A RESPONSABILIDADE DO FIADOR EM CASO DE PRORROGAÇÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO
Vinícius Silva Lima
A Lei nº 8.245/1991, denominada Lei do Inquilinato, regula a locação a qual inicialmente diz respeito a um contrato em que figuram o locador, aquele que se obriga a conceder uso e gozo de seu bem, por tempo determinado ou não, ao segundo ator dessa relação denominado locatário, mediante uma retribuição financeira, que denomina-se aluguel.
A lei regula tanto as locações para fins residenciais quanto para fins comerciais, empresariais, não-residenciais, excetuando-se as finalidades agrícolas, pecuárias, agropecuárias, extrativistas ou mistas, sendo estas consideradas locações de imóvel rural (por sua destinação), independentemente de sua localização, sendo certo que são denominados arrendamentos e regidas por outra lei especial.
Importante asseverar que tanto no contrato para fins residenciais, quanto para os fins não-residenciais, pode o locador exigir do locatário uma garantia, podendo ser ela um caução, fiança, seguro de fiança locatícia, ou ainda a cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento, ressaltando que constitui contravenção penal exigir, em locação, mais de uma modalidade de garantia no mesmo contrato.
Diante disso, vamos nos ater a garantia denominada fiança, que é uma garantia pessoal, na qual responderá o devedor com todo o seu patrimônio. Importante destacar que o imóvel residencial do fiador não está coberto na proteção especial dada ao bem de família, conforme preceitua a Lei 8.009/1990, entendimento este já esposado pelo Superior Tribunal de Justiça.
Pois bem, a fiança é uma das modalidades de garantia que somente é admitida na forma escrita, conforme preceitua o art. 819 do Código Civil[1].
Mas até que ponto ou momento responde o fiador pelas obrigações do contrato de locação comercial? Em que momento se extingue a obrigação do fiador?
É importante considerarmos inicialmente que a fiança, como já mencionado, é garantia pessoal, personalíssima e logicamente se extinguirá com a morte do fiador, no entanto responde os herdeiros pelas dívidas já existentes à época do falecimento, até o limite da herança, nos termos do art. 836 do Código Civil.
Pode ainda o locador exigir novo fiador, ou mesmo a substituição da garantia nos casos esculpidos no artigo 40 da Lei do Inquilinato, quando ocorrer, entre outras possibilidades: insolvência do fiador, alienação de todos bens móveis, bem como a prorrogação da locação por prazo indeterminado, a fiança ajustada por prazo certo, ou ainda o desaparecimento dos seus bens móveis.
Também se extingue a fiança que estiver vigorando por prazo indeterminado, por manifestação de vontade do fiador. Tal direito de exoneração encontra-se prevista em Lei, devendo ser exercida mediante notificação com aviso prévio, durante o qual, insta esclarecer, permanecerá válida e eficaz a fiança.
Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça mantinha posição no sentido de que mesmo havendo cláusula expressa que previsse a obrigação até a entrega das chaves, o fiador não poderia ser responsabilizado por débitos referentes ao período de prorrogação com o qual não anuiu. Na esteira, portanto, do enunciado n. 214, da Súmula do STJ, extinguiria assim a obrigação do fiador com o fim da locação originária, independente de prorrogação, eis que o contrato de fiança é acessório, desse modo, a prorrogação do prazo de locação, desobrigaria o fiador que com ela não anuiu[2].
Em consonância com o acatado, dizia o STJ, que ainda que o contrato obrigue o fiador até a entrega das chaves, não pode mesmo o fiador ser responsabilizado por prazo superior ao originariamente contratado, mesmo que a lei determinar a prorrogação automática[3].
Essa conclusão encontra respaldo na própria Lei do Inquilinato, em seus artigos 46 e 56, que declara a resolução do contrato quando findo o prazo estipulado para locação, independentemente de notificação ou aviso.
O entendimento perdurou durante alguns anos, no entanto foi alterada pela Lei 12.112/09[4] que introduziu à Lei do Inquilinato a seguinte alteração:
Art. 39. Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei.
Desta forma, fica determinado, com clareza da própria norma, que o contrato de fiança, acessório ao contrato de locação, prorrogará até a efetiva devolução das chaves, mesmo que prorrogado por prazo indeterminado.
Entende-se que o contrato acessório segue o principal, logo, uma vez este tendo sido prorrogado, mesmo que automaticamente, prorroga-se também as obrigações assumidas pelo fiador.
Trata-se de uma prática que visa resguardar direitos do locador, quanto ao recebimento da contraprestação exigida, ou seja, o pagamento mensal da locação.
Ademais, é importante destacar que em contratos comerciais, é assegurado ao locatário, nos termos do artigo 51 da Lei do Inquilinato, de maneira geral, o direito à renovação.
Porém, para que os fiadores não fiquem desguarnecidos, e vinculados ao contrato no qual não têm mais interesse em permanecer, por questões particulares ou não, a lei também possibilitou ao fiador a sua desoneração, porém deverá o fiador notificar o locador da sua intenção, ficando ainda obrigado pelo período de 120 dias.
Preceito este esculpido no artigo 40, alínea X, conforme segue.
Art. 40. O locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia, nos seguintes casos:
[…]
X – prorrogação da locação por prazo indeterminado uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador.
É crucial, desta forma, que os fiadores estejam atentos ao contrato de locação, pois havendo a intenção de não mais prorrogar a obrigação assumida por meio da fiança, deverá notificar o locador da sua intenção, sendo que a partir de então é que começará a fluir o prazo remanescente de 120 dias de obrigação[5].
Não realizada a notificação, e não ocorrendo nenhuma das situações elencadas no artigo 40, ficará o fiador obrigado na totalidade das obrigações assumidas pelo locatário.
[1] DIREITO CIVIL. CONTRATO DE LOCAÇÃO COMERCIAL. PRORROGAÇÃO TÁCITA. VEDAÇÃO. CONTRATO VERBAL. FIADOR. RESPONSABILIDADE. DESOCUPAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. REPARAÇÃO DE DANOS. AUSÊNCIA DE VISTORIA. HONORÁRIOS. I – Havendo previsão expressa no contrato no sentido de que a prorrogação somente se daria por escrito, a manutenção do locatário no imóvel caracteriza um novo contrato verbal. II – A fiança é modalidade de contrato que só admite a forma escrita (art. 819 do CC). Não há como estender a responsabilidade pelos débitos referentes a novo contrato, entabulado verbalmente, às fiadoras do contrato originário. III – Tratando-se de contrato verbal, incumbe ao autor comprovar a data da desocupação do imóvel. IV – Somente com a realização de vistoria inicial e final no imóvel locado torna-se possível a verificação de eventuais avarias e, se o caso, a condenação do locatário à sua reparação. V – Fixados os honorários de forma equitativa em valor razoável e bem próximo ao percentual mínimo de 10{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} previsto no art. 85, § 2º, do CPC, mantém-se a quantia estipulada. VI – Negou-se provimento ao recurso. (Acórdão n.1067036, 20170310150328APC, Relator: JOSÉ DIVINO 6ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 13/12/2017, Publicado no DJE: 19/12/2017. Pág.: 347/382)
[2] JUIZADO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. NULIDADE DA SENTENÇA. ERROR IN PROCEDENDO. PRELIMINAR REJEITADA. LOCAÇÃO COMERCIAL. LEI 8.245/91. FIANÇA. NOVAÇÃO DO CONTRATO. INEXISTÊNCIA DE ANUÊNCIA DO FIADOR. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA GARANTIA FIDEJUSSÓRIA. COBRANÇA DE ALUGUEL E ACESSÓRIOS DA LOCAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO LOCATÁRIO. […] 3. O surgimento de nova relação jurídica locatícia, em substituição à anterior (art. 360, inc. I do Código Civil), sem consenso do fiador, implica sua exoneração e o isenta da responsabilidade por débitos resultantes dessa nova locação, uma vez que a fiança não admite interpretação extensiva (art. 366 c/c art. 819, do mesmo Código). Neste sentido, pacificou-se a jurisprudência do STJ sobre o tema, ao ser editada a Súmula 214: “O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”. 4. Ademais, ao término do primeiro contrato, o fiador notificou o locador acerca da sua intenção de exonerar-se da fiança (ID 3879761, págs. 1/4), cabendo-lhe, neste caso, exigir do locatário a substituição da garantia pessoal em questão, nos moldes do art. 40, inc. VI, da Lei 8.245/91, providência não adotada, no caso em apreço. […] (Acórdão n.1136261, 07055857720158070007, Relator: SONÍRIA ROCHA CAMPOS D’ASSUNÇÃO 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Julgamento: 09/11/2018, Publicado no DJE: 16/11/2018. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
[3] PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. FIADOR. RESPONSABILIDADE. PACTO ORIGINAL. SÚMULA Nº 214/STJ. ALUGUEL PROVISÓRIO. ILIQUIDEZ. MUDANÇA DE PADRÃO MONETÁRIO. INEXISTÊNCIA. CÁLCULO ARITMÉTICO. IMPOSSIBILIDADE. PURGAÇÃO DA MORA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO. SÚMULA Nº 283/STF. I – A orientação jurisprudencial desta Corte é no sentido de que a responsabilidade do fiador em relação ao contrato de locação deve ser interpretada restritivamente. Daí decorre que, na presente situação, o fiador somente responderá por encargos, decorrentes do contrato de locação, até o momento da sua extinção, mesmo que exista cláusula estendendo a sua obrigação até a entrega das chaves. II – Fixado o aluguel provisório em unidade monetária corrente, a simples ocorrência de mudança do padrão monetário nacional não tem o condão de torná-lo ilíquido, uma vez que, para a apuração de seu valor atual, mister apenas simples cálculo aritmético. Precedentes. III – Não houve impugnação à assertiva de que, tendo a locatária apresentado contestação na ação de despejo, não lhe assistia direito à purgação da mora, atraindo a incidência da Súmula nº 283 do STF. Recurso interposto por Abdul Rohaman Mohamad Abbas e outro provido. Recurso da Comercial Monax Ltda não-conhecido. (REsp 500.916/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 02/03/2004, DJ 29/03/2004, p. 265)
[4] EMENTA: ?RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE COBRANÇA. REVELIA. AUSÊNCIA DE COMPARECIMENTO NA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. INCOMPETÊNCIA RELATIVA. PRECLUSÃO. CONTRATO DE LOCAÇÃO COMERCIAL. ACESSÓRIOS DA LOCAÇÃO. IPTU. RESPONSABILIDADE DO LOCATÁRIO. CLÁUSULA CONTRATUAL EXPRESSA. FIADOR. RESPONSABILIDADE NA RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA DO CONTRATO. SENTENÇA MANTIDA. I […] V ? Relativamente a responsabilidade do fiador na renovação automática do contrato de locação, é de entendimento do Colendo STJ que ?Com a nova redação conferida ao dispositivo (artigo 39 da lei 8.245/91) pela Lei 12.112/09, para contratos de fiança firmados a partir de sua vigência, salvo disposição contratual em contrário, a garantia, em caso de prorrogação legal do contrato de locação por prazo indeterminado, também prorroga-se automaticamente (ope legis), resguardando-se, durante essa prorrogação, evidentemente, a faculdade do fiador de exonerar-se da obrigação mediante notificação resilitória, nos moldes do disposto no inciso X do artigo 40 da Lei do Inquilinato? (Resp 1.326.557/PA ? Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO ? DJe de 15/09/2017. Processo nº 5223655.55.2018.8.09.0007. 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais.
[5] DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. LEI LOCATÍCIA. CONTRATO DE FIANÇA. CONTRATO DE LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL. EXONERAÇÃO NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. TERMO INICIAL. ADITAMENTO. PEDIDO INICIAL. CITAÇÃO. 1. Cinge-se a controvérsia em se verificar o termo inicial da exoneração da fiança prestada em contrato de locação comercial, bem assim a possibilidade de alteração do objeto da lide após a citação. 2. As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões (Art. 1.009, parágrafo 1º, do CPC). 3. Para efeito de exoneração da fiança, deve ser considerada a data da notificação extrajudicial, porquanto com ela é que foi formalizada a intenção dos fiadores de se desonerarem do contrato de fiança (Art. 835 do CC). 4. Em aplicação ao critério da especialidade, os fiadores permanecem obrigados pelo período de 120 dias após a notificação acerca da exoneração da fiança, tal qual previsto no Art. 40, inciso X da Lei n. 8.245/1991. Não se aplica o prazo previsto no Art. 835 do CC, ainda que se trate de contrato de locação não residencial. 5. O aditamento à inicial após a citação depende de consentimento da parte Ré, na medida em que a alteração do objeto da demanda após a angularização da relação processual pode prejudicar o contraditório e a ampla defesa, já que a parte foi citada para responder ao que consta no pedido inicial, tal qual recebido pelo juízo. 6. Preliminar rejeitada. Apelação não provida. (Acórdão n.1049917, 20160110525198APC, Relator: ROBERTO FREITAS 1ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 27/09/2017, Publicado no DJE: 02/10/2017. Pág.: 148-158)