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A RESPONSABILIDADE CIVIL SOBRE A VIOLAÇÃO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL NA INTERNET

A RESPONSABILIDADE CIVIL SOBRE A VIOLAÇÃO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL NA INTERNET

Hannah Iudmara Rios Nogueira Daves

SUMÁRIO: Introdução; 1 Responsabilidade civil ; 1.1 Espécies de responsabilidade civil ; 1.2 A responsabilidade civil no Direito brasileiro; 2 Propriedade intelectual ; 2.1 Propriedade industrial; 2.2 Direitos autorais; 2.3 A legislação brasileira e a propriedade intelectual ; 3 O direito digital; 3.1 O Brasil e o direito digital; 4 Os direitos autorais no direito digital brasileiro; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

A Internet como forma de auxiliar o homem a processar informações evoluiu rapidamente nos últimos 50 anos. As evoluções sociais e econômicas do mundo atual são reflexos das mudanças trazidas pela comunicação eletrônica na rede mundial de computadores, que se transformou em uma rede mundial de indivíduos. O Direito, por ser instrumento de regulação social, deve acompanhar as evoluções da sociedade. Assim, mostra-se relevante o tema das violações a direitos ocorridas no meio digital.

A responsabilidade civil possui diversas teorias, principalmente no tocante à necessidade ou não de comprovação de culpa do lesante para configuração do direito do lesado à reparação. Sendo a Internet um fenômeno recente, ainda é preciso sanar diversas dúvidas sobre a responsabilização por danos causados via rede mundial.

O compartilhamento de dados no meio digital tornou-se comum e revolucionou, por exemplo, a indústria da música, pois a reprodução e venda de CDs e DVDs deixou de ser exclusividade das gravadoras. O comércio informal e ilegal de CDs e DVDs reduziu drasticamente a venda desse tipo de mídia no mercado formal, o que levou a indústria da música a se reinventar para proteger seus dados de copiadores e para conquistar o público de formas diversas, diminuindo o preço dos produtos e vendendo músicas individualmente para smartphones, por exemplo.

Pretende, portanto, este estudo identificar as formas de responsabilização civil por violação da propriedade intelectual, se a culpa é ou não relevante nesses casos e como é possível identificá-la. Para tanto, será realizada uma pesquisa bibliográfica analisando-se informações buscadas em diversas fontes, tais como livros, legislação, artigos e jurisprudências.

O primeiro capítulo tratará da responsabilidade civil, sua evolução histórica no direito mundial, suas espécies e sua evolução no Brasil. O segundo capítulo lecionará sobre a propriedade intelectual, bem como os conceitos relevantes para seu entendimento e a legislação brasileira sobre o assunto. O terceiro capítulo falará sobre o direito digital. No quarto capítulo será feita a relação entre o direito digital e os direitos autorais.

1 RESPONSABILIDADE CIVIL

A ideia de compensação do mal injustamente causado tem origem na Lei de Talião, que previa a compensação de um dano com outro de igual intensidade. Trata-se da regra “olho por olho, dente por dente“, baseada na vingança privada. Isto ocorria por não haver cerceamento do humano desejo de vingança, que hoje é limitado pelo ordenamento jurídico.

O legislador, então, tem papel determinante na evolução da primitiva vingança privada à moderna ideia de indenização. Coube a ele limitar e, posteriormente, vedar a prática da vingança particular, transferindo para o Estado o poder de intervir em lides privadas. Cabendo a este coagir o causador do dano a compô-lo. E isto somente ocorreu com a edição da Lex Aquilia, que trouxe a responsabilidade extracontratual ao Direito romano, pois, segundo ela, o causador de dano injusto deveria ressarcir o prejudicado, independente de obrigação prévia, de contrato prévio. O ressarcimento limitava-se, porém, ao proprietário da coisa lesada.

Surgida posteriormente, a teoria da reparação integral do dano, de origem francesa, pode ser sintetizada pela frase “tout le dommage, mais rien que le dommage” (“todo o dano, mas nada mais do que o dano“). O referido enunciado define dois elementos essenciais: primeiro, o piso indenizatório (todo dano); depois, o teto indenizatório (nada mais que o dano).

Na função de piso indenizatório, também chamada de função compensatória, busca-se assegurar a reparação da totalidade dos prejuízos sofridos pelo lesado. Já sua função de piso, denominada de função indenitária, o objetivo é evitar o enriquecimento sem causa do lesado, pois a responsabilidade civil não deve ser pretexto para a obtenção de vantagens indevidas a partir no ato ilícito (art. 884 do CC/2002). (Sanseverino, 2009, p. 1)

Ainda com base na legislação francesa, mais precisamente no Código Civil de Napoleão, há a inserção da culpa como pressuposto da responsabilidade civil, o que influenciou, inclusive, o Código Civil brasileiro de 1916. Essa teoria da culpa, no entanto, não foi suficiente para regular todos os casos concretos ao longo do tempo. Surgiram, então, diversas teorias, que estão amparadas nos diversos ordenamentos jurídicos do mundo, sem que a clássica teoria da culpa desaparecesse completamente.

1.1 Espécies de responsabilidade civil

A responsabilidade pode ser contratual ou extracontratual. Se decorrente de uma relação jurídica obrigacional preexistente, ou seja, de um contrato e o dever de indenizar surge como consequência do inadimplemento, trata-se de responsabilidade civil contratual. Se, por outro lado, o dever de reparação surgir em virtude de lesão a direito subjetivo ou a preceito geral de Direito, sem que entre ofensor e vítima exista prévio vínculo jurídico, tem-se a responsabilidade extracontratual ou aquiliana. Nas duas hipóteses, ocorre violação de dever jurídico preexistente, a diferença é a origem de tal dever, que pode ser um contrato ou a lei e a ordem jurídica, nos termos do art. 186 do Código Civil.

Nas palavras de Gonçalves (2011, p. 44),

Na responsabilidade extracontratual, o agente infringe um dever legal, e, na contratual, descumpre o avençado, tornando-se inadimplente. Nesta, existe uma convenção prévia entre as partes que não é cumprida. Na responsabilidade extracontratual, nenhum vínculo jurídico existe entre a vítima e o causador do dano, quando este pratica o ato ilícito.

É possível classificar também em responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva, a depender do fundamento dado. Para a concepção clássica, só é possível obter a reparação do dano se for comprovada a culpa do agente, principal pressuposto da responsabilidade subjetiva. Ocorre, porém, que, com o advento da revolução industrial e os inventos tecnológicos que surgiram como consequência, diversas situações não podiam ser amparadas pela noção tradicional de responsabilidade e culpa. Assim, baseada na teoria do risco, surgiu, na França, a noção de responsabilidade objetiva, que independe da comprovação da culpa propriamente dita do agente para ser caracterizada. “Em alguns (casos), ela é presumida pela lei. Em outros, é de todo prescindível” (Gonçalves, 2011, p. 48).

1.2 A responsabilidade civil no Direito brasileiro

A primeira ideia de responsabilidade no Direito brasileiro surge ainda no texto constitucional do Império, que determinou a união entre os Códigos Civil e Criminal em um Código Criminal.

Essa determinação deu origem ao Código Criminal de 1830, que, fundado na justiça e na equidade, previa “a reparação natural, quando possível, ou a indenização; a integridade da reparação, até onde possível; a previsão dos juros reparatórios; a solidariedade, a transmissibilidade do dever de reparar e do crédito de indenização aos herdeiros etc.” (Gonçalves, 2011, p. 27).

Inicialmente, a reparação necessitava de condenação penal, mas, após a adoção do princípio da independência da jurisdição civil e criminal pela Lei nº 261, de 1841, isso deixou de ser necessário.

Veio, então, o Código Civil de 1916, que adotou a teoria subjetiva, ou seja, era preciso provar a culpa ou o dolo do autor do dano para haver direito à reparação. Em alguns de seus artigos, como o art. 1.527 e o art. 1.528, havia previsão de culpa do lesante, mas essa era a exceção.

Com a Revolução Industrial, as formas de dano foram multiplicadas, o que fez nascer diversas teorias para garantir maior proteção às vítimas. Neste contexto, a teoria do risco ganhou força, pois, sem chegar a substituir a teoria da culpa, era capaz de proteger a vítima em diversas situações em que esta era incapaz de fazê-lo. Como preleciona Gonçalves (2011, p. 28), “o exercício de atividade que possa oferecer algum perigo representa um risco, que o agente assume, de ser obrigado a ressarcir os danos que venham resultar a terceiros dessa atividade“.

A responsabilidade civil está prevista no Título IX do Código Civil brasileiro de 2002, entre os arts. 927 e 954. A legislação brasileira, ao tratar da responsabilidade extracontratual, prossegue fiel à teoria da culpa, pois, como o previsto no art. 927 do Código de 2002, sempre que não houver previsão expressa da responsabilidade objetiva, há que se provar a culpa, in verbis:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (Brasil, 2002)

Apesar de fundada no sistema subjetivo de responsabilização, é preciso ressaltar que a legislação brasileira, ao trazer o sistema objetivo, inova. Ora, a responsabilidade subjetiva é inerente ao Direito, não precisa de lei que o estabeleça. É a responsabilidade objetiva que representa diferencial (Cavalieri Filho, 2010).

A Constituição Federal de 1988 previu, em seu art. 5º, inciso XXXII, a elaboração de legislação específica para tratar da defesa do consumidor, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade , nos termos seguintes:

[…]

XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

[…]. (Brasil, 1987)

Dessa forma, em 1991 entrou em vigor a Lei nº 8.078/1991, o Código de Defesa do Consumidor, que revolucionou a responsabilidade civil brasileira. Uma revolução tão profunda que Cavalieri Filho (2010) afirma que hoje é possível dividir a responsabilidade civil em duas partes: a responsabilidade tradicional e a responsabilidade nas relações de consumo.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabeleceu a responsabilidade objetiva do fornecedor, baseada no dever e na segurança deste em relação aos produtos que coloca no mercado. Com essa inovação, o CDC transformou o que era exceção no Direito brasileiro, a responsabilidade objetiva, em algo mais comum e mais abrangente que a responsabilidade subjetiva.

Apesar de ter entrado em vigor mais de dez anos após a Lei nº 8.078/1991, o Código Civil de 2002, em seu art. 931, prevê a responsabilidade objetiva dos empresários individuais e das empresas pelos danos causados pelos produtos postos em circulação, ressalvados outros casos previstos em lei especial. Nas palavras de Amorim (2012, p. 2):

Com efeito, tal dispositivo veio como que para chancelar, dentro do diploma maior do direito civil pátrio, um sistema que há mais de uma década (de 1990 – ano da entrada em vigor do CDC – a 2002 – ano da entrada em vigor do Código Civil ) havia sido implantado com indiscutível sucesso: o da responsabilidade objetiva dos fornecedores, fabricantes, produtores, construtores, nacionais ou estrangeiros, e importadores na relação de consumo, consoante se observa pela redação dos arts. 12 e 14 da aludida lei.

Apesar de não ser o intuito do legislador de 2002, os arts. 927, parágrafo único, 928, 931, 932 e 933 do Código Civil e os arts. 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, assim como as atividades consideradas naturalmente perigosas pela jurisprudência, demonstram a predominância da responsabilidade objetiva nos casos concretos.

2 PROPRIEDADE INTELECTUAL

O inciso VIII do art. 2 da Convenção, que institui a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, define propriedade intelectual como os direitos relativos: às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à protecção contra a concorrência desleal, e todos os outros direitos inerentes à actividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico. (ONU, 1975)

Para fins de estudo, o conceito é dividido em duas vertentes: direitos autorais e propriedade industrial. Os primeiros referem-se aos direitos morais e patrimoniais sobre as criações do espírito, expressas por quaisquer meios ou fixadas em quaisquer suportes, tangíveis ou intangíveis, concedidos a criadores. A proteção a tais direitos não requer nenhum registro formal. Os direitos de propriedade industrial (marcas, patentes, desenhos industriais e indicações geográficas), por outro lado, exigem, de acordo com a legislação brasileira, o registro constitutivo de direitos, que tramita perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

2.1 Propriedade industrial

O primeiro registro da expressão “marca e patente” data de 1623, no Statute of Monopolies. No contexto da Revolução Industrial, o ato do Parlamento inglês protegeu os inventores, privilegiando inovações técnicas e ferramentas de produção. O intuito da lei era incentivar a pesquisa e a melhoria dos inventos.

Posteriormente, a Constituição dos Estados Unidos da América de 1787, em seu art. 1º, § 8.8, deu proteção ao direito de exclusividade dos inventores por tempo determinado. Em 1790, foi editada lei a respeito.

A Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, tratado do qual o Brasil é signatário, objetivava a declaração dos princípios norteadores da propriedade industrial. A convenção foi revista em Bruxelas (1900), Washington (1911), Haia (1925), Londres (1934), Lisboa (1958) e Estocolmo (1967), e a noção de propriedade industrial foi expandida, passando a abranger não apenas os direitos dos inventores, mas marcas e patentes e demais sinais distintivos de atividade econômica, bem como as possíveis sanções à concorrência desleal. A definição do objeto de proteção da propriedade industrial foi trazida no art. 1º, n. 2, da Convenção de Paris: “A proteção da propriedade industrial tem por objeto as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal“.

O Brasil foi um dos primeiros países a regulamentar a propriedade imaterial em relação ao comércio. Em 1809, o Príncipe Regente Dom João VI, no Alvará de 28 de abril, concedeu aos inventores o privilégio da exclusividade como forma de incentivar as artes e as invenções brasileiras, já que os portos haviam acabado de ser abertos aos produtos industrializados ingleses. Posteriormente, diversos instrumentos normativos tratando desse tema foram promulgados, entre eles: a Lei da Propriedade Industrial (LPI) ou Lei nº 9.279/1996, que se aplica a invenções, desenhos industriais, marcas, indicações geográficas e à concorrência desleal, e a Lei do Registro de Empresa ou Lei nº 8.934/1994, que se aplica ao nome empresarial.

Para compreender a abrangência da proteção que a LPI fornece, é preciso entender os conceitos por ela abrangidos. A invenção não possui definição legal, mas a doutrina a caracteriza como a criação original do espírito humano. Existe, por outro lado, no art. 10 da Lei nº 9.279/1996, a definição do que não é invenção:

I – descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;

II – concepções puramente abstratas;

III – esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização;

IV – as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética;

V – programas de computador em si;

VI – apresentação de informações;

VII – regras de jogo;

VIII – técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano ou animal; e

IX – o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais. (Brasil, 1996)

Além do conceito de invenção, é importante também o de modelo de utilidade. Nesse caso, a Lei de Propriedade Industrial traz a definição em seu art. 9º: “O objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação” (Brasil, 1996). Em outras palavras, modelo de utilidade é uma inovação com menor “carga inventiva“, representando um acréscimo ao uso de determinado elemento físico, seja ele ferramenta, instrumento de trabalho ou utensílio.

Outro conceito trazido pela LPI é o de desenho industrial ou design. De acordo com o art. 95 da referida norma, trata-se da “forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial” (Brasil, 1996).

O Registro de Desenho Industrial é um título de propriedade temporária sobre um desenho industrial e, assim como no caso do modelo de utilidade, protege os direitos sobre a criação por prazos mais curtos. De qualquer forma, durante sua vigência, protege do uso por terceiros para atos como fabricação, comercialização e importação.

O conceito mais relevante, no entanto, é o de marca. De acordo com Calixta (1998, p. 21), “a marca é o sinal ou expressão exterior da propriedade da empresa, que se presta a individualizar o produto, o serviço, da sociedade seja ela individual, ou de grande porte econômico com o seu nome comercial. Essa última, é o gênero de que são espécies a firma e a denominação social da empresa“.

O art. 122 da Lei de Propriedade Industrial, porém, é mais abrangente ao definir que marcas são “os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais” (Brasil, 1996).

As marcas podem ser: nominativas, quando compostas por desenhos, logotipos, emblemas, ou mistas, se representadas por palavras escritas com letras possuidoras de forma específica ou inclusas em logotipos.

A marca é o bem mais precioso da empresa, pois a singulariza no mercado, diferenciando-a das demais e contribuindo para a competitividade. É fácil, porém, confundi-la com o produto, que é o que a empresa fabrica. A marca representa o que o consumidor compra, a promessa de benefício. Poderia ser comparada ao um contrato, pois reduz o risco que o consumidor corre ao adquirir determinado produto.

Muitas vezes a marca tem mais valor que o patrimônio físico da empresa. É o caso da Coca-Cola, por exemplo. Por isso, cada vez mais o branding tem se tornado habitual no mundo empresarial. As estratégias utilizadas para dar à marca valor cultural agregam também valor comercial, pois ela é um ativo negociável – seja pelo aluguel, pela venda ou pelo licenciamento.

A propriedade industrial, bem como suas regras protetivas, está diretamente ligada à sociedade capitalista. A propriedade, seja ela material ou não, está sempre relacionada à riqueza dos países e à produção de valores econômicos. Assim, o controle econômico de um país rico sobre um país mais pobre passa também pelo controle de seus direitos sobre as produções intelectuais, principalmente no campo empresarial.

Dessa forma, é preciso entender o que são as patentes e porque a detenção delas é tão economicamente rentável. A concepção clássica de patente é a de que se trata de uma concessão pública, ou seja, o Estado confere a alguém direito de exclusividade sobre o uso e a exploração econômica de determinada criação humana.

No Brasil, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial concede a chamada carta-patente, documento oficial que, a exemplo do já citado Registro de Desenho Industrial, protege o invento de atos como venda, fabricação e comercialização. Essa concessão pode ser dada ao inventor, ao autor ou a quem tenha direitos em relação à criação, pessoa física ou jurídica.

A patente é um título de propriedade temporário sobre uma invenção ou sobre um modelo de utilidade. A proteção dura 20 (vinte) anos em relação a invenções e 15 (quinze) em relação a modelos de utilidade. Em contrapartida a tal proteção, é preciso disponibilizar acesso ao público sobre o conhecimento dos pontos essenciais que caracterizam a novidade no invento, disponibilizar informações técnicas sobre o que é protegido pela patente.

Assim, é possível, por meio do sistema brasileiro de patentes, incentivar as pesquisas ao garantir a proteção aos investimentos dos inventores e ao levar os concorrentes a buscar soluções alternativas para que não precisem recorrer às licenças de exploração de patentes. Ademais, a sociedade brasileira ganha por ter acesso a informações que, sem a exigência de disponibilização de conhecimento para patentear, seriam segredo comercial.

2.2 Direitos autorais

Os direitos autorais compreendem os direitos morais e patrimoniais relativos que o indivíduo possui sobre sua própria obra, sua criação ideológica. Tais direitos são consequência da Era Moderna, mesmo que, desde sempre, o homem tenha sido inventor. Somente após o Renascimento os direitos autorais passaram a fazer parte das legislações ao redor do mundo.

Na Grécia Antiga, por exemplo, existia a noção de titularidade da obra e de repúdio ao plágio. Ademais, era possível vender, negociar a autoria da obra, o que permitia a venda da titularidade da criação, inclusive dos direitos morais do autor.

Em Roma, havia copistas, profissionais especializados em reproduzir obras por meio de cópias manuscritas. Assim, nasceu a primeira ideia jurídica de direito autoral: os direitos morais do autor e os direitos econômicos dos copistas. Dessa forma, quem reproduzia as criações ficava com o dinheiro, enquanto o inventor ficava com a glória – se a sua autoria fosse reconhecida (Galdeman, 2007).

A influência da Igreja Católica sobre o Estado na Idade Média levou à substituição dos copistas pelo trabalho de religiosos isolados do mundo secular. Por essa razão, só havia reprodução de obras aprovadas pela Igreja, tudo o que fosse considerado profano seria censurado. Além do controle sobre a reprodução das obras, a Igreja tinha a controle sobre sua venda. Assim, era seu o monopólio da circulação de conhecimento e informação nesse período. A manutenção do poder eclesiástico dependia de tal monopólio.

No século XV, Johannes Gutenberg inventou a impressão gráfica com tipos móveis, o que possibilitou a reprodução de obras com maior praticidade e menor custo. Assim, Gutenberg possibilitou o surgimento da imprensa e alterou para sempre o acesso à informação. Além disso, com a imprensa, a proteção jurídica dos direitos autorais passou a ser um problema, pois a possibilidade de reprodução em escala industrial e o valor econômico das criações geravam divergências no tocante à remuneração dos autores e ao direito de reproduzir e comercializar as obras.

Com o fim da necessidade dos copistas, surgem os editores, profissionais também relacionados à reprodução de obras, mas de maneira indireta. Muitas vezes, tinha-se a ideia de que a obra pertencia a quem podia copiá-la, não a seu autor.

Começa então a surgir também uma certa forma de censura, pois os privilégios em relação a assuntos autorais concedidos por alguns governantes (e por prazos determinados) estavam sujeitos a ser revogados, de acordo com os interesses dos próprios concedentes. Cumpre ainda assinalar que os privilégios, quase sempre, eram concedidos aos editores e não aos autores. (Gandelman, 2007, p. 26)

Enquanto autores e editores divergiam quanto aos direitos sobre as obras, os reais detentores de poder à época, a Monarquia e a Igreja, preocupavam-se com a falta de controle na propagação de ideias e de valores, que poderia comprometer seu controle social. Neste contexto, sob forte influência política e econômica, nascem os direitos autorais, como forma de proteger não a obra em si, mas os lucros que ela poderia trazer aos detentores de tais privilégios. Apesar de os autores estarem interessados na glória da autoria, o dinheiro envolvido na comercialização de suas produções era mais relevante em curto prazo.

Na Inglaterra do século XVI, o Estado protegia os comerciantes livreiros, dando-lhes o monopólio da impressão dos escritos. Assim, em troca dessa proteção, tudo o que era produzido sofria uma espécie de censura, pois devia atender aos interesses da Monarquia. O nome dado a essa vantagem foi copyright (em tradução literal: direito de cópia). Mais uma vez, seus beneficiários eram os editores, não os autores.

Com esse vínculo, governo e editoras (publishers) lucravam também economicamente: o governo por intermédio do recebimento de rendimentos (royalties) devidos pela concessão do monopólio, e da cobrança de impostos, e os livreiros, com a garantia de lucro certo” (Abrão, 2002, p. 28).

À realeza, porém, não interessava tanto o valor econômico da reprodução dos escritos, mas o poder de censura que o copyright lhes concedia. Assim, ao produzir o Licensing Act em 1643, seu intuito principal não era proteger os editores das cópias clandestinas, e sim ter maior controle sobre o que eles produziam ao instituir a censura prévia obrigatória. “Livros piratas ou censurados eram queimados em praça pública, misturando-se os conceitos porque não havia interesse de lado nenhum em separá-los” (Abrão, 2002, p. 29).

Quando a Inglaterra abriu as portas para a literatura estrangeira, o poder dos comerciantes livreiros começou a diminuir e a forte censura teve que acabar. Assim, os editores passaram a defender os direitos de propriedade do autor sobre a obra literária – dos quais almejavam cessão no futuro. Disso, surge o Statute of Anne, ou o Copyright Act, como é mais conhecido, em 1710, que, pela primeira vez, reconhece em uma norma legal o direito de propriedade do criador. O seu intuito, como os diversos textos normativos que o precederam, era dirimir conflitos acerca da cópia e comercialização de escritos.

A titularidade do autor duraria 21 anos se houvesse cópias impressas da obra e apenas 14 se não houvesse. Além disso, era preciso a cessão dos direitos ao editor para que fossem feitas cópias. Abrão (2002, p. 30) cita outras inovações trazidas pelo ato:

a ) transformou o direito de cópias dos livreiros (monopólio e censura) em um conceito de regulação comercial, mais voltado à promoção do conhecimento e à diminuição dos respectivos poderes (limitação no tempo, liberdade de cessão do copyright e controle de preços; b) criou o domínio público para a literatura (cada livro poderia ser explorado por 14 anos, podendo esse prazo ser prorrogado por uma única vez) acabando com a perpetuidade, porque, no velho sistema, toda a literatura pertencia a algum livreiro para sempre, e somente a literatura que se enquadrasse nos padrões censórios deles poderia ser impressa; c) permitiu que os autores depositassem livros em seu nome pessoal, tirando-os, por um lado, do anonimato e por outro criando a memória intelectual do país com a doação de livros às universidades e bibliotecas públicas.

Dessa forma, é possível perceber que, mesmo ligando-os diretamente aos direitos de edição, o Copyright Act trouxe muitos avanços no tocante à regulamentação dos direitos autorais e aos privilégios concedidos aos autores. Depois dele, outros países criaram leis similares sobre o assunto – Dinamarca (1741), Estados Unidos da América (1790) e França (1793).

Ressalte-se, inclusive, que a França, berço das revoluções sociais, inovou ao legislar sobre os direitos do autor ao torná-los inalienáveis e irrenunciáveis – inovação que reflete, inclusive, nas legislações atuais sobre a matéria. Ademais, ao tratar tais direitos como propriedade do autor, protegeu-os mesmo após a morte deste, por meio da transferência deles aos herdeiros.

O sistema francês diverge do anglo-saxão, pois, enquanto a duração da tutela que este garante depende da instrumentalização das cópias, a materialidade destas, a tutela francesa abrange até os direitos do de cujus, cuidando dos direitos morais do criador. A Convenção de Genebra de 1952, ou Convenção Universal sobre os Direitos do Autor, objetivou adequar as duas ideias, sendo relevante instrumento legislativo sobre a matéria.

A primeira Convenção sobre os Direitos Autorais ocorreu em Berna, Suíça, em 1886, e, apesar de reunir apenas países europeus, foi o pontapé inicial do Direito Internacional dos Direitos Autorais e origem das demais legislações sobre a matéria. Antes dela, era comum que nações se recusassem a reconhecer os direitos autorais de estrangeiros em seus territórios. Era possível até que uma obra protegida em seu país de origem fosse reproduzida sem qualquer fiscalização em outro país.

A Convenção foi revista em Paris (1896) e Berlim (1908), completada em Berna (1914), revista em Roma (1928), Bruxelas (1948), Estocolmo (1967) e Paris (1971), e emendada em 1979. Desde 1967, a Convenção é administrada pela World Intellectual Property Organization (WIPO), tendo sido incorporada nas Nações Unidas em 1974. No Brasil, ela entrou em vigor em 1975.

Apesar de tantas mudanças em seu texto original, a Convenção de Berna prossegue sendo o principal modelo para as legislações internas da atualidade, inclusive no Brasil, até no que concerne ao que está disponível na Internet.

Ao analisar a história dos direitos autorais, é possível observar sua evolução até os dias atuais. Para a melhor sua compreensão, porém, alguns conceitos precisam ser entendidos. São eles: direito moral e direito patrimonial; direitos do autor e direitos conexos; domínio público.

Os direitos morais ligam a obra criada ao sujeito da proteção, ao autor. São irrenunciáveis, inalienáveis, intransferíveis, imprescritíveis e irrenunciáveis. Os direitos de origem patrimonial, porém, podem ser transferidos mediante cessão, licença ou qualquer outra modalidade prevista no ordenamento jurídico brasileiro.

O conceito de direito do autor trata do direito do autor de gozar dos produtos resultantes da reprodução, da execução ou da representação de suas criações. Os direitos conexos buscam proteger os interesses jurídicos que pessoas e/ou organizações que contribuem para tornar a obra acessível ao público ou que acrescentem à obra sua criatividade, seu conhecimento técnico ou sua competência para organizar. No Brasil, os direitos do autor e os direitos conexos formam os direitos autorais.

A lei brasileira estabelece prazo de até setenta anos após o falecimento do autor para o fim da proteção da criação, ou, melhor, para que a obra caia em domínio público e possa ser livremente divulgada e reproduzida, desde que ressalvados os direitos morais, por serem estes perpétuos.

2.3 A legislação brasileira e a propriedade intelectual

O Brasil foi um dos primeiros países no mundo a regular a propriedade intelectual. Ainda antes da independência de Portugal, o Príncipe Regente Dom João VI assinou o Alvará de 1809, que concedia aos inventores e aos criadores de novas máquinas privilégio de exclusividade por 14 anos quando houvesse registro da Real Junta do Comércio. O intuito era estimular a indústria e as artes.

A Constituição de 1824, apesar de ainda não falar sobre direitos autorais em seu texto ou no Ato Adicional de 1837, constitucionaliza a tutela aos direitos dos inventores em seu art. 179:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

[…]

XXVI – Os inventores terão a propriedade das suas descobertas, ou das suas producções. A Lei lhes assegurará um privilegio exclusivo temporario, ou lhes remunerará em resarcimento da perda, que hajam de soffrer pela vulgarisação. (Brasil, 1824)

A primeira menção a direitos autorais na legislação brasileira ocorreu em 1827, na Lei que “Crêa dous Cursos de sciencias jurídicas e sociaes, um na cidade de São Paulo e outro na cidade de Olinda“. A referida lei assegurava, em seu art. 7º, aos professores de Direito a titularidade de suas produções por dez anos:

Art. 7º Os Lentes farão a escolha dos compendios da sua profissão, ou os arranjarão, não existindo já feitos, com tanto que as doutrinas estejam de accôrdo com o systema jurado pela nação. Estes compendios, depois de approvados pela Congregação, servirão interinamente; submettendo-se porém á approvação da Assembléa Geral, e o Governo os fará imprimir e fornecer ás escolas, competindo aos seus autores o privilegio exclusivo da obra, por dez annos. (Brasil, 1827) (grifo nosso)

O Código Criminal de 1830 tratou do assunto protegendo os direitos do autor vivo ou até dez anos após sua morte, caso tivesse deixado herdeiros. Já o Código Penal de 1890 citou especificamente os direitos autorais, prevendo punição para crimes de falsificação e de plágio com penas pecuniárias – perda das cópias e pagamento de multa ao autor. O prazo de dez anos foi mantido.

A Constituição de 1891 assegurou aos autores de obras literárias e artísticas o direito exclusivo de reprodução destas. Aos herdeiros foi concedido o gozo de tal direito pelo tempo que a lei determinasse. As obras científicas ainda não eram amparadas pelo Direito brasileiro.

Posteriormente, com a Lei nº 496, de 1898, o autor de obras literárias, artísticas ou científicas (e só ele próprio) teve direito à reprodução das mesmas, podendo autorizar também a publicação, a representação e/ou a execução destas por qualquer meio.

Em seu art. 2º, a referida legislação definiu o que seriam obras literárias, artísticas ou científicas de maneira abrangente:

Art. 2º A expressão “obra litteraria, scientifica ou artistica” comprehende: livros, brochuras e em geral escriptos de qualquer natureza; obras dramaticas, musicaes ou dramatico-musicaes, composições de musica com ou sem palavras; obras de pintura, esculptura, architectura, gravura, lithographia, photographia, illustrações de qualquer especie, cartas, planos e esboços; qualquer producção, em summa, do dominio litterario, scientifico ou artistico. (Brasil, 1898)

A Lei nº 496/1898 foi alterada em 1912 e passou a proteger também obras estrangeiras. Esse texto normativo foi muito relevante para o direito autoral no Brasil, tendo reflexos, inclusive, na legislação atual. Foi por meio da Lei nº 496 que nasceu o direito autoral brasileiro de fato.

O Código Civil de 1916, apesar de ter revogado a Lei de 1898, consolidou a tutela jurisdicional dos direitos autorais no Brasil. O registro deixou de ser obrigatório, passando a ser facultativo e declarativo ao invés de constitutivo de direito. O direito do autor foi classificado entre o direito das coisas e o das obrigações, um bem móvel cuja matéria foi regulada nos capítulos “Da propriedade literária, artística e cientifica“, “Da edição” e “Da representação dramática“. Além disso, foi fixado o prazo prescricional de 5 anos para a ação civil por ofensa aos supracitados direitos.

Diversos textos normativos foram promulgados entre o ano da entrada em vigor do Código (1917) e 1973, ano da edição da Lei nº 5.988, que consolidou tudo ao criar o Sistema Autoral Brasileiro – baseado no Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), nas associações de titulares de direitos autorais e no Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad).

Depois da Lei nº 496/1898, essa legislação foi outro marco para a tutela do direito do autor. A Lei nº 5.988/1973 expandiu a abrangência da proteção às obras da criação humana, tornou clara a distinção entre os direitos morais e os direitos patrimoniais do autor e criou um órgão fiscalizador, consultor e assistencial para tudo o que for relacionado aos direitos do autor e aos direitos conexos – o CNDA.

Atualmente, o direito de propriedade intelectual brasileiro está fundado na legislação federal, com origem tanto no Legislativo quanto no Executivo e de caráter material, processual ou administrativo.

Os direitos de propriedade intelectual aplicam-se aos nacionais ou pessoas domiciliadas em país que assegure aos brasileiros e pessoas domiciliadas em país que assegure aos brasileiros ou pessoas domiciliadas no Brasil a reciprocidade na proteção a estes direitos. Os estrangeiros domiciliados no exterior gozarão da proteção assegurada nos tratados internacionais em vigor no Brasil. (Pimentel, 2005, p. 18)

O Brasil ratificou os principais instrumentos jurídicos internacionais que tratam sobre a propriedade intelectual, entre eles: a Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial de 1883 (Decreto nº 75.572, de 1975; Decreto nº 635, de 1992; e Decreto nº 1.263, de 1994), a Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas de 1886 (Decreto nº 75.699, de 1975), o Acordo sobre a Classificação Internacional de Patentes de 1971 (Decreto nº 76.4722, de 1975), o Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes de 1970 (Decreto nº 81.742, de 1978), a Convenção Internacional para a Proteção das Obtenções Vegetais de 1961 (Decreto nº 3.109, de 1999) e o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio da Organização Mundial do Comércio de 1994 (Decreto nº 1.355, de 1994).

A Constituição Federal de 1988 (CF/1988), em seu art. 5º, trouxe o direito autoral como princípio, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade , nos termos seguintes:

[…]

XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;

XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:

a ) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;

[…]. (Brasil, 1987)

Trata-se de direito fundamental, assegurado pela CF/1988 em forma de cláusula pétrea. Garante-se, assim, aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, entre outros direitos, a inviolabilidade do direito à propriedade intelectual. Assim, está assegurado o direito de propriedade intelectual, que abrange os direitos morais e patrimoniais do autor de obra intelectual. Os referidos direitos patrimoniais do autor na Constituição de 1988 remetem ao exclusivo direito de utilizar, publicar e reproduzir suas obras. Diferente das Constituições anteriores, o texto constitucional vigente no País não especifica quais tipos de obras são protegidas. O entendimento majoritário, com base no inciso IX do mesmo art. 5º, é de que são tuteladas obras literárias, artísticas, científicas e de comunicação.

Ao proteger o intérprete no mesmo patamar em que se encontra o autor considerando que possui direitos conexos aos deste, o inciso XXVIII inovou positivamente. Outra inovação foi a proteção a pessoas físicas e jurídicas em relação à organização de obras que são resultado de fusões de outras obras individualizadas.

O inciso também aborda o papel das organizações sindicais, que destoam um pouco do tradicional modelo de proteção do trabalho de seus associados por si só. Há a previsão de que tais órgãos sejam responsáveis pela fiscalização dos proveitos econômicos das obras criadas por seus associados. Assim, o papel das associações sindicais deixa de ser relativo apenas aos direitos morais dos autores e passa a ter maior relevância no aspecto patrimonial das criações. “Neste contexto, a Constituição brasileira não trouxe uma proteção tão intensa ao princípio da paternidade da obra, dando preferência ao abrigo do direito de propriedade […]” (Oliveira, 2001, p. 1).

A evolução história do direito autoral como direito predominantemente individual e até mesmo sua natureza jurídica, que mescla direitos morais e patrimoniais, levaram à não positivação no texto da nova Constituição desse direito como social , solidário. A legislação do Brasil ainda entende o direito autoral como algo subjetivo, o que remete aos direitos de primeira geração (direitos civis e políticos). A realidade é que é um tipo de direito que mistura características dos direitos fundamentais de primeira geração com os de segunda (direitos econômicos, sociais e culturais). Quando as normas nacionais não o entendem assim, há óbvia involução, pois diminui sua abrangência social.

Em 1996, o Brasil criou e aprovou a Lei nº 9.279 para implementar mudanças impostas pelo Acordo Internacional TRIPs, do qual o Brasil foi signatário. Chamada de Código da Propriedade Industrial, a lei trata dos prazos legais relacionados a pedidos de patentes, registro de marcas e de desenhos industriais. Além disso, especifica os direitos de propriedade industrial, a vigência dos direitos, a transmissão e as licenças, as formas dos pedidos e as penalizações por certas infrações à lei.

O mais relevante entre os recentes textos normativos sobre direito autoral é a Lei nº 9.610, de 1998, ou, como é mais conhecida, a Lei de Direitos Autorais (LDA). A Lei nº 5.988/1973 era menos objetiva que esta e, sendo antiga, não abrangia aspectos relevantes que a LDA abrange, como as novas mídias oriundas da revolução tecnológica, como o CD-ROM e a Internet. Além disso, alguns preceitos oriundos de tratados internacionais foram inseridos e ampliados pela atual legislação.

As sanções trazidas pela LDA estão somente na esfera civil, pois o Código Penal de 1940 já previu sanções penais nos crimes contra a propriedade intelectual. A legislação brasileira prevê que, mesmo que não haja intuito de lucro, quem viola direitos autorais pode ser punido tanto na esfera penal quanto na cível (Oliveira, 2011).

Apesar de recente e de visar aos avanços tecnológicos, há muitas situações causadas pelo avanço tecnológico em que é preciso usar a razoabilidade e a proporcionalidade, pois a Lei nº 9.610/1998 não as previu. Quanto mais consumidores e usuários de produtos culturais, principalmente por novas mídias, maiores e mais diversos os problemas surgidos dessas novas relações.

Deste modo, o rigor jurídico presente na LDA obsta o desenvolvimento cultural e a um livre acesso à informação pela sociedade, sendo primordiais novas normas que busquem os direitos individuais dos autores em face dos direitos dos usuários, que detêm o interesse público de obter informação” (Oliveira, 2011, p. 1).

Assim, do rigor protetista da Lei de Direitos Autorais surge o questionamento acerca da democratização do acesso à informação trazida pela Internet. Até que ponto os direitos do autor, principalmente os de propriedade, podem se sobreporem ao direito à informação.

3 O DIREITO DIGITAL

O Direito, como instrumento regulador das condutas humanas, precisa adequar-se às constantes evoluções sociais. Nem sempre é possível acompanhar as referidas evoluções, mas, mesmo que às vezes um pouco atrasados, os legisladores e aplicadores do Direito buscam refletir a realidade social em suas leis e julgados.

À medida que o conhecimento humano evolui, nascem novas formas de solucionar problemas do dia a dia. A evolução tecnológica, principalmente no tocante às comunicações, trouxe grandes avanços e muita praticidade à vida moderna. A Internet hoje é parte da vida de grande parte da população mundial, trazendo novos hábitos e mudando a dinâmica social de quase todo o Ocidente. Sobre o assunto, Sydow (2013, p. 21) preleciona:

Novos conceitos passaram a existir com a tecnologia. Enquanto a maioria dos bens antigamente era representada por átomos, hoje boa parte deles é representada por bits. Os átomos formam a substância tangível, enquanto os bits compõem a linguagem (intangível) utilizada pela informática para compor arquivos, programas e sinais de comunicação.

A nova dinâmica social inclui mudança de valores e, à medida que esses valores ganham relevância social e econômica, passam a precisar de tutela jurídica. Muitos bens na atualidade existem na forma imaterial, como segredos industriais, bancos de dados e até mesmo dinheiro. O ambiente virtual, contudo, demonstrou ser inseguro e sujeito a diversas formas de ataque – por brechas de programação, falhas de segurança ou engenhosidade social de indivíduos mal intencionados.

A Revolução Digital, com suas novidades positivas e negativas, trouxe novos bens jurídicos, como a segurança de dados, por exemplo, que precisavam de tutela ante as violações sofridas. Além disso, surgiram novas formas de violar bens jurídicos que já eram protegidos pelo Direito tradicional. A novidade exigia novos conhecimentos e nem todos os usuários estavam inteiramente a par das consequências de seus atos no ambiente virtual.

Por conta de o meio informático trazer sensações, como as de segurança, afastamento e frieza, e devido a situações pessoais do usuário-vítima, a rede mundial de computadores e outros meios eletrônicos acabam ocasionalmente sendo utilizados de forma irresponsável e impulsiva” (Sydow, 2013, p. 23).

Além das sensações descritas por Sydow (2013), é preciso ressaltar que a sensação de anonimato virtual encoraja a prática de violações nesse ambiente. Muitos usuários, ao utilizarem-se de nicknames ou mesmo de perfis fakes, sentem-se livres de identificação e, consequentemente, de punição posterior por possíveis delitos cometidos. A Internet torna-se, então, um ambiente cheio de usuários pouco informados e suscetíveis a violações de direitos e de usuários mal intencionados que se imaginam imunes à lei.

Assim, Zanatta (2010, p. 6) propõe: “Cabe-se propor não um direito de Internet, mas, sim, um novo instituto, o direito digital, cujo grande desafio seria estar preparado para o desconhecido, valendo-se de antigas normas e apto a interpretar a realidade social de forma a adequar a solução ao caso concreto na mesma velocidade das mudanças da sociedade“.

Na Era Agrícola, a terra era o instrumento de poder e, Igreja Católica no Ocidente a concentrava, o Direito era canônico e fundado na hierarquia. Na Era Industrial, o capital era o instrumento de poder, pois viabilizava os meios de produção. Para proteger suas reservas de ataques de outros Estados, o domínio deveria ser do Estado. Assim, o Direito tornou-se estatal e normativo, além de burocrático, voltado para a minimização de erros jurídicos e para o monopólio da força. Na Era Digital, o poder está baseado na informação, recebida e refletida. A liberdade individual e a soberania estatal são medidas pela possibilidade de acesso dos cidadãos à informação. O direito digital nesta Era é pragmático e costumeiro, fundado em estratégia jurídica e dinamismo (Pinheiro, 2012).

A velocidade das transformações no meio digital exige dinamismo, pois as leis precisam ser genéricas e flexíveis para abranger o máximo de situações possível. Pelo mesmo motivo, alguns institutos têm uma nova perspectiva quando se trata de direito digital, são eles: o tempo e a territorialidade.

A teoria tridimensional de Reale (1994) de que o direito é fato, valor e norma mostra-se insuficiente no ambiente virtual. Assim, foi preciso incluir um quarto elemento: o tempo.

No direito digital, o conjunto fato, valor e norma necessita ter velocidade de resposta para que tenha validade dentro da sociedade digital. Esse tempo pode ser uma relação ativa, passiva ou reflexiva com o fato que ensejou sua aplicação, ou seja, o caso concreto” (Zanatta, 2010, p. 9).

O tempo ativo é aquele em que, caso a velocidade de resposta não seja adequada, pode ocorrer o esvaziamento do direito subjetivo da vítima. O exemplo que Pinheiro (2013) dá foi o bug do milênio, quando o Ministério da Justiça, por meio da Portaria nº 212, de maio de 1999, determinou que os desenvolvedores de software seriam responsáveis pela reparação gratuita de possíveis problemas surgidos com o bug. A referida Portaria foi fruto de diversas discussões sobre quem deveria e quem não deveria ser responsável pela reparação. O Direito não poderia esperar a virada do ano para definir isso, pois os danos seriam irreversíveis. Ademais, mesmo com a portaria, houve muitos casos em que as empresas tiveram que reparar por si os problemas – que foram menores que o esperado.

Um bom exemplo do instituto do tempo passivo são os danos ocorridos nas relações de consumo, como a não entrega de um produto comprada na Internet ou a entrega de um produto diferente do comprado. Muitas vezes, o agente delituoso se beneficia da ideia de morosidade da Justiça que o homem-médio possui, pois este deixa de denunciar as violações a direitos ocorridas.

Então, uma série de empresas, cientes disso, não têm interesse na solução dos problemas com o consumidor, sendo a pressão social e o uso da imprensa os únicos mecanismos que conferem algum poder ade coerção sobre elas, pelo medo de criar uma imagem negativa na marca e não pelo temor de um ordenamento jurídico eficaz. (Pinheiro, 2013, p. 82)

O tempo reflexivo, por fim, opera passiva e ativamente no mundo virtual ao provocar efeitos em cadeia e prejudicar usuários da Internet de maneira generalizada. Os crimes virtuais, como a pirataria e a pedofilia, por exemplo, são delitos que prejudicam a sociedade virtual, não apenas a vítima direta.

Dessa forma, o advogado digital precisa atentar-se ao elemento tempo de maneira que este atue de maneira favorável ao(s) seu(s) cliente(s), pois ele é uma determinante quando as partes estabelecem obrigações e limites à responsabilização. Ademais, o elemento tempo é de enorme importância no tocante à credibilidade da Justiça para dar soluções aos conflitos sociais.

A territorialidade, por sua vez, não precisa se fazer parte da teoria tridimensional de Reale (1994), mas precisa ser pensada quando aplicada ao ambiente digital. O princípio da territorialidade tradicional delimita a área territorial sobre a qual as leis de um Estado têm vigência. A Internet, porém, não se limita territorialmente, é possível cometer uma violação de direitos virtuais de qualquer lugar do mundo. Então, não seria possível definir a legislação a ser aplicada sem alterar o entendimento sobre o princípio. Aliás, de acordo com Pinheiro (2013, p. 82), “o problema não está apenas no âmbito da Internet, mas em toda sociedade globalizada e convergente, na qual muitas vezes não é possível determinar qual o território em que aconteceram as relações jurídicas, os fatos e seus efeitos, sendo difícil determinar que norma aplicar utilizando os parâmetros tradicionais“.

Como no Direito Internacional, aplicam-se diversos princípios no direito digital para solucionar os conflitos. Há o princípio do endereço eletrônico, o do local em que a conduta se realizou ou exerceu seus efeitos, o do domínio do consumidor, o da localidade do réu e o da eficácia na execução judicial.

É relevante dizer que o problema de territorialidade não se esgota na solução de conflitos reais, mas traz mudanças para o próprio conceito moderno de soberania e de atuação e responsabilidade dos Estados em relação a seus nacionais.

3.1 O Brasil e o direito digital

A obsolescência de leis e a demora na tramitação de processos judiciais são problemas brasileiros muito anteriores ao direito digital. Na tentativa de diminuir esse problema, países como os Estados Unidos fazem uso de institutos como a arbitragem, que é predominantemente utilizada no Brasil para dirimir conflitos internacionais e comerciais.

Quando o direito codificado se mostra insuficiente para solucionar conflitos no ambiente virtual, o Direito brasileiro faz uso de princípios e soluções anteriormente aplicados – o chamado direito costumeiro.

No direito costumeiro, os elementos que estão a amparar o direito digital são: a generalidade, a uniformidade, a continuidade, a durabilidade e a notoriedade (ou publicidade). Para que esses elementos se ajustem ao direito digital, deve-se levar em conta o fator tempo, elemento de fundamental importância para um mundo em que transformações tecnológicas cada vez mais aceleradas ditam, de modo mais intenso, as transformações no próprio funcionamento da sociedade, determinando a importância de duas práticas no direito digital: a analogia e a arbitragem. (Pinheiro, 2013, p. 77)

O direito codificado, por vezes, é obsoleto ou demasiadamente rígido diante do caso concreto. O direito digital precisa ser flexível para atender às necessidades da sociedade digital. Dessa forma, ele extrai o melhor do direito codificado e do direito costumeiro para a solução de seus conflitos.

Para entender o surgimento do direito informático, dois conceitos precisam ser compreendidos, pois são os chamados bens informáticos: softwares e hardwares. Softwares são os algoritmos, ou, melhor, as instruções matemáticas que formam os programas, os comandos para o hardware. As máquinas, os equipamentos físicos que realizam os comandos do software formam o hardware. Tais conceitos são importantes, pois, por serem bens, hardwares e softwares podem ser objetos de contratos – submetendo-se ao Direito Civil, Comercial, entre outros. Ademais, sendo criações humanas, podem ser objetos de direitos autorais e de violações de natureza extracontratual.

A primeira legislação brasileira relativa ao direito digital surge exatamente por conta da pirataria de softwares, ainda em 1984. A Lei nº 7.232/1984 (Lei da Informática no Brasil) pretendia incentivar o investimento estatal no setor privado relativo à tecnologia com o intuito de fomentar a pesquisa nesse campo. A Política Nacional Informática, no entanto, teve efeito inverso: os produtos nacionais eram caros e pouco desenvolvidos tecnologicamente. Ademais, houve um engessamento da tecnologia nacional e muitas empresas que recebiam auxílio governamental passaram a vender legalmente réplicas não autorizadas de softwares e hardwares estrangeiros, uma forma de pirataria com autorização do Estado brasileiro.

Nesse período, somente uma empresa estrangeira conseguiu autorização para comercializar computadores produzidos fora do Brasil, a HP (Hewlett-Packard), e, mesmo assim, a venda somente era percebida para uso técnico-científico, não para o mercado comum.

O Governo Collor, ao abrir o mercado brasileiro para as empresas estrangeiras, também ajudou o desenvolvimento dos softwares e hardwares nacionais, pois a concorrência estrangeira fomentou a pesquisa brasileira na área da tecnologia e a produção doméstica precisou estar em nível capaz de concorrer no mercado nacional e no internacional.

A Lei nº 8.248/1991 fez com que o prazo da reserva de mercado expirasse em 1992. Apesar de, na prática, estimular o mercado nacional, essa lei trouxe também uma onda de falências e de incorporações por instituições financeiras das empresas criadas entre 1984 e 1992.

A Lei nº 11.077/2004 alterou a Lei nº 8.248/1991 e previu reduções fiscais para as empresas que invistam em tecnologia no Brasil até 2019. As medidas protecionistas da lei de 1984, porém, ainda repercutem na excessiva tributação sobre os produtos estrangeiros, o que impede os produtos oficiais de competirem no mercado e estimula a pirataria.

Na esfera criminal, duas leis recentes merecem destaque: a Lei nº 12.735/2012 e a Lei nº 12.737/2012. Infelizmente, a influência midiática acaba por forçar a aprovação de textos legislativos ainda não exaustivamente debatidos e, consequentemente, não concluídos, o que afeta diretamente o princípio penal da intervenção mínima, pois a mídia parece almejar que a lei seja explícita ao prever cada caso concreto possível no ambiente digital, o que não é possível na realidade – dentro ou fora da Internet.

A criação de novas legislações penais com aplicabilidade duvidosa termina por colocar o poder policial e judiciário em situação de ineficiência pragmática e o próprio Estado em posição de fragilidade, posto que não consegue aplicar a lei que criou e que permanece no ordenamento jurídico reafirmando tal fraqueza. (Sydow, 2013, p. 269)

Fiscalizar e punir no ambiente digital exige da Polícia e da Justiça brasileira um aparato tecnológico (tanto físico quanto humano) de última geração e um apoio internacional que o País não possui, para que as investigações não parem em formalidades e em entraves burocráticos.

O delito informático não é brasileiro, é transnacional. Os conceitos tradicionais de territorialidade e de exclusividade investigativa são substituídos, nesses casos, pela cooperação e pela virtualidade.

As alterações trazidas pela Lei nº 12.735/2012 podem ser resumida nas palavras de Sydow (2013, p. 273-274):

a ) Acrescentou ao art. 298 do Código Penal um parágrafo único, com o nomen iuris de “falsidade de cartão“, equiparando-se a documento particular o cartão de crédito ou de débito (redundante no que se refere ao PL 2.793-C/2011, art. 3º, segunda parte).

b) Dentro do Código Penal Militar, no capítulo da traição, título do “favorecimento ao inimigo“, tratando-se dos crimes militares em tempo de guerra, alterou o inciso II do art. 356, acrescendo como favorecimento ao inimigo o prejuízo ou a tentativa de prejuízo, o comprometimento ou a tentativa de comprometimento, a entrega ou a exposição a perigo de dado eletrônico;

c) Dentro do Código Penal Militar, no capítulo da traição, título do “favorecimento ao inimigo“, tratando-se dos crimes militares em tempo de guerra, alterou o inciso III do art. 356, acrescendo como favorecimento ao inimigo o prejuízo ou a tentativa de prejuízo, o comprometimento ou a tentativa de comprometimento, a perda, a destruição, a inutilização, a deterioração ou a exposição a perigo de perda, destruição, inutilização, deterioração de dado eletrônico;

d) Alterou o inciso II do § 3º do art. 20 da Lei nº 7.716/1989, dando ao magistrado instrumento processual cautelar para cessação de prática, induzimento ou incitação a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, permitindo que este determine a cessação das respectivas transmissões eletrônicas ou da publicação por qualquer meio;

e) Determinou que os órgãos da polícia judiciária estruturem setores e equipes especializadas no combate à ação delituosa em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado.

Nem todas essas alterações entraram de fato no ordenamento jurídico brasileiro. A Mensagem nº 525, de 2012, trouxe o veto presidencial aos arts. 2º e 3º da proposta inicialmente aprovada pelo Congresso Nacional. Ocorre, no entanto, que a Lei nº 12.737/2012, aprovada no mesmo dia, teve seu art. 3º sancionado e este continha a mesma alteração que o art. 2º da Lei nº 12.735/2012 pretendia trazer.

A supracitada Lei nº 12.737/2012 é mais conhecida como Lei Carolina Dieckmann, pois a atriz teve fotos íntimas divulgadas na Internet sem sua autorização e o apelo midiático do episódio terminou por acelerar a aprovação do Projeto de Lei nº 2.793-C/2011.

Apesar de trazer inovações também para o processo penal brasileiro, o principal intuito da Lei Carolina Dieckmann era alterar os arts. 154, 266 e 298 do Código Penal.

A legislação mais recente com efeitos sobre a Internet brasileira é o Marco Civil da Internet , também chamado de Constituição da Internet . A Lei nº 12.965/2014 busca garantir acesso de qualidade e privacidade aos usuários brasileiros, além da proteção das diversas relações de consumo no ambiente virtual. Os principais objetivos da lei aprovada em abril de 2014 são princípios já assegurados no art. 5º da Constituição Federal vigente, porém voltados para as especificidades próprias do ambiente virtual, como explicita seu art. 6º: “Na interpretação desta Lei serão levados em conta, além dos fundamentos, princípios e objetivos previstos, a natureza da Internet, seus usos e costumes particulares e sua importância para a promoção do desenvolvimento humano, econômico, social e cultural” (Brasil, 2014).

Sendo uma lei recente, ainda não há como ter certeza da abrangência e eficácia do Marco Civil, mas o Brasil precisava de regularização, principalmente quanto a direitos e deveres de seus usuários. A busca, porém, pela segurança na rede prossegue. O direito digital brasileiro ainda está em processo de evolução, mas a nova lei foi um excelente primeiro passo.

4 OS DIREITOS AUTORAIS NO DIREITO DIGITAL BRASILEIRO

Uma parte relevante do direito digital no tocante ao direito autoral é a desmaterialização do seu suporte físico. A obra deixa de ser distribuída no modelo tradicional, por meio de livro ou CD, por exemplo, e passa a ser acessada pelo usuário. Segundo Pinheiro (2013), para proteger o direito do autor na era digital, é preciso entender o novo formato de distribuição e compreender o que leva ao comportamento coletivo baseado na ideia de que se está na Internet é público, então pode pegar.

Sobre o assunto, preleciona Brant (2003, p. 1):

[…] o conceito de “dados” se intensifica no contexto globalizado da propriedade intelectual, bem como a discussão sobre o uso justo e a necessidade de conscientização sobre os efeitos marcantes da tecnologia na rotina das pessoas. Um dos maiores desafios continua sendo a compreensão do potencial intangível e da latente virtualidade do ciberespaço.

A proteção do direito autoral na sociedade do conhecimento é ligada à evolução do pensamento nessa sociedade. Afinal, copiar é mais fácil que criar. Se não houver limite, surgirá uma geração de copiadores e plagiadores que acham tudo no Google.

O Brasil ainda tem muito a crescer tanto no aspecto científico-tecnológico quanto no aspecto humano da Internet, mas a regulação do ambiente virtual, principalmente no tocante aos direitos autorais, tem crescido muito no País nos anos 2000.

Quando a informática chegou ao mercado, o alto valor dos produtos estava no hardware, não no software, que vinha pré-instalado. No contexto de número limitado de computadores e de alto custo das máquinas, era impensável comercializar os softwares, então todo software era o que hoje é chamado de “software livre“, ou seja, o comprador de um computador tinha total acesso ao código-fonte dos programas, podendo estudá-los e aperfeiçoá-los para seu uso. Algo que é impensável hoje.

Com a concorrência entre as indústrias de hardware e software crescendo, no fim dos anos 1970 surgiu o conceito de “software proprietário” e o comprador da máquina e do programa não levava mais o código-fonte deste para casa. Aliás, neste contexto de disputa pelo mercado que surgia, o setor começou a proteger sua propriedade intelectual (os códigos-fonte) por meio de patentes e direitos autorais. Assim, quando o usuário adquiria um “software proprietário“, o que ele estava adquirindo na verdade era uma licença de uso desse produto. Melhor dizendo, a partir de então o adquirente não tinha mais direito de realizar qualquer forma de exploração econômica do software (cópia, revenda, aluguel, etc.) sem expressa autorização.

Infelizmente, apesar de ilegal, a prática de pirataria corporativa ainda é comum no Brasil. Muitas empresas reproduzem ilegalmente softwares para uso interno. Nesses casos, é cabível a busca e apreensão de software irregular, prisões em flagrante e abertura de processos civis e criminais, por uso indevido de propriedade intelectual e evasão fiscal.

A primeira legislação brasileira que pretendeu proteger a propriedade intelectual na Internet brasileira foi a Lei nº 7.232/1984 (Lei da Informática no Brasil), cujo objetivo era fomentar a pesquisa no campo tecnológico por meio do investimento do Governo no setor privado. O que ocorreu, contudo, foi o engessamento da tecnologia nacional e a venda de réplicas não autorizadas de softwares estrangeiros pelas empresas que recebiam o investimento estatal. Ou seja, empresas que deviam criar softwares nacionais de qualidade acabavam por piratear os estrangeiros.

Somente durante o Governo Collor, com a Lei nº 8.248/1991, a reserva de mercado acabou e o desenvolvimento de softwares e hardwares nacionais aumentou, pois era preciso concorrer no nível dos programas e equipamentos estrangeiros e no mercado internacional.

A Lei nº 8.248/1991 foi alterada pela Lei nº 11.077/2004, que concedeu reduções fiscais até 2019 para empresas que investem em tecnologia no País. O excessivo protecionismo da legislação brasileira sobre o mercado nacional ao tributar os produtos estrangeiros muito acima do razoável impede os produtos oficiais de competirem no mercado e estimula a pirataria.

As referidas leis, no entanto, tinham cunho predominantemente econômico e, apesar de terem por objetivo a coibição da pirataria de softwares devido ao valor econômico destes, não previam sanções às demais formas de violações de direitos autorais praticadas na Internet.

Assim, a legislação específica dos direitos autorais no Brasil sempre regulamentou a responsabilização pelas violações. Atualmente, a Lei nº 9.610, de 1998, tutela os direitos autorais e conexos a estes e as sanções civis cabíveis a quem os viola. As criações do espírito protegidas por essa lei estão especificadas no art. 7º da mesma:

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;

II – as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;

III – as obras dramáticas e dramático-musicais;

IV – as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;

V – as composições musicais, tenham ou não letra;

VI – as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográ­ficas;

VII – as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;

VIII – as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;

IX – as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;

X – os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;

XI – as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;

XII – os programas de computador;

XIII – as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual. (Brasil, 1998)

O § 1º do supracitado artigo faz menção à Lei nº 8.248/1991 ao dizer que “os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis” (Brasil, 1998).

Além de especificar as obras objeto de proteção, a lei define expressamente em seu texto que formas de reprodução das obras precisam de autorização prévia do autor:

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

I – a reprodução parcial ou integral;

II – a edição;

III – a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;

IV – a tradução para qualquer idioma;

V – a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;

VI – a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra;

VII – a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;

VIII – a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:

a ) representação, recitação ou declamação;

b) execução musical;

c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos;

d) radiodifusão sonora ou televisiva;

e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência cole­tiva;

f) sonorização ambiental;

g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado;

h) emprego de satélites artificiais;

i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados;

j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas;

IX – a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero;

X – quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas. (Brasil, 1998) (grifo nosso)

Apesar do rol do art. 29 ser exemplificativo, é muito abrangente, principalmente em seu inciso X, que inclui até formas de utilização não inventadas à época da promulgação.

Ora, a aquisição de obra intelectual por qualquer meio não transfere os direitos do autor sobre a mesma, a titularidade permanece com ele. Assim, mesmo que o material esteja disponível on-line gratuitamente, prossegue protegido pela lei e não pode ser utilizado sem prévia autorização.

O problema é que a lei de 1998 pretendeu proteger o autor e os seus direitos patrimoniais de forma tão abrangente que tornou todo cidadão um potencial criminoso. Pelo texto legal já exposto, o comprador de um CD-ROM não pode transferir as músicas por ele compradas para nenhum outro tipo de mídia, como um MP3 ou mesmo seu computador, por exemplo. Isso mesmo, ele compra a obra, mas não tem o direito de dispor dela da maneira mais cômoda para si.

O direito codificado brasileiro sobre direitos autorais, mesmo tendo menos de 20 (vinte) anos, parece engessado aos moldes tradicionais de propriedade intelectual e mostra-se pouco flexível, característica fundamental ao direito digital. Além disso, a falta de previsão de situações como a mencionada, em que o produto foi comprado em um formato e o comprador não pode usá-lo de outra forma, mostra que, apesar de ser uma legislação relativamente recente, a Lei nº 9.610/1998 não está acompanhando a evolução da sociedade do conhecimento.

Para melhor compreender as razões da necessidade de atualização da LDA, é preciso explicar o direito de distribuição em relação a obras físicas, sem desmaterialização de seu suporte físico. Quando um autor autoriza que uma criação sua seja colocada no mercado, apesar de ser possível controlar a exploração de exemplares físicos por meios polêmicos como a numeração dos exemplares e o uso de selos ou marcas de identificação, não é possível controlar o que o usuário fará com sua aquisição. Mesmo que a compra de um exemplar não ceda os direitos de propriedade do autor ao adquirente, sequer lhe concede direitos além do de desfrutar a obra para seu uso privado, nada impede que este adquirente recoloque, de forma lícita, o exemplar no mercado. O direito de distribuição do autor é exaustivamente abordado no contexto da primeira venda, ou seja, na colocação da obra física no mercado, mas não é específico no tocante ao comércio de segunda mão, os famosos sebos. Comércio esse que não exige a renúncia dos direitos do autor sobre a obra e não afeta tais direitos.

Do que ocorre no mercado de obras físicas pode-se explicar o que ocorre no ambiente virtual. Da mesma forma que no mercado tradicional, quando o autor dá acesso on-line a sua obra, é impossível controlar o que ocorrerá a ela ou mesmo impedir que prossiga circulando. Igualmente, essa circulação “de segunda mão” não afeta a titularidade do autor.

A LDA, em seu art. 5º, inciso IV, explica o que é distribuição:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se:

[…]

IV – distribuição – a colocação à disposição do público do original ou cópia de obras literárias, artísticas ou científicas, interpretações ou execuções fixadas e fonogramas, mediante a venda, locação ou qualquer outra forma de transferência de propriedade ou posse ;

[…].

A desatualização da lei em relação à realidade brasileira fica clara, pois é possível depreender claramente deste inciso IV que a lei faz referência apenas à distribuição de exemplares físicos. A desmaterialização do suporte físico trazido pela sociedade digital foi ignorada. O inciso X do art. 29 da mesma lei, porém, ao mencionar “quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas“, solucionou o problema.

O Capítulo II – Das Sanções Civis do Título VII – Das Sanções às Violações dos Direitos Autorais da Lei de Direitos Autorais traz as punições cíveis cabíveis ao que violar os referidos direitos.

A primeira sanção, trazida pelo art. 102, é a apreensão das obras, sem prejuízo à indenização cabível. Trata-se, portanto, de sanção de difícil colocação em prática no ambiente virtual, pois é impossível retirar por completo uma informação da Internet. É possível retirar um site, um domínio, mas o arquivo permanecerá disponível de outras formas, pois não há como saber quem transferiu.

A alteração de obras literárias, artísticas e científicas, prevista no art. 103, também é proibida. A punição, mais uma vez, é difícil colocar em prática, pois também inclui o recolhimento dos exemplares. O parágrafo único, porém, prevê que, quando não for possível delimitar quantos exemplares foram produzidos com alteração, o valor a pagar será o equivalente a três mil exemplares além dos que forem apreendidos. Assim, é mais provável que alguma punição seja eficaz, pois a multa é de possível mensuração.

O art. 104 prevê as formas de auxílio e de benefício que não necessariamente são praticadas pelo fraudador, in verbis:

Art. 104. Quem vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior. (Brasil, 1998)

Como é possível observar, nos arts. 103 e 104 a comercialização é parte inerente à conduta passível de responsabilização. No caso do art. 102, porém, a responsabilização cível recai sobre qualquer forma de utilização sem autorização do autor da obra.

Já o art. 105 prevê a suspensão da transmissão e retransmissão, por qualquer meio ou processo, e a comunicação ao público de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações e de fonogramas, realizadas mediante violação aos direitos do (s) autor(es). Prevê também multa diária em caso de não cessação da transmissão e demais indenizações cabíveis. Ademais, prevê a multa em dobro em caso de reincidência.

O art. 106, por sua vez, dá ao juiz a faculdade de determinar, em sentença condenatória, a destruição dos exemplares fraudulentos, além dos instrumentos utilizados para a prática desse ilícito cível. Ocorre que, trazendo essa faculdade para a realidade do direito digital, a destruição da máquina necessária para a reprodução, no caso um computador do autor da fraude inicial, não seria capaz de impedir a reprodução on-line da obra por meio de outros computadores, de outros violadores de direitos autorais.

O art. 107 traz as formas de responsabilização por perdas e danos com menção aos valores do parágrafo único do art. 103:

Art. 107. Independentemente da perda dos equipamentos utilizados, responderá por perdas e danos, nunca inferiores ao valor que resultaria da aplicação do disposto no art. 103 e seu parágrafo único, quem:

I – alterar, suprimir, modificar ou inutilizar, de qualquer maneira, dispositivos técnicos introduzidos nos exemplares das obras e produções protegidas para evitar ou restringir sua cópia;

II – alterar, suprimir ou inutilizar, de qualquer maneira, os sinais codificados destinados a restringir a comunicação ao público de obras, produções ou emissões protegidas ou a evitar a sua cópia;

III – suprimir ou alterar, sem autorização, qualquer informação sobre a gestão de direitos;

IV – distribuir, importar para distribuição, emitir, comunicar ou puser à disposição do público, sem autorização, obras, interpretações ou execuções, exemplares de interpretações fixadas em fonogramas e emissões, sabendo que a informação sobre a gestão de direitos, sinais codificados e dispositivos técnicos foram suprimidos ou alterados sem autorização. (Brasil, 1998)

O ilícito cível trazido pelo art. 108 é, provavelmente, o mais comumente cometido pelos usuários da Internet, a reprodução de obras sem a especificação da titularidade das mesmas. É algo tão comum que, muitas vezes, os usuários confundem-se ao tentar, depois da violação inicial dos direitos do autor, fazer a referência. Usualmente, os usuários que cometem este ilícito atribuem a si mesmo a autoria das obras.

Art. 108. Quem, na utilização, por qualquer modalidade, de obra intelectual, deixar de indicar ou de anunciar, como tal, o nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor e do intérprete, além de responder por danos morais, está obrigado a divulgar-lhes a identidade da seguinte forma:

I – tratando-se de empresa de radiodifusão, no mesmo horário em que tiver ocorrido a infração , por três dias consecutivos;

II – tratando-se de publicação gráfica ou fonográfica, mediante inclusão de errata nos exemplares ainda não distribuídos, sem prejuízo de comunicação, com destaque, por três vezes consecutivas em jornal de grande circulação, dos domicílios do autor, do intérprete e do editor ou produtor;

III – tratando-se de outra forma de utilização, por intermédio da imprensa, na forma a que se refere o inciso anterior. (Brasil, 1998)

Apesar de muito rígida e pouco aplicável à realidade do ambiente virtual, a Lei nº 9.610/1998, por ser específica e anterior ao Código Civil de 2002, é a mais utilizada na defesa dos direitos autorais no Brasil.

O novo Código Civil não tratou especificamente da matéria eletrônica, mas alguns pontos são perfeitamente adequados a ela. No tocante a direitos autorais e responsabilização objetiva, entende-se que os diretores, chefes de segurança, gerentes ou responsáveis pelos sistemas informáticos “têm o dever legal de não só sanar vulnerabilidades em sistemas eletrônicos, mas também processar os responsáveis por invasões, fraudes e outros ilícitos digitais” (Blum, 2006, p. 680). Assim, é preciso que, tendo a concessão do direito de distribuição de uma obra pelo meio virtual, entenda-se que é de responsabilidade dos criadores dos sistemas eletrônicos de divulgação de dados também a sua segurança.

Em abril de 2014, foi promulgado o Marco Civil da Internet , ou a “Constituição da Internet“, que pretendeu explicitar a aplicação no ambiente virtual de princípios já assegurados pela Constituição Federal de 1988.

A principal inovação no tocante à responsabilização civil e aos direitos autorais é a previsão, em seu art. 19, de responsabilização dos provedores de Internet por danos causados por seus usuários, in verbis:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

[…]

2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal. (Brasil, 2014)

O artigo pôs fim à discussão jurisprudencial acerca do momento em que o provedor de Internet passa a ser civilmente responsável pelo conteúdo publicado por terceiros. O § 2º, porém, remete a uma legislação específica que ainda não foi promulgada.

O art. 31 do mesmo texto normativo também remete à LDA, que deveria permanecer em vigor até a entrada da legislação específica à qual o § 2º do art. 19 faz menção, in verbis:

Art. 31. Até a entrada em vigor da lei específica prevista no § 2º do art. 19, a responsabilidade do provedor de aplicações de Internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, quando se tratar de infração a direitos de autor ou a direitos conexos, continuará a ser disciplinada pela legislação autoral vigente aplicável na data da entrada em vigor desta Lei. (Brasil, 2014)

Apesar da promulgação de dois textos normativos importantes depois de 1998, o Código Civil de 2002 e o Marco Civil da Internet de 2014, a Lei de Direitos Autorais, de 1998, prossegue sendo a mais importante no que concerne a esta matéria. Espera-se que a lei específica que estar por vir siga o caminho das legislações anteriores e se aproxime da realidade atual.

CONCLUSÃO

No mundo virtual, controlar a dispersão de obras intelectuais é muito difícil, pois os meios de distribuição P2P (Peer to Peer) ou pessoa a pessoa. O primeiro a criar uma rede de usuários que compartilhavam arquivos em MP3 foi o Napster, cujos idealizadores foram responsabilizados e punidos. Depois, surgiram outras redes e, por mais que os diversos Estados ofendidos pelas violações por elas cometidas tentem coibir suas ações, elas estão sempre se reinventando.

O grande problema de redes como o Napster é que não são, em si, meios de pirataria, e sim de compartilhamento de dados. A legalidade no material, na verdade, depende de quem o distribui, se esse usuário tem ou não o direito de distribuição.

Com o alcance da Internet como meio de comunicação, muitos músicos divulgam seu trabalho na Internet e fazem uso de redes P2P para isso. O problema é que muitos usuários que não possuem a titularidade de obras, sejam músicas, livros, etc., para distribuí-las legalmente, fazem isso ilegalmente.

O controle desse tipo de compartilhamento é difícil na prática, apesar da fácil identificação dos compartilhadores por meio do seu endereço de IP. Com uma rede aberta de compartilhamento, cada vez que se consegue identificar e responsabilizar uma pessoa compartilhando arquivos de maneira irregular, outras várias cometem o mesmo delito.

A Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, é a lei que foi possível no momento de sua aprovação, mas não a lei ideal para regulamentar os bens intelectuais atualmente, com o advento da Internet e com as mudanças trazidas por ela para a sociedade.

A excessiva proteção aos direitos do autor na LDA acaba por tornar todo cidadão comum um violador de direitos autorais em potencial, passível de punição cível. A titularidade da obra pode ser preservada sem necessariamente engessar as formas de uso desta, pois o usuário, mesmo adquirindo legalmente, não pode dispor da maneira que lhe convir da obra. A exemplo, o comprador de um CD-ROM não pode transferir os dados para um MP3 player sem violar os direitos autorais do criador da música.

As legislações posteriores, como o Código Civil de 2002 e o Marco Civil da Internet , de 2014, não foram eficazes em melhorar as previsões da Lei de Direitos Autorais, mas o Direito prossegue em movimento e ainda há muito a evoluir – ainda que em descompasso com as evoluções e necessidades da sociedade do conhecimento.

Assim, espera-se que a futura lei específica que responsabilizar os provedores de Internet por violações de direitos do autor e direitos conexos traga inovações mais adequadas à realidade do ambiente virtual sem deixar de punir da melhor maneira os responsáveis pelos ilícitos cometidos.

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