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RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA DE ARRENDAMENTO RURAL: PRAZO INTEGRAL E FUNÇÃO SOCIAL DA TERRA

RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA DE ARRENDAMENTO RURAL: PRAZO INTEGRAL E FUNÇÃO SOCIAL DA TERRA

Álvaro Santos

 

A interpretação das normas jurídicas em matéria agrária deve sempre estar alinhada à mentalidade agrarista, destacada por Paulo Torminn Borges[1], emérito professor de Direito Agrário da Universidade Federal de Goiás. Essa visão inicia-se pela Constituição, que estabelece que a propriedade deve atender à sua função social (artigo 5º, XXIII) e que a propriedade produtiva merece tratamento especial (artigo 185, parágrafo único).

Nesse cenário, o contrato de arrendamento rural destaca-se como ferramenta essencial ao cumprimento da função social da terra, especialmente quando o proprietário não dispõe de expertise, interesse ou condições para explorar diretamente o imóvel rural. Por meio do arrendamento, terras ociosas tornam-se produtivas, gerando alimentos, emprego, renda e promovendo a sustentabilidade ambiental. Muitos municípios brasileiros tiveram suas economias transformadas justamente pela atividade agrícola realizada em áreas arrendadas.

O jurista italiano Enzo Roppo define que “o contrato é a veste jurídico-formal de operações econômicas[2]. É por meio dessa veste formal que interesses distintos, porém convergentes, são ajustados. Alterações posteriores no contrato, como aditivos, são, na definição clássica de De Plácido e Silva[3], meros complementos, jamais contratos autônomos.

Quanto à renovação dos contratos de arrendamento rural, o Estatuto da Terra, em seu artigo 95, incisos IV e V, e o Decreto-Lei nº 59.566/66 estabelecem claramente que, na ausência de notificação válida por parte do arrendador, ocorre a renovação automática do contrato, incluindo todas as suas condições, especialmente prazo e preço.

Nesse ponto, cabe analisar o significado de “renovar”. Juridicamente, renovar implica reiniciar, revigorar, restabelecer aquilo que existia anteriormente, incluindo, evidentemente, o prazo. O termo é utilizado com clareza em diversos diplomas legais brasileiros: Constituição, Código Civil e Lei do Inquilinato, sempre indicando a retomada de um ciclo contratual idêntico ao anterior.

O que dizem os especialistas e a jurisprudência

A doutrina agrária clássica é praticamente pacífica quanto à questão. Wellington Pacheco Barros, por exemplo, afirma claramente: “dúvida não pairará se o contrato anterior for por prazo determinado, pois nesta situação o novo contrato se renovará por igual período”.

Entre os contemporâneos, Albenir Querubini, presidente da União Brasileira de Agraristas Universitários, reforça essa posição ao sustentar que, na ausência de notificação válida, ocorre a renovação integral do contrato original. Francisco de Godoy Bueno[4] e Vilson Ferreto[5] também se alinham a essa interpretação, defendendo o retorno das condições iniciais do contrato, incluindo o prazo originalmente estabelecido.

Essa exegese é consistente com o objetivo constitucional da função social da propriedade rural. Confere segurança jurídica ao arrendatário, que investe recursos e esforços na atividade agrícola, além de assegurar previsibilidade aos ciclos produtivos.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é sólida no sentido da renovação integral do contrato, destacando reiteradamente que, ausente notificação tempestiva, o contrato renova-se automaticamente com as mesmas cláusulas originais, incluindo o prazo previamente estabelecido[6].

O Tribunal de Justiça de Goiás[7], o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul [8] e o Tribunal de Justiça de São Paulo [9] seguem o mesmo entendimento, sendo firmes na posição de que a ausência ou irregularidade na notificação premonitória implica renovação do contrato pelo mesmo prazo originalmente pactuado. Com isso, garante-se estabilidade e continuidade na atividade agrária.

Em suma, a renovação automática prevista pelo Estatuto da Terra é integral, jamais parcial ou pela metade. A redução do prazo de renovação automática sem base legal contraria frontalmente a função social da propriedade e a segurança jurídica, essenciais para a estabilidade das relações agrárias e o desenvolvimento sustentável da agricultura nacional.

 

 

[1] Institutos Básicos de Direito Agrário. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1987, pag. 79.

[2] O contrato. Coimbra: Almedina, 2009, pag. 22.

[3] Vocabulário Jurídico. 03ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, pag. 33.

[4] Contratos Agrários: novas modalidades e cláusulas obrigatórias. São Paulo: Almedina, 2023, pag. 78.

[5] Contratos Agrários: aspectos polêmicos. 02ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2017, pag. 147.

[6] REsp n. 56.067/PR, relator Ministro Barros Monteiro, Quarta Turma, julgado em 24/8/1999, DJ de 29/11/1999, p. 164; AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.786.844/MT, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16/8/2021, DJe de 24/8/2021 e REsp n. 23.333/RJ, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 29/6/1992, DJ de 10/8/1992, p. 11955.

[7] TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5601536-79.2021.8.09.0023, Rel. Des(a). Ronnie Paes Sandre, 8ª Câmara Cível, julgado em 22/04/2024, DJe  de 22/04/2024; TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Agravos -> Agravo de Instrumento 5046097-37.2023.8.09.0067, Rel. Des(a). SEBASTIÃO LUIZ FLEURY, 7ª Câmara Cível, julgado em 11/05/2023, DJe  de 11/05/2023 e TJGO, APELACAO CIVEL 443704-04.2011.8.09.0093, Rel. DES. GERSON SANTANA CINTRA, 3A CAMARA CIVEL, julgado em 19/08/2014, DJe 1614 de 26/08/2014.

[8] TJ-RS – AC: 50026660220208210009 RS, Relator.: João Moreno Pomar, Data de Julgamento: 25/01/2022, Décima Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: 30/01/2022.

[9] TJ-SP – Apelação Cível: 10019558520238260279 Itararé, Relator.: Ana Luiza Villa Nova, Data de Julgamento: 15/10/2024, 25ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/10/2024.