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REGIME DE BENS: O QUE É, QUAIS OS TIPOS E COMO FUNCIONAM

REGIME DE BENS: O QUE É, QUAIS OS TIPOS E COMO FUNCIONAM

Laísa Santos

Maria Luisa Machado Porath

 

A escolha do regime de bens é, quase sempre, negligenciada entre os noivos, seja por desinformação ou, ainda, por ser considerado um assunto delicado entre o casal. Porém, é ela quem norteará toda a vida patrimonial durante e logo após o casamento. Assim, para o bom e duradouro relacionamento, é indispensável que haja uma conversa franca sobre o assunto.

 

Mas o que é e como funciona a escolha do regime de bens?

Em síntese, o regime de bens é uma norma que regula as relações patrimoniais entre um relacionamento afetivo, considerando não só o patrimônio adquirido durante a constância da relação como aqueles trazidos antes do seu início.

Não pretendo me divorciar. Mesmo assim, preciso pensar nisso?” Sim! Embora ainda seja um assunto tormentoso para aqueles que estão iniciando uma vida a dois, recomenda-se que o casal converse e entenda os tipos de regimes de bens previstos na lei e a forma como isso impacta na vida do casal. Você sabia que, dependendo do regime adotado, é necessária a anuência do outro para determinados atos? E que o regime de bens influenciará diretamente não só no divórcio mas também nos direitos sucessórios?

É válido mencionar que o regime de bens é norteado por regras gerais, dentre as quais destacamos:

Liberdade de Escolha: como o próprio nome sugere, os nubentes – pessoas prestes a contraírem o matrimônio – têm, em regra, a autonomia privada e a liberdade de escolha. Ou seja, no processo de habilitação, estão livres para optar por qualquer regime previsto no Código Civil; podem, inclusive, criar um regime misto com base nos já existentes. Contudo, existem exceções, como a imposição do regime de separação total de bens prevista na legislação [2].

Variabilidade: O Código Civil possui diferentes tipos de regimes de bens, quais sejam, comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, separação de bens e participação final nos aquestos. Assim, os nubentes, de acordo com a liberdade de escolha, adotam o que mais lhes convém ou criam um regime misto.

Mutabilidade: Desde que haja expressa autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, é possível a alteração do regime de bens.

E afinal, quais são os regimes de bens?

Os principais regimes de bens são:

Comunhão parcial de bens;

Comunhão universal de bens;

Separação de bens;

Participação final nos aquestos.

Abaixo, serão elencados os regimes de bens dispostos na legislação vigente, assim como as suas principais características durante o matrimônio ou a convivência.

 

COMUNHÃO PARCIAL DE BENS

Esse tipo de regime de bens é o mais comum no Brasil. Isso porque o Código Civil de 2002 institui que, não havendo escolha expressa dos nubentes, vigorará o regime de comunhão parcial de bens [3].

É oportuno comentar que esse também, em regra, é o regime adotado em casos de união estável.

De forma direta, o regime da comunhão parcial de bens se caracteriza pela comunicação apenas dos bens adquiridos onerosamente, por um ou pelos dois, durante o casamento ou a união estável. Assim, bens e valores que cada cônjuge possuía quando do início da relação, assim como tudo o que receberem por sucessão ou doação não se comunicarão.

Veja o diagrama abaixo que exemplifica o patrimônio entre os cônjuges que optarem pelo regime de comunhão parcial de bens:

Ressalta-se que o diagrama não deve ser tratado como regra absoluta. Como exposto, a legislação prevê que os bens que cada cônjuge possuir antes de casar e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento ou da união estável, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar, não se comunicarão.

Exemplificando: antes do casamento, A comprou um automóvel no valor X. Durante o matrimônio, esse cônjuge decidiu vendê-lo e adquiriu outro, de mesmo valor. Este, por ter substituído o anterior (sub-rogado em seu lugar), não fará parte de futura meação, uma vez que foi adquirido integralmente pelo patrimônio pessoal.

Evidencia-se, ainda, que a legislação presume que os bens móveis adquiridos na constância do casamento ou da união estável, quando não se provar que o foram em data anterior, são bens comuns.

Outrossim, a administração do patrimônio comum compete a qualquer um dos cônjuges – salvo expressas determinações – bem como as dívidas contraídas durante o relacionamento.

 

COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS

Até a Lei do Divórcio (Lei n. 6.515/77), por razões históricas e morais, a comunhão universal de bens era o regime adotado como supletivo (legal). Ou seja, quando não havia estipulação contrária pelos nubentes, prevalecia a comunhão universal de bens. Por esse motivo, ainda é muito comum se deparar com esse tipo de regime em casais das gerações anteriores.

Na comunhão universal de bens, prevalece a máxima: “tudo é nosso”. Ou seja, tem-se a criação de uma única massa patrimonial, na qual todo o patrimônio anterior ao casamento é agora do casal e os bens futuros, gratuitos ou onerosos, comunicar-se-ão [4], conforme se demonstra do diagrama abaixo:

Todavia, a legislação [5] prevê certas exceções à máxima do “tudo é nosso”.

Os bens de uso pessoal, livros, instrumentos de profissão bem como os proventos dos trabalhos pessoais e pensões comumente não integram o patrimônio comum.

Como regra, os bens adquiridos de forma gratuita (doação, por exemplo) se comunicam. Porém, é possibilitado ao doador inserir uma cláusula de incomunicabilidade no bem doado para uma pessoa casada sob o regime de comunhão universal de bens. Assim, os bens não farão parte de futura meação.

Ainda, em geral, as dívidas anteriores ao casamento estão excluídas da comunhão. Entretanto, comprovando-se que essas dívidas se reverteram em proveito do casal, poderá haver comunicabilidade. Por exemplo: antes de casar, A fez um empréstimo para mobiliar o apartamento que o casal ia residir. Como ambos se beneficiaram desses móveis, a dívida se torna tanto de A quanto de B.

 

SEPARAÇÃO DE BENS

O regime de separação (convencional ou legal) de bens é, via de regra, o oposto do regime de comunhão universal. Como o próprio nome já informa, não há a comunicabilidade tanto do patrimônio anterior ao casamento quanto dos bens futuros durante a constância do matrimônio ou da união estável [6].

Toda vez que se deparar com o regime da separação de bens, é imprescindível analisar se tal modalidade foi elegida pelos integrantes da relação ou imposta pela legislação, visto que as consequências são bastante distintas [7].

Trata-se de um regime de estrutura mais simples em que, independentemente do tempo de relação, não haverá comunicação de patrimônio entre o casal durante o matrimônio. Existem duas massas patrimoniais diferentes, conforme se demonstra através do diagrama a seguir:

Nessa modalidade, o casal, pautado no princípio da autonomia privada, decide que cada um terá a sua independência patrimonial. Os integrantes do relacionamento permanecem sob a administração exclusiva de cada um dos bens, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real. Para que haja “nosso“, é necessário que, no instrumento de compra, conste a referência de qual percentual será a participação de cada um dos cônjuges ou conviventes. Veja-se através da imagem abaixo:

Ainda, é o único regime de bens que qualquer um dos cônjuges, independentemente de autorização do outro ou judicial, poderá (i) alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; (ii) pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos e; (iii) prestar fiança ou aval

Este tipo de regime é usualmente adotado por aqueles que pretendem se envolver em negócios de alto risco, visto que não se comunicarão dívidas contraídas.

Ressalta-se que é obrigatória a realização de pacto antenupcial – que será melhor explicado posteriormente – neste tipo de regime.

Ainda, necessário alertar que a escolha da separação patrimonial em nada afeta a eventual imposição de obrigação alimentar, pois, em nosso ordenamento jurídico, o dever de mútua assistência é imposto tanto ao casamento quanto à união estável, independentemente da escolha do regime de bens.

Diferentemente da separação convencional de bens, em que os próprios integrantes do relacionamento optam por escolher a independência de seu patrimônio ao longo da relação, em certos casos, a lei impõe o regime de separação no casamento, denominado regime de separação legal ou obrigatória de bens [8].

Lembram-se da exceção comentada no princípio da liberdade de escolha? Pois bem, é a separação obrigatória! Vale mencionar que existem duas possibilidades que implicam na obrigatoriedade deste regime aos nubentes: quando esses não observam alguma causa impeditiva do casamento; ou quando um, ou ambos, possuem idade superior a 70 anos.

 

PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS

O regime de participação final nos aquestos [9] é de difícil compreensão e de pouca usabilidade. A sua complexidade reside no fato de que possui uma espécie híbrida, com características tanto do regime de separação quanto de comunhão parcial de bens [10]

Nesse sentido, os bens adquiridos antes do matrimônio não se comunicam. Na constância do matrimônio, assim como ocorre no regime de separação total dos bens, cada cônjuge mantém seu próprio patrimônio, com administração exclusiva de seus bens, inclusive os imóveis, desde que previamente estipulado no pacto antenupcial [11].

Contudo, na eventualidade da dissolução conjugal, serão apurados os aquestos, em uma situação similar ao que acontece na prática no regime de comunhão parcial de bens. Uma das diferenças seria que, na participação final nos aquestos, somente são contabilizados os bens adquiridos de forma onerosa pelo casal. Já na comunhão parcial de bens, conforme mencionado anteriormente, como regra geral, não há distinção entre os bens adquiridos, na constância do casamento ou da união estável, pelo casal ou por um dos cônjuges.

Portanto, para a apuração dos aquestos, serão excluídos da soma dos patrimônios próprios (i) os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram; (ii) os que sobrevieram a cada um por sucessão ou adoção e; (iii) as dívidas em relação a esses bens [12]. Assim se demonstra o diagrama abaixo:

Alerta-se que as dívidas de um dos cônjuges, quando superiores à sua meação, não obrigam ao outro ou aos seus herdeiros.REGIME MISTO

É possível estipular um regime diferenciado do previsto no código civil?

Sim! Como demonstrado no início do presente artigo, as regras da liberdade de escolha e da autonomia privada permitem aos nubentes, no processo de habilitação, a criação de regimes mistos. Contudo, para a opção de regime que não seja o parcial de bens, é obrigatório que formalizem o pacto antenupcial, no caso do casamento, e o contrato de convivência, na hipótese de união estável [13].

Ademais, através do pacto antenupcial, é possível escolher regras de dois ou mais regimes, como uma espécie híbrida [14]. A imagem a seguir traduz essa liberdade de escolha:

No entanto, ressalta-se que isso traz implicações sucessórias quando o cônjuge sobrevivente concorrer com descendentes. Ainda, caso seja do interesse dos nubentes, e desde que não violem os direitos fundamentais, também é possível estabelecer cláusulas existenciais [15].

 

Como uma consulta jurídica auxilia na escolha do regime de bens

Não é obrigatória a presença de um advogado para a escolha do regime de bens, porém, é altamente recomendável para dirimir quaisquer dúvidas entre o casal. O regime de bens, seus impactos no matrimônio e as suas implicações no direito sucessório são complexas e exigem atenção redobrada para evitar “surpresas” decorrentes da opção escolhida.

Nesse sentido, a consulta jurídica auxilia os nubentes a encontrarem a solução mais adequada para as suas expectativas. Inclusive, para, em uma futura partilha, evitar a frase: “mas eu não sabia que isso fazia parte da divisão!”. Além disso, a consulta jurídica pode assessorar na abordagem do assunto, tendo em vista que o regime de bens ainda é visto como tabu e motivo de discussão e desconfiança para muitos casais.

 

[1] Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; III – prestar fiança ou aval; IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação. Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.

[2] Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

[3] Art. 1.725 CC. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

[4] Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.

[5] Art. 1.668. São excluídos da comunhão: I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; II – os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum; IV – as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade; V – Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659. Art. 1.669. A incomunicabilidade dos bens enumerados no artigo antecedente não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento.

[6] Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real.

[7] ROSA, Conrado Paulino da. Curso de direito de família contemporâneo. 6. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2020, p. 245.

[8] Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;

[9] A palavra “aquesto” significa acúmulo, reserva. Portanto, o regime de participação final nos aquestos poderia ser traduzido para: regime de participação final nos bens acumulados pelo casal.

[10] Art. 1.672. No regime de participação final nos aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.

[11] Art. 1.656. No pacto antenupcial, que adotar o regime de participação final nos aqüestos, poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares.

[12] Art. 1.674. Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-se-á o montante dos aqüestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios: I – os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram; II – os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade; III – as dívidas relativas a esses bens. Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos durante o casamento os bens móveis.

[13] Parágrafo único, art. 1.640 do Código Civil. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas.

[14] O estatuto patrimonial do casal pode ser definido por escolha de regime de bens distinto daqueles tipificados no Código Civil (art. 1.639 e parágrafo único do art. 1.640), e, para efeito de fiel observância do disposto no art. 1.528 do Código Civil, cumpre certificação a respeito, nos autos do processo de habilitação matrimonial (IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, Enunciado 331).

[15] O pacto antenupcial e o contrato de convivência podem conter cláusulas existenciais, desde que estas não violem os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre os cônjuges e da solidariedade familiar (VIII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, Enunciado 635).