REGULAÇÃO EM PAUTA: ‘FINFLUENCERS’ NO MERCADO DE CAPITAIS
Fernanda Carneiro
Em tempos econômicos desafiadores, indivíduos interessados em alocação de recursos buscam cada vez mais alternativas de investimentos seguras e rentáveis. Com a expansão significativa do uso da internet, essa procura se tornou ainda mais fácil, diante do vasto conjunto de profissionais qualificados e intitulados como “finfluencers”, que atuam promovendo o conhecimento e facilitando o acesso da população ao mercado de capitais.
No entanto, a propagação da educação financeira na via digital não tardou no despertar regulatório. Inúmeros riscos da ambiência virtual acirram os debates e, em sua maioria, são atrelados à disseminação de conteúdos virtuais. A tendência é de que esses riscos aumentem, notadamente porque, ao contrário do passado, não se enxerga mais o desenvolvimento das relações comerciais à revelia do contexto virtual.
Para ilustrar, em 2022, a Securities and Exchange Commission (SEC), reguladora de valores mobiliários americana, denunciou oito influenciadores de finanças por fraude em recomendações de investimentos, cuja vantagem pecuniária alcançou o patamar de US$ 100 milhões. Esse dado da realidade sinaliza que a fraude e a manipulação de mercado são temas que devem ser tratados com seriedade pela sociedade atual e que demandam tratamento célere a contento.
No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), principal órgão regulador do mercado de capitais, vem promovendo diversos estudos técnicos para apurar o desempenho dos influenciadores de finanças. Pode-se afirmar que há uma grande expectativa no arcabouço regulatório acerca do tema, conquanto não se saiba como o órgão irá se posicionar. Temas sensíveis, por exemplo, falta de transparência e assimetrias de informação, estimulam os debates diante do grau de desequilíbrio das relações.
Mesmo assim, de forma a mitigar os riscos que se projetam na atualidade, a CVM viabilizou, por meio da Resolução 20/2021, o enquadramento do indivíduo que deseja atuar como profissional de recomendação de investimentos na qualidade de analista de valores mobiliários, estabelecendo os critérios obrigatórios para tanto.
Outro aspecto relevante se insere no plano da linguagem que se repute apropriada ao desenvolvimento das atividades. Em linha com o poder persuasivo presente nas atividades publicitárias, o regulador se preocupou, nos termos do artigo 14 da citada norma, em destacar a importância da comunicação moderada e segura de modo a impedir o direcionamento dos investidores a erro. A ideia do órgão é alinhar comportamentos, sofisticando o mercado de educação financeira.
Importante sublinhar que a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), em 2021, firmou convênio com a CVM. Na ocasião, a entidade autorreguladora entendeu necessária a proximidade com os influenciadores de finanças não apenas para fomentar a eticidade e a transparência dos negócios, mas também para garantir uniformidade e responsabilidade por parte daqueles que efetuam a divulgação, evidenciando assim um avanço bastante significativo para o mercado.
Em 2023, a Anbima divulgou o Manual de Regras e Procedimentos para a Contratação de Influenciadores digitais, que, de modo simples e objetivo, passou a exigir a formalização contratual entre as instituições participantes e os “finfluencers”. Esse trâmite burocrático trouxe uma relevância ainda maior, tendo o influencer que externalizar, em se tratando de parceria firmada com instituição financeira, a descrição do produto e a remuneração resultante desse serviço. Nesse viés, a descrição das então intituladas “obrigações típicas” traz mais previsibilidade, coerência e, portanto, segurança jurídica sobre as novas relações, primando por mais estabilidade na ambiência dos negócios.
Regras de publicidade para os finfluencers
No intuito de aprimorar ainda mais as normas de condutas no espaço virtual, a Anbima atendeu a um pedido dos próprios influenciadores, ao divulgar, em abril de 2024, o manual “Tá na Rede”, sintetizando regras de publicidade para a atividade em questão.
Desde 2020, a B3 alerta quanto ao alcance dos “finfluencers” no Brasil, lembrando que 73% dos indivíduos já procuravam conhecimento financeiro no YouTube ou por meio dos influencers. A ausência de regulação numa realidade marcada pela inconteste projeção de crescimento das tecnologias equivaleria à abertura de espaço convidativo à fraude, manipulação, além de obstáculos ao desenvolvimento econômico.
Por mais que a regulação do tema se apresente como atividade extremamente desafiadora, a CVM, a Anbima e a BSM Supervisão de Mercados atuam emitindo pareceres e ofícios, com recomendação efusivas, esclarecedoras, portanto, de aspectos relevantes. A rigor, denotam medidas experimentais que possibilitam o teste das inovações em pauta e avaliação dos benefícios e riscos que elas podem trazer à sociedade.
Não há como negar que a atividade inovadora, além de impulsionar novas regulamentações, cumpre um papel ímpar no cenário econômico. Mais do que a simples recomendação de investimento, os “finfluencers” favorecem o aumento da procura por instituições financeiras de indivíduos que, por vezes, sequer conheciam outras formas de alocação de recursos, além da tradicional poupança.
Ainda é cedo para precisar como vai se comportar a regulação e como serão cotejadas as estratégias regulatórias no gerenciamento de riscos. Nem sempre a regulação de comando e controle se revelará a melhor linha de intervenção regulatória. Não é tarde para lembrar que, quando a regulação envolve baixo brainstorming, a precipitada seleção de fatos, aparentemente relevantes como critério de decisão regulatória, pode contribuir no diminuto grau de conformidade regulatória, como também fomentar a conformidade “criativa”. Sobre esse dado, a realidade aponta que já se conta com resistências em termos de cumprimento das orientações lançadas, sob a justificativa de ausência de clareza.
Alia-se a isso a problemática dos ilícitos (fraudes, propagandas enganosas e conflitos de interesse) diante da facilidade para angariar público nas redes sociais. A regulação, portanto, deve considerar uma série de fatores para garantir harmonia e flexibilidade, sobretudo, em relação às pautas já conhecidas. Se por um lado, o regulador deve externar um olhar prospectivo à normatização e ao devido monitoramento da atuação dos “finfluencers”, por outro deve estar atento para que as novas imposições revelem equilíbrio e adequação à realidade.
Na esteira das vantagens e desafios que se queira considerar, a matéria atrai uma gama de reflexões, principalmente na utilidade, de fato, via exame custo/benefício, das estratégias e normas jurídicas na regulação desta nova dinâmica. O caminho não pode ser nem tanto ao céu, nem tanto à terra; ou seja, a intervenção regulatória não pode frear a liberdade inerente à inovação, mas deve promover um ambiente justo e responsável. Em suma, pergunta que não quer calar: Regular ou não regular? A norma é a melhor opção? Quão eficazes serão as estratégias regulatórias para moldar a atividade do influenciador de finanças?
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Referências
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