RETROVENDA: A RESTITUIÇÃO DO PREÇO E O REEMBOLSO DAS DESPESAS
Rénan Kfuri Lopes
I – A RETROVENDA E O NEGÓCIO JURÍDICO INDIRETO
Determina o artigo 505 do Código Civil: “Art. 505. O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias.”
Trata-se da retrovenda.
Assinalou o ministro Moreira Alves (A retrovenda, 2ª edição, pág. 15) que é indiscutível que a retrovenda persiste no direito moderno com a função de permitir que o vendedor, por qualquer motivo que o tenha levado a alienar a coisa, possa recuperá-la posteriormente, e, como ensinava Rubino (La compravendita, n. 227 – A, páginas 405/406), um desses motivos é o da pressão da necessidade momentânea de dinheiro, não se podendo deixar de reconhecer que, nessa hipótese de utilização normal da retrovenda (não há sequer escopo de garantia, pois o comprador quer tornar-se proprietário do imóvel que o vendedor só aliena com a aposição do pacto de retrovenda), o vendedor não receberia a quantia que lhe era entregue pelo comprador a título de preço como tal, já que, sendo sua intenção restitui-lo passado o momento da necessidade, a receberia como empréstimo e não como satisfação do direito do vendedor. Na lição do ministro Moreira Alves, isso mostra que a intenção com a qual o vendedor recebe a quantia que lhe é entregue como preço não desvirtua a causa do negócio jurídico, que é a finalidade prática para a qual, objetivamente, ele foi criado. A causa se determina objetivamente (é a função econômico-social que o direito objetivo atribui a determinado negócio jurídico), ao passo que o motivo se apura subjetivamente (diz respeito a fatos que induzam as partes a realizar o negócio jurídico). Não é, pois, a maior ou menor intensidade do elemento subjetivo, que é o motivo, que vai fazer se o transforme no elemento causa que se situa exclusivamente em plano diverso, no terreno da objetividade.
Assim só não haverá negócio jurídico indireto em sentido estrito quando à retrovenda com escopo de garantia se aponham cláusulas que sejam incompatíveis com as consequências jurídicas da compra e venda. Não se trata de negócio fiduciário, dentro da construção romana, que se caracterizava pela desproporção entre a finalidade a atingir e o meio empregado para isso, e decorre da conjugação de um negócio jurídico de eficácia real (a transferência plena e irrevogável da propriedade ou de outro direito) com um negócio de eficácia puramente obrigatória (correspondente ao pactum fiduciae, e em virtude do qual o fiduciário se obriga a usar da forma convencionada o direito que adquiriu, restituindo-o, mais tarde, ao fiduciante ou transferindo-o a terceiro). Na construção germânica, em negócio dessa natureza, o fiduciário adquire ou um direito de propriedade resolúvel, ou um direito real limitado sobre a coisa do fiduciante, ou então, em se tratando de direito de crédito, obtém direito cujo conteúdo é limitado pela lei em conformidade com o escopo visado pelas partes. Noticiou o ministro Moreira Alves (obra citada, pág. 7), na concepção devida a Dernburg, no negócio jurídico fiduciário se distinguem nitidamente a relação externa entre o fiduciário e terceiros, e a relação interna entre o fiduciário e o fiduciante; naquela, o fiduciário, surge como proprietário de uma coisa ou como titular de um direito de crédito, dispondo, perante os terceiros, das faculdades que formam o conteúdo desses direitos, nesta, o fiduciário aparece como simples mandatário do fiduciante.
Afirma-se que, na retrovenda com escopo de garantia, concorrem todos os requisitos para configurar-se o negócio juridico indireto em sentido estrito. As partes recorrem a um negócio jurídico típico (compra e venda com pacto de retrovenda), sujeitando-se à sua disciplina formal e substancial, para alcançar um fim prático ulterior (garantia de uma dívida), o qual não é normalmente atingido por parte desse negócio juridico típico.
No direito civil italiano, Roberto de Ruggiero (Instituições de direito civil, volume III, 3ª edição, pág. 240 a 243, tradução Ary dos Santos) ensinou que a venda com pacto de resgate foi vivamente combatida no momento da compilação do Código, e ainda hoje considerado por muitos um instituto perigoso pelas fáceis questões a que dá lugar, como assinalou Bonelli (Il diritto di riscatto nella compravendita e le condizioni del suo coercizio, 1895, I, pág. 592 e seguintes). O resgate convencional é um pacto que se adita à venda, pelo qual o vendedor se reserva a faculdade de retomar a coisa vendida mediante a restituição do preço, das despesas feitas e de qualquer outro pagamento legítimo feito com essa venda com as reparações necessárias e com as que aumentaram o valor da coisa ou que a acresceram. Na lição de Ruggiero é uma condição resolutiva potestativa, cuja verificação é deixada ao livre arbítrio do vendedor e que produz a rescisão da venda e o consequente regresso da propriedade da coisa ao vendedor, sem necessidade de uma declaração particular do comprador a tal determinada e, assim, mesmo contra sua vontade. Para Ruggiero (obra citada, pág. 240), isso distingue nitidamente o pacto de resgate do pactum de retrovendendo que, obriga sim o comprador a revender, mas não tendo (como aquele) eficácia real, não é por si o suficiente, sem uma nova declaração de vontade do comprador, para fazer adquirir pelo vendedor o domínio da coisa. Essa venda com pacto de resgate, no direito italiano (artigo 1.509 do Codigo Civil), é aplicável tanto à venda imobiliária como à mobiliária, gerando um estado grave de incerteza acerca da propriedade definitiva de uma coisa, não podendo ser estipulado, senão, por um prazo curto, fixado na lei italiana, em, no máximo, 5 (cinco) anos (artigo 1.501 do Código Civil italiano). O termo corre contra qualquer pessoa, ainda que de menor idade, salvo o regresso contra quem de direito, mas deve, além disso, para produzir um vínculo real, ser concluído depois da conclusão da venda, e sem alteração de preço, pois que, se for estipulado depois da conclusão da venda, não pode valer senão como um pactum de retrovendendo.
Alguns o analisam como um negócio jurídico indireto.
Os negócios jurídicos indiretos são caracterizados pelo emprego de negócios para a consecução de fins que se obtém normalmente por outro caminho. Nos negócios jurídicos indiretos, diferentemente dos dissimulados, os negócios são verdadeiros na sua totalidade, apesar de produzirem efeitos complexos. As partes não pretendem dissimular, mas conseguir efeitos jurídicos idênticos empregando simultaneamente várias formas jurídicas.
Quanto a questão da cláusula que autoriza o credor a ficar com o objeto da garantia, Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, vol. XXI, § § 2.669, pág. 332/333) alegou que “quem é outorgado em pacto de transmissão em segurança não poderia ficar subordinado à ratio legis do artigo 765 do Código Civil, porque já é o adquirente“. Tal ilação se fez com relação ao Código Civil revogado e se reforça diante da atual disciplina civil.
Discute-se sobre o retrato e a retrovenda. Disse o ministro Moreira Alves (obra citada, pág. 35) que “ainda quando o retractus resulta do contrato, é ele o direito que tem o vendedor (ou terceiro) de recuperar(ou obter) a coisa vendida, se o comprador a alienar a terceiro. Já a retrovenda atribui ao vendedor o direito de recuperar a coisa, se ele, dentro de certo prazo, o quiser, independentemente, portanto, de venda posterior do comprador a outrem“.
O contrato de compra e venda, conforme a doutrina de Orlando Gomes, in Contratos, Forense, 23ª ed., p. 222, pode ser tido como bilateral, oneroso, comutativo, ou aleatório, de execução instantânea, ou diferida. Havendo obrigações para ambas as partes, sendo para o vendedor a entrega do bem e, para o comprador, o pagamento do preço, o que também caracteriza a onerosidade da relação de compra e venda, não há dúvidas quanto à necessária bilateralidade inerente a este tipo de contrato. Isto porque, realizada a transferência a título gratuito, caracterizada estará a doação, exigindo-se, deste modo, a pretensão de vantagem patrimonial pelos contratantes. A comutatividade atribuída ao contrato de compra e venda diz respeito à equivalência da força das prestações para a realização do negócio, ainda que não necessariamente idênticas a título econômico, mas sempre interdependentes para a efetivação do pacto, ou seja, apenas havendo o pagamento, haverá a entrega da coisa.
Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, XXXIX, § 4.295, 2, pág. 168), à luz do entendimento de Lobão (Dissertação v, sobre o pacto de retrovendendo, in Fascículo de Dissertações Jurídico-Práticas, parágrafo 16, pág. 252), invocando comentário às Ordenações Filipinas (Livro IV, tit. 12), defendeu a tese de que a retrovenda pode ser aposta não apenas ao contrato de compra e venda, mas ainda ao contrato de troca, à dação em pagamento, à desapropriação, desde que a lei especial não o vede. No entanto, o ministro Moreira Alves (obra citada, pág. 116) ensinou que, ainda quando se configure nas hipóteses aventadas por Lobão e por Pontes de Miranda reserva semelhante à que se verifica na retrovenda, não se tratará propriamente de retrovenda, mas de cláusula que encerra condição resolutiva potestativa (cuja aposição ao negócio jurídico é lícita, desde que não vedada por lei especial), a que, em consequência, aplicar-se-á a disciplina das condições resolutivas em geral, e não as normas que regulam, especificamente, a retrovenda. Esta somente poderá ser aposta a contrato de compra e venda. Aliás, Hahn (Der Wiederkauf, pág. 43), invocando Glück, entende que a retrovenda não é sequer imaginável sem uma compra e venda anterior, pois ela é apenas consequência de outra compra e venda. Assim a retrovenda não pode incidir em cláusula de cessão de direitos (TJPR, RT 590/231). Há um acórdão do STF, RE 71.236, julgado em 27.5.1971, que admitiu a retrovenda em promessa de compra e venda.
Admitem a retrovenda os Códigos Civis da Itália, França, Portugal, Argentina, dentre outros.
Há diversos pactos adjetos à compra e venda. Um deles é a retrovenda.
II – O SEU OBJETO
Sua natureza é de pacto adjeto de compra e venda, pois, se for ajustada em ato apartado, deixará de ser cláusula especial, para erigir-se em promessa unilateral de vender, como explicou Agostinho Alvim (Da compra e venda e da troca, n. 163).
Seu objeto é tão-somente a venda imobiliária. Como tal, como envolve a aquisição da propriedade imóvel, deve ser levado o registro de imóveis. A cláusula de retrato só terá validade se feita em escritura pública ou em instrumento particular, nos termos da lei civil, desde que registrada em Cartório de Imóveis (Lei nº 6.015, artigo 167, I).
III – A FACULDADE DE RETRATO
A retrovenda exige a manifestação escrita da vontade de retratar.
Como observou Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, volume III, 3ª edição, pág. 182), o vendedor tem a faculdade de retracto por prazo limitado há três anos, improrrogáveis, a bem da segurança da propriedade, que seria afastada se se pudesse estipular por prazo prolongado, e mais ainda por prazo indeterminado. Se as partes não tiverem fixado presume-se pelo prazo de 3 (três) anos. Ainda para Caio Mário da Silva Pereira (obra citada, pág. 182), se houverem avençado mais longo, considera-se não escrito, o que equivale a dizer que fica reduzido a esse limite. Não pode haver tempo maior para recobro da coisa, e prevalece mesmo contra incapazes.
O direito de retrato se exerce mediante declaração do vendedor de que quer recobrar o imóvel, de natureza receptícia, porém, unilateral, acompanhada da efetiva restituição do preço e reembolso das despesas a que ele faz jus. Para Caio Mário da Silva Pereira (Instituções de direito civil, volume III, n. 225, pág. 142), “a declaração de resgate, sem perder a natureza receptícia, é unilateral, e, uma vez realizada regularmente, o comprador em de entregar a coisa sem dissentir”. Por sua vez, Sebastião de Souza (Da compra e venda, n. 149, pág. 363) considera que “dentro do prazo convencionado para o resgate, pode o vendedor torná-lo efetivo, depositando o preço, a importância das despesas feitas pelo comprador e ainda a valorização do imóvel em consequência de melhoramentos pelo comprador“. Para o ministro Moreira Alves (obra citada, pág. 199), o direito de retrato se exerce mediante declaração do vendedor de que quer recobrar o imóvel, de natureza receptícia, porém, unilateral (na linha do que ensinaram Hahn e Seckel), acompanhada da efetiva restituição do preço e reembolso das despesas a que este faz jus.
Para Cunha Gonçalves (Da compra e venda no direito comercial brasileiro, n. 85, pág. 247), o direito de retrato pode ser também penhorado e até exercido por um credor a quem seja dado em pagamento.
Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, XXXIX, § 4.291, pág. 163) asseverou: “Os credores podem, no concurso, exercê-lo, pois que se arrecada. Pode até ser arrestado, penhorado e executado, adjudicado e remido pelo devedor titular.”
Assim, o direito de retrato pode ser empenhado, arrestado, penhorado e executado (arrematado, adjudicado ou remido) e dado em pagamento.
Quem pode exercer o direito de retrato:
a) o vendedor;
b) se herdeiro;
c) seu legatário;
d) o cessionário;
e) o exequente sub-rogado;
f) o inventariante;
g) o síndico da massa falida.
Dentro do prazo expresso ou presumido, pode a coisa ser resgatada, cabendo a ação respectiva ao próprio vendedor e aos seus herdeiros ou condôminos. Mas não é suscetível de cessão por ato entre vivos.
Trata-se de pacto adjeto a compra e venda mediante a qual o vendedor estipula o direito de recobrar, em certo prazo, o imóvel que vendeu, restituindo ao adquirente o preço acompanhado das despesas realizadas.
É pacto acessório, adjeto aos contratos de compra e venda. Por conseguinte, a invalidade da cláusula de retrovenda não invalida a obrigação principal ( art. 184 CC in fine). Caracteriza-se como condição resolutiva expressa, trazendo como consequência o desfazimento da venda, retornando as partes ao estado anterior. Assim sendo, o domínio gravado com o pacto adjeto insere-se no conceito de propriedade resolúvel, ou seja, aquela que se extinguirá com o advento da condição (um determinado ato ou fato).
Caso findo o prazo de resgate, sem manifestação do vendedor, ter-se-á por irretratável o negócio de compra e venda, deixando a propriedade de ser resolúvel.
Uma pergunta aqui se faz: Para o negócio jurídico em tela se faz necessário à outorga marital ou uxória? Ensinou Agostinho Alvim (Da compra e venda e da troca, n. 162, pág. 133 e 134). Que quem compra com este pacto, celebra um negócio instável, não só por sua natureza, mas essencialmente instável, eis que a permanência do imóvel no patrimônio do adquirente fica dependendo da vontade de terceiro. Daí porque seria dispensável tal outorga. Para o ministro Moreira Alves (obra citada, pág. 119) ocorrida a condição resolutiva que é a retrovenda, e isso mediante o exercício, pelo vendedor, de seu direito de retrato, há resolução, ipso iure, do contrato de compra e venda e do domínio sobre a coisa comprada, e não uma nova alienação, desta vez do comprador ao vendedor. Ademais, não sendo o direito de retrato um direito real, mas sim um direito protestativo, não há que se considerar as hipóteses obrigatórias da outorga uxória ou marital.
A outorga é exigida em face de que o bem imóvel é base segura para a família. Há assinatura dos cônjuges na hipótese de compra e venda, pois isso poderia representar prejuízos para o grupo familiar.
Nada disso se verifica na hipótese de compra e venda de imóvel em retrovenda, no que diz respeito ao comprador, pois ainda que ele, em virtude do exercício de direito de retrato pelo vendedor, venha a perder a propriedade sobre a coisa comprada, o que se vai dar é a restauração do status quo ante, sem qualquer prejuízo para ele, restituído que é o preço e reembolsadas que são as despesas com a compra e com os melhoramentos feitos na coisa; e os juros do preço que se compensam com os frutos colhidos do imóvel, como ensinou o ministro Moreira Alves(obra citada, pág. 120).
V – O DIREITO DE RESGATE
Da mesma forma, a propriedade resolúvel também se extinguirá se o alienante exercer seu direito de resgate sobre o imóvel alienado.
Dita o artigo 506 e parágrafo do Código CIvil:
Art. 506. Se o comprador se recusar a receber as quantias a que faz jus, o vendedor, para exercer o direito de resgate, as depositará judicialmente.
Parágrafo único. Verificada a insuficiência do depósito judicial, não será o vendedor restituído no domínio da coisa, até e enquanto não for integralmente pago o comprador.
Assim, se o adquirente se recusar a devolver o prédio, negando-se a receber, dentro do prazo para resgate do imóvel, que lhe foi alienado, o quantum a que tem direito (artigo 505 do Código Civil), o alienante, para exercer seu direito, estipulado no contrato de readquirir o imóvel por ele vendido, deverá depositá-lo em juízo. E, se, porventura, o vendedor vier a consignar em juízo uma quantia inferior à devida, apenas lhe será restituída a propriedade do bem quando, dentro de prazo razoável determinado pelo juiz, pagar integralmente o comprador, complementando o numerário que lhe é devido.
Se o comprador se recusar, sem justa causa, a receber o valor da restituição do preço e o devolver o prédio, o vendedor poderá promover uma notificação para a ressalva dos direitos, consignando em juízo as importâncias exigidas pelo Código Civil, artigo 505, podendo até usar ação reivindicatória para obter de volta o imóvel, como preceitua o artigo 1.359 do Código Civil. O resgate resolve a venda, operando a reaquisição do domínio pelo vendedor.
Quanto ao prazo de 3 (anos) anos, estabelecido pelo artigo 505 do Código Civil, Maria Helena Diniz (Curso de direito civil brasileiro, 24ª edição, pág. 205) lecionou que “nada obsta que os contratantes reduzam esse prazo, visto que só lhes será vedado aumentá-los. E, além do mais, será preciso nao olvidar que, apesar da omissão do novo Código Civil, esse prazo decadencial do retrato prevalecerá ainda contra relativamente incapaz (RT, 542:100: RJTJSP, 137: 253) , mas não contra absolutamente incapaz“.
O artigo 508 do Código Civil estabelece que, se a duas ou mais pessoas couber direito de retrato sobre o mesmo imóvel, e só uma o exercer, poderá o comprador fazer intimar as outras, para nele acordarem, prevalecendo o pacto em favor de quem haja efetuado o depósito, contanto que seja integral. Mesmo que os vendedores originais sejam condôminos de imóvel indivisível, com o exercício do direito de retrato por um deles, com o consenso dos demais, fará com que a propriedade do imóvel resgatado pertença, por inteiro, ao que efetuou o depósito integral do montante devido ao comprador (proprietário resolúvel). Se houver resgate conjunto pelos titulares das frações ideais, cada um só poderá readquirir a sua quota alienada. Se o imóvel for divisível, livre será a venda das quotas de cada condômino, e, se feita com a cláusula de retrato, cada vendedor poderá resgatar o que veio a transferir resoluvelmente.
V – A SITUAÇÃO JURÍDICA DO ALIENANTE
O alienante pendente condicione não é proprietário sob condição suspensiva da coisa vendida.
Para Lacerda de Almeida, estudando a propriedade fiduciária, o vendedor a retro tem apenas a expectativa de direito. Disse ele: “O fideicomissário é um expectante do direito radicado no fiduciário; para elle neque cessit, imo magis, neque venit die. O fiduciário está na posição do comprador a retro. A propriedade fiduciária é antes uma propriedade resoluvel, tal qual a propriedade adquirida com aquela cláusula (Direito das cousas, volume I, § 9, pág. 78)“.
Para o ministro Moreira Alves (obra citada, pág. 166), o direito do vendedor, sobre a coisa vendida, pendente condicione, é um direito eventual, e não uma simples expectativa de direito. Tem ele um direito futuro não defendido, porquanto sua aquisição depende de fato falível.
Assim são suas consequências:
a) é permitido ao vendedor exercer os atos destinados a conservar o seu direito eventual;
b) pode o vendedor intentar contra o comprador ação cominatória para não deixar que este danifique o imóvel ou nele realize melhoramentos que dificultem o exercício do direito de retrato;
c) se o vendedor alienar o imóvel ocorrerá venda de coisa alheia;
d) o vendedor não pode constituir direitos reais limitados sobre o imóvel.
VI – O PREÇO E A RETROVENDA
Vem à pergunta: a convenção que estabelece, para o retrato, preço maior ou menor do que o pago na compra e venda primitiva desnatura, ou não, a retrovenda?
No passado, Corrêa Telles dizia, no Digesto Portuguez (III, n. 373, pág. 55): 373 – O pacto que o vendedor está obrigado a remir por meio do preço que recebeu laudêmio e siza, é usuário.
M.I. Carvalho de Mendonça (Código Civil brasileiro interpretado, XVI, pág. 192 – 3) admitiu a existência de cláusulas dessa natureza. Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, XXXIX, § 4.295, 5, pág. 169) foi dessa mesma opinião, aludindo que a restituição do preço e ao reembolso das despesas do comprador e das empregadas em melhoramentos do imóvel é dispositiva e não cogente.
No ensinamento de José Carlos Moreira Alves (A retrovenda no direito brasileiro, 2ª edição, pág. 152), a natureza jurídica da retrovenda é uma condição resolutiva potestativa, o preço a restituir tem de ser o mesmo que o da compra e venda primitiva. Na Alemanha, a retrovenda não se apresenta como condição resolutiva, do que se lê do BGB, no parágrafo 497, quando se diz que os pactos são admitidos, estabelecendo-se que o preço pelo qual a coisa foi vendida, vale, na dúvida, para a retrovenda.
Cita, para tanto, a lição de Bugnet (Les ouvres de Pothier, III, n. 278, pág. 184) quando disse, criticando a tese oposta de Pothier:
“Nós não compreendemos como Pothier pode conciliar essa decisão com o princípio, que ele mesmo acaba de enumerar de que a retrovenda era uma simples resolução da venda que foi feita: não se pode resolver senão o que ocorreu, e sobre os elementos que constituíam a venda. Toda mudança ao que é da essência doi contrato, circa substantiatia contractus, levará a uma operação nova que não pode ser a resolução da primeira“.
Para o ministro José Carlos Moreira Alves (obra citada, pág. 149), no silêncio das partes prevalecia o disposto no artigo 1.140 do Código Civil de 1916, já revogado, tendo o vendedor de restituir o preço, e reembolsar as despesas feitas pelo comprador e as empregadas em melhoramentos do imóvel, até ao valor por estes melhoramentos acrescentado à propriedade. Por sua vez, Carvalho Santos (Código Civil brasileiro interpretado, XVI, pág. 192) assim explanou: “o Código Civil fazendo expressa menção e referência à obrigação de devolver a importância das despesas feitas pelo comprador, parece-nos que outra será a solução“.
Aliás, podem as partes contratantes apor à retrovenda cláusulas que lhe modifiquem os efeitos normais.
Pergunta-se se deve prevalecer o valor da venda na época do contrato ou no momento do retrato. Aplica-se o artigo 505 do Código Civil, pois ali se fala em preço recebido.
No entendimento de Coviello (Della Transcrizione, volume II, n. 278, pág. 164), “quando for convencionada a restituição de um preço maior ou menor do que aquele pago na venda, ou de um peço variável segundo as circunstâncias, é de presumir que se tenha entendido concluir um contrato preliminar de revenda, e não apor uma simples condição resolutiva“.
Para o ministro Moreira Alves (obra citada, pág. 153) nada há que impeça às partes contratantes de convencionar que as despesas feitas pelo comprador e as empregadas em melhoramentos do imóvel não serão reembolsadas ao comprador por ocasião do exercício do direito de retrato.
No silêncio das partes, o vendedor deve restituir o preço, e reembolsar as despesas feitas pelo comprador e as empregadas em melhoramentos do imóvel, até ao valor por esses melhoramentos acrescentado à propriedade.
VII – AS CLÁUSULAS DA RETROVENDA E O CASO FORTUITO
Admite-se a aposição de todo e qualquer pacto à retrovenda, desde que não a desnature, nem infrinja dispositivo legal.
As partes, quando da celebração da venda a retro, podem convencionar:
a) que, exercido o direito de retrato, o vendedor terá que pagar juros sobre o preço ao comprador, estando este, por sua vez, obrigado a restituir àquele o equivalente pelos frutos colhidos, durante o período em que foi proprietário resolúvel do imóvel;
b) que o direito de retrato, dentro do prazo de resgate (prazo decadencial), só poderá ser exercido a partir de determinado momento (termo inicial), ou se ocorrer acontecimento futuro e incerto (condição suspensiva), ou, então, até que se verifique evento futuro e incerto (condição resolutiva);
c) que o direito do retrato é intransmissível, mortis causa ou inter vivos;
d) que a coisa objeto da venda a retro será inalienável até que o vendedor exerça o direito de retrato, ou se extinga esse direito; e
e) a alteração de direitos e deveres de ambas as partes – vendedor e comprador – antes e/depois do exercício do direito do retrato.
Fala-se assim que o direito de resgate é intransmissível, não sendo suscetível de cessão por ato inter vivos, por ser personalíssimo do vendedor, mas passa a seus herdeiros e legatários. Logo, o exercício de retrovenda é cessível e transmissível por ato causa mortis. Nesse sentido, leia-se o artigo 507 do Código Civil. Logo, se vier a vender o imóvel, na pendência daquele prazo, o novo adquirente recebê-lo-á com o ônus, pois só terá propriedade plena se não houver exercício do direito de resgate, como apontou Maria Helena Diniz (obra citada, pág. 206). Esse exercício poderá dar-se, portanto, até mesmo contra terceiro, por quem estiver autorizado a tanto. O vendedor, na retrovenda, conserva sua ação contra terceiro adquirente da coisa retrovendida, mesmo que ele, eventualmente, não conheça a cláusula de retrato, pois o comprador tem a propriedade resolúvel do imóvel. Se o vendedor fizer uso de seu direito de retrato, resolver-se-á a posterior alienação do imóvel feita pelo adquirente a terceiro.
Se a coisa vier a perecer em virtude de caso fortuito ou força maior, extinguiu-se o direito de resgate, uma vez que houve perda do bem para o comprador, sem que ele seja obrigado a pagar o seu valor, e do direito para o vendedor. Se o imóvel se deteriorar, o vendedor não terá direito à redução proporcional do preço, que deverá restituir ao comprador.
Ainda o comprador, enquanto detiver a propriedade sob condição resolutiva, terá direito aos frutos e rendimentos do imóvel, não respondendo pelas deteriorações surgidas dentro do prazo reservado para o resgate, salvo se agir de forma dolosa. Se a cláusula de retrovenda for nula, tal nulidade não afetará a validade da obrigação principal (CC, artigo 184; RF: 67:299).
Na retrovenda, o vendedor conserva a sua ação contra os terceiros adquirentes da coisa retrovendida, ainda que eles não conhecessem a cláusula de retrato (artigo 507, Código Civil), pois o comprador tem propriedade resolúvel do imóvel (artigo 1.359 do Código Civil). Desse modo, se o vendedor fizer uso do seu direito de retrato, resolver-se-á a posterior alienação do imóvel feita pelo adquirente a terceiro, mesmo que o pacto de retrovenda não tenha sido averbado no registro imobiliário. Aliás, o ministro José Carlos Moreira Alves (A retrovenda, 1967, pág. 9, 161, 212 e 214) entende que o direito de retrovenda é potestativo; seu registro não gera direito real, mas eficácia erga omnes.
Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, XXXIX, § 4.296, 5, pág. 174) acentuou que “se o comprador se obrigou a não alienar, e aliena, responde por perdas e danos oriundos da infração dessoutro pacto“.
VIII – O IMPOSTO DE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS
Discute-se, na matéria, se cabe a exação do imposto de transmissão.
Se duas ou mais pessoas tiverem o direito de recobrar a mesma coisa e só uma a exercer, poderá o comprador intimar as outras para que se manifestem o seu acordo, e se o não couber, não fica o adquirente obrigado a admitir o retracto parcial; ou o interessado entra com a importância global e resgata a integralidade do imóvel ou caducará o direito de todos.
Novo imposto seria devido se o alienante, depois, comprasse de volta a coisa, sem exercer o direito de retrovenda. O direito de retrato é implemento de condição resolutiva prevista no contrato. Isso se respeitado o exercício do direito de retrato.
Ensinou Clóvis Beviláqua (Comentários ao Código Civil) que o resgate tem o efeito essencial de operar a resolução da venda, com a reaquisição do domínio pelo vendedor, a quem a coisa será restituída com seus acréscimos e melhoramentos.