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A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO COMO ACIONISTA CONTROLADOR PELO ABUSO DE PODER DE CONTROLE NAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO COMO ACIONISTA CONTROLADOR PELO ABUSO DE PODER DE CONTROLE NAS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA   

Rodrigo de Lima Leal

SUMÁRIO: 1 Considerações Iniciais. 2 Estado Empresário. 3 O Acionista Controlador nos Termos das Leis ns. 6.064/76 e 13.303/2016. 4 Responsabilidade Civil do Estado como Acionista Controlador pelos Atos Praticados com Abuso de Poder. 5 Considerações Finais. Referências.

 

1 Considerações Iniciais

A mídia tem divulgado com reiteração a execução de atos praticados contra o patrimônio das sociedades de economia mista, causando um elevado prejuízo financeiro aos acionistas dessa espécie de sociedade anônima. Tais atos, na maior parte das vezes, são consequência de uma gestão política pautada no abuso de poder societário por parte do Estado, o qual, como acionista controlador, assume o poder-dever de dirigir tais companhias, sendo responsável direto pela escolha dos seus administradores.

Nesses casos de má gestão dos recursos financeiros das sociedades de economia mista, existem consequências previstas pelo direito empresarial e pelo direito civil, os quais não podem quedar inertes diante de tal situação, tanto em virtude do interesse público, qual seja a busca pelo cumprimento da função social dessas empresas, quanto pelos interesses privados, sintetizados na busca do retorno financeiro dos investimentos feitos pelos acionistas minoritários.

Deve-se analisar a responsabilidade civil do Estado como acionista controlador pelos atos praticados com abuso de poder, bem como a aplicação dessas regras ao Estado administrador em virtude dos danos causados aos acionistas minoritários, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro. Serão observadas as regras que protegem o acionista minoritário em face do Estado acionista, que em virtude de deter a maior parte do capital votante nas sociedades de economia mista, trata-se do acionista majoritário, o qual pode exercer de forma abusiva o poder de controle sobre essa estatal causando prejuízos financeiros aos demais acionistas.

A sociedade de economia mista é espécie de sociedade anônima que tem o seu capital constituído por recursos públicos, de forma majoritária, e de particulares, de forma minoritária.

Observar-se-á se a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público que controla a sociedade de economia mista como acionista controlador.

A metodologia utilizada leva em consideração o estudo doutrinário comparativo e o estudo de trabalhos teóricos associados à pesquisa descritiva de normas jurídicas.

2 Estado Empresário      

O Estado Liberal surgiu da luta contra os abusos de poder da nobreza e da Igreja durante a Idade Média, pregando a separação entre o público e o privado. O Estado Liberal de Direito nasce fundado em princípios iluministas, baseados no princípio da legalidade como garantia de certeza e liberdade dos indivíduos perante o Estado.

Nesse contexto, havia supervalorização do individual e colocação do Estado na posição passiva, cabendo a ele respeitar a esfera privada. A essa época, a atividade do Estado se restringia quase que exclusivamente à defesa externa e à segurança interna. Segundo Teodoro (2011, p. 35), “trata-se de um Estado alheio aos problemas sociais e com traços típicos de um Estado Liberal de Direito“. Com isso, não havia, pois, uma necessidade de descentralização das atividades administrativas.

Com a crise do Estado Liberal nas primeiras décadas do século XX, agravada pela Segunda Guerra Mundial, nasce o Estado Social, que tem como principal característica a intervenção do Estado na atividade econômica e na vida social. É nesse contexto que ganha força as ideias de John Maynard Keynes, se posicionando entre o liberalismo e o socialismo de mercado, trata-se da semente do Welfare State (TEODORO, 2011).

À maneira que o Estado assumiu atribuições na esfera social e econômica, houve a necessidade de buscar uma ferramenta para gerir o serviço público e a atividade privada promovida pela administração, havendo o surgimento da descentralização administrativa.

Conforme lições de Marinela (2014, p. 95), a expressão “‘Administração Pública’ pode ser utilizada para definir a atividade administrativa exercida pelo Estado, denominada, nessa hipótese, Administração em seu critério material ou objetivo“. Com a superação do Estado Liberal e o surgimento do Estado Social, várias atividades foram retiradas desse núcleo central, em busca do aperfeiçoamento, sendo transferidas para outras pessoas, a chamada administração descentralizada. A descentralização administrativa decorre da necessidade de racionalização crescente das atividades do Estado, com uma especialização dos entes estatais.

Na descentralização se pressupõe uma nova pessoa, não há hierarquia ou subordinação, mas somente controle e fiscalização. Nesse mesmo sentido Marinela (2014, p. 99):

Entretanto, para proteger o interesse público, buscando-se maior eficiência e especialização no exercício da função pública, o Estado poderá transferir a responsabilidade pelo exercício de atividades administrativas que lhe são pertinentes a pessoas jurídicas auxiliares por ele criadas com esse fim ou para particulares. Nesse caso, ele passa a atuar indiretamente, pois o faz por intermédio de outras pessoas, seres juridicamente distintos, o que se denomina descentralização administrativa. As pessoas jurídicas auxiliares criadas pelo Estado compõem a Administração indireta, podendo ser: autarquia, fundação pública, empresa pública ou sociedade de economia mista.”

A descentralização se opera por meio de outorga, que acontece por meio de lei, e o Estado transfere, por tempo indeterminado, a execução e a titularidade do serviço a um ente que integrará Administração indireta; esta forma de descentralização é também denominada de descentralização por serviços. Além disso, pode ser realizada a descentralização por meio de delegação, por meio de contrato com tempo determinado (concessão ou permissão), no qual o Estado transfere a execução de um serviço público a um particular que não integra a Administração Pública em sentido formal.

Como se percebe, a Administração indireta é sempre descentralizada, mas nem toda descentralização de serviços implicará dizer que haverá Administração indireta, já que também pode ser operada em relação a particular.

A Administração indireta compreende as entidades estatais de direito público, quais sejam as autarquias e fundações públicas, e as entidades estatais de direito privado, quais sejam as empresas estatais e as fundações de direito privado.

Dentro da administração descentralizada merecem atenção as empresas estatais, a sociedade de economia mista e a empresa pública, as quais seguem um regime próprio. São pessoas de direito privado integrantes da Administração indireta, com a criação a partir de uma lei autorizativa. Para Matheus Carvalho (2015, p. 196), empresa estatal é conceituada da seguinte forma:

A expressão engloba as empresas públicas e as sociedades de economia mista, ambas sociedades, civis ou comerciais, que possuem o Estado como controlador acionário, criadas por meio de autorização de lei específica. A empresa estatal é uma pessoa jurídica criada por força de autorização legal para ser instrumento de ação pelo Estado. A sua personalidade é de direito privado, todavia, submete-se, em diversas situações, a regras e princípios de direito público, derrogadores deste regime privado.”

Tanto as empresas públicas quanto as sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta e regidas por um regime predominantemente de direito privado.

Os motivos que explicam essa atuação empresarial variam de acordo com as características do sistema político e o estágio de desenvolvimento dos países. Nos países socialistas de economia planificada, não existia a liberdade de iniciativa empresarial, a empresa estatal detinha o monopólio de produção e deveria atuar conforme os ditames do planejamento centralizado. Nos países emergentes, as empresas estatais surgem para preencher o espaço lacunoso deixado pelo setor privado, o qual não destina investimentos suficientes ao desenvolvimento da indústria de base e a grandes projetos de infraestrutura, em virtude dos altos investimentos e riscos, além da baixa lucratividade. Nos países capitalistas desenvolvidos, as empresas estatais decorreram de opção política ou de razões estratégicas, tendo como função principal contrapor-se ao setor privado, porém, sem romper o paradigma capitalista (PINTO Jr., 2009).

Historicamente, pode-se dizer que as empresas públicas e as sociedades de economia mista foram criadas por dois motivos diametralmente opostos, primeiro com o intuito de exploração de negócios lucrativos, gerando com isso os recursos necessários às atividades governamentais, segundo, como forma de promover a industrialização nacional, fornecendo uma infraestrutura adequada (PINTO Jr., 2009).

No caso específico do Brasil, a atuação do Estado através de empresas na economia somente adquiriu uma amplitude considerável a partir da década de 1940. Nesse sentido, Mario Engler Pinto Júnior (2013, p. 37) aduz que

as causas do movimento de estatização que se iniciou no Brasil na década de 1940 podem ser assim enumeradas: (i) o desenvolvimento baseado na instalação de um setor industrial diversificado no país; (ii) a preocupação com a segurança nacional, que envolvia a garantia de suprimento de produtos importantes durante a Segunda Guerra Mundial, o desejo de manter sob controle governamental as indústrias consideradas estratégicas, e o nacionalismo econômico refletido na ideia de limitar a participação do capital estrangeiro em alguns setores, especialmente na exploração mineral; (iii) a falha regulatória que obrigava o governo a subsidiar fortemente as empresas estrangeiras concessionárias de serviços públicos de modo a assegurar nível mínimo de lucratividade (ferrovias, comunicações e energia elétrica); (iv) a verticalização e diversificação das atividades de grandes empresas estatais, mediante a criação de subsidiárias e controladas para ocupar os chamados ‘espaços vazios’ e atuar em outras áreas com taxas de retorno mais elevadas; e (v) estatização de empresas falidas que eram grandes devedoras de bancos públicos, notadamente do sistema BNDES.”

Percebe-se que as circunstâncias predominantes do Brasil até a década de 1950 exigiam a participação direta do Estado na economia, com o escopo de deflagrar o início do processo industrial, superar crises financeiras ou reorganizar setores.

Atualmente, os parâmetros que legitimam a criação de empresas públicas e sociedades de economia mista são previstos no art. 173 da Constituição Federal de 1988:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.                

  • 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).”

A Constituição Federal de 1988 faz uma referência expressa às empresas públicas e sociedades de economia mista, ao tratar dos princípios que informam a atividade econômica. O § 1º diz que, quando exploram atividade econômica, as empresas estatais devem se sujeitar ao regime próprio das empresas privadas.

José dos Santos Carvalho Filho (2015, p. 517) observa que essas empresas estatais possuem personalidade jurídica de direito privado, o Estado através delas se assemelha, de certa maneira, a um empresário, o qual necessita de diminuição dos entraves burocráticos e celeridade na busca de seus objetivos. Para ele:

Como os órgãos estatais se encontram presos a uma infinita quantidade de controles, o que provoca sensível lentidão nas atividades que desempenha, essas pessoas administrativas, tendo personalidade de direito privado, embora sob a direção institucional do Estado, possibilitam maior versatilidade em sua atuação, quando voltadas para atividades econômicas.”

O objetivo da instituição das empresas estatais é o desempenho de atividades de caráter econômico. São elas verdadeiros instrumentos de atuação do Estado no papel de empresário.

No Brasil, destacam-se duas formas básicas de empresas estatais, primeiro aquelas que exploram atividade econômica, as quais possuem um regime jurídico mais próximo ao direito privado, segundo, aquelas que prestam serviços públicos recebendo maior influência do direito público, em função do serviço que prestam (PESSOA, 2013).

Nos termos da Constituição Federal de 1988, a criação de empresas públicas se dá de forma excepcional em obediência ao princípio da subsidiariedade, o qual impõe que o Estado somente atue da área econômica de forma subsidiária, quando o particular não puder ou não tiver condições de atuar.

O Estado somente de forma excepcional pode se dedicar a essa atividade econômica, somente sendo admitida a sua intervenção na economia através das empresas estatais sob a fundamentação de motivos de segurança nacional ou de interesse coletivo. Nos termos do art. 170 da Constituição Federal, é ao particular que cabe a iniciativa para a exploração de atividades econômicas.

Superado o estudo das empresas estatais, cumpre iniciar-se o estudo da responsabilidade do Estado como acionista controlador nas sociedades de economia mista.

3 O Acionista Controlador nos Termos das Leis ns. 6.064/76 e 13.303/2016

A sociedade anônima é uma sociedade de capital, ou seja, em regra, as suas ações são transferíveis entre pessoas, havendo uma livre-negociação das ações. Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho (2010, p. 70) conceitua sociedades anônimas como “a sociedade empresária com capital social dividido em valores mobiliários representativos de um investimento (as ações), cujos sócios têm, pelas obrigações sociais, responsabilidade limitada ao preço de emissão das ações que titularizam“.

Essas são classificadas em abertas e fechadas, nos termos do art. 4º da Lei nº 6.404/76. As companhias cujas ações não são oferecidas ao público em geral são chamadas de companhias fechadas, ao contrário, aquelas companhias caracterizadas pelo fato de buscarem recursos junto ao público em geral, oferecendo ações para quaisquer pessoas, através das bolsas de valores, são as companhias abertas.

Fábio Ulhoa Coelho (2010, p. 70) distingue tais companhias da seguinte forma:

A principal classificação das sociedades anônimas divide-as em abertas e fechadas. Na primeira categoria, encontram-se aquelas cujos valores mobiliários são admitidos à negociação nas bolsas de valores ou mercado de balcão (estes são os ‘mercados de valores mobiliários’); na outra, estão as demais, isto é, as que não emitem valores mobiliários negociáveis nesse mercado.”

Como mencionado acima, a sociedade de economia mista é uma entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito de voto pertençam em sua maioria à Administração direta.

Segundo Marcelo M. Bertoldi e Márcia Carla Pereira Ribeiro (2009, p. 228):

A sociedade de economia mista é uma espécie de sociedade anônima na qual se aliam recursos formados pelo capital privado e recursos advindos do poder público. A união entre capital público e privado na exploração de atividades econômicas de interesse público não é novidade para a sociedade anônima, que, como vimos, teve sua origem justamente nas companhias colonizadoras do século XVII – empreendimentos para os quais Estado e iniciativa privada se aliaram com o objetivo de conquistar o novo mundo.

A Lei nº 13.303/2016, publicada em 30 de junho de 2016, trata do Estatuto Jurídico das Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista e suas Subsidiárias, abrangendo todas aquelas que prestem serviços públicos ou explorem atividades econômicas.

Nos termos do art. 8º do referido Estatuto, as sociedades de economia mista deverão observar, no mínimo, os seguintes requisitos de transparência:

I – elaboração de carta anual, subscrita pelos membros do Conselho de Administração, com a explicitação dos compromissos de consecução de objetivos de políticas públicas pela empresa pública, pela sociedade de economia mista e por suas subsidiárias, em atendimento ao interesse coletivo ou ao imperativo de segurança nacional que justificou a autorização para suas respectivas criações, com definição clara dos recursos a serem empregados para esse fim, bem como dos impactos econômico-financeiros da consecução desses objetivos, mensuráveis por meio de indicadores objetivos;          

 II – adequação de seu estatuto social à autorização legislativa de sua criação;   

III – divulgação tempestiva e atualizada de informações relevantes, em especial as relativas a atividades desenvolvidas, estrutura de controle, fatores de risco, dados econômico-financeiros, comentários dos administradores sobre o desempenho, políticas e práticas de governança corporativa e descrição da composição e da remuneração da administração;                 

IV – elaboração e divulgação de política de divulgação de informações, em conformidade com a legislação em vigor e com as melhores práticas;                   

V – elaboração de política de distribuição de dividendos, à luz do interesse público que justificou a criação da empresa pública ou da sociedade de economia mista;             

VI – divulgação, em nota explicativa às demonstrações financeiras, dos dados operacionais e financeiros das atividades relacionadas à consecução dos fins de interesse coletivo ou de segurança nacional;            

VII – elaboração e divulgação da política de transações com partes relacionadas, em conformidade com os requisitos de competitividade, conformidade, transparência, equidade e comutatividade, que deverá ser revista, no mínimo, anualmente e aprovada pelo Conselho de Administração;                    

VIII – ampla divulgação, ao público em geral, de carta anual de governança corporativa, que consolide em um único documento escrito, em linguagem clara e direta, as informações de que trata o inciso III;                       

IX – divulgação anual de relatório integrado ou de sustentabilidade.”

Destaque para a necessária divulgação de forma tempestiva de informações referentes às políticas e práticas de governança corporativa, prevista no inciso III. Esse inciso vem a concretizar o princípio básico de governança corporativa da transparência, o qual prevê que aquelas informações que possam influenciar decisões de investimentos deverá ser divulgada de forma tempestiva a todos os interessados.

Nos termos do art. 5º da Lei nº 13.303/2016, a sociedade de economia mista será constituída sob a forma de sociedade anônima e estará sujeita ao regime disposto pela Lei nº 6.404/76. Conforme prelecionam Marcelo M. Bertoldi e Márcia Carla Pereira Ribeiro (2009, p. 228):

Nos termos do art. 37, XIX, da CF, o surgimento de uma sociedade de economia mista depende de autorização legislativa; no entanto, uma vez autorizada, a sua constituição se regerá pelas normas da Lei nº 6.404/76. Aliás, devemos assinalar que a sociedade mista esta sujeita ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias (CF, art. 173, § 1º, II).

Na sociedade de economia mista são acasalados interesses e capitais públicos e privados.

O acionista é aquela pessoa, física ou jurídica que detém em seu patrimônio ações de uma sociedade anônima, tratando-se, pois, do sócio da companhia (BERTOLDI; RIBEIRO, 2009, p. 291).

O acionista controlador teve sua gênese no direito brasileiro com a criação da Lei nº 6.404/76. Controlador é aquele que controla. Controlar é poder dispor dos bens de outrem, não significando necessariamente ser dono.

O art. 116 da Lei nº 6.404/76 conceitua acionista controlador como a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob o controle comum que é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia, além daquele que usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

Conforme as lições de Fábio Ulhoa Coelho:

O acionista (ou grupo de acionistas vinculados por acordo de voto) titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria de votos na assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores e usa, efetivamente, desse poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia é considerado, pelo art. 116 da LSA, acionista controlador. Para sua configuração é necessária a convergência desses dois elementos: ser maioria societária (não no sentido de necessariamente titularizar a maior parte do capital social, mas no de possuir ações que lhe garantam a maioria nas decisões tomadas pelas três últimas assembleias) e fazer uso dos direitos decorrentes desta situação para dirigir a sociedade.

Nesse mesmo sentido são as lições de André Luiz Santa Cruz Ramos (2010, p. 432):

Vê-se que para a configuração do acionista controlador são necessários dois requisitos, um de natureza objetiva – percentual do capital votante que confira maioria na assembleia e possibilidade de eleição da maioria dos administradores – e outro de natureza subjetiva – uso efetivo do percentual do capital votante para comandar a gestão dos negócios sociais.”

Por se tratar de uma atuação no nome de outrem, e não no seu interesse próprio, há uma implícita relação de lealdade por parte do acionista controlador para com os demais acionistas.

Em virtude de possuir a maioria das ações com direito a voto, a pessoa jurídica de direito público que controla a sociedade de economia mista tem os mesmos deveres e as responsabilidades do acionista controlador, exercendo o poder de controle no interesse da companhia, respeitando o interesse público que ensejou a sua criação.

Nesse sentido é o posicionamento de Fábio Ulhoa Coelho (2015, p. 265):

A pessoa jurídica que controla a sociedade de economia mista tem as mesmas responsabilidades do acionista controlador, porém a própria lei ressalva que a orientação dos negócios sociais pode ser feita de molde a atender ao interesse público que justificou a criação da sociedade.”

A Lei das Sociedades Anônimas disciplinou a atuação do acionista controlador no seu art. 116, determinando que ele deva usar o seu poder com o escopo de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir a sua função social. Da mesma forma essa Lei tratou acerca da responsabilidade do acionista controlador pelos danos praticados com a prática do abuso de poder.

Com efeito, o acionista controlador da sociedade de economia mista responde por seus atos praticados nos termos da Lei nº 6.404/76. Houve uma preocupação do legislador além das regras de orientação de conduta, havendo também a previsão de regras de responsabilização do controlador (RAMOS, 2010).

Nas sociedades de economia mista, nos termos da Lei das Sociedades Anônimas, o acionista controlador, representado pelo Estado, responde pelos danos que causar à companhia ou a outro acionista por atos praticados com abuso de poder.

4 Responsabilidade Civil do Estado como Acionista Controlador pelos Atos Praticados com Abuso de Poder    

A responsabilidade civil é tratada nos arts. 186 e 187 do Código Civil brasileiro, tendo como pressupostos a conduta humana, o dano causado e o nexo entre a conduta humana e o dano.

Conforme as lições de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 65):

Analisando este dispositivo – mais preciso do que o correspondente da lei anterior, que não fazia expressa menção ao dano moral – podemos extrair os seguintes elementos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil:                  

  1. a) conduta humana (positiva ou negativa);
  2. b) dano ou prejuízo; e
  3. c) nexo de causalidade.”

No que tange à conduta humana, trata-se da ação ou omissão humana guiada pela vontade do agente, que causa dano ou prejuízo. Já o dano trata-se da lesão a um interesse jurídico tutelado, seja patrimonial ou não, causado por ação ou omissão do agente. O nexo de causalidade é o liame que vem unir a conduta do agente, seja positiva ou negativa, ao dano.

Distingue-se a responsabilidade objetiva da subjetiva. A responsabilidade civil subjetiva é decorrente de um dano causado em decorrência de um ato doloso ou culposo, a existência de culpa é fundamental para sua configuração. Nesse sentido:

Esta culpa, por ter natureza civil, se caracterizará quando o agente causador do dano atuar com negligência ou imprudência, conforme cediço doutrinariamente, através da interpretação da primeira parte do art. 159 do Código Civil de 1916 (…), regra geral mantida, com aperfeiçoamento, pelo art. 186 do Código Civil de 2002 (‘Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito’).” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 55)

Na responsabilidade civil subjetiva cada responderá pela sua própria culpa, cabendo ao autor o ônus de provar tal culpa do réu.

Além das hipóteses de culpa subjetiva, existem hipóteses em que sequer será necessária a discussão de culpa, estando-se diante das situações de culpa responsabilidade objetiva. Nas precisas lições de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 56):

Segundo tal espécie de responsabilidade, o dolo ou a culpa na conduta do agente causador do dano é irrelevante juridicamente, haja vista que somente será necessária a existência do elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável para que surja o dever de indenizar.”

No Brasil, vigora uma regra geral dual de responsabilidade civil, segundo a qual coexistem a responsabilidade civil subjetiva, que é regra geral, e a responsabilidade civil objetiva.

Porém, para este trabalho, o que interessa é a responsabilidade advinda do abuso no exercício do poder do acionista controlador, nos termos dos arts. 187 e 927 do Código Civil, que assim enunciam:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.       

(…)     

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.                       

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

Sergio Cavalieri Filho (2014, p. 203) aduz que o abuso de direito é o seu exercício afastado da ética e da finalidade social ou econômica do direito.

O abuso acontece quando o acionista controlador se valendo de sua posição privilegiada de comando busca atingir um objetivo estranho ao objetivo da companhia, havendo a caracterização do desvio de finalidade.

Ao tratar do tema, enfatizam Marcelo M. Bertoldi e Márcia Carla Pereira Ribeiro (2009, p. 305):

O parágrafo único do art. 116 consagra a doutrina de que a sociedade empresária, e em especial a companhia aberta, não pode ser conduzida de forma absoluta pelos seus controladores, mas precisa realizar o seu objeto e cumprir a sua função social, não se descurando dos deveres e responsabilidades para com os demais acionistas e os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

Ocorre o abuso na medida em que o acionista controlador tem o poder e o dever de orientar a companhia para o cumprimento de sua função social, porém, não o faz.

Conforme preleciona Mario Engler Pinto Júnior (2013, p. 391):

O exercício abusivo do controle acionário pode decorrer do voto proferido em assembleia geral (em situação de conflito de interesses ou não), ou ser fruto da ingerência (direta ou indireta) na condução dos negócios sociais. É imputável indistintamente ao acionista controlador pessoa física, pessoa jurídica, grupo de pessoas vinculadas por acordo de votos e à sociedade controladora referida no art. 246 da Lei nº 6.404/76. Pode ainda implicar no favorecimento pessoal do acionista controlador ou de terceiro.”

Deve-se partir da premissa de que o Estado, em virtude do seu direito de indicar o corpo administrativo da sociedade de economia mista, por se tratar de acionista majoritário, responde pelos atos que vier a praticar e em virtude da escolha dos seus indicados, trata-se da culpa in eligendo.

A culpa in eligendo é aquela resultante da má escolha; quando se escolhe mal uma pessoa para o desempenho de determinada atividade, que vem a causar danos, a responsabilidade é daquele que fez a má escolha, a exemplo do patrão, que responde pelos danos causados por seus empregados em serviço (FIUZA, 2006).

O art. 117, § 1º, da Lei de Sociedades Anônimas elenca um rol não exaustivo de hipóteses de abuso de poder de controle em uma companhia.

Esse artigo prevê oito situações que caracterizam abuso de poder, são elas:

“a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional;             

  1. b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;
  2. c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;
  3. d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente;
  4. e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembléia-geral;
  5. f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas;
  6. g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade.
  7. h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia.“Com efeito, o Estado como acionista controlador possui deveres e responsabilidades, de forma que o principal desses deveres é fazer com que a companhia realize seu objeto e cumpra com a sua função social.

O rol de espécies de abuso de poder previstas no § 1º do art. 117 da Lei das Sociedades Anônimas possui um caráter meramente exemplificativo, não havendo exclusão de outras situações análogas, nas quais também seja cristalino o desvio de finalidade diante do poder de comando.

Todas as hipóteses previstas no § 1º do art. 117 dispensam que seja comprovado o dolo ou a culpa, bastando, pois, que a ação se encaixe em uma das hipóteses previstas para que se evidencie a conduta contrária ao direito. Todas essas hipóteses previstas em lei se tratam de responsabilidade objetiva do acionista controlador, não sendo necessária a aferição de culpa. Diz-se que a responsabilidade é objetiva, porque prescinde da culpa e se faz apenas com o dano e o nexo de causalidade.

A responsabilidade será subjetiva quando não se tratar de uma das espécies demonstradas em lei, havendo a necessidade de demonstração da culpa do agente, com isso, a responsabilidade do causador do dano somente se configurará se esse agir com dolo ou culpa.

Nesse sentido defende Mario Engler Pinto Júnior (2013, p. 392-393):

“(…) As hipóteses expressamente previstas no art. 117 dispensam a demonstração do dolo ou culpa do infrator, no sentido de que agiu conscientemente para atingir o fim proibido, ou foi simplesmente imprudente, imperito ou negligente ao causar o dano à companhia. Basta que a ação se enquadre no tipo legal para caracterizar a conduta ilícita. A investigação sobre o componente subjetivo do agente somente se torna relevante para configurar o abuso de poder de controle em outros casos não tipificados na lei.”

Assim como o controlador privado, o Estado também pode praticar abusos de poder de controle quando orienta a sociedade de economia mista, agindo fora dos limites do seu objetivo ou contrariando o interesse social. Há um risco de adoção de práticas abusivas por parte do Estado, prejudicando acionistas privados que investem nas estatais.

A diferença entre o abuso do poder de controle por parte do Estado e praticado por particulares é que o interesse da empresa estatal não é simplesmente a exploração da atividade econômica com o objetivo de produzir lucros e distribuí-los entre os acionistas, mas também há o fim público que justificou a criação da estatal, há um interesse mais amplo da companhia, com a soma do interesse público e a finalidade lucrativa, o qual se torna o referencial para o exercício regular do poder de controle pelo Estado acionista (PINTO Jr., 2013).

É isso que preleciona o art. 238 da Lei das Sociedades Anônimas:

Art. 238. A pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionista controlador (arts. 116 e 117), mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação.”

O abuso do poder de acionista majoritário ocorre quando o Estado se apropria de forma indevida de recursos em proveito próprio ou de terceiros, movido apenas pelo interesse público, sem levar em consideração o objetivo de produzir lucros e distribuí-lo aos acionistas (PINTO Jr., 2013).

Dessa forma, no caso do acionista controlador incorrer numa das hipóteses de abuso de poder, será ele obrigado a reparar a companhia de eventuais danos sofridos, podendo o minoritário propor ação para reparação de danos. Deve, portanto, o acionista controlador respeitar a lei, os estatutos, bem como os pactos sociais entre acionistas na condução dos negócios da companhia.

5 Considerações Finais 

Os deveres do Estado como acionista controlador estão insculpidos especialmente entre os arts. 153 e 157 da Legislação das Sociedades Anônimas, cabendo ao Estado acionista controlador conhecer tal legislação, de modo a exercer uma gestão consciente de sua função social e de seus direitos e deveres perante os acionistas minoritários.

A gestão inadequada dos recursos da sociedade de economia mista, frustrando os interesses públicos e privados, esses dos acionistas minoritários, dará ensejo à responsabilização às partes prejudicadas pelo agente causador, com a recomposição do patrimônio diminuído.

Embora a sociedade de economia mista faça parte da Administração Pública indireta, nos termos da Lei Societária e da nossa Bíblia Política, o investimento privado nessas empresas estatais não pode ser confundido com interesse público-estatal ou interesse sem-dono.

A pessoa jurídica responsável pelo controle da sociedade de economia mista tem as mesmas responsabilidades do acionista controlador, de forma que a própria lei ressalva que os negócios podem ser orientados de forma a atender o interesse público que justificou a criação da companhia por meio de lei.

O acionista particular minoritário das sociedades de economia mista está ciente que ao participar da companhia suportará uma pequena diminuição no retorno do seu investimento, em virtude da necessidade de atendimento ao interesse público, que se sobrepõe aos lucros.

Porém, deve-se salientar que não é justo que o acionista privado seja responsável com o seu patrimônio pela má gerência da sociedade de economia mista. Com isso, o Estado, como acionista controlador, poderá vir a ser responsabilizado pelos demais acionistas particulares da sociedade de economia mista, quando da prática de ato com abuso de poder, desenvolver atividade empresarial altamente deficitária.

É certo que o Estado, quando acionista controlador, deve responder pelos danos praticados com abuso de poder. Se algum desses atos causa dano à companhia ou aos seus acionistas, o Estado, como acionista controlador nas sociedades de economia mista, responderá pela respectiva recomposição dos danos.

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