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A SEPARAÇÃO ADMINISTRATIVA NO CPC/2015

A SEPARAÇÃO ADMINISTRATIVA NO CPC/2015

Mário Luiz Delgado

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Conflito entre a Constituição Reformada e a Legislação Ordinária Anterior: Revogação ou Inconstitucionalidade Superveniente?. 3 Analisando o Caso Concreto: Existe Conflito?; 3.1 Quanto ao Prazo de Prévia Separação de Direito ou de Fato como Requisito para o Divórcio; 3.2 Quanto aos Prazos para Propositura da Ação de Separação Judicial Litigiosa ou Consensual; 3.3 Quanto à Possibilidade de Dissolução da Sociedade Conjugal pela Separação Judicial ou Extrajudicial como Opção do Casal. 4 Destrinchando e Rebatendo os Argumentos em Contrário; 4.1 A Intenção do Legislador (Interpretação Histórica); 4.2 A Supremacia e a Força Normativa da Constituição (Interpretação Sistemática); 4.3 As Finalidades Sociais da Norma (Interpretação Teleológica). 5 Conclusões. Bibliografia Referenciada.

1 Introdução                      

Em meados de 2010 houve a aprovação da Emenda Constitucional nº 66 (PEC nº 28, de 2009), alterando o art. 226, § 6º, da Constituição, para suprimir a cláusula final do dispositivo que se referia à prévia separação, de fato ou de direito, como requisito para o divórcio [1].

A alteração, como se sabe, provocou grandes controvérsias entre os operadores jurídicos.

A primeira delas dizia respeito ao instituto da separação judicial previsto nos arts. 1.572 e seguintes do Código Civil. O fato de a Constituição não mais fazer menção à separação significou a revogação ou o banimento desse procedimento, não obstante ele continuar previsto na Lei Substantiva?

Uma outra controvérsia concernia à separação extrajudicial. A Lei nº 11.441/07, que acrescentou o art. 1.124-A ao CPC, permitindo a separação consensual em cartório, teria sido revogada com a mudança da Constituição? Uma escritura de separação extrajudicial, lavrada após a EC nº 66, seria nula, em face da suposta revogação, pela Constituição, da legislação ordinária que regulava esse procedimento? Não foram poucos os juristas de nomeada que abraçaram essa tese.

Entre os que entenderam que a separação de direito subsistiria, chegou-se ao consenso de que ela continuaria como uma faculdade, um procedimento opcional, jamais como requisito prévio para o divórcio. Respalda a esse entendimento a redação atual do CPC/2015, cujos arts. 23, III, 53, I, 189, II, 693, 731, 732 e 733 fazem alusão ao divórcio e à separação.

O objetivo deste trabalho é refletir sobre a separação de direito à luz do novo CPC. Vamos analisar as teses favoráveis e contrárias à permanência do instituto, da promulgação da EC nº 66 ao CPC/2015, para concluir se a separação permanece, pelo menos como procedimento opcional e facultativo, ou se foi revogada pela mudança constitucional.

2 Conflito entre a Constituição Reformada e a Legislação Ordinária Anterior: Revogação ou Inconstitucionalidade Superveniente?

Inicialmente, convém aclararmos quais as consequências de eventual incompatibilidade entre uma nova ordem constitucional, ainda que decorrente do poder constituinte derivado [2], e a legislação ordinária anterior. Em outras palavras: quais os possíveis efeitos da emenda constitucional em relação ao ordenamento infraconstitucional.

No sistema constitucional brasileiro tem prevalecido a tese de que as leis anteriores incompatíveis com a ordem constitucional superveniente são por ela revogadas, não se aplicando o juízo de inconstitucionalidade. Ao contrário de outros países, que admitem a chamada inconstitucionalidade superveniente [3], entre nós, havendo antinomia entre a lei ordinária e a superveniente Constituição emendada, não será cabível a ação direta de inconstitucionalidade, devendo a matéria, que é de direto intertemporal, e não de inconstitucionalidade, ser tratada à luz do art. 2º, § 1º, da LICC. Aplica-se o critério cronológico, e não o critério hierárquico, para solução desse específico conflito intertemporal – lex posterior derogat priori. A distinção é muito bem explicada por Zeno Veloso, autor de obra de referência sobre esse assunto:

Se o caso fosse de inconstitucionalidade, conforme a doutrina de Castro Nunes, ou de inconstitucionalidade superveniente, ou, ainda, de revogação em consequência de inconstitucionalidade, como pensam outros juristas, caberia a utilização do controle jurisdicional concentrado, a utilização da ação direta de inconstitucionalidade para impugnar a norma incompatível com o Texto Magno. Se, ao contrário, a questão for de revogação, e não de inconstitucionalidade, o controle de constitucionalidade não pode ser deflagrado, obviamente, e o problema se resolve pelas regras de direito intertemporal.           

(…)           

Tudo se resume em constatar se houve a perda da eficácia da norma pré-constitucional com a superveniência da nova ordem constitucional. Cabe, então, na análise do caso concreto, pedido incidental para atestar que o preceito perdeu a eficácia, caducou ou foi revogado. O problema, então, deve ser resolvido com a utilização do critério temporal (questão de vigência), e não do critério hierárquico (questão de constitucionalidade).[4]

O fato de não se poder enfrentar a questão por meio do controle de constitucionalidade impinge ainda maior complexidade à celeuma já instaurada. Caberá, pois, a qualquer órgão do Poder Judiciário decidir sobre a subsistência ou não da legislação anterior, não se aplicando sequer o quorum previsto no art. 97 da CF. A uniformização do entendimento pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça demandará ainda longos anos [5] e, enquanto a legislação ordinária supostamente incompatível com a Constituição não vier a ser revogada expressamente, muitos casos serão decididos ora de um jeito, ora de outro. Além do mais, “a decisão no sentido da revogação só terá efeito entre as partes, não estando afastado o risco de os juízes e os Tribunais terem opiniões divergentes, decidindo de uma forma e de outra, gerando confusão, estabelecendo contrastes, criando intranquilidade e trazendo insegurança para um tema que é da maior gravidade[6].

No caso da EC nº 66, ao persistirem as divergências até agora esboçadas, vislumbra-se, indubitavelmente, cenário de verdadeira insegurança jurídica.

A revogação tácita, e essa seria exatamente a hipótese em que se enquadraria a referida Emenda, constitui uma das situações normativas mais intrincadas e mais difíceis de ser identificada. Saber da compatibilidade de uma lei anterior em face de uma superveniente mutação legislativa demanda operação hermenêutica de grande complexidade [7]. E, em se tratando “de incompatibilidade com a Constituição, a matéria fica ainda mais eriçada de dúvidas, pois a solução do problema passa a ter um conteúdo político, histórico e ideológico mais acentuado[8].

Daí por que avulta a importância de aprofundarmos esse debate e tentarmos convergir as posições quanto ao verdadeiro alcance da EC nº 66 e sobre quais efeitos produziu no Código Civil e no Código de Processo Civil. Concluindo-se que estes continuam em pleno vigor, não tendo sido atingidos pela mudança, caberá aos entusiastas da emenda empreender os mesmos esforços que denotaram à causa da aprovação da PEC à luta pela eventual alteração, ou mesmo pela revogação, da legislação ordinária disciplinadora da separação legal.

3 Analisando o Caso Concreto: Existe Conflito?   

Conflito ou antinomia de normas ocorre quando presente uma tal contradição que impossibilite a sua aplicação simultânea, impondo, assim, o afastamento de uma delas do sistema. As normas antinômicas não se conciliam e não admitem conviver, razão pela qual o próprio sistema normativo provê critérios e mecanismos de eliminação do conflito, os quais serão estudados ora pela teoria geral do direito, ora pelo direito intertemporal [9].

No caso concreto, resta saber se houve revogação do Código Civil e da Lei nº 11.441, na parte referente à separação legal, pela superveniência da emenda constitucional, o que exigirá do intérprete aprofundado exame sobre a compatibilidade da norma anterior com o preceito constitucional.

Vejamos qual foi a alteração implementada pela EC nº 66 e em que aspectos o novo § 6º do art. 226 se compatibiliza ou se incompatibiliza com o ordenamento infraconstitucional.

O quadro comparativo abaixo nos ajudará no raciocínio:

Redação original (art. 226): “§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”.

Redação após a reforma (art. 226): “§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

Claro, portanto, que a alteração, pelo menos do ponto de vista estritamente formal, refere-se apenas aos requisitos para o divórcio (prévia separação judicial por mais de um ano ou comprovada separação de fato por mais de dois anos), e não à existência de um procedimento (judicial ou extrajudicial) para dissolução da sociedade conjugal.

Identificamos, de logo, um conflito ou contradição da Constituição com a lei ordinária, no que se refere aos requisitos de prazo para a decretação do divórcio. Entretanto, o conflito para aí. Restringe-se a esse aspecto, não alcançando a própria existência de um procedimento autônomo para a dissolução da sociedade conjugal, nas hipóteses em que os cônjuges ainda não estiverem completamente seguros de sua decisão ou quando tencionarem discutir outras questões a latere do rompimento, como aquelas relacionadas à culpa e aos alimentos. Aprofundaremos essa ideia nos tópicos seguintes.

Observe-se que as Constituições brasileiras jamais, em tempo algum, disciplinaram, albergaram, tutelaram expressamente o processo de separação legal, que sempre foi matéria de lei ordinária.

As Constituições de 1967/1969 e 1988 mencionaram a separação apenas quando quiseram restringir ou dificultar o divórcio, elegendo-a como um requisito, como um pressuposto, como um condicionante prévio [10].

Ora, se a Constituição não disciplinava, nem sequer se referia à possibilidade de dissolução da sociedade conjugal (referindo-se apenas ora à indissolubilidade, ora à dissolução do casamento), poderemos concluir que tal procedimento desapareceu com a promulgação da emenda? Poderia a emenda haver “suprimido” aquilo que a Constituição não disciplinava?

Entendemos que não!

O raciocínio contrário nos levaria à conclusão surreal de que também a “separação de fato“, ela própria, teria sido suprimida pela alteração constitucional, uma vez que era mencionada, com a separação legal, e agora não o é mais.

Não olvidamos a possibilidade de um conflito implícito e virtual, sempre que exista uma incompatibilidade absoluta, não entre os textos normativos em sua literalidade, mas entre os princípios e os valores subjacentes aos dispositivos normativos. Tampouco sob esse prisma vislumbramos um conflito ou contradição que imponha o afastamento total do procedimento da separação legal. Que valores ou princípios estariam em colisão? A Constituição emendada reafirma o princípio da dissolubilidade do casamento pelo divórcio, expurgando, isso sim, qualquer óbice que se pudesse opor à máxima efetividade e optimização desse princípio. Mas esse princípio não colide com a manutenção de um sistema dualista que permita, por um lado, a dissolução do casamento pelo divórcio, sem delongas, sem empecilhos formais ou materiais; e, por outro, a dissolução apenas da sociedade conjugal, desde que tal procedimento não seja colocado como um requisito, uma barreira, um freio ou mesmo um redutor do princípio da dissolubilidade.

Passamos, agora, a detalhar melhor os aspectos em que a EC nº 66 se confronta com o Código Civil e quais seriam as possíveis soluções para tal conflito.

3.1 Quanto ao Prazo de Prévia Separação de Direito ou de Fato como Requisito para o Divórcio            

Nesse ponto, parece-nos inquestionáveis tanto o conflito com a regra como a colisão com o princípio da dissolubilidade do casamento, impondo-se o afastamento da lei ordinária, não subsistindo mais qualquer pré-requisito temporal para decretação do divórcio. A Constituição é clara: o casamento se dissolve pelo divórcio, independentemente de qualquer requisito ou condição preestabelecida na lei. Não havendo a Carta Magna estabelecido requisitos temporais (ou os havendo suprimido), não seria mais lícito à lei ordinária estabelecê-los. As normas constitucionais, ensina Zeno Veloso, “são dotadas de preeminência, supremacia em relação às demais leis e atos normativos que integram o ordenamento jurídico estatal. Todas as normas devem se adequar, têm de ser pertinentes, precisam se conformar com a Constituição, que é o parâmetro, o valor supremo, o nível mais elevado do direito positivo, a lex legum (a Lei das leis)[11].

A superioridade jurídica, a superlegalidade, a supremacia da Constituição, diz Barroso, “é a nota mais essencial do processo de interpretação Constitucional. É ela que confere à Lei Maior o caráter paradigmático e subordinante de todo o ordenamento, de forma tal que nenhum ato jurídico possa subsistir validamente no âmbito do Estado se contravier seu sentido[12].

Assim, pensamos que os atributos da supremacia e da força normativa da Constituição [13] terão como consequência direta a derrogação do caput e do § 2º do art. 1.580 do Código Civil, na parte referente ao prazo de separação judicial, nos casos de divórcio por conversão; e ao prazo de separação de fato, no divórcio direto.

3.2 Quanto aos Prazos para Propositura da Ação de Separação Judicial Litigiosa ou Consensual            

Pelas mesmas razões expostas no tópico anterior, entendemos derrogados o § 1º do art. 1.572 e o caput do art. 1.574, no que tange aos prazos de um ano de ruptura da vida em comum ou mais de um ano de casamento, para propositura da ação de separação judicial litigiosa ou consensual. Ora, se para a dissolução do casamento, que constitui fato de maior relevância para o direito de família, não se exige mais qualquer requisito temporal, seria uma contradição exigi-lo para a dissolução da sociedade conjugal. Aqui, vale o velho adágio de que “quem pode o mais pode o menos“.

No tocante à separação e ao divórcio extrajudiciais, alteração alguma se verificou, uma vez que o art. 733 do CPC/2015 remete aos requisitos previstos na lei substantiva (observados os requisitos legais). Se foram suprimidos os requisitos de prazo, implica dizer que o divórcio extrajudicial pode ser decretado independentemente de comprovação de período anterior de separação, quer de fato ou de direito; e a separação extrajudicial também não se vincula a qualquer tipo de prazo.

3.3 Quanto à Possibilidade de Dissolução da Sociedade Conjugal pela Separação Judicial ou Extrajudicial como Opção do Casal   

Aqui não vislumbramos qualquer conflito de regras ou colisão [14] de princípios entre a legislação ordinária e a ordem constitucional superveniente, advinda a partir da EC nº 66.

Nada obsta que o casal, pelas mais variadas razões, opte, em manifestação de vontade autônoma, espontânea, livre e consciente, por postular a separação de direito, e não o divórcio. Trata-se de situação que, no futuro, talvez se torne rara, difícil de ocorrer na prática, mas que existe por previsão legislativa expressa, e, enquanto vigentes o Código Civil de 2002 e o Código de Processo Civil, com as alterações da Lei nº 11.441, não poderá ser obstada pelo juiz e muito menos pelo tabelião, os quais, se assim o fizerem, estarão atuando contra legem.

Uma vez decretada a separação, será perfeitamente possível a sua conversão em divórcio, tal como previsto no art. 1.580 do CC/02, dispensando-se, apenas, o requisito temporal.

Ressalte-se, enfim, que essa solução que estamos a propor, e que podemos chamar de “dualista opcional“, não constitui novidade alguma no direito comparado. Em Portugal, por exemplo, existe a previsão de divórcio e de separação judicial como procedimentos autônomos, podendo o casal optar por um ou por outro [15]. O Código Civil português admite a conversão da separação em divórcio e enaltece a possibilidade de reconciliação como traço distintivo entre ambos [16]. Destaque-se que esse sistema dualista foi mantido mesmo após a edição da Lei nº 61, de 31.10.08, que alterou os dispositivos do Código Civil referentes ao divórcio. Ou seja, os portugueses, na reformulação que fizeram no divórcio, mantiveram a separação judicial.

Esse sistema dualista opcional, que emerge da EC nº 66, harmoniza-se com o princípio da liberdade familiar, de fundo constitucional, na medida em que possibilita aos cônjuges a escolha entre dissolver logo o casamento ou dissolver apenas a sociedade conjugal, por razões de conveniência pessoal, aí incluídas as questões religiosas e outras de foro íntimo, nas quais o direito não deve se imiscuir [17].

Essa, portanto, foi a grande revolução da EC nº 66 [18] e que merece, sem dúvida, ser comemorada. Possibilitar aos cônjuges o livre-exercício de sua autonomia privada, optando entre a separação e o divórcio, sem ter que se submeter aos requisitos temporais pretéritos.

Assim, no sistema atualmente em vigor, quem contrair matrimônio hoje e pretender romper a relação casamentária amanhã poderá fazê-lo livremente, elegendo uma entre as duas alternativas possíveis: (i) dissolução simultânea do vínculo matrimonial e da sociedade conjugal pelo divórcio ou (ii) dissolução apenas da sociedade conjugal pela separação legal. Em ambos os casos, poderão os cônjuges, igualmente, escolher entre valer-se ou não das vias judiciais, desde que inexistam filhos menores e o rompimento seja consensual.

Registre-se, finalmente, que estas conclusões parecem coincidir com a manifestação do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, que, no Pedido de Providências 0005060-32.2010.2.00.0000, deliberou pela alteração da Resolução nº 35, no sentido de adaptá-la à EC nº 66, mantendo, expressamente, a possibilidade de lavratura de escrituras de separação extrajudicial, suprimindo, tão somente, os requisitos temporais [19].

4 Destrinchando e Rebatendo os Argumentos em Contrário    

Desde a promulgação da EC nº 66, muito se tem escrito e debatido sobre a subsistência ou a revogação das disposições legais referentes à separação de direito. E, por esse motivo, consideramos conveniente destacar (e rebater) aqui os principais argumentos utilizados pelos que perfilam a tese da revogação dos artigos do Código Civil e do CPC que versam sobre a separação de direito.

Tais argumentos podem ser compilados em três grandes grupos, de acordo com o método de interpretação empregado – histórico, sistemático ou teleológico. Para esses autores, justificariam a corrente supressiva da separação, a intenção do legislador, a força normativa da Constituição (e de seus princípios) e as finalidades sociais da norma.

4.1 A Intenção do Legislador (Interpretação Histórica)    

Um dos argumentos mais repetidos pelos que advogam a ab-rogação do instituto da separação de direito é o de que esta teria sido a “intenção do legislador”, expressa tanto na justificativa da proposta como nos diversos pareceres produzidos durante o processo legislativo [20].

Esse argumento resgata o velho embate hermenêutico entre as correntes objetivista e subjetivista, que contrapõem a mens legis a mens legislatoris. A teoria subjetiva, capitaneada, entre outros, por Savigny, Windscheid e Stammler, propugna que na interpretação da lei dever-se-ia buscar a vontade do legislador. A teoria objetiva, por sua vez, seguida por Larenz, Binding e Ferrara, defende que se deveria buscar a vontade da lei [21].

A teoria subjetiva, no entanto, encontra-se atualmente superada, como registra o mestre Oliveira Ascensão:

A querela entre objetivismo e subjetivismo é grande. No século passado, o subjetivismo dominou largamente. Os intérpretes empenhavam-se por isso em descobrir todos os elementos, como relatórios, passos da discussão parlamentar, etc., donde se pudesse inferir qual o sentido que o legislador quisera atribuir à lei. Esta posição foi hoje dominantemente desalojada pelo objetivismo. Às pretensões subjetivistas, pelo menos tal como afirmadas no século passado, opõem-se várias ordens de críticas. 1) A vontade do legislador histórico é com frequência incognoscível. Muitos antecedentes do texto não são públicos ou não são suscetíveis de prova. 2) Pode haver intervenção de várias pessoas na feitura da lei. Qual das intenções, que podem ser inteiramente divergentes, deve ser considerada a intenção do legislador? Se há um projeto, que é dado a conhecer e sujeito a discussão pública, que é emendado, que é debatido pelas câmeras, alterado e enfim aprovado, que é promulgado pelo Chefe de Estado, onde se encontra a vontade do legislador? Como será possível, havendo tantos intervenientes, determinar a intenção decisiva?[22]

Independentemente de quem tenha sido o responsável por sua elaboração, a lei depois de publicada ganha vida própria. Pouco importa qual tenha sido a intenção do legislador ou do projetista; a interpretação e a aplicação da lei são operações novas que levarão em conta diversos outros fatores, de modo que se possa apreender a sua real intenção e o seu verdadeiro alcance.

O chamado sentido da lei não deve levar em conta a intenção volitiva do legislador, mesmo porque essa intenção, como vimos nas lições de Ascensão, é bastante difícil de ser determinada. Por isso, não importa qual tenha sido a vontade subjetiva de quem fez a lei, e sim os valores e os princípios que presidirão a operação de interpretação e aplicação da lei.

Os autores que se valem da interpretação histórica como argumento pretendem atribuir força normativa à suposta “intenção do legislador“, consubstanciada, especialmente, no texto que serviu de justificativa à proposta de emenda constitucional, resgatando a teoria subjetiva da interpretação jurídica. Deduzem da justificativa da PEC as finalidades da emenda aprovada.

Todavia, convém repisar, a doutrina especializada confere pouquíssimo valor às razões subjetivas que motivaram o legislador a apresentar qualquer proposta. Alguns desses motivos são muitas vezes inconfessáveis. Preciso, a respeito, o magistério de Luís Roberto Barroso:

Apesar de desfrutar de certa reputação nos países que adotam o common law, o elemento histórico tem sido o menos prestigiado na moderna interpretação levada a efeito nos sistemas jurídicos da tradição romano-germânica. A maior parte da doutrina minimiza o papel dos projetos de lei, das discussões nas comissões, relatórios, debates em plenário. Alguns autores condenam de forma radical a sua utilização, e a jurisprudência também a tem em baixa conta (…).[23]

Ou seja, não obstante a relevância dos pareceres e das justificativas legislativas na formação da interpretação histórica, o fato é que a força normativa da lei decorre, objetivamente, do discurso normativo em si e da força da prescrição expressa no texto legal, e não daquilo que o legislador, subjetivamente, quis nele incluir. A vontade objetiva da lei sempre prevalecerá sobre qualquer intenção pessoal do legislador.

Além do mais, no caso concreto, pouco ou nenhum elemento existiria para comprovar que a justificativa do autor da proposta contou com a aderência subjetiva de todos os parlamentares que votaram a favor de sua aprovação. Os parlamentares nem sempre sabem o que estão votando. Muitos votam por orientação de seu partido ou de sua liderança, sem qualquer compromisso pessoal com o conteúdo material do texto. São pródigos e abundantes na imprensa brasileira, especialmente em programas humorísticos, exemplos de parlamentares que desconhecem o teor de propostas a favor das quais proferem os seus votos. Nesse particular, esclarecedor, e sempre atual, o magistério de Carlos Maximiliano:

“(…) a vontade do legislador não será a da maioria dos que tomam parte na votação da norma positiva; porque bem poucos se informam, com antecedência, dos termos do projeto em debate; portanto, não podem querer o que não conhecem. Quando muito, desejam o principal: por exemplo, abaixar ou elevar um imposto, cominar ou abolir uma pena. Às vezes, nem isso; no momento dos sufrágios, perguntam do que se trata, ou acompanham, indiferentes, os leaders, que por sua vez prestigiam apenas o voto de determinados membros da Comissão Permanente que emitiu parecer sobre o projeto. Logo, em última análise, a vontade do legislador é a da minoria; talvez de uma elite intelectual, dos competentes, que figuram nas assembleias políticas em menor número sempre, rari nantes in gurgite vasto.” [24]

Finalmente, cumpre lembrar aquilo que já dissemos em outros escritos, ou seja, que o legislador não é “jurista“, razão pela qual a obra legislativa é normalmente imperfeita, do ponto de vista jurídico. Todo ordenamento jurídico, como obra humana, está eivado de falhas, quer sejam decorrentes da ausência de norma jurídica para regular determinado assunto (lacunas), quer sejam decorrentes do excesso de normas regulando um mesmo caso em situação de conflituosidade. Engisch, ao tratar do princípio da unidade do sistema jurídico, defende o recurso à interpretação sistemática para corrigir erros, incorreções ou contradições na ordem jurídica, lembrando que o legislador costumeiramente coloca o mandamento de um texto jurídico em colisão com o de outro, hierarquicamente superior, cronologicamente mais antigo ou especial [25]. Os parlamentos nem sempre atendem aos ditames da sabedoria.

4.2 A Supremacia e a Força Normativa da Constituição (Interpretação Sistemática)         

Já falamos anteriormente da supremacia da Constituição e de sua prevalência, em caráter vinculativo e fundamentante [26], sobre toda a legislação infraconstitucional. A chamada supremacia material reclama que todo ato de poder constituído respeite os parâmetros substantivos que a Carta Política houver traçado[27].

Igualmente fora de dúvida que a Constituição tem força normativa, independentemente da classificação que se atribua às suas normas. Até mesmo as chamadas normas programáticas são normas positivas e possuem não só força recomendatória, mas igualmente força impositiva [28]. Não sugerem ou avisam, mas proclamam e impõem tanto ao Estado como aos particulares. As normas programáticas diferem das demais apenas no tocante ao grau de eficácia, uma vez que se dirigem preponderantemente ao legislador infraconstitucional, proibindo-o de editar normas em sentido oposto aos programas naquelas contidos [29]. Fazendo-o, a norma será declarada inconstitucional e, nesse aspecto, a eficácia da norma constitucional programática atingirá tanto o Estado como os particulares.

Celso Bandeira de Mello coloca com propriedade a questão nos termos seguintes:

Uma Constituição, desde logo, define-se como um corpo de normas jurídicas. De fora parte quaisquer outras qualificações, o certo é que consiste, antes de mais nada, em um plexo de regras de direito. A Constituição não é um simples ideário. Não é apenas uma expressão de anseios, de aspirações, de propósitos. É a transformação de um ideário, é a conversão de anseios e aspirações em regras impositivas. Em comandos. Em preceitos obrigatórios para todos: órgãos de Poder e cidadãos (…). Assim, quando dispõe sobre a realização da Justiça Social – mesmo nas regras chamadas programáticas -, está, na verdade, imperativamente, constituindo o Estado brasileiro no indeclinável dever jurídico de realizá-la.” [30]

Ou seja, também as normas programáticas, a exemplo daquelas que estabelecem direitos de natureza prestacional, ainda que não tenham aplicação imediata direta, têm uma carga de eficácia, pois elas conferem, por via reflexa, direitos subjetivos de caráter negativo, direta e indiretamente exigíveis.

Em suma, se mesmo as normas programáticas possuem força normativa e se impõem sobre a legislação infraconstitucional, com muito mais razão é de se concluir que a nova redação do § 6º do art. 226 prevalecerá sobre todo e qualquer ato legislativo que a ele se contraponha.

Esse, aliás, é um dos argumentos destacados pelo Professor Paulo Lôbo no artigo anteriormente citado, in verbis:

No direito brasileiro, há grande consenso doutrinário e jurisprudencial acerca da força normativa própria da Constituição. Sejam as normas constitucionais regras ou princípios não dependem de normas infraconstitucionais para estas prescreverem o que aquelas já prescreveram. O § 6º do art. 226 da Constituição qualifica-se como norma-regra, pois seu suporte fático é precisamente determinado: o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, sem qualquer requisito prévio, por exclusivo ato de vontade dos cônjuges.” [31]

Não temos dúvida alguma, portanto, sobre a carga normativa ostentada pela disposição constitucional reformada e sobre a sua superioridade hierárquica em relação a qualquer outra norma do ordenamento jurídico brasileiro, incluindo as disposições do novo CPC. O problema, e aqui reside a nossa discordância da tese que chamamos “antisseparatista“, é que inexiste contraposição, expressa ou tácita, entre a Constituição e a legislação ordinária, como antes já demonstramos.

Por maiores que sejam o nosso esforço e, também, a nossa simpatia pela causa, não conseguimos enxergar no texto normativo qualquer prescrição restritiva da possibilidade de dissolução da sociedade conjugal, sem dissolução do casamento, tal como colimado pelo processo de separação judicial ou pelo procedimento de separação extrajudicial. Não haverá conflito entre a prescrição constitucional de dissolução do vínculo apenas pelo divórcio e a prescrição infraconstitucional de dissolução da sociedade conjugal pela separação de direito, ainda que esse procedimento não constitua mais requisito ou pressuposto para o divórcio.

Mesmo porque, repita-se, a dicção constitucional anterior referia-se apenas ao requisito da prévia separação, e não ao instituto em si. O que foi suprimido, portanto, não foi o instituto da separação de direito, mas, sim, o requisito prévio de separação de fato (dois anos) ou separação de direito (um ano) como condição para o divórcio. Essa foi a verdadeira inovação provocada pela EC nº 66, como afirmamos em tópico anterior (vide item 3.3 supra).

4.3 As Finalidades Sociais da Norma (Interpretação Teleológica)       

Outro grupo de argumentos contrários à subsistência da separação de direito diz respeito às finalidades sociais da norma. Do ponto de vista da interpretação teleológica, indaga-se quais teriam sido os fins sociais da mutação constitucional, concluindo-se pela inutilidade social da separação de direito [32].

Ora, a utilidade social da norma, que corresponde à aderência da norma à realidade social, é um problema de eficácia, e não de validade. A eficácia social, ensina Maria Helena Diniz, tem como requisito essencial “a efetividade da aplicação jurídica, pois só se verifica na hipótese de a norma, com potencialidade para regular certas relações, ser realmente aplicada a casos concretos” [33]. Em outros termos, socialmente eficaz é a norma efetivamente obedecida. O que não significa dizer que, desprovida de eficácia social, esteja a norma desprovida de eficácia jurídica, muito menos de validade. Ela continuará eficaz do ponto de vista jurídico, vale dizer, apta a produzir efeitos, ainda que ninguém mais a aplique.

Claro que sempre se poderá objetar que, desprovida de eficácia social, a norma perdeu a sua razão de ser, impondo-se a sua revogação. E a objeção é correta. Mas, até que se opere a revogação expressa ou tácita, nos termos do art. 2º da LICC, ou por meio do controle de constitucionalidade pelo STF, a norma socialmente ineficaz permanece no ordenamento e é passível de aplicação. Nesse sentido, inclusive, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, a se ver pelo seguinte precedente:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. JOGO DO BICHO. IMPOSSIBILIDADE DE ABSOLVIÇÃO EM RAZÃO DO COSTUME. RECURSO PROVIDO POR AMBAS AS ALÍNEAS. I – O sistema jurídico brasileiro não admite possa uma lei perecer pelo desuso, porquanto, assentado no princípio da supremacia da lei escrita (fonte principal do direito), sua obrigatoriedade só termina com sua revogação por outra lei. Noutros termos, significa que não pode ter existência jurídica o costume contra legem. II – Recurso provido por ambas as alíneas.” [34]

A falta de utilidade social, portanto, não é causa de revogação da norma, mas motivação para que o legislador venha a fazê-lo, valendo-se do processo legislativo.

Demais disso, qual o problema em manter no ordenamento um modelo jurídico que poderá ou não ser utilizado? Na época da tramitação do então projeto de Código Civil [35], não foram poucos os juristas que pugnaram pela supressão de institutos, como a anticrese e o direito de superfície, ao argumento de que jamais seriam utilizados. Raríssimos são os casos concretos em que um casal opta pelo regime da participação final dos aquestos. Nem por isso estamos a ver levas de juristas a sustentar que os dispositivos pertinentes a tal regime foram (ou serão) revogados por falta de eficácia social.

Finalmente, respondendo aos que enxergarem nos argumentos acima um viés excessivamente positivista do autor, devemos acrescentar que também discordamos da afirmação de que a separação de direito perdeu toda e qualquer utilidade social [36].

Muito embora o manejo do processo de separação tenda a se reduzir bastante, em razão da possibilidade de se postular o divórcio diretamente, uma só razão já justificaria, per se, a eventual opção dos cônjuges pela separação, embasando, assim, a nossa crença na subsistência de um mínimo de eficácia social[37] nesse tipo de procedimento.

Trata-se da possibilidade de reconciliação. Enquanto no divórcio existe o rompimento definitivo do vínculo matrimonial, a separação rompe apenas a sociedade conjugal, mas os cônjuges permanecem ainda vinculados, podendo a qualquer momento se reconciliar, restaurando o casamento. No divórcio isso não é mais possível. Se o casal se arrepender depois, terá que se casar novamente, submetendo-se aos custos e às formalidades pertinentes (processo de habilitação, celebração, etc.) [38]. A grande utilidade social em admitir a possibilidade de se optar, inicialmente, pela dissolução apenas da sociedade conjugal será dar ao casal mais tempo para elaborar emocionalmente a separação, sem ter que arcar, desde logo, com o ônus do rompimento definitivo do vínculo: ônus emocional e financeiro.

Contrapondo-se a esse argumento, há quem sustente que se alguém, por motivo religioso, por exemplo, não desejar o fim do vínculo matrimonial, mas somente o da sociedade conjugal, como era possível antes da emenda, visando à eventual reconciliação, poderá propor, alcançando os mesmos resultados, a medida cautelar de separação de corpos, que faz cessar os deveres conjugais. Poderá também valer-se da mera separação de fato, passível de redução a termo, via escritura pública, para fins de prova, se assim o desejarem os separandos, sabendo que a dissolução da sociedade conjugal e do casamento, quando reconhecida, retroagirá à data em que cessada a convivência. A jurisprudência, aliás, tem caminhado a passos largos para reconhecer que a simples separação de fato faz cessar todos os efeitos jurídicos do casamento [39].

Ora, mas qual a razão de se buscar outros instrumentos quando o ordenamento já dispõe de um procedimento próprio para essas situações, que é a separação legal? Por que buscar caminhos mais tortuosos quando uma solução direta já se encontra prevista no codex material e, agora, expressamente confirmada pelo novo diploma processual?                                 

5 Conclusões        

Por tudo o que acabamos de expor, somos levados a concluir que o instituto da separação legal, quer judicial ou extrajudicial, permanece vigente e plenamente eficaz no ordenamento jurídico brasileiro. Respalda e confirma esse entendimento a redação atual do CPC/2015, cujos arts. 23, III, 53, I, 189, II, 693, 731, 732 e 733 fazem alusão ao divórcio e à separação. A grande revolução provocada pela EC nº 66 foi justamente expurgar do ordenamento qualquer requisito temporal tanto para a separação como para o divórcio.

Quer os institutos mantenham ou não a sua utilidade prática, quer tenham ou não caído em desuso, entendemos que a concretização do princípio da liberdade familiar, sob a nova ordem constitucional advinda com a EC nº 66, permite ao casal optar entre a separação de direito, administrativa ou judicial, e o divórcio.

Essa opção não poderá ser obstada nem pelo juiz, nem pelo tabelião!

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[1] Redação original: “§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”. Redação após a reforma: “§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

[2] A doutrina costuma classificar o poder constituinte em originário e derivado. O poder constituinte originário é o poder de elaborar a Constituição e apresenta como característica a não submissão a qualquer limite ou restrição prevista no ordenamento jurídico anterior. O poder constituinte derivado, por sua vez, submete-se a limites circunstanciais, temporais, formais e materiais impostos pelo poder constituinte originário. Abrange o poder reformador (prerrogativa de emendar a Constituição para modificar, suprimir ou acrescentar dispositivos), o poder decorrente (poder conferido aos entes federados para elaborarem suas constituições e leis orgânicas) e o poder revisor (poder de revisão geral da Constituição).

[3] É o caso de Portugal, Espanha e Itália.

[4] VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 232-233. Para o autor, “o grande desfavor da adoção da tese de que a lei anterior à Constituição e incompatível com ela deve ser tida como revogada é que fica fechada para a solução do conflito a via do controle abstrato de constitucionalidade. Não se poderá, portanto, ingressar com a ação direta de inconstitucionalidade” (p. 242).

[5] Salvo se o STF vier a ser provocado por meio de ADPF. A Lei nº 9.882/99, que dispõe sobre a arguição de descumprimento de preceito fundamental, estabelece que será cabível a ADPF “quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição”.

[6] VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade, p. 234: “Declarado que a lei não foi recepcionada, afasta-se a sua eficácia quanto ao objeto do litígio, somente. Nada obsta a que a mencionada lei seja aplicada em outros casos” (p. 235).

[7] A questão da revogação tácita é problema que chama a atenção do direito intertemporal. As regras aplicáveis à revogação tácita estão previstas no § 1º do art. 2º da LICC (a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior). Uma lei pode ser derrogada ou ab-rogada, não apenas quando a lei posterior o declare expressamente, mas também por incompatibilidade com a lei nova, ou ainda pelo fato de a lei posterior haver regulado completamente a matéria antes objeto de lei anterior. Nesse sentido, a doutrina de Paulo de Lacerda: “Se a nova norma vier a regular diversa e inteiramente a matéria regida pela anterior, esta poderá ser tida como revogada, seja geral ou especial, pois haverá aniquilamento total das leis reguladoras da matéria, sem distinguir entre gerais e especiais, como condição inelutável para a implantação de um regime jurídico integral diferente” (apud DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 75). Identificar se houve ou não a revogação tácita, de forma a se poder identificar ou não a presença de um conflito temporal, demanda análise complexa e constitui tarefa hermenêutica de peso, de difícil pacificação na jurisprudência ou na doutrina.

[8] VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade, p. 235.

[9] O direito intertemporal é constituído pelo conjunto de normas e princípios jurídicos cuja finalidade é resolver as questões suscitadas pela sucessão de duas leis no tempo.

[10] A Carta de 1824 sequer menciona o casamento ou sua dissolução. A CF/1891 se limita a enfatizar que a “República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita” (art. 72, § 4º). A Constituição de 1934 remete a questão para a lei ordinária (“Art. 144. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Parágrafo único. A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de casamento, havendo sempre recurso ex officio, com efeito suspensivo”). A Carta Polaca (1937) suprimiu a referência ao desquite e à anulação do casamento, limitando-se a reafirmar a indissolubilidade do vínculo (“Art. 124. A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Às famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção dos seus encargos”). A Constituição de 1946 manteve a supressão e reafirmou a indissolubilidade (“Art. 163. A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção especial do Estado”). A Constituição de 1967/1969 também não mencionou o desquite. Apenas com a Emenda Constitucional nº 9, de 1977, a separação judicial (antigo desquite) volta a ser mencionada na Constituição, agora como um requisito para o divórcio (“Art. 175. […] § 1º O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos”).

[11] VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade, p. 17.

[12] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, p. 101.

[13] A teoria da força normativa da Constituição foi originalmente desenvolvida por Konrad Hesse. Para o jurista alemão, a Constituição não é apenas um ser, mas, antes de tudo, um dever ser, ordenando e conformando a realidade. Ela não é apenas determinada pela realidade social, mas também determinante em relação a ela (Cf. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991).

[14] Alguns doutrinadores fazem a distinção terminológica entre o conflito de regras, a que chamam simplesmente de conflito, e o conflito de princípios, que denominam de colisão. Nesse sentido, vide ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2006. nota 28, p. 91-92. Em sentido contrário, ou seja, admitindo o “conflito” entre princípios, vide, por todos, GRAU, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 191.

[15] “Artigo 1.795.º-A (Efeitos) A separação judicial de pessoas e bens não dissolve o vínculo conjugal, mas extingue os deveres de coabitação e assistência, sem prejuízo do direito a alimentos; relativamente aos bens, a separação produz os efeitos que produziria a dissolução do casamento.”

[16] “Artigo 1.795.º-B (Termo da separação) A separação judicial de pessoas e bens termina pela reconciliação dos cônjuges ou pela dissolução do casamento.”

“Artigo 1.795.º-C (Reconciliação) 1. Os cônjuges podem a todo o tempo restabelecer a vida em comum e o exercício pleno dos direitos e deveres conjugais. 2. A reconciliação pode fazer-se por termo no processo de separação ou por escritura pública, e está sujeita a homologação judicial, devendo a sentença ser oficiosamente registrada. 3. Quando tenha corrido os seus termos na conservatória do registo civil, a reconciliação faz-se por termo no processo de separação e está sujeita a homologação do conservador respectivo, devendo a decisão ser oficiosamente registrada. 4. Os efeitos da reconciliação produzem-se a partir da homologação desta, sem prejuízo da aplicação, com as necessárias adaptações, do disposto nos artigos 1.669.º e 1.670.º.”

“Artigo 1.795.º-D (Conversão da separação em divórcio) 1. Decorridos dois anos sobre o trânsito em julgado da sentença que tiver decretado a separação judicial de pessoas e bens, litigiosa ou por mútuo consentimento, sem que os cônjuges se tenham reconciliado, qualquer deles pode requerer que a separação seja convertida em divórcio. 2. Se a conversão for requerida por ambos os cônjuges, não é necessário o decurso do prazo referido no número anterior.”

[17] A jurisprudência do STJ tem sido cada dia mais ativa no sentido de afastar a interferência estatal nas escolhas do casal: “Os arranjos familiares, concernentes à intimidade e à vida privada do casal, não devem ser esquadrinhados pelo direito, em hipóteses não contempladas pelas exceções legais, o que violaria direitos fundamentais enfeixados no art. 5º, inciso X, da CF/88 – o direito à reserva da intimidade assim como o da vida privada -, no intuito de impedir que se torne de conhecimento geral a esfera mais interna, de âmbito intangível da liberdade humana, nesta delicada área de manifestação existencial do ser humano” (REsp 1.107.192/PR, Relª p/ o Acórdão Minª Nancy Andrighi, j. 20.04.2010).

[18] Em sentido contrário, vide: SIMÃO, José Fernando. A PEC do divórcio: a revolução do século em matéria de direito de família. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=652>. Acesso em: 31 ago. 2010.

[19] “PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DA RESOLUÇÃO Nº 35 DO CNJ EM RAZÃO DO ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010. SUPRESSÃO DAS EXPRESSÕES ‘SEPARAÇÃO CONSENSUAL’ E ‘DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL’. IMPOSSIBILIDADE. PARCIAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. A Emenda Constitucional nº 66, que conferiu nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, dispõe sobre a dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, para suprimir o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos. Divergem as interpretações doutrinárias quanto à supressão do instituto da separação judicial no Brasil. Há quem se manifeste no sentido de que o divórcio passa a ser o único meio de dissolução do vínculo e da sociedade conjugal, outros tantos entendem que a nova disposição constitucional não revogou a possibilidade da separação, somente suprimiu o requisito temporal para o divórcio. Nesse passo, acatar a proposição feita, em sua integralidade, caracterizaria avanço maior que o recomendado, superando até mesmo possível alteração da legislação ordinária, que até o presente momento não foi definida. Pedido julgado parcialmente procedente para propor a modificação da redação da Resolução nº 35 do Conselho Nacional de Justiça, de 24 de abril de 2007, que disciplina a aplicação da Lei nº 11.441/07 pelos serviços notariais e de registro, nos seguintes termos: a) seja retirado o art. 53, que versa acerca do lapso temporal de dois anos para o divórcio direto; e b) seja conferida nova redação ao art. 52, passando o mesmo a prever: ‘Os cônjuges separados judicialmente podem, mediante escritura pública, converter a separação judicial ou extrajudicial em divórcio, mantendo as mesmas condições ou alterando-as. Nesse caso, é dispensável a apresentação de certidão atualizada do processo judicial, bastando a certidão da averbação da separação no assento do casamento’.” (Pedido de Providências 0005060-32.2010.2.00.0000, Rel. Cons. Jefferson Kravchychyn. Requerente: Instituto Brasileiro de Direito de Família. Requerido: Conselho Nacional de Justiça)

[20] No tocante à intenção do legislador, o Professor Paulo Luiz Netto Lôbo afirma textualmente o seguinte: “É certo que a interpretação histórica ou autêntica é sempre considerada com as cautelas devidas, pois, mais que a mens legislatoris, o direito se afirma com a mens legis. Mas não pode ser desconsiderada. A doutrina especializada confere-lhe importante papel, até mesmo como orientadora da própria mens legis, como procuraremos investigar a seguir. Daí ser imprescindível recordar o cerne da justificativa que fundamentou a decisão do legislador constituinte, contida na proposta de emenda constitucional: ‘Não mais se justifica a sobrevivência da separação judicial, em que se converteu o antigo desquite. Criou-se, desde 1977, com o advento da legislação do divórcio, uma duplicidade artificial entre dissolução da sociedade conjugal e dissolução do casamento, como solução de compromisso entre divorcistas e antidivorcistas, o que não mais se sustenta. Impõe-se a unificação no divórcio de todas as hipóteses de separação dos cônjuges, sejam litigiosos ou consensuais. A submissão a dois processos judiciais (separação judicial e divórcio por conversão) resulta em acréscimos de despesas para o casal, além de prolongar sofrimentos evitáveis. Por outro lado, essa providência salutar, de acordo com valores da sociedade brasileira atual, evitará que a intimidade e a vida privada dos cônjuges e de suas famílias sejam revelados e trazidos ao espaço público dos tribunais, com todo o caudal de constrangimentos que provocam, contribuindo para o agravamento de suas crises e dificultando o entendimento necessário para a melhor solução dos problemas decorrentes da separação’. Extraem-se daí duas significativas finalidades: I – A extinção da separação judicial; II – A extinção das causas subjetivas (culpa) e até mesmo de causas objetivas (tempo)” (Artigo publicado no sítio eletrônico do IBDFAM. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=629>. Acesso em: 23 ago. 2010).

[21] Esse embate não é restrito à ciência do direito, como observa Ascensão: “Um texto literário pode ser apreciado subjetivamente, perguntando-se o que o autor quis dizer (e então pesquisa-se a personalidade do criador e a circunstância histórica), ou objetivamente, perguntando-se o que significa por si, a ponto de a intenção do autor ficar reduzida a um elemento secundário de interpretação. A obra pode efetivamente ter transcendido a intenção do seu autor, ou, pelo contrário, ter ficado aquém desta” (O direito: introdução e teoria geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 412).

[22] Idem, ibidem, p. 413. Prossegue o autor: “Aderimos sem reservas à tese objetivista, como é hoje orientação dominante. Além das razões já atrás apontadas, parece-nos decisivo o fato de a lei só valer uma vez integrada na ordem social. É uma fórmula produzida para vigorar aí, e cujo sentido é condicionado pela repercussão que tem nessa ordem. Esta integração da lei na ordem social importa o apagamento do legislador após o ato de criação normativa. Torna-se mais importante verificar qual o sentido que a fonte toma na ordem social que visa compor, do que o sentido pretendido pelo criador histórico” (p. 414).

[23] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 132.

[24] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 24.

[25] Cf. ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p. 313.

[26] A Constituição, para Gustavo Zagrebelsky, não pode ser mais encarada como a autoridade normativa no topo do ordenamento jurídico: ela está na base, por isso falamos em caráter fundamentante, no sentido de constituir fundamento. A Constituição torna-se, assim, “norma fundamental”, deixando de ser “norma soberana”. A Constituição soberana se impõe pelo uso da força. A Constituição como norma fundamental é regida pelo consenso e aderência das partes (Cf. ZAGREBELSKY, Gustavo. La Giustizia Costituzionale. Bologna: Il Mulino, 1988).

[27] Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios fundamentais do direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 116. Já a supremacia formal impõe que todo ato de poder constituído respeite o iter previsto na Carta Política para a sua elaboração.

[28] Das lições de Celso Lafer, oportuno o registro seguinte: “As Constituições do tipo clássico essencialmente dispõem sobre a distribuição de competência dos poderes políticos e elencam os direitos voltados para assegurar a liberdade. São, por esta razão, classificadas como Constituições-garantia (…). As Constituições contemporâneas têm características diferentes da Constituição-garantia dos séculos XVIII e XIX. Podem ser classificadas como Constituições-programáticas de ânimo dirigente, pois contêm normas definidoras de programas de ação e de linhas de orientação. É por este motivo que as Constituições do século XX, com destaque para as que foram elaboradas no Segundo Pós-Guerra, contêm, além de regras que atribuem competências, princípios gerais (…), a Constituição brasileira de 1988, como Constituição programática, não se limitou a distribuir competências e garantir direitos. Caracteriza-se pela substantiva incorporação de princípios gerais, voltados para indicar um sentido de direção que a Constituição busca imprimir à sociedade brasileira” (A internacionalização dos direitos humanos: Constituição, racismo e relações internacionais. Barueri: Manole, 2005. p. 11-13).

[29] Segundo Maria Helena Diniz, as normas programáticas têm eficácia jurídica “porque impedem que o legislador comum edite normas em sentido oposto ao direito assegurado pelo constituinte, antes mesmo da possível legislação integrativa que lhes dá plena aplicabilidade, condicionando, assim, a futura legislação com a consequência de ser inconstitucional” (Norma constitucional e seus efeitos. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 118).

[30] BANDEIRA DE MELLO, Celso A. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. Revista de Direito Público, São Paulo, RT, n. 57/58, 1981.

[31] Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=629>. Acesso em: 23 ago. 2010. Como decorrência dessa força normativa, acrescenta o autor: “Portanto, não sobrevive qualquer norma infraconstitucional que trate da dissolução da sociedade conjugal isoladamente, por absoluta incompatibilidade com a Constituição, de acordo com a redação atribuída pela PEC do divórcio. A nova redação do § 6º do art. 226 da Constituição apenas admite a dissolução do vínculo conjugal. No que respeita à interpretação sistemática, não se pode estender o que a norma restringiu. Nem se pode interpretar e aplicar a norma desligando-a de seu contexto normativo. Tampouco podem prevalecer normas do Código Civil ou de outro diploma infraconstitucional, que regulamentavam o que previsto de modo expresso na Constituição e que esta excluiu posteriormente. Inverte-se a hierarquia normativa, quando se pretende que o Código Civil valha mais que a Constituição e que esta não tenha força revocatória suficiente”.

[32] Para Paulo Luiz Netto Lôbo, o objetivo da EC nº 66 foi “permitir sem empeços e sem intervenção estatal na intimidade dos cônjuges que estes possam exercer com liberdade seu direito de desconstituir a sociedade conjugal, a qualquer tempo e sem precisar declinar os motivos. Consequentemente, quais os fins sociais da suposta sobrevivência da separação judicial, considerando que não mais poderia ser convertida em divórcio? Ou, ainda, que interesse juridicamente relevante subsistiria em buscar-se um caminho que não pode levar à dissolução do casamento, pois o divórcio é o único modo que passa a ser previsto na Constituição? O resultado da sobrevivência da separação judicial é de palmar inocuidade, além de aberto confronto com os valores que a Constituição passou a exprimir, expurgando os resíduos de quantum despótico: liberdade e autonomia sem interferência estatal. Ainda que se admitisse a sobrevivência da sociedade conjugal, a nova redação da norma constitucional permite que os cônjuges alcancem suas finalidades, com muito mais vantagem. Por outro lado, entre duas interpretações possíveis, não poderia prevalecer a que consultasse apenas o interesse individual do cônjuge que desejasse instrumentalizar a separação para o fim de punir o outro, comprometendo a boa administração da justiça e a paz social” (Artigo publicado no sítio eletrônico do IBDFAM. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=629>. Acesso em: 23 ago. 2010). Flávio Tartuce entende que manter a burocracia no fim do casamento, com o modelo bifásico (separação e divórcio), viola o princípio constitucional da máxima efetividade ou da eficiência e colide com a otimização da emenda e com a ideia de atualização do texto maior, seu objetivo maior (texto gentilmente cedido ao autor).

[33] Norma constitucional e seus efeitos. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 64.

[34] REsp 30.705/SP, Rel. Min. Adhemar Maciel, 6ª Turma, j. 14.03.95, DJ 03.04.95, p. 8.150.

[35] Nessa época, ocupávamos a função de assessor do relator-geral do projeto de lei que deu origem ao novo Código Civil brasileiro.

[36] Seria no mínimo precipitado afirmar, de antemão, que uma norma perdeu (ou perderá) a sua eficácia ou sua utilidade social. Sobre o tema, pertinente a advertência de Antônio Limongi França: “Quem detém a autoridade para afirmar que tal instituto ou figura jurídica é insignificante ou irrelevante? A partir de quais critérios pode-se chegar a este tipo de conclusão? Supondo-se que o conceito de insignificância seja bem fundamentado, perguntar-se-ia: sendo insignificante, deve-se revogá-lo ou, ao contrário, torná-lo significante?” (Cf. O Instituto da Separação e o Direito de Reconciliação, artigo integrante desta obra).

[37] Na teoria pura de Kelsen, um mínimo de eficácia é condição de validade da norma.

[38] Em sentido contrário, Zeno Veloso: “O argumento prova demais, porque quem se divorcia não precisa ficar divorciado a vida inteira. Se se arrepender, basta casar novamente com a mesma pessoa de quem se divorciou, começar uma nova vida matrimonial. E casar é rápido, fácil e, até, barato” (O novo divórcio e o que restou do passado. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=661>. Acesso em: 24 ago. 2010). Esta é uma das poucas vezes que discordamos do mestre Zeno. Casar não é tão simples assim. Muito mais simples seria a reconciliação.

[39] “DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. SUCESSÃO. COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. SUCESSÃO ABERTA QUANDO HAVIA SEPARAÇÃO DE FATO. IMPOSSIBILIDADE DE COMUNICAÇÃO DOS BENS ADQUIRIDOS APÓS A RUPTURA DA VIDA CONJUGAL. 1. O cônjuge que se encontra separado de fato não faz jus ao recebimento de quaisquer bens havidos pelo outro por herança transmitida após decisão liminar de separação de corpos. 2. Na data em que se concede a separação de corpos, desfazem-se os deveres conjugais, bem como o regime matrimonial de bens; e a essa data retroagem os efeitos da sentença de separação judicial ou divórcio. 3. Recurso especial não conhecido.” (REsp 1.065.209/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4ª Turma, j. 08.06.2010, DJe 16.06.2010)