiu, portanto, uma introdução no corpo do Código Civil do que já previa a Lei do Divórcio em seu art. 2º. Mister ressaltar que, uma vez permitida a realização da separação conjugal – em sentido amplo -, esta, até então, não possibilitava o fim ao vínculo matrimonial, e sim, na verdade, somente a dissolução da sociedade conjugal e da necessidade de respeito a seus consequentes direitos e deveres, consoante denotado da leitura da Lei. É como coloca Eduardo de Oliveira Leite, ao tratar do tópico: “Na ótica do legislador de 1977, uma coisa é o rompimento da sociedade conjugal e outra, a ruptura do casamento, instituto jurídico maior“. Vale dizer que, no período compreendido entre a separação judicial e o divórcio, os cônjuges poderiam resolver pelo retorno ao estado de casados, o que também acabava impossibilitando as núpcias com terceiros.

Por outro lado, muitos casais acabavam optando por realizar, em vez da separação judicial, o divórcio, na busca do término de quaisquer ligações que pudessem remanescer entre ambos. Até 1977, era impossível aos cônjuges a quebra do vínculo, o que foi alterado pela Lei do Divórcio e, posteriormente, pela Constituição Federal de 1988, ao prever a possibilidade de dissolução da entidade conjugal pelo divórcio. O divórcio, por sua vez, tem por escopo o rompimento por completo do vínculo entre o casal e a possibilidade de novas núpcias para ambos ex-consortes.

Maior inovação trouxe à tona o legislador quando, há pouco, em 13 de julho de 2010, resolveu tratar do tema de maneira mais objetiva ainda, a partir do momento em que, por Emenda Constitucional (nº 66), possibilitou que seja dissolvido o casamento civil pelo divórcio, sem que, para tanto, seja exigido o prazo legal que até então era imposto – fosse de separação judicial ou de separação de fato: um ano ou dois anos, respectivamente.

Há os que acreditam que, com a dispensa do prazo para o ajuizamento do divórcio, automaticamente, acabou a permanência da separação judicial – ou extrajudicial – no sistema; por outro lado, há, também, os que comungam da ideia que prega a permanência da separação, muito embora não exista tempo mínimo para seu ajuizamento. Existiria, sim, a faculdade aos consortes para que pudessem optar pela via que lhes parecesse mais adequada, na trilha da impossibilidade de intervenção de terceiros na vida privada do casal.

No pertinente ao estudo, aqui é objeto de interesse a entrada em vigor em janeiro de 2007 da lei permissora da realização tanto da separação judicial quanto do divórcio em tabelionato, por meio de escritura pública. Ou seja, foi encontrada uma maneira de promover o término das uniões mais rapidamente e, a princípio, sem tanta burocracia. Além disso, ainda foi facultada às partes a realização da partilha também pela escritura pública, se acaso existissem bens.

No primeiro impacto, os benefícios trazidos pela legislação ainda parecem flagrantes, tendo em vista o volume de trabalho com o qual nosso Poder Judiciário conta. Entretanto, há algumas questões pertinentes e decorrentes da separação entre os consortes que devem ser observadas no momento da concretização do ato, mesmo por meio de escritura pública. Caso contrário, estarão as partes – ou pelo menos uma delas – correndo sério risco de se verem envolvidas em fraude, seja com objetivo de fraudar terceiros ou até mesmo o próprio consorte.

Devem, portanto, se encontrar as partes em pé de igualdade para que possam decidir questões as quais o juízo já se encontre acostumado a enfrentar – coisa que o tabelionato, pela diversidade de serviços e, possivelmente, pela falta de intimidade com os casos, não possa apreciar. Serão essas questões brevemente abordadas na sequência, preocupando-se primordialmente com os reflexos testemunhados na realização da separação ou do divórcio de maneira extrajudicial.

1.1.2 Os Direitos e Deveres Decorrentes do Casamento

É importante ressaltar que a legitimidade para promover a separação é exclusiva dos cônjuges, e, por assim o ser, ação de caráter essencialmente pessoal, a faculdade de demandar a dissolução da sociedade é exclusiva daqueles que em certa oportunidade tiveram interesse em formá-la. Referido dispositivo também se aplica, por extensão, aos casos em que a separação – ou o divórcio – é realizada por escritura pública.

No ato da separação, aspectos da vida do casal devem ser determinados, quais sejam a prestação alimentar e, em especial, a partilha de bens. Cabe ressaltar que os aspectos referidos poderiam ou não ser objeto de discussão em uma separação judicial, sempre considerando a existência ou não dos menores e a necessidade de receber alimentos de um dos cônjuges, conforme a dinâmica operada entre o casal. Entretanto, a partir do momento em que o casal busca a realização da separação extrajudicial, deve se apresentar de acordo em todas as questões que mereçam deliberação no momento.

Primeiramente, no que respeita às questões que devem ser analisadas, de abordar a prestação alimentar que pode persistir do fim da relação do casamento, os alimentos poderão ser prestados da seguinte forma: entre cônjuges e de um genitor para a prole que não permaneceu em sua guarda – o que não poderá ser deliberado mediante escritura pública, a partir do momento em que existirem interesses de menores em jogo.

No que respeita aos alimentos prestados entre os cônjuges, há que se ressaltar serem eles decorrentes do dever de mútua assistência entre o casal, como um dos efeitos do casamento. No tocante à fixação do quantum a ser honrado, salientar-se a doutrina de Yussef Said Cahali: “os alimentos devem ser fixados para atender à situação familiar deixada pelo réu no lar que abandonou“.

E o outro item que deve ser resolvido na separação diz respeito à partilha dos bens entre o casal. Vale dizer que irá prevalecer o regime de bens pelo qual optaram os cônjuges no momento das núpcias, com a única exceção concebida nos casos em que, na constância da união, optou o casal pela alteração do regime de bens, mediante postulação em juízo, conforme previsto em lei. Exatamente no particular do regime de bens que se entende da real possibilidade de ocorrência de fraude, seja para iludir terceiros, caso um dos cônjuges seja inadimplente, ou, até mesmo, nas situações em que um cônjuge acaba fraudando o outro.

Independentemente do regime de bens contratado no momento da celebração das núpcias, os consortes ainda enfrentam os direitos e deveres decorrentes do casamento, quando ocorrer o falecimento de um dos dois, o que será analisado.

1.2 O Direito das Sucessões e a Nova Legislação

Itabaiana de Oliveira apresenta um apanhado histórico para desenvolver as noções a respeito do Direito Sucessório ao longo dos anos. Primeiramente, remete à noção de propriedade, a partir do momento em que esta é tratada como perpétua e que, desse modo, só poderá ser titularizada e mantida pela família, o que acabou fazendo com que se estreitassem os laços de afeição, pela transmissão da propriedade de pais a filhos.

No decorrer do tempo, foram diversas as discussões a respeito do caráter real do fenômeno sucessório, fosse ele estabelecido para garantir a continuidade e o sustento dos herdeiros, para legitimar a liberdade de testar por parte do autor da herança, ou, conforme a época, para provocar uma melhor socialização das riquezas. Deve-se, entretanto, antes de mais nada, recorrer às noções que designam o vínculo que passa a existir entre duas pessoas: o autor da herança – usualmente denominado de cujus – e o seu sucessor. E esse vínculo constitui a chamada sucessão, seja de ativos ou passivos deixados pelo falecido, devendo ser essa sucessão aberta no momento específico da morte do autor da herança. Antes de ser iniciada a análise do processamento da sucessão, há que se questionar: o que é suceder? Pontes de Miranda define o ato da sucessão da seguinte maneira:

Suceder é pospor-se no tempo. Em sentido amplíssimo, sucede, todo sujeito que se sobrepõe, no tempo, a outro, tomando, na relação jurídica, o lugar que o outro tinha. Em sentido mais estreito, mais técnico, suceder é herdar, ou haver por legado, ou haver por deixa modal: supõe a morte de quem foi sucedido.”

Nesta trilha, há que se analisar as formas pelas quais pode um cônjuge suceder ao outro – este é objeto do estudo, especificamente, na abrangência do Direito Sucessório em relação às separações e divórcios realizados mediante a procedência de escritura pública, e não sob o mando do Poder Judiciário.

                                  

1.2.1 A Nova Ordem de Vocação Hereditária           

Visto que o fenômeno da sucessão se apresenta em todas as partes do Direito Civil (e que é tido como a continuação em outrem de uma relação jurídica que cessou para o respectivo sujeito), deverá, com a sua ocorrência, ser procedida a transmissão de patrimônio (ativo e passivo) do autor da herança, provocada pela sua morte, para o sucessor, que, tão logo, se torna titular da relação jurídica tratada.

O primeiro modo de suceder – por meio da sucessão legítima – acaba sendo decorrente diretamente da morte do autor da herança e determinado pela ordem de vocação hereditária – opera-se, aqui, a real distribuição patrimonial entre os herdeiros legítimos do autor da herança, todos concorrentes entre si, conforme disposição legal: é o chamado “testamento tácito ou presumido da pessoa“. Vale dizer que a sucessão legítima pressupõe o respeito e a definição da chamada parte legítima, ou seja, uma parte que irá persistir sempre, quer existam descendentes ou ascendentes do autor da sucessão.

A legislação civil apresenta as ramificações da condição de herdeiro com a finalidade de propor a divisão entre herdeiros legítimos e testamentários. Na subdivisão dos herdeiros legítimos, existem os herdeiros necessários e os herdeiros facultativos. Entretanto, o que são, efetivamente, os herdeiros necessários? A característica atinente à figura do herdeiro necessário, que decorre da eleição da lei, faz com que seja o primeiro a receber a herança, unicamente concorrendo com outros da mesma categoria, se assim estiver disposto.

Até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, os herdeiros necessários estavam limitados aos descendentes e aos ascendentes, considerando-se sempre que os primeiros afastavam os segundos – situação jurídica que foi mantida. Ocorre que, em virtude das grandes alterações que sofreu a legislação brasileira, motivadas por diversos debates – que não datam de hoje -, uma nova figura foi acrescida à categoria, conforme o dispositivo: “Dos herdeiros necessários. Art. 1.845 do CC/02. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge“. Uma vez estabelecida a nova posição que ocupa o cônjuge sobrevivente no momento do falecimento de seu consorte, de enorme importância seja dada atenção ao dispositivo que trata da ordem de vocação hereditária, no novo Código Civil:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:       

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;   

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;         

III – ao cônjuge sobrevivente;       

IV – aos colaterais.”

As razões que levaram à inclusão do cônjuge sobrevivente no rol dos herdeiros necessários são compreensíveis, segundo a perspectiva histórica, cabendo razão a Clóvis do Couto e Silva quando afirma: “as modificações nos regimes de bens acompanham assim a história da aplicação do princípio da igualdade ao direito de família“. O relator do Livro de Direito Sucessório, Torquato Castro, alertava sobre a necessidade de extensão do status de herdeiro necessário ao cônjuge sobrevivente, em razão das modificações culturais que a sociedade brasileira enfrentava, em especial na esfera familiar, tudo como um resultado da nova configuração da entidade, de modo a não lhe fechar os olhos: “família em que todos, cada um no seu setor, se empenham no trabalho, em esforço de cooperação, na manutenção do grupo e na poupança das sobras, não será admissível negar-se a qualquer dos cônjuges o direito de receber em plena propriedade“.

Neste sentido, é possível determinar, portanto, aqueles que recebem o acervo deixado pelo morto, ou seja, a herança. Na sequência, será examinada a eventual extensão do direito à herança, que é concedido ao cônjuge sobrevivente do morto, tendo em vista a nova possibilidade jurídica de realização da separação ou divórcio em cartório.

1.2.2 O Direito Sucessório do Cônjuge Separado Extrajudicialmente            

É importante ressaltar que o direito à herança, que é concedido aos herdeiros do falecido, não está garantido unicamente por meio de disposição infraconstitucional, e sim – principalmente – pela Carta Magna, que tratou de assegurar o direito à herança como um direito fundamental daqueles que são considerados herdeiros do falecido, nos seguintes termos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:    

(…)     

XXX – é garantido o direito de herança;”

Ao longo dos mais de 30 anos em que tramitou o Projeto de Novo Código Civil, foram muitas as manifestações de juristas diversos a respeito do tema da ordem de vocação hereditária. De acordo com Torquato Castro, relator do Livro de Direito das Sucessões do Projeto de Código, uma das maiores inovações apresentadas referir-se-ia ao “tratamento que dá ao cônjuge, como figura precípua do grupo econômico familiar, conferindo-lhe a posição de herdeiro necessário, chamado à herança ao lado dos descendentes ou ascendentes“.

A redação da lei permite aferir, todavia, que a posição de herdeiro necessário cabe a todos os regimes matrimoniais, fazendo, apenas, com que herde o cônjuge sobrevivente, mesmo se existirem descendentes ou ascendentes do de cujus. Entretanto, independentemente do regime de bens contratado no momento da celebração do casamento, cabe análise específica das condições em que, eventualmente, não recebe o cônjuge sobrevivente.

É de alertar para uma ressalva apresentada em lei a respeito do direito sucessório estendido ao cônjuge sobrevivente, muito embora já separados de fato os consortes. É a única! No art. 1.830 do Código Civil, tratou o legislador de estender ao sobrevivente separado de fato do falecido, até o prazo de dois anos, a garantia do direito à herança. Isso acaba levantando a questão a respeito da legitimidade para suceder, caso tenha ocorrido a separação ou o divórcio via extrajudicial. A grande pergunta é a seguinte: se tiver sido realizada a separação por referidos procedimentos, persiste o direito à sucessão por parte do cônjuge sobrevivente?

Na sequência, ainda existe a outra possibilidade: caso separado há mais de dois anos, e não comprovada a culpa do remanescente pelo fim da sociedade, o legislador garantiu o direito a suceder para o cônjuge sobrevivente. Diz respeito às situações em que não deu causa para a separação judicial o sobrevivente, de modo que, vindo a falecer o consorte – mas que com ele não mais convivesse maritalmente pelo prazo de dois anos -, ainda persistiria o direito à parte legítima.

O entendimento deste estudo é taxativo: a partir do momento em que colocado termo ao casamento, mesmo por meio de escritura pública – pela separação ou até mesmo pelo divórcio, ainda mais agora, depois da emenda constitucional -, não persiste o direito à sucessão do cônjuge sobrevivente (que na condição de consorte não mais se encontra). Se concedida à escritura a mesma força que à separação ou ao divórcio via judicial, mas desde que tenha o mesmo objetivo, de modo a finalizar a união, por óbvio que carrega consigo os mesmos efeitos, muito embora não tenha sido realizada judicialmente.

Desta feita, a partir do momento em que separado ou divorciado via tabelionato, o sobrevivente de um casamento que não teve o fim judicialmente não mais ostenta a condição de herdeiro, tendo em vista que sua união teve fim e, consequentemente, os direitos nela originados. Isso persiste mesmo que na via extrajudicial, eis que os efeitos finais do ato se apresentam iguais. Essa separação extrajudicial não configura, em hipótese alguma, a mencionada separação de fato que alcança ao sobrevivente os direitos sucessórios.

2 Conclusão          

Portanto, por mais estranheza que cause a realização de um ato tão importante como a separação via extrajudicial, assim como buscam as partes nela interessadas a celeridade do Poder Judiciário para acabar com o vínculo conjugal, também sofrem as consequências – por óbvio – decorrentes do final da união.

Vale dizer que não persiste direito sucessório concedido ao cônjuge sobrevivente, portanto, até porque ele não se apresenta na condição de sobrevivente, eis que a união já enfrentou seu término; a sociedade conjugal já foi finalizada, tendo sido, na mesma ocasião, cessados quaisquer efeitos dela decorrentes, principalmente os que refletem o direito à herança.

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