A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS INFLUENCIADORES DIGITAIS PELOS PRODUTOS E SERVIÇOS DIVULGADOS NAS REDES SOCIAIS
Marina Barbosa Azevedo
Vanessa De Pádua Rios Magalhães
RESUMO: Com o avanço da tecnologia e a popularidade das redes sociais, os influenciadores digitais, ao compartilharem seus estilos de vida, experiências, gostos e predileções, tornaram-se figuras centrais no comércio digital. Por meio de um estudo doutrinário e casuístico, o artigo analisa a responsabilidade civil dos influenciadores digitais pela indicação de produtos e serviços nas redes sociais, a partir da concepção de quem são essas personalidades e como atuam nas mídias sociais, se há consumidor relação entre eles e seus seguidores, quais são os diplomas legais que disciplinam essa relação, de modo que, por fim, foi possível verificar a possibilidade legal dos influenciadores responderem pelos produtos e serviços divulgados nos chamados publiposts. Sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, do Código de Auto-regulamentação Publicitária do Conar, do Código Civil e da doutrina, adotando por comparação o conceito de fornecedor de Leonardo Bessa, conclui-se que os influenciadores digitais, como indivíduos que atuam perante os consumidores como se fossem os próprios fornecedores, respondem de forma conjunta e objetiva pelos produtos e serviços divulgados em suas redes sociais.
INTRODUÇÃO
Os influenciadores digitais, as novas personalidades do mundo digital, da publicidade, da propaganda e do marketing, são pessoas que compartilham seus estilos de vida, experiências, gostos e predileções, conquistando a confiança dos seguidores de modo natural ou orgânico.
Esses personagens surgiram ocasionalmente e passaram a exercer papel de destaque nas redes sociais, de tal forma que marcas e empresas passaram a utilizá-los como instrumentos de divulgação de produtos e serviços. Devido à rapidez com que esses influenciadores ascenderam no cenário virtual, observou-se a necessidade de que fosse criados meios de proteção aos seguidores, o público-alvo dos chamados publiposts.
Foi, a partir disso, que surgiu o questionamento acerca da possibilidade de responsabilização civil dos influenciadores digitais pelos produtos e serviços divulgados em suas redes sociais. Ou seja, poderia os influenciadores digitais ser responsabilizados pelos produtos ou serviços divulgados nas suas redes sociais?
Com o objetivo de responder a essa questão, procurou-se, neste artigo, entender o papel dos influenciadores digitais na sociedade consumerista e a forma de atuação deles, para que, assim, fosse realizado um paralelo entre a relação influenciador-seguidor e fornecedor-consumidor, de modo a aferir se entre eles existiria relação de consumo.
Adotando-se o conceito de fornecedor por equiparação, tese criada por Leonardo Bessa, o influenciador digital, considerando o modo como atua nas mídias sociais ao divulgar um produto ou serviço para fins de comercialização destes, pode ser classificado como fornecedor e, consequentemente, também está sob a égide do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990).
Ademais, outro diploma jurídico, aplicado com maior frequência no âmbito digital, foi analisado: o Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária, que é utilizado pelo Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária – Conar para fiscalizar e regular a publicidade exercida pelos influenciadores. Por fim, foi apresentada, à luz do Código de Auto-regulamentação dos Anúncios Publicitários e do Código de Defesa do Consumidor, por meio de análise doutrinária e de casos concretos julgados, a forma como os influenciadores digitais podem ser responsabilizados e como vêm o sendo na realidade, bem como a natureza dessa responsabilidade civil.
1 OS INFLUENCIADORES DIGITAIS
1.1 Quem são os influenciadores digitais e como atuam na sociedade consumerista?
Os influenciadores digitais são os novos personagens do mundo digital, da publicidade, da propaganda e do marketing. São indivíduos que atuam nas mídias sociais ditando comportamentos e tendências, indicando produtos e/ou serviços e compartilhando ideias. São, hoje, quase que indispensáveis às estratégias de comunicação das empresas.
Segundo Alberto Valle (2019), diretor da Academia do Marketing, o influenciador digital é, do ponto de vista técnico, a pessoa ou marca que, por meio do seu conteúdo, consegue influenciar, de alguma maneira, a forma como seus seguidores encaram ou consideram determinadas questões ou conceitos. Para o diretor, qualquer pessoa pode ser um influenciador digital, desde que possua a característica de ser um formador de opinião na internet, de influenciar as pessoas, isto é, de ter engajamento nas redes sociais.
Para Gasparotto, Freitas & Efing (2019, p. 11), os influenciadores digitais, ao compartilharem os seus estilos de vida, experiências, gostos e predileções, conquistam a confiança dos usuários, por isso são vistos como grandes formadores de opinião, cujo engajamento é capaz de modificar comportamentos e mentalidade daqueles que os seguem. No mesmo sentido, Bastos et al. (2017, p. 2) afirmam:
Em virtude disso, os novos profissionais da web exercem grande poder sobre as massas, pois eles possuem credibilidade diante de seus seguidores. Sendo assim, são verdadeiros formadores virtuais de opiniões. Aplicando estratégias empregadas pelas marcas que os contratam, ou então por eles mesmos, são capazes de atingir possíveis consumidores de forma mais natural/orgânica, promovendo a mudança comportamental e de mentalidade em seus seguidores, os quais, por se identificarem com o digital influencer, também se identificam com o conteúdo que é por ele divulgado.
Vale salientar que, inicialmente, a figura do influenciador digital não estava associada a uma atividade profissional. Eram apenas pessoas que, pelo carisma, personalidade ou outro atributo, destacavam-se nas mídias sociais e ditavam regras entre os seus seguidores. No entanto, com o desenvolvimento da internet, principalmente no que diz respeito ao comércio digital e à sociedade de consumo, inevitavelmente, esses mundos se encontraram: o da publicidade, o do marketing, o do comércio digital com o dos influenciadores digitais. Porquanto ainda não seja uma profissão regulamentada, dotada de lei própria que discipline as atividades exercidas pelos influenciadores e as relações formadas entre estes e as empresas que os contratam, bem como com aqueles que consomem os produtos divulgados nos chamados publiposts, algumas leis esparsas são aplicadas a fim de salvaguardar tais relações. São elas: o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor, a legislação do Conar, o Marco Civil da Internet, dentre outras.
Partindo do princípio de que a massa de seguidores que acompanha os influenciadores digitais é composta por pessoas que se identificam com eles – seja pelo comportamento, pela forma de se expressar ou de pensar – e, conscientemente ou não, passam a replicá-los em vários aspectos (dentre eles, o perfil de consumo dos influencers), as grandes marcas viram nisso uma oportunidade de angariar consumidores nas mídias sociais. De forma geral, isso se dá da seguinte forma: as marcas contratam os influenciadores cujos perfis guardam alguma identificação com o seu produto ou serviço, para que, de forma natural ou orgânica, os consumidores-alvo da marca passem a consumi-la, aumentando, assim, o alcance mercadológico daqueles. No que concerne à publicidade de produtos e serviços nas mídias sociais, os influenciadores digitais possuem basicamente o mesmo comportamento: incluem, nas suas rotinas, os produtos que pretendem divulgar, de modo a despertar, nas pessoas que os seguem, o interesse em adquiri-los. Nesse sentido, Bastos et al. (2017, p. 2) concluem:
Através dos resultados obtidos, pôde-se verificar que os digital influencers atuam como formadores de opiniões, sobre as marcas anunciadas, ao criarem um ambiente propício para troca de experiências com os usuários, a partir das redes sociais. Desta forma, as empresas varejistas passaram a vislumbrar o fato de que esses influenciadores trazem benefícios aos seus negócios, visto que a relação existente entre consumidor e influenciador é de confiança e credibilidade, e a aceitação do influenciador, acerca de um produto ou serviço, indica que a empresa terá grandes chances de agradar o seu público alvo.
1.2 Da relação jurídica entre os influenciadores digitais e os seguidores: há relação de consumo?
O Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária – Conar, organização não governamental que busca promover a liberdade de expressão publicitária e a defesa das prerrogativas constitucionais da propaganda comercial, classifica a atividade realizada pelos influenciadores digitais nas redes sociais, por meio dos publipost, como anúncio publicitário (conceituado no art. 18 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária), in verbis:
Art. 18. Para os efeitos deste Código: a) a palavra anúncio é aplicada em seu sentido lato, abrangendo qualquer espécie de publicidade, seja qual for o meio que a veicule. Embalagens, rótulos, folhetos e material de ponto-de-venda são, para esse efeito, formas de publicidade. A palavra anúncio só abrange, todavia, a publicidade realizada em espaço ou tempo paga pelo anunciante; b) a palavra produto inclui bens, serviços, facilidades, instituições, conceitos ou ideias que sejam promovidos pela publicidade; c) a palavra consumidora refere-se a toda pessoa que possa ser atingida pelo anúncio, seja como consumidor final, público intermediário ou usuário.
Realizando paralelo entre dispositivos acima colacionados e a prática do digital influencer, pode-se concluir que anúncio publicitário é toda e qualquer forma de publicidade independentemente do meio em que é propagada. No caso dos influenciadores, o meio de propagação da publicidade é a rede social, materializada nos aplicativos como Facebook, Twitter, Instagram, Tumblr, entre outros. O termo produto é gênero composto por várias espécies, tais quais bens, serviços, facilidades, instituições, até mesmo ideias, promovidos pela publicidade.
Ou seja, tudo que os influencers divulgam nas mídias, com a intenção de vender, comercializar e divulgar, é considerado produto. Por fim, consumidor, segundo o Conar, é toda pessoa atingível pelo anúncio, como consumidor final, público intermediário ou usuário. Em outras palavras, os chamados seguidores, aqueles que acompanham os conteúdos produzidos pelos influencers, são considerados consumidores, uma vez que são diretamente “afetados” pelos anúncios publicitários nas mídias sociais daqueles. São o público-alvo do anúncio. No âmbito do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), o art. 2º classifica consumidor como “toda pessoa, física ou jurídica, que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Fornecedor, nos termos do art. 3º, é “toda pessoa que desenvolve atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Ademais, tem-se a figura do fornecedor por equiparação, conceito criado por Leonardo Bessa, o qual defende que, além daqueles que se enquadram no art. 3º do CDC, também deve ser considerado fornecedor o terceiro que, na relação de consumo, serviu como intermediário ou ajudante para a realização da relação principal, mas que atua frente ao consumidor como se fosse o próprio fornecedor.
Sobre a temática, Filomeno (2018, p. 298) estabelece que, na mensagem publicitária, figuram três personagens: o anunciante, o agente publicitário e o veículo. Segundo o autor, o primeiro é o próprio fornecedor, definido pelo CDC, em seu art. 3º; o agente publicitário é o profissional que cria, produz a publicidade; e, por fim, o veículo é qualquer meio de comunicação em massa que leve as mensagens publicitárias até seus destinatários, consumidores ou potenciais consumidores. Nesse caso, o influenciador digital seria o agente publicitário. Silva (2019,p. 26) salienta que as relações de consumo sofreram mudanças ao longo dos anos e que, com isso, surgiram novos instrumentos de incentivo ao consumo, como as novas formas de publicidade, de anúncio e os novos personagens desse cenário (a exemplo dos blogueiros, das celebridades, dos influenciadores digitais etc.), o que permite inferir-se que a relação influenciador-seguidor, quando da postagem de um anúncio publicitário, pode ser classificada como relação de consumo.
Desse modo, sob a ótica do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e do CDC, o seguidor pode ser considerado consumidor, uma vez que é o destinatário final da publicidade realizada pelos influenciadores digitais. Estes, por outro lado, com fundamento na teoria do fornecedor equiparado, podem ser considerados fornecedores, uma vez que servem como intermediários ou ajudantes para a realização da relação principal, atuando, frente ao consumidor, como se fosse o próprio fornecedor.
2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS INFLUENCIADORES DIGITAIS PELOS PRODUTOS OU SERVIÇOS DIVULGADOS NAS MÍDIAS SOCIAIS
No começo dos chamados publiposts, era comum que os influenciadores digitais divulgassem os produtos (em sentido amplo) de forma oculta, sem deixar os seguidores a par de que aquilo se tratava de um anúncio publicitário, ou seja, de que a intenção do influenciador, ao postar uma foto ou vídeo indicando um bem ou serviço, era a de impulsionar a venda destes. Tal prática tornou-se tão comum entre os influenciadores que a publicidade invisível passou a configurar publicidade ilícita juntamente às publicidades enganosas e abusivas, por afrontar diretamente o princípio da identificação publicitária.
Devido ao fenômeno da globalização comercial, principalmente do comércio virtual, a intervenção do Direito nas relações comerciais tornou-se imprescindível, de modo que o conteúdo, a forma e os limites da publicidade precisavam ser regulamentados, a fim de proteger os destinatários finais desta atividade de eventual arbitrariedade ou abuso praticado pelos agentes dos anúncios publicitários. De acordo com Efing, Bauer & Alexandre (2013), outro fator importante para coibição dos atos ilícitos em matéria publicitária foi a constitucionalização do direito civil
(principalmente no que diz respeito à tutela da dignidade da pessoa humana), pois obrigou os agentes envolvidos nas práticas comerciais não só ao dever de observância dos princípios do direito civil, mas, acima de tudo, das normas constitucionais. Ou seja, um anúncio publicitário, independentemente do meio em que será veiculado, e de quem o fará, preceitos como o da dignidade da pessoa humana, do desenvolvimento equilibrado, da redução das desigualdades sociais, da igualdade, entre outros, sempre deverão ser respeitados. Do contrário, a publicidade será considerada ilícita.
No que diz respeito ao controle da publicidade, Simas & Júnior (2019, p. 8) afirmam que o Brasil adota a modalidade mista, de forma que este é exercido tanto pelo Estado quanto por instituições não governamentais, como o Conselho Nacional de auto-regulamentação Publicitária – Conar. O Conar é associação de direito privado, apartidária e sem fins lucrativos[1], fundado em 1980, cujas finalidades[2], estabelecidas no seu Estatuto Social, são as de zelar pela comunicação social, atuar como órgão judicante nos litígios éticos que tenham alguma relação com os conteúdos publicitários, oferecer assessoria técnica sobre ética publicitária aos seus associados, consumidores e autoridades em geral; divulgar e tutelar os princípios e normas do Código de auto-regulamentação publicitária; promover, sempre que possíveis tentativas de conciliação nas representações éticas, bem como a liberdade de expressão publicitária e a defesa das prerrogativas constitucionais da propaganda comercial. Como bem prevê o art. 15 do Código de auto-regulamentação dos Anúncios Publicitários, todos os envolvidos na cadeia publicitária, sejam anunciantes, agências de publicidade, veículos de divulgação, publicitários, jornalistas e outros profissionais participantes do processo, devem respeitar os padrões de conduta nele estabelecidos, sob pena de responsabilização.
No âmbito do Código de Defesa do Consumidor, a publicidade é entendida como o meio de divulgação de produtos e serviços, com a intenção de fomentar o consumo destes, podendo ser veiculado pela televisão, rádio, internet, mídia impressa em geral, dentre outros, sempre com o objetivo de provocar nos consumidores a vontade de consumir.
Tartuce & Neves apud Antônio Herman V. Benjamin (2015, p. 308) destacam alguns princípios aplicáveis aos anúncios publicitários. São eles: o da identificação da publicidade, o da vinculação contratual, o da veracidade, o da não abusividade, o da inversão do ônus da prova, o da transparência da fundamentação, o da correção do desvio publicitário, o da lealdade publicitária e, por fim, o da identificação publicitária. Todos eles devem ser igualmente respeitados pelos anunciantes, pelas agências publicitárias e pelos veículos de comunicação para que um anúncio publicitário seja considerado regular ou lícito.
A ilicitude da publicidade invisível, abusiva ou enganosa decorre do desrespeito à dignidade da pessoa humana, da boa-fé e da função social contratual, bem como da afronta aos princípios acima elencados.
Ressalta-se que a maioria das decisões do Conar está relacionada a situações de inobservância principio lógica.
A publicidade invisível é espécie de divulgação muito recorrente entre os influenciadores digitais, principalmente na época em que as entidades de controle não atuavam como hoje. É aquela cujo conteúdo publicitário criado pelo influenciador não deixa claro aos consumidores de que se trata de um anúncio publicitário. Isto é, faz o seguidor acreditar que se trata apenas de uma dica, uma mera indicação, de um produto ou serviço, e não que o influenciador realizou a publicidade em troca de um cachê. O Conar, por meio do seu Código de auto-regulamentação, e o CDC repreendem tal prática nos arts. 28[3] e 36[4], respectivamente, por entenderem que afronta o princípio da identificação da publicidade. O resultado desse controle ensejou a criação da ferramenta “propaganda paga”, que é de utilização obrigatória, quando o objetivo do influenciador é fazer publicidade sobre algum produto ou serviço, a fim de que o consumidor, desde o início, esteja ciente de que aquela ação se trata de propaganda.
A publicidade abusiva, prevista no art. 37, § 2º, do CDC, é a publicidade discriminatória que, independentemente da natureza, provoque medo, utiliza-se da superstição, incita a violência, aproveita-se da incapacidade de julgamento e de experiência do sujeito, desrespeita o meio ambiente, bem como os valores deste, ou que seja capaz de induzir o comportamento prejudicial ou perigoso à saúde ou segurança do consumidor. Por fim, a publicidade enganosa, conforme art. 37, § 1º, do CDC, é a informação ou comunicação de caráter publicitária, inteira ou parcialmente falsa, ou que, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, seja capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, das características, da qualidade, da quantidade, das propriedades, da origem, do preço e de quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
2.1 A responsabilidade civil dos influenciadores digitais: sob a ótica do CDC e do Código de auto-regulamentação Publicitário
A responsabilidade civil é o instituto jurídico que possibilita a punição do sujeito que, de forma comissiva ou omissiva, causa dano a outrem. O Código de Defesa do Consumidor adotou, como regra, a teoria do risco, que caracteriza a responsabilidade civil dos fornecedores de produtos e prestadores de serviços pelos danos causados aos consumidores em objetiva e solidária, nascendo para o agente o dever de indenizar, independentemente da comprovação de dolo ou culpa, bastando a presença dos aludidos três elementos. É o que afirmam Tartuce & Neves (2015, p. 120), in fine:
Na verdade, o CDC adotou expressamente a ideia da teoria do risco-proveito, aquele que gera a responsabilidade sem culpa justamente por trazer benefícios ou vantagens. Em outras palavras, aquele que expõe aos riscos outras pessoas, determinadas ou não, por dele tirar um benefício, direto ou não, deve arcar com as consequências da situação de agravamento. Uma dessas decorrências é justamente a responsabilidade objetiva e solidária dos agentes envolvidos com a prestação ou fornecimento.
Independentes da teoria adotada sempre estarão presentes três elementos básicos da responsabilidade civil: a ação ou omissão, o nexo causal e o resultado danoso. A responsabilização dos influenciadores digitais pelos anúncios publicitários postados nas suas redes sociais, sobre determinado produto ou serviço, é possível, desde que aquele tenha realizado uma ação/omissão (ter dito ou deixado de dizer algo essencial sobre o produto ou serviço) e, em razão disso, o seguidor-consumidor tenha adquirido e sofrido algum resultado danoso.
No que pertine à atuação do Conar na repressão às irregularidades publicitárias, o Conselho de Ética[5] é o órgão responsável pela fiscalização, julgamento e deliberação quanto à observância do Código de auto-regulamentação Publicitária. Dessa atividade pode resultar a aplicação das seguintes sanções[6]: advertência; recomendação de alteração/correção do anúncio; recomendação aos veículos publicitários, no sentido de sustar a divulgação do anúncio e a divulgação da posição do Conar, na forma deliberada pelo Conselho de Ética (Pleno), por meio de veículos de comunicação, circulares e boletins editados pelo Conar, em face do não acatamento das medidas e providências preconizadas.
Ademais, Filomeno (2018, p. 489) salienta o caráter eminentemente administrativo da atuação do Conar, que, basicamente, expede recomendações gerais à sociedade (aos associados, consumidores, autoridades públicas e os sujeitos envolvidos com publicidade). Em regra, a atividade exercida pela entidade em questão não tem caráter cogente, e, em caso de descumprimento de determinação expedida, não há repressão devida. No entanto, o autor destaca que, ainda assim, os atos expedidos pelo órgão devem ser considerados fonte subsidiária para a caracterização dos abusos, além de importante fonte unilateral de obrigações assumidas pelos anunciantes, agências e veículos de publicidade.
Confirmando esse caráter subsidiário[7], o Código do Conar dispõe sobre a possibilidade de ser utilizado pelas autoridades e tribunais como documento de referência e fonte subsidiária da legislação de propaganda e de outras leis, decretos, portarias, normas ou instruções que, direta ou indiretamente, desrespeitem as regras do anúncio publicitário. Para compensar a falta de força normativa e cogente das disposições do diploma do Conar, Filomeno (2018, p. 492) defende que as regras materiais do CDC que cuidam de publicidade e oferta de produtos e serviços também poderiam ser aplicadas às celebridades em geral a fim de punir adequadamente os abusos verificados no campo publicitário, in verbis:
O sistema implementado pelo respeitado Conselho de auto-regulamentação Publicitária (Conar), por exemplo, já que privado, mesmo porque congrega anunciantes, agências e veículos de publicidade, não dispõe de força coercitiva suficiente para punir adequadamente aqueles que infringem seus próprios postulados, bem como as normas de ética da publicidade. Em conclusão, pois, diríamos que a grande preocupação nessas hipóteses de abusos verificados no campo publicitário é a de dar- se efetivo cumprimento aos dispositivos da parte material do Código de Defesa do Consumidor que cuidam de publicidade e da oferta de produtos e serviços.
No entanto, tratando-se da aplicabilidade do CDC aos influenciadores digitais no que concerne à responsabilidade civil, a questão é nebulosa, considerando que o tema não é uníssono na doutrina.
Tartuce & Neves (2015, p. 301) discorrem sobre a natureza da responsabilidade civil do profissional liberal em relação à oferta e à publicidade, se esta seria objetiva ou subjetiva. Ponderam que, se for levado em consideração que o § 4º do art. 14 do CDC serve para completar o sentido da responsabilidade pela oferta, esta será subjetiva. Seria o caso, por exemplo, do dever de reparar pessoal do publicitário responsável pelo conteúdo das informações ou da celebridade que relaciona o seu nome ao produto. Por outro lado, ressaltam que, se for levada em conta a regra da responsabilidade civil do CDC, em que há solidariedade entre todos os envolvidos na veiculação da oferta (preconizada no caput do art. 34), bem como o modelo de responsabilidade solidária do preposto, contida nos arts. 932, III, e 942, parágrafo único, do Código Civil de 2002, será o caso da natureza objetiva da responsabilidade civil. Ademais, os autores salientam que a responsabilidade pelo ato do preposto é objetiva, com a diferença substancial de que, no sistema consumerista, não há necessidade de se provar a culpa deste.
Além disso, fundamentando-se no art. 934 do CC, admitem a possibilidade de a empresa responder por culpa do seu preposto, assegurado o direito de regresso em face do culpado, após ter sido satisfeito o consumidor dos seus direitos. Porém, o fazem com a ressalva de que o teor de extensão do art. 34 do CDC é visto com reservas tanto pela doutrina como pela jurisprudência. De acordo com o dispositivo, via de regra, o consumidor somente pode demandar o anunciante da oferta, não podendo acionar a agência (aqui situado o influenciador digital) e o veículo. Sobre o tema, aduzem Tartuce & Neves (2015, p. 302):
Como esclarece Herman Benjamin, pelo teor do dispositivo, o consumidor somente pode demandar o anunciante da oferta, em regra. Sendo assim, “tal limitação passiva do princípio traz, como consequência, a impossibilidade de o consumidor acionar, exceto em circunstâncias especiais, a agência e o veículo. Vale dizer, caso ao fornecedor fosse dado o direito de exigir sua responsabilidade a pretexto de que o equívoco no anúncio foi causado pela agência ou pelo veículo, o consumidor, não podendo acionar nenhum dos sujeitos envolvidos com o fenômeno publicitário, ficaria sem recurso jurídico disponível, ou seja, haveria de arcar sozinho com o seu prejuízo. Se a desconformidade no anúncio decorrer de falha da agência ou do veículo, só o anunciante, e não o consumidor dispõe dos recursos – inclusive contratuais –, para evitá-los, controlá-los e cobrá-los”.
Embora Tartuce & Neves (2015) defendam a possibilidade de aplicação do CDC ao anunciante, à agência e ao veículo, sob pena de o consumidor ter que arcar sozinho com o prejuízo em caso de falha da agência ou do veículo, explicam que o atual entendimento do egrégio Superior Tribunal de Justiça não segue essa mesma linha[8]. Para o Pretório Excelso, a aplicação do CDC e, portanto, a culpa por eventuais danos, deve recair unicamente sobre o anunciante, não havendo falar em responsabilização da agência publicitária e do veículo de comunicação, pois, segundo o Tribunal, a escolha e a contratação destes são efetuadas exclusivamente pelo próprio anunciante, a quem cabe pagar, repreender e romper o contrato em caso de irregularidade publicitária.
Desvencilhando-se desse posicionamento, Tartuce & Neves (2015) defendem que essa não seria a melhor conclusão, uma vez que a atribuição de responsabilidade a apenas um dos sujeitos da cadeia publicitária contraria vários preceitos da Lei Consumerista, dentre os quais o sistema de proteção ao consumidor, o modelo de responsabilização objetiva, o princípio da boa-fé objetiva, a teoria da aparência e a presunção de solidariedade. Outro fundamento sustentado pelos autores a fim de reforçar a aplicação do CDC a toda a cadeia publicitária (e não só ao anunciante) encontra-se no conceito de fornecedor equiparado, criado por Leonardo Bessa (explicado anteriormente), que, trazendo para a realidade dos influenciadores digitais, poderia ser perfeitamente aplicável, segundo Tartuce & Neves (2015, p. 303):
A atribuição de responsabilidade a apenas uma das pessoas da cadeia publicitária afasta-se da presunção de solidariedade adotada pela Lei Consumerista, representando uma volta ao sistema subjetivo de investigação de culpa. Além disso, há uma total declinação da boa-fé objetiva e da teoria da aparência que também compõem a Lei nº 8.078/1990.
Em reforço, para a responsabilização de todos os envolvidos, serve como luva o conceito de fornecedor equiparado, de Leonardo Bessa.
Desse modo, adotando o posicionamento de Tartuce & Neves
(2015), pode-se inferir que os influenciadores digitais não estão alheios
ao dever de indenizar os seus seguidores quando o publipost desrespeitar o CDC ou o Código de Autorregulamentação Publicitária e causar-lhes danos.
Para Gasparatto, Freitas & Efing (2019), a responsabilidade civil
dos influenciadores digitais decorre da posição de garantidores que tais
sujeitos assumem ao indicar um produto ou serviço, pois a confiabilidade no influencer agrega poder persuasivo ao comportamento do consumidor, que, por esse fato, é encorajado a adquiri-los.
Uma vez analisada a possibilidade de responsabilizar os influenciadores digitais pelos anúncios publicitários divulgados nas suas redes sociais, resta identificar a natureza jurídica dessa responsabilidade civil: seria objetiva ou subjetiva? Para Gasparatto, Freitas & Efing apud Guimarães (2019), a natureza da responsabilidade civil, na esfera do CDC, em face dos influenciadores digitais seria objetiva, devido à ideia de que não seria correto o enquadramento da celebridade como profissional liberal, pois, via de regra, a contratação deles não decorre das qualidades técnicas ou intelectuais, mas das qualidades externas, como a beleza, a fama e o prestígio de que gozam perante as redes sociais. Ademais, Tartuce & Neves (2015) inferem que seria de natureza objetiva a responsabilidade civil dos famosos pelas publicidades de que participam, por vislumbrar que eventual ilicitude destas afrontaria diretamente dois princípios de ordem pública, quais sejam: o da boa-fé e o da confiança. Tal fato ensejaria o surgimento da responsabilização por força de lei, atraindo a aplicação da regra contida no art. 927 do Código Civil.
2.2 A responsabilidade civil no âmbito do Conar: análise de casos julgados pelo Conselho do Conar
Como dito anteriormente, o Conar possui um Conselho de Ética encarregado de julgar e aplicar infrações àqueles que desrespeitam as disposições do seu Código. O resultado dessa atividade pode resultar desde a alteração do anúncio pelo agente até a retirada da publicidade dos meios de comunicação. O capítulo IV do Código Brasileiro de auto-regulamentação Publicitária disciplina a responsabilidade no âmbito do Conar. Dentre os postulados, destaca-se a responsabilização total do anunciante pela sua publicidade; a existência de solidariedade entre o anunciante e a agência pela elaboração do anúncio, quando esta deixar de cumprir as determinações do Código; e a atribuição de responsabilidade tanto ao anunciante, à agência, quanto ao veículo (neste caso, excepcionadas a algumas situações). Ademais, o art. 46 do aludido ato normativo possibilita a responsabilização de toda a cadeia publicitária, ou seja, de todas as pessoas que participam, direta ou indiretamente, no planejamento, na criação, na execução e na veiculação de um anúncio (na medida de seus poderes decisórios), quando do descumprimento da norma.
Sobre os aspectos do anúncio que podem gerar a responsabilidade dos envolvidos, o art. 47 do Código do Conar preleciona que abrangerá o anúncio como um todo, desde o conteúdo e forma totais, até declarações ou informações gráficas, originários ou de outras fontes, quando contrários às disposições do diploma.
No site oficial do Conar, além de conter informações atualizadas sobre a atuação da entidade, é disponibilizado o Boletim do Conar, que traz um balanço das atividades de auto-regulamentação publicitária em 2019, em que constam estatísticas gerais, teor das decisões, números de Câmaras e componentes destas, dentre outros.
A fim de exemplificar o exercício das atribuições do Conar, selecionaram-se dois casos concretos que afrontaram importantes princípios da publicidade: um envolvendo o princípio da identificação publicitária e outro relacionado ao princípio da veracidade. Válido salientar que esses são apenas alguns dos 302 casos julgados pelo Conar somente no ano de 2019. Vejamos:
Afronta à identificação publicitária
Mês/ano julgamento: fevereiro/2019
Representação nº: 233/18
Autor: Conar mediante queixa de consumidor
Anunciante: Ana Clara e O Boticário
Relatora: Conselheira Mirella Caldeira Fadel
Câmara: Quinta, Sexta, Sétima e Oitava Câmaras
Decisão: Alteração e advertência
Fundamentos: arts. 1º, 3º, 6º, 9º, 28, 30 e 50, letras a e b, do Código
Resumo: Consumidora de Ivaiporã (PR) escreveu ao Conar por considerar que não resta clara e ostensiva a natureza publicitária de anúncio em redes sociais, contrariando recomendação do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.
Em sua defesa, O Boticário considerou a peça como exemplo de publicidade nativa, ponderando que os consumidores sabem distingui-la como tal. Acrescentou que a blogueira veio a adicionar na postagem a informação de que se tratava de “parceria paga”.
A conselheira relatora reconheceu a boa intenção das denunciadas em corrigir a postagem, mas recomendou a alteração do post original, agravada por advertência à blogueira Ana Clara.
Seu voto foi aceito por unanimidade.
Afronta ao princípio da veracidade
Mês/ano julgamento: fevereiro/2019
Representação nº: 294/18
Autor: Conar mediante queixa de consumidor
Anunciante: Desinchá e Gabriela Pugliesi
Relatora: Conselheira Milena Seabra
Câmara: Sexta Câmara
Decisão: Advertência
Fundamentos: arts. 1º, 3º, 6º, 23, 27 e 50, letra a, do Código e seu Anexo H
Resumo: Consumidora paulistana enviou e-mail ao Conar denunciando publicidade em redes sociais do produto denominado Desinchá. Segundo a denunciante, a peça publicitária pode levar o consumidor ao engano, levando-o a crer que não há risco no consumo do produto, que conteria diuréticos em sua fórmula.
A Desinchá negou em sua defesa tratar-se de publicidade; a blogueira teria agido espontaneamente, depois de ter recebido amostras do produto.
A defesa considerou este fato sinal de que o produto surte os resultados prometidos. Juntou laudos que demonstrariam os benefícios do produto.
Já a blogueira Gabriela Pugliesi comprometeu-se em futuras postagens a empregar linguagem adequada, recomendando a seus seguidores que consultem profissionais especializados sobre o consumo do produto.
A relatora não aceitou os argumentos da anunciante, considerando ser publicitária a postagem. Levando em conta que, pelo seu formato, ela já não mais está em exibição, propôs a advertência à Desinchá e Gabriela Pugliesi, sendo acompanhada por unanimidade.
A partir dos casos julgados, é possível observar as disposições do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária sendo aplicadas in concreto, em especial a previsão do art. 48, que não desobriga o sujeito (anunciante ou alguém agindo por ele) pelo anúncio enganador, ainda que corrigido posteriormente. O fato de corrigir a publicidade após sua publicação apenas tem concedido ao anunciante, a priori, o crédito de boa-fé. Vê-se, portanto, a tendência dos Conselheiros Relatores em proteger o consumidor independentemente da intenção e da boa-fé dos anunciantes. Ainda que, em defesa, estes últimos assumam o erro, o Conselho ainda assim aplica as sanções não só como forma de repreendê-los, mas também a fim de que os consumidores, os destinatários finais do anúncio, não sofram – ou continuem sofrendo – dano em decorrência da publicidade ilícita. Assim, depreende-se das decisões acima colacionadas que, no âmbito do Conar, a natureza da responsabilidade civil dos influenciadores digitais pelos anúncios publicitários postados nas suas redes sociais, os chamados publiposts, é objetiva, uma vez que os Conselheiros não consideram a intenção no momento da publicação, ou seja, se havia culpa ou dolo pela publicidade ilícita, bastando omissão ou emissão de informação que ensejou a ilicitude, para que o influenciador sofra a aplicação da penalidade.
Cumpre ressaltar que, ao se buscar casos concretos para fins de análise, uma situação foi observada: a escassez de jurisprudência que trate da responsabilidade civil de celebridades em geral sobre os anúncios publicitários. Deduz-se, portanto, que o controle realizado pelo Conar é efetivo, pois os casos são julgados e repreendidos na própria esfera extrajudicial, sequer sendo encaminhados ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário.
Desse modo, conclui-se que os influenciadores digitais não estão alheios à responsabilidade pelos anúncios publicitários que realizam nas suas redes sociais, podendo, no âmbito do Conar, sofrer penalidades desde advertência, alteração e sustação da postagem, até o dever de indenizar o seguidor-consumidor que sofrer danos pelos produtos ou serviços divulgados por aqueles, independentemente da intenção no momento da realização do anúncio. Ou seja, possui natureza objetiva.
2.3 Da ação regressiva do influenciador digital em face da empresa contratante
Não obstante a maioria de os tribunais pátrios adotarem o posicionamento do STJ, punindo tão somente o anunciante pelos danos causados pelos anúncios publicitários aos consumidores (o que justifica a baixa quantidade de demandas judiciais que tratem da responsabilização de influenciadores/celebridades em geral em decorrência dos anúncios publicitários postados nas suas redes sociais), adotando-se o entendimento de Tartuce & Neves quanto à possibilidade de se demandar não só o anunciante (fornecedor propriamente dito), mas também a agência (fornecedor por equiparação-influenciador digital) e o veículo são possíveis vislumbrar o direito de regresso daquele que respondeu perante o consumidor em face do real culpado pelos danos causados pelo anúncio publicitário. É o que afirmam Tartuce & Neves (2015, p. 302-303):
Trata-se daquilo que Álvaro Villaça Azevedo denomina uma responsabilidade objetiva impura, pela presença de culpa da outra parte. De toda sorte, como bem expõe Bruno Miragem, no sistema consumerista é possível que a empresa também responda por culpa de seu preposto, assegurado o direito de regresso em face do culpado, nos termos do art. 934 do CC/2002, após ter sido satisfeito o consumidor nos seus direitos.
Assim, o direito de regresso do influenciador digital, pela publicidade realizada nas mídias sociais, por desrespeito à legislação consumerista ou do Conar, que, eventualmente, cause danos a seguidor-consumidor, quando não decorrer de culpa sua, mas comprovadamente do anunciante ou do veículo, com fundamento no art. 934 do CC cumulado com o parágrafo único do art. 13[9] do CDC, é possível. Por fim, Tartuce & Neves (2015, p. 465) afirmam que a melhor doutrina salvaguarda a possibilidade de o fornecedor equiparado condenado (no caso, o influenciador digital) a satisfazer o consumidor ingressar com outro processo em face do fornecedor culpado pelo dano a fim de receber o que pagou, caso não tenha culpa no evento danoso, ou não decorra de culpa exclusiva sua. Porém, por força do art. 88[10] do CDC, que veda a denunciação à lide nos processos consumeristas, esse direito fica condicionado ao ajuizamento de ação judicial própria, não podendo ser exercido nos mesmos autos em que ocorreu a indenização.
CONCLUSÃO
Pelo exposto, observa-se que os influenciadores digitais, de meros formadores de opinião, passaram a ser reconhecidos como instrumentos de publicidade e propaganda, hoje encarada por muitos como uma profissão, muito embora não seja regulamentada.
A fim de que as atividades exercidas pelos influenciadores por meio de suas redes sociais ocorressem em consonância com o ordenamento jurídico pátrio, os órgãos de controle (públicos e privados) passaram a defender a aplicabilidade de alguns diplomas jurídicos para regulamentarem as atividades desses sujeitos, inclusive as consequências jurídicas que tais atividades acarretam como a responsabilização pelos chamados publiposts.
A partir da análise legal, doutrinária e casuística, depreende-se que demandas judiciais que tratam da punição de influenciadores digitais pelos anúncios publicitários em suas mídias sociais ainda é novidade, pois o entendimento que prevalece entre doutrinadores e nos tribunais pátrios é o do egrégio Superior Tribunal de Justiça, o de que dever de indenizar em caso de eventuais danos causados pelos anúncios é apenas dos anunciantes. Tal fato não significa que os influenciadores digitais não vêm sendo responsabilizados pelos produtos ou serviços divulgados nas mídias sociais. Eles são, mas de maneira mais branda, no âmbito do Conselho Nacional de auto-regulamentação Publicitária – Conar, que, por meio do seu Conselho de Ética, julga os casos concretos com base no Código Brasileiro de auto-regulamentação Publicitária, cujas penalidades são de natureza meramente administrativa, e, segundo os doutrinadores, acabam não repreendendo, efetiva e proporcionalmente, o influenciador pelos danos causados.
Com o objetivo de possibilitar a aplicabilidade de outros diplomas que repreendam de forma mais efetiva, de modo a alcançar as demais esferas judiciais (cível e penal), entende-se que, na relação influenciador-seguidor, no que concerne aos produtos e serviços anunciados nas suas redes sociais, a interpretação que deve ser empregada é a do enquadramento dos influenciadores digitais (e celebridades em geral) como fornecedor equiparado, situação que permite a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos casos e, consequentemente, a responsabilização objetiva e solidária destes juntamente com o anunciante e o veículo, garantindo, assim, a proteção integral ao consumidor.
REFERÊNCIAS
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[1] Art. 1º do Estatuto Social do Conar.
[2] Art. 5º do Estatuto Social do Conar.
[3]“Art. 28. O anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou meio de veiculação.”
[4] “Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.”
[5] Arts. 41 e 43 do Estatuto Social do Conar.
[6] Art. 62 do Estatuto Social do Conar.
[7] Art. 16 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.
[8] STJ, REsp 604.172/SP, 3ª T., Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, J. 27.03.2007, DJ 21.05.2007, p. 568; STJ, REsp 1157228/RS, 4ª T., Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, J. 03.02.2011, DJe 27.04.2011.
[9] “Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: […] Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso.”
[10]“Art. 88. Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste Código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide.”