RESPONSABILIDADE OBJETIVA DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E FORTUITO INTERNO NAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS
Everton Alves Rodrigues
Tratando de negócios jurídicos que se enquadram como relação de consumo, tem-se que o fornecedor de serviços se responsabiliza, ainda que ausente a sua culpa, pelos danos que os consumidores suportarem diante das falhas e defeitos da prestação contratada.
É a chamada responsabilidade objetiva, esculpida pelo caput do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, que possui essa denominação por não exigir a comprovação de culpa/dolo do fornecedor. Acaso necessário demonstrar culpa/dolo, falar-se-á em responsabilidade subjetiva.[1]
A exceção à responsabilidade objetiva é prevista nos incisos I e II do §3º do próprio artigo 14 do CDC, desde que o fornecedor cumpra com a sua incumbência comprobatória que (i) o defeito inexistia quando prestado o serviço; e/ou (ii) a culpa pelo defeito é exclusiva do próprio consumidor ou de um terceiro.
Nessa ótica surge o seguinte imbróglio: nas relações consumeristas firmadas com instituições financeiras os danos causados por terceiros [aos consumidores] são de responsabilidade da instituição financeira ou trata-se de um típico caso de excludente de responsabilidade?
À primeira vista parece tratar-se de um simples exemplo de excludente de responsabilidade, conforme dicção do inciso II do §3º do art. 14 supracitado, contudo, no julgamento dos Recursos Repetitivos REsp 1.199.782/PR e REsp 1.197.929/PR o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a premissa da questão deve ser analisada com base no fortuito interno e externo aplicável nas relações consumeristas[2].
No decisum, citando o estimado doutrinador consumerista SÉRGIO CAVALIERI FILHO, o colegiado apresentou a conceituação e traçou as distinções entre fortuito interno e externo[3]:
fortuito interno é um fato inevitável e imprevisível que ocorre no momento da fabricação do produto ou durante a prestação de serviço tratando-se de um defeito que lhe é inerente, vinculado ao risco do empreendimento, logo, não é capaz de afastar a responsabilidade objetiva do fornecedor perante o consumidor na ocorrência de danos;
fortuito externo diz respeito ao fato totalmente estranho ao produto fabricado ou serviço prestado, logo, não guarda relação de nexo de causalidade com a atividade prestada pelo fornecedor e não o responsabiliza perante os consumidores na incidência de eventos danosos.
Posteriormente, fundamentou que a jurisprudência da Corte é categórica ao reconhecer a inserção de fraudes e delitos contra o sistema bancário, dos quais resultam em danos e prejuízos a terceiros, na categoria de fortuito interno, por estar interligado ao risco do empreendimento, sendo muitas vezes previsíveis ou até mesmo evitáveis.
Com o julgamento dos Repetitivos, a Corte Especial fixou o Tema 466, posteriormente convertido na Súmula n. 479/STJ: “as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.
Isso não quer dizer que os consumidores não devam prezar pelo zelo e cautela quanto à segurança dos seus cartões bancários [magnéticos e eletrônicos] e das senhas pessoais, ao contrário, este é um dever que lhe incumbe.
Contudo, por força da Súmula n. 479/STJ, as instituições financeiras possuem o dever de verificar a regularidade e idoneidade das transações realizadas, desenvolvendo meios aptos a dificultar possíveis fraudes, independentemente dos atos dos consumidores.
Portanto, validada a responsabilização objetiva das instituições financeiras/bancárias pelos danos suportados pelo consumidor em decorrência de fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito das operações bancárias, por se tratar de um fortuito interno inerente ao risco do empreendimento.
[1] CDC, art. 14, caput. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre a sua fruição e riscos.
[2] STJ, REsp n. 1.199.782/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, DJe de 12/9/2011. STJ, REsp n. 1.197.929/PR, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 24/8/2011, DJe de 12/9/2011.
[3] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. p. 256-257 apud STJ, REsp n. 1.199.782/PR, DJe 12/9/2011.