SANEAMENTO DO PROCESSO NO CPC/2015
Gelson Amaro de Souza
SUMÁRIO: Introdução – 1. Saneamento do processo – 2. Das providências preliminares – 3. Do julgamento conforme o estado do processo – 4. Do julgamento antecipado do mérito: 4.1. Julgamento antecipado parcial do mérito: 4.1.1. Julgamento parcial; 4.1.2. Julgamento de mérito; 4.1.3. Coisa julgada e decisão de antecipação do mérito; 4.1.4. Impossibilidade de a decisão transitar em julgado; 4.1.5. Diferenças entre preclusão e coisa julgada – 5. Saneamento e organização do processo: 5.1. A questão da distribuição do ônus da prova – 6. Natureza do saneamento – 7. Objeto do saneamento – 8. Conteúdo do saneamento: 8.1. Natureza do ato do juiz – 9. Efeitos do saneamento: 9.1. Efeitos quanto ao conteúdo; 9.2. Efeitos quanto à alterabilidade e a imutabilidade – 10. Coisa Julgada: 10.1. Coisa julgada material; 10.2. Coisa julgada formal – 11. Preclusão: 11.1. Preclusão recursal: 11.1.1. Efeitos da preclusão recursal; 11.1.2. Inocorrência dos efeitos preclusivos – 11.2. Explicação do fenômeno; 11.3. Resumo esquemático dos efeitos do saneamento – Referências.
INTRODUÇÃO
Sabe-se que a finalidade do processo é proteger o direito material, impedindo a sua violação ou proporcionando a reparação quando concretamente violado. Assim é que o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, afirma que nenhuma lei poderá afastar da apreciação do Judiciário qualquer lesão ou ameaça de lesão. Assim, fica clara a preocupação do constituinte em erigir o processo como instrumento para a realização do direito material. Nesta toada, o processo existe para dar proteção ao direito material. Mas, para que isso aconteça, o processo precisa seguir o procedimento legal, sem vícios ou defeitos. A forma de corrigir os vícios e retirar os defeitos do processo ou do procedimento é o que se convencionou chamar “saneamento do processo”.
Como instrumento para a realização do direito material, o processo precisa contar com procedimento idôneo, sem vícios ou defeitos, para que possa cumprir a sua missão de proteger o direito material e realizar a justiça. Neste passo bem observou Moacyr Amaral Santos,([1]) afirmando que para servir de instrumento idôneo da jurisdição, o processo deverá formar-se e desenvolver-se regularmente. E, para que assim o seja, o Estado tem tanto ou mais interesse que as partes, devendo o juiz fiscalizar o processo, desde o seu início, de modo a atingir a sua meta, não só isento de vícios, defeitos ou irregularidades, como também em condições de se proferir sentença justa.
1 SANEAMENTO DO PROCESSO
A expressão saneamento dá a ideia de limpeza, correção, conserto, suprimento, acerto etc. A doutrina sempre ensinou que o saneamento do processo às vezes começa com a análise da petição inicial, como nos casos de despacho que manda completá-la ou emendá-la, bem como o que manda acertar a representação ou juntar documentos necessários à propositura da ação (art. 320 do CPC/2015).
Em verdade o saneamento do processo não se faz com uma providência isolada e nem um simples despacho, por isso há de entender-se que o saneamento do processo, mais se liga a uma fase processual do que a um mero despacho como se tornou conhecido na sistemática passada. Moacyr Amaral Santos ensinava que o juiz exerce função saneadora a partir do momento em que recebe e despacha a petição inicial, dando maior ênfase, especialmente, pelas chamadas providências preliminares (SANTOS, 1997, p. 247).
Calmon de Passos, por sua vez, afirmou que o revogado Código de 1973 havia reservado o nome de despacho saneador não para o que expunge o processo de seus vícios e irregularidades, mas para aquele que o declara livre desses mesmos vícios e em condições de prosseguir na fase instrutória. (Comentários ao Código de Processo Civil, v. III, p. 578). Em verdade, o nosso Código de Processo Civil de 2015 não tratou especificamente do saneamento do processo como fez o código anterior, preferindo tratar no artigo 334 das audiências de conciliação e mediação e no artigo 347 das providências preliminares, e entre estas se encontram muitas providências saneadoras, muito embora não se utilize desta expressão. Entretanto, isso não impede que o juiz tome medidas saneadoras desde o início até o fim do processo.
Muito embora não seja possível isolar o saneamento do processo em uma dada localização da legislação, o CPC/2015 procurou, dentro do possível, concentrar as matérias relacionadas ao saneamento do processo nos capítulos IX (artigos 347 a 353) e X (arts. 354 a 357).
No capítulo IX, cuida das providências preliminares e saneamento do processo, abrindo as seções I (art. 348), que trata da não incidência dos efeitos da revelia e art. 349, que permite ao revel tomar o processo e produzir provas. A seção II, que fala da alegação pelo de fato impeditivo, modificativo e extintivo do direito do autor (art. 350) e a seção III, que repete as alegações do réu (art. 351 a 353)
No capítulo X, trata do julgamento conforme o estado do processo (arts. 354 a 357) abrangendo a seção I da extinção do processo (art. 354), a seção II do julgamento antecipado do mérito (art. 355), a seção III do julgamento parcial do mérito (art. 356) e seção IV do saneamento e da organização do processo (art. 357). Percebe-se que por mais de uma vez o Código de Processo Civil de 2015, fala expressamente em saneamento (capítulo IX e seção IV do capítulo X). Mas as matérias tratadas nas outras seções destes capítulos também são inerentes ao saneamento do processo. Também as matérias constantes dos arts. 330 e 337 do CPC/2015 são relacionadas ao saneamento do processo.
2 DAS PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES
Uma vez efetuada a citação e ultrapassada a oportunidade de resposta do réu, os autos serão remetidos ao Juiz, que os analisará e determinará algumas providências complementares quando estas se fizerem necessárias (art. 347 do CPC/2015).
Havendo contestação do réu, ou mesmo sem contestação, mas, neste último caso, seja uma das hipóteses em que não ocorre o efeito da revelia (art. 348 do CPC/2015), o Juiz mandará o autor especificar as provas com as quais pretende provar os fatos alegados.
Não havendo contestação, e não sendo caso das exceções (art. 345 do CPC/2015) o Juiz julgará no estado do processo (arts. 316 e 354 c/c arts. 485 e 487 do CPC/2015).
Comparecendo o réu e alegando qualquer das matérias previstas no art. 337 do CPC/2015, o autor será ouvido no prazo de quinze (15) dias, sendo permitida a produção de prova documental (art. 350 do CPC/2015).
3 DO JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO
O cap. X, do título I, do livro I, da parte especial que trata do procedimento comum regula as formas como o processo será julgado no estado em que se encontra.
A expressão “julgamento no estado do processo” tem provocado alguma confusão, pois, muitos entendem que se trata de julgamento que extingue o processo sem julgamento de mérito. No entanto a atual legislação processual civil, no art. 354 do CPC/2015, contém redação bastante clara a indicar que se trata de julgamento de mérito quando a extinção for com base no art. 487 e sem mérito nos casos do art. 485 do CPC/2015. Os arts. 355 e 356 contêm redação clara falando em mérito, o que afasta qualquer dúvida a respeito.
A redação da seção I do capítulo X, art. 354, que trata da extinção do processo, já traz em seu bojo casos de julgamento de mérito ao se referir ao art. 487, pois este cuida de julgamento de mérito. Nesta seção, encontra-se também referência ao art. 485, e este sim, cuida da extinção do processo sem mérito. A expressão “extinção de processo” da seção X e do art. 354, que ordena que o Juiz profira sentença e, com isso, extinga o processo quando ocorrerem as hipóteses dos arts. 485 e 487. No primeiro caso, será sentença sem julgamento de mérito (art. 485) e, no segundo, extinção com julgamento de mérito (art. 487 do CPC).
A extinção do processo com base no art. 485 não corresponde ao julgamento da lide, visto que nestes casos o processo será extinto sem julgamento de mérito. Todavia, a extinção com base no art. 487 do CPC/2015 é julgamento da lide, porque, por expressa disposição da norma, já é julgado o mérito da causa. Ora, julga-se o mérito, julga-se a lide. Pois a lide é o próprio mérito.
4 DO JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO
Na seção II do capítulo X, a quem foi reservada a expressão “Do julgamento Antecipado do Mérito”, em seu art. 355, afirma que: “O juiz julgará diretamente o pedido, proferindo sentença com resolução do mérito quando: I – não houver necessidade de produção de outras provas; II – o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349”.
A redação do caput do art. 355, ao que se pensa, é equivocada, pois inicia falando sobre julgamento antecipado do pedido. Julgamento antecipado não existe. Todo julgamento deve acontecer no momento certo, e não há como antecipá-lo. Melhor seria se tivesse dito que se trata de julgamento “direto do pedido”, e não antecipado. Depois, ao se falar em julgamento do pedido, já se está referindo ao mérito, não havendo necessidade de dizer que se trata de resolução do mérito.
No inciso I do art. 355, encontra-se a casuística de que esse julgamento acontece quando não houver necessidade de produzir outras provas. Mas o inciso II acrescenta que assim também será quando o réu for revel e ocorrer o efeito da revelia previsto no art. 344 e não houver requerimento de produção de prova na forma do art. 349. Ora, já se disse que um dos efeitos da revelia é a presunção de verdadeiros os fatos narrados pelo autor (art. 344). Assim, os efeitos da revelia dispensam a produção de prova, restando tão somente matéria de direito para ser analisada. Restando somente matéria de direito, o caso de revelia constante do inciso II já estava contido no inciso I (desnecessidade de produção de outras provas).
Disposição parecida com esta no Código de Processo Civil de 1973 gerou confusão e dificultava o entendimento sobre o julgamento no estado do processo e julgamento antecipado da lide. Pensavam alguns que o julgamento antecipado da lide se dava somente quando se julgava o mérito (o que era correto) e o julgamento no estado do processo quando se extinguia o processo sem julgamento do mérito. Este último entendimento era equivocado.
Com a nova redação do art. 354 do CPC/2015, a situação parece ter ficado mais clara, pois faz referência a qualquer das hipóteses dos arts. 485 e 487, sendo que este último trata de julgamento de mérito. Esclareceu-se agora que o julgamento do estado do processo abrange as duas formas; é o gênero do qual as duas formas mencionadas são espécies. Tanto é julgamento no estado do processo a extinção do processo sem julgamento do mérito, como quando este é decidido. O chamado julgamento antecipado do pedido (que de antecipado nada tem)([2]) é uma forma de julgamento no estado do processo.
A expressão julgamento no estado do processo deve ser entendida como nos casos em que o processo fornece elementos seguros para o juiz decidir como está, sem a necessidade de nenhuma outra providência, tanto para decidir o pedido (mérito) ou para extinguir sem julgamento de mérito (pedido). Não há como separar o julgamento antecipado da lide do julgamento no estado do processo, pois aquele é uma das espécies deste. Extinguindo o processo, com ou sem o julgamento do pedido (arts. 485 e 487 do CPC/2015), o caso é de julgamento no estado do processo. Isto é, no estado em que se encontra.
4.1. Julgamento antecipado parcial do mérito
O art. 356 do CPC/2015 apresenta como inovação a possibilidade de haver julgamento de mérito em relação a alguns pedidos quando existir mais de um pedido em cumulação no mesmo processo. Trata-se de novidade, porque o CPC/1973, em sua redação originária, não continha norma semelhante. Apenas com a Lei 10.444/2002 é que se acrescentou o parágrafo sexto ao art. 273 do CPC/1973, fazendo surgir norma assemelhada.
Diz o art. 356 que o juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados, ou parcela deles (I) mostrar-se incontroverso, (II) estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355. A intenção do legislador foi das melhores. Apenas a terminologia empregada é que parece não ter sido das mais felizes.
4.1.1. Julgamento parcial
A terminologia utilizada pelo legislador não parece ser a mais aconselhada. A expressão “julgamento parcial” deve ser evitada para afastar maiores problemas.
Uma das maiores preocupações do jurisdicionado é evitar julgamento de forma parcial. A lei assegura a possibilidade de rejeição do julgador pelo jurisdicionado quando este for suspeito ou impedido, exatamente para evitar a parcialidade do julgador. Por isso é que se diz que a terminologia empregada no art. 356 do CPC/2015 não parece ser das melhores. É certo que abstraindo a forma terminológica inadequada é possível entender o que o legislador quis dizer com a expressão “parcial”. Por óbvio não pode ser em referência ao julgador parcial e nem em julgamento parcial.
Certamente o legislador quis dizer em julgamento por parte (não parcial), quando existir mais de um pedido ou mais de uma questão a ser decidida. Isso no sentido de que é facultado ao juiz julgar um pedido antes de outro ou uma questão antes de outras. Será um julgamento por parte, mas não parcial, porque a imparcialidade é um dos requisitos de qualquer julgamento. Julgar por parte é diferente de julgamento parcial. O legislador poderia ser mais preciso e utilizar a palavra “julgamento por parte” ou “julgamento de parte da demanda” ao se referir à demanda complexa, quando nela constarem vários pedidos ou várias questões a serem decididas.
Havendo vários pedidos ou várias questões a ser decididas, nada mais natural que se autorizar ao juiz julgar um pedido antes de outro, ou uma questão antes de outra, conforme a desnecessidade de produção de outras provas. É aconselhável que se julgue antes dos outros o pedido ou a questão que se trata apenas de matéria de direito ou que já conte com prova suficiente. Mas isso não implica em julgamento parcial, senão apenas em julgamento por parte da demanda. Mas esta parte (um pedido ou uma questão) deverá ser julgada imparcialmente, e não parcial como diz a norma. Julga-se um pedido ou uma questão antes de outra, mas esse julgamento deverá ser completo.
4.1.2. Julgamento de mérito
Também não parece haver laborado com adequação terminológica ao falar em julgamento parcial de mérito. Como foi visto acima, julgamento algum poderá ser parcial, visto que a imparcialidade é requisito de qualquer julgamento. O que certamente quis o legislador foi autorizar o julgamento por parte da demanda, e não por parte do mérito, porque o mérito propriamente dito é incindível. O julgamento do mérito não pode ser dividido em partes, como meio mérito ou qualquer outra fração. O mérito somente pode ser julgado por inteiro.
A palavra “mérito” vem de merecimento, e quem merece deve fazer jus, e não meio jus. Não se vê como alguém possa merecer e não merecer ao mesmo tempo, tomando-se por base o mesmo pedido. Quando o pedido é feito, o que se deve analisar é se o postulante tem ou não tem direito ao que pede. Se quem pede merece ou não merece o que pede. Assim, ao que se pensa, não se pode decidir o mérito parcialmente. Não pode haver meio merecedor.
Basta ver que o art. 356 fala em pedidos (no plural) e depois fala em parcelas deles. É certo que, havendo mais de um pedido, é possível o juiz julgar um deles antes dos outros. Para isso, basta que um ou mais pedidos não exijam outras provas. Parece certo que o que será julgado são os pedidos e, em caso de vários pedidos, pode-se julgar um ou alguns sem julgar naquele ato os demais. Todavia, o pedido que for julgado deve ser julgado por inteiro, ficando definido neste ato se o postulante tem ou não direito ao que pede. Nesta linha é que se afirma que não pode haver mérito parcial.
A parcialidade referida na lei não deve ser em relação ao mérito (merecimento), mas em relação a um ou mais pedidos, quando existirem outros que não possam ser julgados de imediato. Não se trata de parcialidade de um pedido, mas de julgamento parcial de uma relação de mais de um pedido. A parcialidade é em relação ao número de pedidos, não de um pedido único.
No parágrafo primeiro do art. 356, a lei fala que a decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida. O que pode ser líquida ou ilíquida é a obrigação constante do pedido que deve ser decidido por inteiro. O mérito nada tem a ver com liquidez ou iliquidez. Somente se pode pensar em liquidação de obrigação depois que esta é julgada por inteiro. Sem o julgamento por inteiro da obrigação, não se saberá quais serão os limites da liquidação.
Já o parágrafo segundo autoriza a parte a liquidar ou executar a obrigação reconhecida na decisão. Para liquidar e executar uma obrigação há necessidade de se saber os seus limites. Na liquidação, pode não se saber os valores exatos, mas precisa saber os seus limites exatos que se vai liquidar. Se for executar então, a obrigação já deve ser líquida e, por assim dizer, obrigação, certa, líquida e exigível, oriunda de um julgamento imparcial, não se podendo falar em execução de julgamento parcial.
4.1.3. Coisa julgada e decisão de antecipação do mérito
O parágrafo terceiro do art. 356 do CPC/2015, afirma que sendo caso de execução e havendo o trânsito em julgado da decisão, ela será realizada de forma definitiva. Mais uma vez, parece que o legislador não primou pela melhor redação. Ao falar em trânsito em julgado em parágrafo do artigo que trata do julgamento antecipado do mérito, pode gerar dúvida e até mesmo levar o intérprete a pensar que a decisão interlocutória que antecipa o julgamento de mérito poderá transitar em julgado. Todavia, parece não ser isso que a norma quer dizer.
A norma deste parágrafo diz apenas que se no momento da execução já existir trânsito em julgado, a execução será de forma definitiva. Não parece dizer que a própria decisão de antecipação de julgamento de mérito transita em julgado. Ao falar em trânsito em julgado, parece que está a norma a se referir à sentença final, que, transitada em julgado, será definitiva e, com isso, leva à definitividade também a decisão interlocutória, se com esta for compatível.
Assim, pode acontecer de a parte demorar o início da execução do julgamento antecipatório, que é decisão interlocutória, e no momento em que visa à implementação da execução já exista sentença com trânsito em julgado. Mas o trânsito somente pode ser da sentença final, e não da decisão interlocutória de julgamento antecipado do mérito, porque esta não pode passar em julgado.
Como se sabe, o julgamento antecipado do mérito é realizado por meio de decisão interlocutória, tanto que a norma se utiliza da expressão “decisão” e, no parágrafo quinto, afirma que eventual recurso será na modalidade de agravo de instrumento. O agravo de instrumento é recurso próprio de decisão interlocutória, considerada aquela que não encerra o processo. Exatamente por não encerrar o processo, a decisão não pode transitar em julgado.
4.1.4. Impossibilidade de a decisão transitar em julgado
O trânsito em julgado é instituto próprio do julgamento final do processo (sentença ou acórdão), não tendo aplicação para os casos de decisão interlocutória.([3]) Não tem aplicação por uma razão muito simples: o trânsito em julgado resulta em impossibilidade de reapreciação do julgado, o que não ocorre com a decisão interlocutória, porque esta sempre estará sujeita à revisão ou reapreciação enquanto o processo não for extinto com sentença ou acórdão final (art. 485, § 3º, do CPC/2015. A coisa julgada somente se firma depois de julgados os pedidos e o processo for extinto.([4]) Com acerto o parágrafo primeiro do art. 357 fala em decisão estável e não em coisa julgada. Diz que depois de decorrido o prazo de dias do saneamento do processo, sem manifestação das partes, a decisão fica estável. Fica estável, e não imodificável, pois coisa julgada inexiste no caso.
Imagine-se uma decisão interlocutória determinando a antecipação de certo pagamento e depois, em sentença final, julga-se totalmente improcedente a ação, ou até mesmo, ocorra extinção do processo sem julgamento de mérito por ilegitimidade de parte (art. 485, VI e § 3º, do CPC/2015), ou seja, depois de extinto o processo sem julgamento de mérito por falta de qualquer pressuposto processual (art. 485, IV e § 3º, do CPC/2015. Ainda, quando ao final se reconhece a ocorrência de prescrição (art. 487, II, do CPC/2015). Nestes casos a decisão interlocutória, ainda que irrecorrida, desaparece por força do julgamento final. São casos em que, mesmo que a decisão não seja recorrida, ela não transita em julgado,([5]) fica somente sujeita à preclusão recursal, mas pode ser alterada a qualquer momento até o final do processo, em caso de se tratar de matéria de interesse público e imprecluível.
Enquanto o processo estiver em aberto, tudo o que foi decidido intermediariamente pode ser revisto e alterado, por força da inocorrência de preclusão de matéria de ordem pública.([6]) Basta ver que até mesmo depois de proferida sentença final, em havendo recurso da sentença ou do acórdão, ainda que sem alegação das partes, o decidido na interlocutória pode ser desfeito em razão do efeito translativo,([7]) bem como, e até mesmo, por força do efeito extensivo dos recursos.([8]) O efeito extensivo do recurso de uma parte permite que se reconheça a prescrição a favor de outra que não tenha recorrido.([9])
Mesmo que ocorra decisão antecipada do mérito, seja esta parcial ou não, uma vez que o processo não é extinto com esta decisão, ela se caracteriza como interlocutória e o processo continua, podendo o juiz apreciar as questões de ordem pública a qualquer momento a pedido ou mesmo de ofício.
Ainda que ocorra a figura da preclusão em relação ao recurso de determinada parte, mas se outro recurso for interposto pela mesma ou outra parte, tudo o que antes fora julgado poderá ser alterado por força do recurso que conduza o efeito translativo. Exemplo disto pode ser encontrado para o caso em que o tribunal depare com a falta de condição da ação ou de pressuposto processual de validade ou de existência do processo, prescrição ou até mesmo de outra qualquer matéria de ordem pública.
4.1.5. Diferença entre preclusão e coisa julgada
Não parece que a norma do parágrafo 3º do art. 356 do CPC/2015 tenha pretendido dizer que a decisão interlocutória que julga antecipadamente o mérito produz coisa julgada. A referência à coisa julgada é para os casos em que já exista julgamento final com trânsito em julgado. Mas, se assim não for, o legislador laborou em insuperável equívoco. Isso porque a decisão interlocutória não passa em julgado, sendo alcançada somente pela preclusão e não pela coisa julgada. Se ela não passasse em julgado, não poderia ser revista em caso de recurso da decisão final, em razão dos efeitos translativo e extensivo. Por isso, é extremamente importante conhecer a diferença entre preclusão e coisa julgada.
Talvez o que mais tenha provocado equívoco na interpretação da coisa julgada seja a confusão que continuamente se faz entre esta e a preclusão recursal. A preclusão é instituto que tem aplicação interna no processo e se refere apenas a determinado ato. É a perda da oportunidade de praticar o ato dentro do processo. A coisa julgada se dá fora do processo e depois que este é extinto. Aplica-se em confronto com outro processo que reconduza à mesma ação. A preclusão somente é aplicável dentro daquele processo em que o ato deveria ser praticado e não o foi.
A coisa julgada impede novo julgamento em outro processo, seja a pedido ou mesmo de ofício. Quando ocorrente a coisa julgada, nem mesmo as questões de ordem pública poderão ser apreciadas em outro processo. A preclusão impede a prática do ato omitido somente dentro daquele processo, mas não impede que ato semelhante seja praticado em outro processo e nem mesmo que ocorra novo julgamento de questão de ordem pública na forma do art. 485, § 3º, do CPC/2015.
A preclusão recai sobre o ato a ser praticado no processo e pode atingir apenas uma das partes. A coisa julgada recai sobre o processo como um todo e não pode atingir somente uma das partes. Quando se dá a coisa julgada, ela o será para todas as partes no processo, não se podendo falar que passou em julgado o capítulo “a” ou o “b”, bem como, não se pode falar em trânsito em julgado para o autor ou para o réu isoladamente.([10])
A coisa julgada se dá, de regra,([11]) quando nenhum recurso mais é possível no processo. A preclusão se dá quando um ato isolado no processo não mais poderá ser praticado, mas outros poderão sê-los no mesmo processo e pela mesma parte. A preclusão impede a prática do ato dentro daquele processo; a coisa julgada impede novo julgamento da causa em outro processo.
Portanto, é de se imaginar que a referência feita ao trânsito em julgado constante do art. 356, § 3º, do CPC/2015 não está pretendendo dizer que a decisão interlocutória que julga antecipadamente o mérito em relação a um ou mais pedidos (sem finalizar o processo) alcança o trânsito em julgado. Mas, se esta foi a intenção do legislador, o equívoco é evidente e a doutrina e a jurisprudência por certo terão que ditar o rumo que a interpretação e a aplicação desta norma deva seguir.
5 SANEAMENTO E ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO
O saneamento do processo, a rigor, deve ter cabimento em todas as modalidades de processo e procedimento, eis que, sempre que o juiz determinar a emenda ou o aditamento da petição inicial, juntada de documentos necessários, citação de litisconsórcio necessário, estar-se-á diante de um ato tendente ao saneamento. Isso porque visa corrigir a falha do processo. Mas o saneamento, em sentido estrito (art. 357 do CPC/2015), deve ter lugar nos processos com procedimento comum (art. 318 do CPC/2015) e, subsidiariamente, aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução, conforme dispõe o art. 318, parágrafo único, do CPC/2015.
No saneamento, deve o juiz, quando existentes questões pendentes, resolvê-las naquele momento (art. 357, I). Deve também delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, deixando claro para as partes quais os meios de provas que serão admitidos (art. 357, II). Diz a lei que ainda deve o juiz definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373, caput, bem como seu parágrafo primeiro (art. 357, III). Delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito (art. 357, IV) e, quando for necessário, desde logo designar audiência de instrução e julgamento (art. 357, V e § 3º), concedendo às partes o prazo de quinze (15) dias para o arrolamento de testemunhas, caso seja necessária prova desta modalidade (art. 357, § 4º).
Interessante é a norma do parágrafo 2º do art. 357 do CPC/2015, sem precedente na legislação anterior, permitindo que as partes se antecipem ao juiz e, em comum acordo, delimitem as questões de fato (art. 357, II) e as questões de direito (art. 357, IV). É uma previsão benéfica para as partes, que, chegando a um consenso, lavram o acordo e o submetem ao juiz para homologação.
O grande avanço está em que, uma vez homologado este acordo, ficam delimitadas as questões de fato e de direito, de forma que as partes não podem voltar atrás. As partes e o juiz ficam vinculados ao que foi disposto no acordo, não se permitindo alteração por vontade das partes e nem por iniciativa do juiz. Ressalvam-se apenas os casos em que ocorram vícios que podem levar à nulidade do acordo.
No entanto, a norma não faz referência aos casos de questões de fato ou de direito indisponíveis, o que parece é que nestas hipóteses não poderá haver o acordo mencionado. Isso porque as questões de fato que se relacionam a direito indisponível não podem ser objeto de confissão, e assim sendo, ao que se pensa, também não poderá ser objeto de acordo probatório.
5.1. A questão da distribuição do ônus da prova
O art. 357, III, do CPC/2015 volta à questão da distribuição do ônus da prova, com uma redação um tanto quanto duvidosa. Não parece que esta norma quis alterar a natureza da inversão ou distribuição do ônus da prova, que sempre foi considerada como norma de julgamento e não de instrução.([12]) Mas uma interpretação apressada pode levar a esta terrível conclusão.
O que parece é que a norma não quis alterar a natureza de julgamento da distribuição e da inversão do ônus da prova, mas apenas impor ao juiz uma obrigação de esclarecimento no momento do saneamento a quem se incumbe o ônus da prova na forma e nos casos do art. 373 do CPC/2015. A norma do art. 357, III, do CPC/2015, ao se referir ao art. 373, não parece estar alterando a norma sobre prova. Ao contrário, mais parece estar confirmando a norma do art. 373, que já estabelece o ônus da prova. Ao falar em distribuição do ônus da prova, observado o art. 373, fica a impressão que se trata de deferimento de produção de prova para cada parte e não uma distribuição propriamente dita. Parece que a norma quis se referir à legitimidade para pedir e produzir a prova, na forma do art. 373 do CPC, e não uma distribuição diferente da prevista na norma.
A distribuição e a inversão do ônus da prova não devem ocorrer no momento do saneamento,([13]) pois se trata de norma de julgamento que deve ser verificada na sentença.([14]) A norma do art. 357, III, ao que se pensa, apenas quis que o juiz deferisse pedido de prova a quem tem ônus de prová-la e não inverter o ônus da prova, porque esta matéria somente pode ser verificada no julgamento final e não em fase de saneamento.
6 NATUREZA DO SANEAMENTO
O saneamento do processo, como foi visto, não só se prende a um único ato, como despacho, mas abrange decisões e sentença. Enquanto estiver no momento das providências preliminares, em regra se apresenta em despachos ordenatórios, que são aqueles que determinam ou ordenam a prática de algum ato, para que se limpe o vício do processo e ele possa retomar o trâmite normal. Quando já estiver no momento do julgamento conforme o estado do processo (art. 354 do CPC/2015), a solução poderá ser a extinção sem o julgamento de mérito (art. 485) e a extinção com julgamento do mérito (art. 487) sendo, em ambos os casos, atos decisórios, consubstanciado em sentença, porque põe fim ao processo.([15]) Mas, se o processo for considerado em ordem com a rejeição das preliminares apresentadas, quanto aos pressupostos e às condições da ação, tem-se uma decisão interlocutória, porque o processo continua.
Desta forma, pode-se dizer que o saneamento do processo tem a natureza complexa, que varia entre atos ordinatórios e decisórios. Por isso, Marcos Afonso Borges, ao tratar do assunto no sistema anterior, expressou:
Pelo atual sistema processual, poderá o juiz no momento do saneamento do processo: a) julgar extinto o processo com ou sem julgamento de mérito; b) conhecer diretamente do pedido e proferir julgamento antecipado da lide; ou c) não verificando nenhuma das hipóteses anteriores, proferir despacho deferindo as provas e designando data para audiência de instrução e julgamento (Enciclopédia Saraiva de Direito, v. 24, p. 214).
O saneamento vai variar de ato para ato que pode ser despacho ordinatório, decisão interlocutória ou sentença, por isso é que se fala que tem natureza complexa.
7 OBJETO DO SANEAMENTO
Falando sobre o objeto do saneamento, Galeno Lacerda, afirmou que este:
Tem por objeto, como princípio, verificar a legitimidade da relação processual, compreendidas as condições da ação. Se o fim do despacho é desimpedir o caminho para a instrução da causa, seu objeto, certamente, há de ser o exame da legitimidade da relação processual. Incluímos aqui o que a doutrina convencionou chamar pressupostos processuais e condições da ação.([16])
Depreende-se do que ficou anotado que o objeto do saneamento é sanear, limpar, sanar vícios, desimpedir o caminho (no dizer de Galeno Lacerda) etc., tudo isso voltado a uma só coisa: deixar o processo em ordem para seguir até a solução do mérito da causa. Todavia, para deixar o processo livre de vícios e embaraços que, se existentes, impedem o julgamento do mérito, o saneamento visa à verificação da existência de eventual vício e, em caso positivo, vai procurar saná-lo quando possível, determinando às partes que diligenciem o que for necessário para a regularização (art. 485, § 1º, do CPC/2015).
Neste momento o juiz vai verificar a presença dos pressupostos processuais e das condições da ação, objetivando escoimar quaisquer vícios com relação aos pressupostos processuais, para o prosseguimento normal do processo ou extinção do processo quando ausente uma das condições da ação. Em relação aos vícios ou ausência de pressupostos, na maior parte dos casos é possível a correção e o juiz determinará providências neste sentido. Somente quando for impossível a correção ou quando possível, mas não providenciada a tempo pela parte interessada é que proferirá sentença extinguindo o processo. Verbi gratia, quando não corrigido o vício ou defeito de representação (arts. 76 e 485, § 1º, do CPC/2015) no prazo, ou quando saná-los já se demonstra desde logo impossível (perempção, litispendência e coisa julgada), bem como nos casos de ausência das condições da ação em que o processo será necessariamente extinto por carência da ação.
Assim, o objeto primacial do saneamento é verificar se presentes os pressupostos processuais e as condições da ação e extinguir o processo quando impossível a correção dos vícios e corrigi-los quando possível para determinar o prosseguimento de um processo limpo e apto a chegar-se à solução de mérito com respeito à justiça e à ordem jurídica justa.
8 CONTEÚDO DO SANEAMENTO
O art. 357 do CPC/2015 procurou descrever o que deve conter o saneamento do processo, visando oferecer uma relação ampla do que deve o juiz fazer neste momento. Todavia, como nem sempre é possível a norma esgotar o conteúdo, fica em aberto a possibilidade de o juiz tomar outras medidas quando entender que são necessárias diante das circunstâncias de cada caso corrente.
8.1. Natureza do ato do juiz
No desempenho da atividade saneadora, o juiz poderá praticar vários atos, variando conforme a situação se apresenta no momento. Assim, o ato saneador pode ser despacho, decisão, sentença ou acórdão.
- a) Despacho ordinatório – acontece quando o processo contiver vício que precisa ser corrigido e o Juiz determina (ordena) essa correção ou, quando inexistir vício, declara saneado o processo e determina a especificação de prova e marca audiência. Trata-se de despacho apenas ordinatório porque está dando ordem, determinando que as partes pratiquem esse ou aquele ato processual, mas, nada está decidindo.
- b) Decisão interlocutória – há casos em que, mais do que um simples despacho ordinatório, o saneamento apresenta decisão interlocutória. Aqui já se trata de decisão ou ato decisório, que pode causar prejuízo ao interessado, por isso, já se abre as portas da via recursal. Assim é, quando no saneamento o Juiz rejeita preliminares arguidas pelo réu em relação ao autor ou do autor em relação ao réu. Ao rejeitar as preliminares, o Juiz está decidindo interlocutoriamente. Excluindo algum pedido ou alguma das partes litisconsortes, estará decidindo incidentalmente. Ao acolher ou rejeitar a produção de determinada prova, está praticando ato decisório.
- c) Sentença terminativa – quando o juiz acolher a alegação do réu de falta de pressupostos ou de condições da ação, ele extingue o processo sem julgamento do mérito (art. 485 do CPC/2015). Ao juiz não restará outra solução que não a extinção do processo sem julgamento do mérito, ao perceber que não foram cumpridos os pressupostos processuais e que nem mais poderão ser cumpridos em razão da preclusão ou da impossibilidade de cumprimento, bem como da ausência das condições da ação, esta incorrigível.
A extinção do processo por falta de pressupostos processuais ou das condições da ação, por não apreciar o mérito, será um ato decisório, consubstanciado em sentença terminativa (art. 485 do CPC/2015).
d) Sentença definitiva – ao contrário da sentença terminativa que encerra o processo sem decidir o mérito, a sentença definitiva julga o mérito e não mais permite que a partes voltem a discutir a mesma causa (art. 487 do CPC/2015). Nesses casos, a sentença de mérito é proferida no próprio momento do saneamento por duas razões muito óbvias: a) a questão não exige prova por ser apenas de direito, ou, sendo de direito e de fato, este já estiver provado nos autos e por isso dispensa outras provas; b) porque desnecessária será a continuação do processo com perda de tempo e dinheiro se o mérito já pode ser julgado desde logo. Assim, toda vez que puder julgar o mérito imediatamente, não se vê razão para não fazê-lo, mesmo porque autorizado por lei, como se vê do art. 354, ao se referir ao art. 487, II e III, também do art. 355 do CPC/2015.
- e) Acórdão – nas causas originárias que têm início diretamente nos tribunais, estes também desenvolvem as atividades saneadoras similares às que ocorrem em primeira instância.
9 EFEITOS DO SANEAMENTO
Os efeitos do saneamento poderão ser vistos por dois ângulos distintos: o primeiro sob o ponto de vista do conteúdo do ato praticado, que poderá ser ordinatório, constitutivo e declaratório; o segundo sob o ponto de vista da alterabilidade ou imutabilidade do ato praticado.
9.1. Efeitos quanto ao conteúdo
Este aspecto já foi visto no número anterior, e por isso remetemos o leitor àquele, para evitar-se repetição inútil. Expomos anteriormente que quanto aos efeitos do conteúdo do ato praticado, ele será ordinatório, constitutivo e declaratório.
No que se diz respeito aos efeitos quanto ao conteúdo dos atos praticados no saneamento, pode-se classificá-los da seguinte forma:
- a) Ordinatório – como já foi visto, são os atos que apenas ordenam a prática de outro ato ou cumprimento de alguma diligência.
- b) Constitutivo – enquanto o despacho ordinatório nada declara e nada constitui, outros atos do juiz existem que, se praticados no saneamento, mudam a situação anterior e, por isso, denominados de constitutivo, porque constituem algo novo ou desconstituem algo até então existente (constitutividade negativa). Assim ocorre quando o juiz, acolhendo as preliminares de falta de pressuposto incorrigível ou de falta de condições da ação, põe termo ao processo sem julgamento de mérito. É constitutivo negativo, porque a relação processual se extinguira. Segundo os ensinamentos de Galeno Lacerda, quando o juiz ordenar diligências saneadoras, este ato também terá feição constitutiva, pois modifica o curso do processo.
- c) Declaratório – casos existem em que o saneamento apresenta conteúdo de efeito declaratório. É o que se dá quando o juiz declara pura e simplesmente que o processo nada exige a ser saneado ou quando declara que este já foi saneado, de forma genérica. Especificamente, a decisão que rejeita as alegações de ausência de pressupostos ou de condições da ação nada mais é do que um ato declaratório da existência dos pressupostos processuais ou das condições da ação.
9.2. Efeitos quanto à alterabilidade e a imutabilidade
Ao contrário do despacho ordinatório que não incide a preclusão, existem atos decisórios que serão atingidos pela preclusão ou pela coisa julgada, conforme seja a natureza deste ato. Neste ponto devem ser estudadas a coisa julgada e a preclusão em relação aos atos praticados no saneamento.
10 COISA JULGADA
No direito brasileiro a coisa julgada ficou reservada para aos julgamentos que põem fim ao processo, seja decidindo-o pelo mérito, seja extinguindo-se sem o julgamento de mérito. Os atos decisórios que põem fim ao processo chamam-se sentença,([17]) e somente esta está sujeita à coisa julgada. Coisa julgada é a qualidade que adere à sentença tornando-a imutável, quando contra ela não mais puder ser oferecido recurso. A sentença se torna imutável e qualificada pela coisa julgada sempre que não se apresentar recurso no momento oportuno ou, se apresentado, este já tiver sido decidido. Toda vez que, ao sanear, o juiz extinguir o processo, o ato que está praticando é uma sentença, seja apenas extinguindo o processo sem julgamento do mérito (art. 485 do CPC/2015) ou quando decidir o mérito da ação (art. 487 do CPC/2015). Neste caso, o interessado poderá interpor recurso de apelação. Todavia, se não recorrer, ou se recorrer, mas a sentença for confirmada em grau de recurso, haverá coisa julgada, adquirindo o acórdão que substitui a sentença (art. 1.008 do CPC/2015) a qualidade de coisa julgada e, em razão disso, os efeitos da imutabilidade (art. 502 do CPC/2015).
Havendo sentença, mesmo que esta seja proferida por ocasião do saneamento (arts. 485 e 487 do CPC/2015), somente o recurso do interessado é que evitará o trânsito em julgado da sentença e, com isso, a sua imutabilidade. Não havendo recurso no momento oportuno, a sentença imediatamente adquire a qualidade de coisa julgada e, por conseguinte, os efeitos da imutabilidade; isto é, não mais poderá ser mudada.
10.1. Coisa julgada material
Qualquer que seja o fundamento e a disposição da sentença, ela fará sempre coisa julgada. Todavia, dependendo do que foi decidido, a coisa julgada poderá ser material ou formal.
A coisa julgada material é a qualidade que se agrega à sentença que julga ação pelo mérito. Aquela que julga o pedido. Julga-se a matéria, a lide, o litígio que está em questão e que serviu de fundamento para a demanda. Havendo o julgamento daquilo que fundamentou a demanda, tem-se o julgamento de mérito, e a sentença, ao ultrapassar todas as oportunidades de recurso, se torna definitiva, não somente em relação a este processo, mas definitivamente em relação a qualquer outro, eis que decidiu o fundamento da lide e este não pode ser renovado. Isto é a coisa julgada material. Julga-se a matéria, e não o processo. Por isso, não se pode mais renovar o assunto nem mesmo em outro processo. É a matéria que foi julgada que se torna atingida pela sentença imutável e por isso chama-se coisa julgada material. A coisa julgada material, por ser qualidade que se junta à sentença que julga o mérito (pedido, matéria, lide, litígio etc.) extravasa do processo em que foi a sentença proferida e afeta causa que não mais poderá ser posta novamente em discussão.
Exemplos dessa espécie ocorrem quando no saneador o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição e extinguir o processo com base no art. 487, II, do CPC/2015, que é julgamento de mérito. Também quando o juiz acolher a alegação de pagamento e extinguir a ação de cobrança por entender que a dívida já está paga. Ainda, quando o juiz diz pela procedência do pedido em caso que devidamente provado por documentos e estes não impugnados pelo réu.
Em todos esses casos, houve julgamento de mérito e as partes não mais poderão voltar a discuti-lo, seja no mesmo processo, seja em outro, porque à sentença se agregou a qualidade de coisa julgada material. Ressalvam-se as hipóteses especialíssimas de cabimento de ação rescisória, caso em que o julgado anterior pode ser rescindido e outro proferido em seu lugar (art. 966 do CPC/2015).
10.2. Coisa julgada formal
Outro efeito que atinge a sentença é o da coisa julgada formal, qualidade da sentença que extingue o processo sem julgamento do mérito. Ficou expresso no número anterior que, em caso de julgamento do mérito, a sentença adquire a qualidade de coisa julgada material e a lide (mérito) não mais pode ser discutida no mesmo e nem em outro processo. Neste ponto, diferente é a coisa julgada formal, qualidade que se agrega à sentença e não se permite discutir a mesma lide no mesmo processo que foi extinto, mas, de regra, podem as partes voltar a rediscutir a questão em outro processo.([18])
Tanto a sentença que decide o mérito e aquela que não decide o mérito, depois de ultrapassada a oportunidade recursal, adquire a qualidade de coisa julgada formal e a questão não pode ser discutida novamente no mesmo processo. As duas espécies de sentença adquirem a qualidade de coisa julgada formal. Todavia, em se tratando de decisão que não julgou o mérito, a coisa julgada será apenas formal. Mas, se a sentença houver julgado o mérito, aí, além da coisa julgada formal (comum a todas as sentenças), adquire também a qualidade de coisa julgada material (somente quando se julga o mérito).
Exemplos de sentenças que não decidem o mérito da questão podem ser encontrados no art. 485 do CPC/2015, entre outros, especificamente, quando se extingue a ação por falta de pressupostos ou de condições da ação. Assim, quando o processo é extinto por falta de legitimidade, interesse processual, bem como a ausência de qualquer pressuposto processual, tal qual a falta de personalidade jurídica ou judiciária, capacidade de agir, capacidade postulatória etc., o ato judicial é uma sentença terminativa do processo sem julgamento da lide, que, de regra, poderá ser renovada em outro processo. Por isso, chamada de coisa julgada formal, porque no mesmo processo não mais pode ser rediscutida a questão, mas as partes poderão fazê-lo em outro processo, ressalvadas algumas exceções que inviabilizam a repetição da ação.([19])
11 PRECLUSÃO
Este, talvez, seja um dos efeitos mais marcantes e tormentosos do saneamento do processo. Distinguir em quais situações ocorre a preclusão e quais as que não são atingidas por ela, é realmente tarefa não muito fácil. Prova disso é a grande divergência existente entre os doutrinadores.
Preclusão, a rigor, é a perda da faculdade da prática de um ato processual, por não tê-la exercido no momento oportuno. Desse modo, até parece estranho falar-se em preclusão do saneamento, pois quem saneia é o juiz e não se vê como poderia ele (juiz) deixar de praticar algum ato ou perder a oportunidade para tal. Mas não é exatamente isso o que acontece. Em vez de a preclusão ser do saneamento, o que ocorre são os efeitos preclusivos das decisões tomadas no saneamento.
Fala-se que o simples despacho ordinatório não gera efeito preclusivo e que a sentença que põe fim ao processo, seja pelo mérito ou sem ele, será agregada da qualidade de coisa julgada, e não preclusão propriamente dita. A preclusão somente pode ocorrer de atos decisórios e, mesmo assim, daqueles atos que não ponham fim ao processo e que a lei preferiu chamar de decisão, e a doutrina acrescentou os qualificativos de interlocutória ou incidental. Assim, o ato decisório que julga questão incidente durante o saneamento é uma decisão interlocutória e está sujeita aos efeitos preclusivos com relação à rediscussão da questão apreciada.
As decisões proferidas no saneamento comportam recurso de agravo de instrumento e se a parte interessada não apresentá-lo no momento oportuno não mais poderá fazê-lo em virtude da preclusão recursal que se instalará. É o que ocorre, por exemplo, quando juiz rejeita a reconvenção e determina o prosseguimento do processo principal. Há uma decisão interlocutória e se não houver recurso do réu no momento próprio, ocorrerá a preclusão recursal e não mais poderá fazê-lo. Não mais poderá apresentar recurso e nem mesmo reclamar por outro meio do não prosseguimento da reconvenção. O mesmo se dá se houver alegação de não cabimento da reconvenção e o juiz rejeitar essa alegação e determinar o seu prosseguimento. Também, se o juiz rejeitar determinada modalidade de prova, ocorrerá preclusão, se não houver recurso no momento oportuno.
É decisão interlocutória a que exclui algum litisconsorte e manda prosseguir a ação com os demais. Quando se afasta algum pedido por impossível ou incompatível e manda prosseguir o processo com relação aos outros pedidos. Da mesma forma, quando se rejeita a alegação de falta de pressupostos e condições da ação em que a parte interessada poderá recorrer por intermédio do agravo de instrumento, mas se não o fizer no momento oportuno não mais poderá fazê-lo em razão da preclusão recursal.
É bom que fique bem claro que, toda vez em que houver decisão interlocutória, isto é, aquela que não extingue o processo, o recurso quando cabível é o de agravo de instrumento, que se não apresentado no momento oportuno será atingido pela preclusão. Isto é, a parte vencida que poderá apresentar o recurso, caso não o faça no momento oportuno não mais poderá fazê-lo porque ficará impedida pela preclusão recursal. O recurso que não for apresentado no momento oportuno não mais poderá sê-lo. Em regra, toda vez que uma decisão interlocutória ficar sem recurso oportuno, será ela atingida pelos efeitos preclusos, que se irradiam da preclusão recursal. Mas esta é a regra, nada obsta a existência de exceções, como serão vistas a seguir.
11.1. Preclusão recursal
Como ficou assentado acima, a preclusão recursal é a perda da oportunidade de apresentar recurso no momento oportuno e, por isso, não mais poderá apresentá-lo. O que se perde é a oportunidade de recorrer, utilizando-se do recurso adequado e percorrendo os seus trâmites legais. A questão decidida não mais poderá ser posta em discussão por recurso. A preclusão é recursal por não mais comportar o recurso. O que se preclui é o recurso, e não a questão decidida que seria rediscutida no recurso, como pensam muitos.
A questão decidida é atingida, em regra, pela irradiação dos efeitos preclusivos da preclusão recursal, mas entre a preclusão recursal e os efeitos desta preclusão que atinge a questão decidida existe diferença. Uma coisa é a preclusão recursal e outra é a irradiação de seus efeitos à questão decidida. Às vezes ocorre a preclusão recursal, mas os efeitos preclusivos não são irradiados para a questão decidida. Neste caso, o que não cabe mais é o recurso, mas a questão não sofre os efeitos da preclusão e pode ser reapreciada pelo juiz.
A preclusão é um efeito que se agrega ao recurso, mas não se irradia às questões que podem ser apreciadas e reapreciadas sem recurso, v. g., art. 485, § 3º, do CPC/2015.
11.1.1. Efeitos da preclusão recursal
A preclusão recursal já é, por si só, um efeito que impede a propositura do recurso que não se apresentou em momento oportuno. Outro efeito da ausência de recurso é a imutabilidade da questão decidida quando sujeita à preclusão.
Uma vez decidida uma questão no saneador, não mais poderão as partes voltar a discuti-la (art. 507 do CPC/2015), operando-se com relação a essa questão os efeitos preclusivos e com isso adquire esta decisão a qualidade de imutável.
Por isso, Calmon de Passos, no mesmo âmbito de pensamento de outros doutrinadores de igual porte, sempre se referindo ao sistema anterior, assim resumiu a situação: “A interlocutória não pode ser modificada pelo juiz nos seguintes casos: a) se recorrível e o recurso não foi interposto; b) se recorrida, foi confirmada pela instância superior; c) se, embora não recorrível, o processo, tendo continuado a sua marcha, atingiu uma situação incompatível com a modificação da decisão”.([20])
Como em nossa sistemática processual (CPC/2015) nem todos os atos decisórios são recorríveis, à luz do art. 1.015 do CPC/2015, logo, a ausência de recurso oportunamente não ensejará a preclusão da matéria que pode ser revista até o final do processo. Somente nos casos arrolados no art. 1.015, I a XIII, do CPC, em que há previsão de recurso de agravo, é que a ausência do recurso oportunamente vai gerar a preclusão recursal e, por via de consequência, a irradiação dos efeitos desta preclusão à questão que não mais poderá ser discutida.
Também, se interposto e não acolhido o recurso, os efeitos preclusivos da questão julgada se instalam a ponto de ela não mais poder ser discutida nos mesmos autos. É de se notar que a preclusão recursal somente ocorre nos casos em que é cabível o recurso, porque naqueles casos em que não é cabível recurso, não pode haver preclusão recursal. Por exemplo, o mero despacho ordinatório não está sujeito a recurso e assim também não está sujeito à imutabilidade e, por isso, está fora do alcance da preclusão e da coisa julgada. Diz-se que ele é imprecluível ou não atingido pela preclusão.
11.1.2. Inocorrência dos efeitos preclusivos
Falou-se acima que não se pode confundir a preclusão recursal com os efeitos preclusivos que recaiam sobre a questão decidida. São coisas distintas e a seguir procurar-se-á esclarecer melhor o problema.
Quando o interessado apresenta recurso no momento oportuno, a questão decidida e impugnada fica submetida a novo julgamento. Mas, se não houver o recurso adequado, oportunamente ocorrerá a preclusão recursal e, por via de consequência, os efeitos desta se irradiam à questão decidida, cuja solução torna imutável. Essa é a regra (arts. 505 e 507 do CPC/2015), que, todavia, comporta exceção (art. 485, § 3º). O legislador pátrio, segundo a velha teoria de que toda exceção deve ser expressa, abriu expressamente as exceções previstas no art. 485, § 3º, ao dispor que o juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado.
Nos casos dos incisos IV, V, VI e IX do art. 485 do CPC/2015, não ocorrem os efeitos preclusivos com relação à questão decidida, muito embora ocorra a preclusão recursal. O que se quer dizer com isso é que, se no saneador o juiz deu por presente os pressupostos processuais e as condições da ação, rejeitando implícita ou expressamente as preliminares arguidas pela parte interessada, cabe a esta, se quiser ver a questão sob novo julgamento, apresentar recurso de agravo de instrumento no momento oportuno e na forma prevista em lei. Não havendo a interposição do recurso, oportunamente, perde a parte interessada o direito de interpô-lo. Isto é, preclui o ato de recorrer. Não mais poderá recorrer em razão da preclusão do recurso. Todavia, por exceção expressa em lei, apesar da preclusão do recurso, seus efeitos não irradiam à questão decidida, que poderá ser revista a qualquer momento em primeira instância antes de proferida a sentença ou pelo Tribunal em caso de recurso, porquanto não se operou o trânsito em julgado, não havendo de se falar em coisa julgada (art. 485, § 3º).
A parte não mais poderá reclamar nova apreciação por intermédio de recurso outro porque não interpôs o apropriado no momento oportuno, mas poderá, por simples manifestação nos autos, solicitar nova apreciação, conforme entende Moacyr Amaral Santos, (Primeiras linhas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, v. 2, 1981, p. 252).
Para esse renomado autor, a declaração no saneador de que o processo está saneado não faz preclusão quando, por exemplo, explícita ou implicitamente decide não ser necessária a intervenção do Ministério Público, nos casos em que esta é obrigatória. Reconhecendo mais tarde que ela o é, o juiz, seja o de primeiro grau, sejam juízes de apelação, poderá e deverá mandar que o órgão do MP seja intimado e manifeste (op. cit., p. 252).
Não ocorrerão os efeitos preclusivos da decisão que no saneador der pela citação válida e, mais tarde, percebendo que esta inexistiu ou foi inválida, o juiz pode reconhecer esse vício e anular o processo. Também a decisão no saneamento que reconhecer a capacidade da parte não gera efeito preclusivo à questão, pois o juiz, a qualquer momento percebendo que se equivocou na decisão, poderá reconhecer essa incapacidade, seja pela menoridade, seja pela saúde mental etc. e modificar o decidido.
Com relação à legitimidade da parte, a situação é igual, em caso de ser reconhecida no saneador a legitimidade de parte de alguém para pleitear como sucessor e mais tarde o juiz perceber que aquele que pleiteia não é sucessor e, por isso, não tem legitimidade, poderá decidir a questão novamente. Assim também com relação à incompetência absoluta, se o juiz se der por competente e mais tarde verificar que errou ao decidir pela competência do juízo ou foro, poderá rever a sua posição e declarar a incompetência.
São essas algumas das exceções, em que apesar da preclusão recursal, os efeitos desta não se irradiam para atingir a questão que fora decidida e, com isso, inocorrentes serão os efeitos preclusivos da decisão. A preclusão recursal impede a propositura de recurso tardio, mas não impede que as matérias não sujeitas à preclusão sejam revistas a pedido ou de ofício.
11.2. Explicação do fenômeno
Galeno Lacerda, defensor imbatível da teoria da inocorrência dos efeitos preclusivos, em passagem lapidar, deixou a seguinte exposição: “Verifica-se, portanto, que a mecanização do processo, através de termos rígidos, eivados do automatismo das preclusões; o amor à forma, em detrimento da substância e da finalidade do ato, constituem manifestações de um direito pouco evoluído” (1985, p. 155).
O mesmo autor, após apresentar uma esquematização das nulidades processuais em absolutas, por infração de norma de interesse público, relativas, por infração de norma imperativa, protetora de interesse da parte e anulabilidades, por infração de norma dispositiva em relação à parte, acaba por concluir: “Se o juiz conserva a jurisdição, para ele não preclui a faculdade de reexaminar a questão julgada, desde que ela escape à disposição da parte, por emanar de norma processual imperativa” (LACERDA, 1985, p. 160-161).
Partindo-se desse ponto de vista, chegou o autor a afirmar que a preclusão recursal somente irradia seus efeitos à decisão no curso do processo, quando a questão decidida está em dependência da disponibilidade da parte. Sendo indisponível a questão, a ausência não impede o reexame pelo juiz. Sendo disponível, a falta de recurso representa aceitação tácita da parte e, com isso, os efeitos preclusivos atingem não só as partes, mas também o juiz, que não mais poderá reapreciar a questão que já decidiu e a parte concordou, ainda que tacitamente. O mesmo autor, ao elaborar um quadro esquemático dos efeitos preclusivos do saneador, nele inseriu o seguinte: “não terá efeito preclusivo; a) quando se pronunciar sobre nulidade absoluta ou relativa, exceto se extinguir o processo; b) sempre que julgar presentes as condições da ação; c) quando repelir defesa baseada em fato suspensivo indisponível para o réu” (LACERDA, 1985, p. 177).
Calmon de Passos ensina que a decisão que entender presentes os pressupostos processuais, com presença de órgão jurisdicional, capacidade de ser parte e postulação, pode ser alterada quando se perceber a falta de qualquer destes pressupostos, porque não há relação processual, “consequentemente, não há processo” (op. cit., p. 587). Para esse autor, “onde ocorre a inexistência jurídica descabe a preclusão, porque o ato é nenhum para o direito”. Na sequência, apresenta o seguinte exemplo: “Um processo sobre dissídio individual de trabalho ajuizado perante a justiça comum é processo nenhum, não há relação processual, nem preclusão, não se podendo cogitar de efeito preclusivo do saneador” (op. cit., p. 587).
11.3. Resumo esquemático dos efeitos do saneamento
Segue aqui o resumo esquemático apresentado por Galeno Lacerda, consistente na seguinte exposição:
Esquematizando o resultado da análise feita, no que concerne à eficácia do despacho saneador sobre as questões decididas, podemos afirmar que, na ausência de recurso, tal decisão:
1º. Terá eficácia material de coisa julgada: a) se decretar a carência da ação, por impossibilidade jurídica do pedido ou ilegitimatio ad causam; b) se acolher defesa do réu baseada em fato extintivo do pedido; c) se julgar favoravelmente ao autor qualquer questão de mérito, excluídas as relativas às condições da ação.
2º. Produzirá efeito preclusivo: a) sempre que terminativa do processo; b) se rejeitar defesa baseada em fato suspensivo disponível para o réu; c) sempre que decidir de qualquer forma, questão concernente a anulabilidade ou simples irregularidade de ato processual.
3º. Não terá efeito preclusivo: a) quando se pronunciar sobre nulidade absoluta ou relativa, exceto se extinguir o processo; b) sempre que julgar presentes as condições da ação; c) quando repelir defesa baseada em fato suspensivo indisponível para o réu. (1985, p. 177).
REFERÊNCIAS
BORGES, Marcos Afonso. Enciclopédia de direito. São Paulo: Saraiva, v. 24, 1976.
CALMON DE PASSOS, J. J. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, v. III, 1976.
LACERDA, Galeno. Despacho saneador. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1985.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 1997.
SOUZA, Gelson Amaro de: Coisa julgada: impossibilidade de ser por partes. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, v. 46; Revista Jurídica-Lex, v. 55; Revista Bonijuris, n. 582.
______. Coisa julgada e o efeito extensivo do recurso. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 64, p. 73-84, jan./fev. 2015; Revista Jurídica-Lex, São Paulo: Lex, v. 72, nov./dez. 2014.
______. Extinção do processo sem julgamento do mérito e a impossibilidade de renovação da ação. Revista Jurídica, Porto Alegre: Notadez, v. 394, p. 11-40, ago. 20010.
______; SOUZA FILHO, Gelson A. Sentença: em busca de uma definição. Repertório IOB, v. III, n. 5, 1ª quinzena, mar. 2009; Revista Jurídica, Porto Alegre: Notadez, v. 376, fev. 2009.
[1] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 1997. p. 239, nº 481.
[2] Peca a legislação pela terminologia. Não pode haver julgamento antecipado, porque o juiz sempre deve decidir no momento certo. Além, do mais o juiz somente pode decidir depois que parte tomar a iniciativa do pedido (art. 2º do CPC/2015). Se o juiz julga depois que a parte pede, não pode ser este julgamento antecipado.
[3] Ver, neste sentido: SOUZA, Gelson Amaro de: Coisa julgada: impossibilidade de ser por partes. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, v. 46; Revista Jurídica-Lex, v. 55 e Revista Bonijuris, n. 582.
[4] “a imutabilidade da decisão está condicionada ao trânsito em julgado que obviamente pressupõe julgamento dos demais pedidos, pois conforme será demonstrado no capítulo seguinte é incorreto falar em trânsito em julgado parcial no regime jurídico pátrio ante a sempre presente possibilidade de reconhecimento de questões de ordem pública a qualquer tempo que, uma vez reconhecidas, prejudicam todo o processo”. MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Influência dos efeitos dos recursos no cabimento e desenvolvimento da execução provisória. RePro, São Paulo: RT, v. 165, nov. 2008. p. 85.
[5] “A respeito, é salutar a lição de José Maria Tesheiner: “Decisões interlocutórias sujeitam-se a preclusão. A sentença produz coisa julgada formal e, eventualmente, também coisa julgada material […]. As decisões proferidas no curso do processo (interlocutorial), quer atinentes ao mérito, quer atinentes às questões processuais, não fazem coisa julgada, nem mesmo no sentido formal. Em relação às decisões interlocutórias o que se produz é a preclusão, que as torna imutáveis no mesmo processo em que foram proferidas” (Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 68-69). Colocada a controvérsia sob a ótica da preclusão, tem-se que a impossibilidade de discussão do tema restringe-se ao mesmo processo, mas não a outro”. STJ. EDcl no REsp 729.705-SP (2005/0033405-3) j. 15.10.2013, DJe. 04.12.2013.
[6] “1. As matérias de ordem pública, ainda que desprovidas de prequestionamento, podem ser analisadas excepcionalmente em sede de recurso especial, cujo conhecimento se deu por outros fundamentos, à luz do efeito translativo dos recursos. Precedentes do STJ: REsp 801.154/TO, DJ. 21.05.2008; REsp 911.520/SP, DJ. 30.04.2008; REsp 869.534/SP, DJ 10.12.2007; REsp 660.519/CE, DJ. 07.11.2005. Edcl no AgRg no REsp 1.043.561-RO (2008/0064147-3). Rel. Min. Francisco Falcão. RDDP, v. 98, maio 2011. p. 134.
[7] Marcus Vinicius Rios Gonçalves, ao tratar do efeito translativo assevera: “Consiste na possibilidade de o tribunal conhecer de matérias de ordem pública, que não sejam objeto do recurso, nem tenham sido examinadas pela primeira instância. Não se confunde com o efeito devolutivo, que restitui ao tribunal o exame daquilo que foi objeto do recurso”. GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2008. p. 88.
[8] SOUZA, Gelson Amaro de: Coisa julgada e o efeito extensivo do recurso. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 64, p. 73-84, jan./fev. 2015 e Revista Jurídica-Lex, São Paulo: Lex, v. 72, nov./dez. 2014.
[9] “Reconhecimento da prescrição retroativa. Pena em concreto. Súmula nº 146 do STF, Extinção da punibilidade, art. 110 c/c art. 109, §§ 11 e 2º do Código Penal. Apelações providas. Extensão dos efeitos dos recursos previstos no art. 580 do CPP ao réu não apelante”. TRF-5ª R. Ap. 8108 (0000790-88-2005.4.05.8000). 3ª T. DJe 20.09.2011. Rep. Jur. IOB, n. 19/2011, v. III, p. 639, 1ª quinzena, out. 2011.
[10] SOUZA, Gelson Amaro de. Coisa julgada: impossibilidade de ser por partes. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, v. 46; Revista Jurídica-Lex, v. 55 e Revista Bonijuris, n. 582.
[11] Ressalvam-se apenas aqueles casos em que mesmo não sendo mais possível recurso da sentença e mesmo assim ela não passa em julgado por força de remessa de ofício ou de outro recurso anteriormente interposto antes de precluir a oportunidade recursal, ainda pendente de julgamento.
[12] “HONORÁRIOS PERICIAIS – PAGAMENTO. Inversão do ônus da prova e do custeio da perícia. Inadmissibilidade. Incidência do art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Caracterização da hipossuficiência da autora, que não a exime da responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais. Regra de julgamento e não de instrução. Recurso provido por maioria de votos. TJSP. 11ª CDPriv. AI. 7.154.702-9-SP. rel. Des. Renato Rangel Desinano; j. 16.08.2007. m.v. Bol. AASP. nº 2565-Em, p. 1487, de 03 a 09.03.2008.
[13] “PROVA – Perícia – Inversão do ônus – Deferimento, quando da prolação do despacho saneador – Impropriedade – O exame da inversão deve ocorrer no momento da prolação da sentença – Recurso provido”. TJSP. AI. 7.004.458-9. j. 06.04.2005. JTACSP, 213, p. 125.
[14] “Inversão do ônus da prova com determinação de depósito de honorários periciais – Deferimento – Decisão acerca da inversão do ônus da prova que deve ser tomada no momento da sentença – Depósito de honorários periciais a ser solucionado com base no Código de Processo Civil – Agravo de instrumento provido”. TJSP. AI. 7.308.509-3/- 11ª Câm. J. 22.01.2009. Rel. Gil Coelho. JTJSP-Lex v. 335, p. 218, abril, de 2009.
[15] Confira nosso: Sentença: em busca de uma nova definição (Coautoria com Gelson A. S. Filho), Repertório IOB, v. III, n. 5, 1ª quinzena, mar. 2009; Revista Jurídica, v. 376, p. 19-42, fev. 2009.
[16] LACERDA, Galeno. Despacho saneador. 2. ed. SAFE, 1985. p. 57.
[17] “Proferida a sentença, o juiz termina o seu ofício jurisdicional não podendo revogá-la, ainda que supostamente ilegal, sob pena de violação à coisa julgada, ensejando instabilidade nas relações jurídicas. Precedentes do STJ e desta Corte. Agravo liminarmente provido.” TJRS. AI. 70026910570. 20ª CC. Rel. José Aquino Flores de Camargo, julgado em 30.10.2008.
No mesmo sentido: TJRS-Ap. 70024121113-10ª, rel. Marco Aurélio dos Santos Caminha, j. 18.12.2008. STJ-REsp 14879/SP, 3ª T. Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 25.11.1996. STJ-REsp 95.813, 4ª Turma, rel. Min. Salvio de Figueiredo. Ver nosso: Sentença: em busca de uma nova definição (Coautoria com Gelson A.S. Filho), Repertório IOB, v. III, n. 5, 2009. 1ª quinzena, mar. 2009; Revista Jurídica, v. 376, p. 19-42, fev. 2009.
[18] Diz-se de regra, porque existem casos em que mesmo sem o julgamento do mérito não se pode repropor a ação. Veja nosso artigo: Extinção do processo sem julgamento do mérito e a impossibilidade de renovação da ação. Revista Jurídica, Porto Alegre: Notadez, v. 394, p. 11-40, ago. 2010.
[19] Vide nota anterior.
[20] CALMON DE PASSOS, J. J. Comentários ao Código de Processo Civil. v. III. p. 583.