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REVOGAÇÃO DOS TESTAMENTOS

REVOGAÇÃO DOS TESTAMENTOS

Barbara Tuyama Sollero

 

A sucessão pode ser legítima, seguindo a ordem legal de vocação hereditária, e também testamentária, quando a manifestação derradeira de vontade do autor da herança é observada quando da destinação de seu patrimônio após sua morte e eventualmente quanto a questões não patrimoniais, como a tutoria de filhos ou o reconhecimento deles.

O testamento é assim definido por De Plácido e Silva: … o ato jurídico revogável e solene, mediante o qual uma pessoa, em plena capacidade e na livre administração e disposição de seus bens, vem instituir herdeiros e legatários, determinando cláusulas e condições que da o destino a seu patrimônio, em todo, ou em parte, após a sua morte, bem assim, fazendo declarações e afirmações sobre fatos, cujo reconhecimento legitima por sua livre e espontânea vontade.

Cuida-se de negócio jurídico unilateral, gratuito, não receptício, solene e revogável.

De todas essas características, destaca-se a natureza revogável do testamento, presente tanto na atual legislação como na anterior. O testamento pode ser revogado até o último dia de vida do testador, independentemente do tempo que decorreu entre sua elaboração e a revogação. Não há falar, tampouco, em direito ou expectativa de direito dos contemplados no testamento, pois ao direito repugna a noção de herança de pessoa viva.

Na lição de Salomão de Araújo Cateb: A revogação do testamento é um ato unilateral, no qual o testador impede que sua vontade anterior seja cumprida, ou seja, sua última vontade é outra, tornando sem efeito o que já estava redigido.

Os artigos 1.969 a 1.972 do Código Civil disciplinam a revogação do testamento.

Art. 1.969. O testamento pode ser revogado pelo mesmo modo e forma como pode ser feito.

Art. 1.970. A revogação do testamento pode ser total ou parcial.

Parágrafo único. Se parcial, ou se o testamento posterior não contiver cláusula revogatória expressa, o anterior subsiste em tudo que não for contrário ao posterior.

Art. 1.971. A revogação produzirá seus efeitos, ainda quando o testamento, que a encerra, vier a caducar por exclusão, incapacidade ou renúncia do herdeiro nele nomeado; não valerá, se o testamento revogatório for anulado por omissão ou infração de solenidades essenciais ou por vícios intrínsecos.

Art. 1.972. O testamento cerrado que o testador abrir ou dilacerar, ou for aberto ou dilacerado com seu consentimento, haver-se-á como revogado.

De início, percebe-se que tal como se passava na legislação anterior (art. 1.746 do Código Civil de 1916), o testamento deve ser revogado pelo mesmo modo como foi feito, isto é, por meio de outro testamento. Neste particular, cabe referenciar que a doutrina entende que o novo testamento não precisar ser da mesma forma que o anterior para que ocorra a revogação. É suficiente que se trate de testamento válido, independentemente da forma escolhida.

Porém, como visto, deve-se tratar de testamento válido, como reforça o artigo 1.971. O ato jurídico nulo ou anulável, ainda que se trate de testamento, não pode produzir efeitos, dentre os quais se inclui a revogação do testamento anterior.

Por outro lado, caso o testamento posterior venha a caducar, por incapacidade, renúncia ou exclusão do herdeiro nele instituído, permanecerá hígida a manifestação de vontade do testador no sentido de revogar o testamento anterior. Essas circunstâncias, verificadas em momento posterior à exteriorização da vontade do de cujus, não têm o condão de alterar sua derradeira vontade.

Situação diferente se passa, conforme se verá abaixo, na hipótese de rompimento do testamento, caso em que a lei torna sem efeito o testamento por presumir que assim seria da vontade do testador.

Ainda a respeito da revogação do testamento, percebe-se que a própria lei admite seja ela total ou parcial. Assim, um testamento poderá ser inteiramente revogado ou apenas quanto a algumas disposições. Disso se conclui que é juridicamente admissível a coexistência de mais de um testamento, ambos ou todos passíveis de execução, desde que suas disposições não sejam incompatíveis.

Podem, na verdade, coexistir vários testamentos, desde que não haja incompatibilidade entre eles; havendo, prevalece o último, isto pelo princípio de que a disposição testamentária é a expressão da vontade derradeira. (RUGGIERO, 1999)

Porém, caso tenha havido reconhecimento de filho no testamento revogado, o ato de revogação não alcançará o reconhecimento por força do que dispõe o artigo 1o da Lei 8.560/92 (lei da investigação de paternidade):

Art. 1° O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:

I – no registro de nascimento;

II – por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;

III – por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;

Prosseguindo nas características do ato de revogação, pode ser ela expressa, tácita ou ficta. Será expressa quando o testamento posterior contiver cláusula explicitando o desejo de revogar o testamento anterior; será tácita quando as disposições do novo testamento forem inconciliáveis com o anterior e também na hipótese de o testamento cerrado ser aberto ou dilacerado, pelo testador ou por alguém com seu consentimento (art. 1.792). Esta última hipótese se circunscreve ao testamento cerrado. Se por exemplo, for dilacerado o traslado do testamento público, prevalecerá o ato feito perante o tabelião de notas. A revogação do testamento público exigiria outro testamento.

No que diz respeito aos legados, é também hipótese de revogação tácita a alienação que o testador faça de toda ou parte da coisa legada ou a transformação que o testador tenha realizado na coisa legada, de modo que tenha perdido as formas primitivas e denominação. É do que trata o artigo 1.939, que embora traga hipóteses diversas de caducidade do legado, quando tais causas forem levadas a efeito por desejo do testador, estar-se-á diante de revogação, e não de mera caducidade.

Caducidade é propriamente a ineficácia de uma disposição testamentária por uma causa superveniente; trata-se de um obstáculo que não existia no momento da confecção do testamento, mas que sobreveio, de modo que, sendo a disposição válida em si, em virtude do obstáculo que sobreveio não pode ter eficácia. (Ruggiero, 1999).

Já a revogação ficta, ou revogação legal, tratada pelo código civil de 1916 no mesmo capítulo dedicado à revogação do testamento, é hoje objeto de capítulo próprio, intitulado “Do Rompimento do Testamento”. Cuida-se de hipóteses em que o legislador presumiu que o testador desejaria revogar o testamento caso tivesse conhecimento de determinados fatos; quais sejam: a existência de descendente sucessível, que não existia quando da elaboração do testamento ou que era desconhecido pelo testador, desde que tal descendente o tenha sobrevivido e o fato de o testamento ter sido feito na ignorância da existência de herdeiros necessários.

A existência dessas hipóteses é magistralmente explicada por Ruggiero:

A lei parte do pressuposto que quem dispôs, se tivesse sabido ter filhos ou tivesse previsto que os viria a ter, não teria disposto a favor de estranho ou só dos filhos que tinha ou sabia ter, mas teria contemplado também o filho ignorado ou o superveniente. Ora, como não é possível estabelecer, nem mesmo por presunções, em que medida ele os teria beneficiado, mas por outro lado se deve presumir que não teria limitado a disposição à quota de reserva, a lei dispõe que todo o testamento seja considerado ineficaz, revogando-o com base na vontade presumida do testador: (…)

Porém, caso o testamento não destine a metade disponível aos herdeiros necessários já conhecidos pelo testador, ou se excluir dessa parte os seus herdeiros necessários, não haverá rompimento. Com efeito, a ratio da norma é tratar os descendentes e herdeiros necessários de forma equânime (por presunção), mas se o testador afastou todos os herdeiros necessários de receber a metade disponível, é legítimo presumir que também trataria assim o descendente desconhecido ou ainda não nascido, não havendo razão para romper-se o testamento.

Por fim, é imperioso consignar que caso venha a ser anulado o testamento que revoga o anterior, o testamento por ele revogado não voltará a ter eficácia. Em outras palavras, a anulação do testamento revogador não deita efeito represtinador sobre o testamento revogado.

Mas revogada a disposição, é um preceito positivo aquele que diz que ela não se possa ressuscitar senão mediante uma manifestação idônea da vontade, ou seja: com um n ovo testamento (art. 919), não bastando retirar ou anular o precedente ato de revogação; por outras palavras, a revogação da revogação na faz reviver o primitivo testamento (Ruggiero, 1999. Art. 919 do Código

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CATEB, Salomão de Araújo. Direito das Sucessões. 5a ed. São Paulo: Atlas, 2008.

GOMES, Orlando. Sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva. 1998.

RUGGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil. Vol. 3. Tradução da 6a edição italiana por Paolo Capitanio; atualização por Paulo Roberto Benasse. Campinas: Bookseller, 1999.