RKL Escritório de Advocacia

REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS NA SUCESSÃO HEREDITÁRIA

REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS NA SUCESSÃO HEREDITÁRIA

Danielli Xavier Freitas

 

 

1. Introdução

O mundo, e, consequentemente, a sociedade, estão em constante transformação. Com isso, surgem outros interesses em relação às pessoas. A pertinência no estudo da sucessão no regime de separação de bens justifica-se à medida que a procura por esta modalidade de regime tem aumentado, gradativamente, e, com isso, uma maior parte da população é atingida.

Ao optarem em vida por esse regime a fim de regular sua sociedade conjugal, os cônjuges não garantem a preservação de sua vontade também na morte, e é o anseio por justiça na sucessão dos cônjuges optantes pelo regime de separação de bens que motiva o presente trabalho.

Os regimes de bens conceituados pela doutrina e com fundamento legal no Código Civil de 2002 trazem, particularmente, características e formas diferentes de sucessão.

Nesse sentido, o presente trabalho pretende, como objetivo geral, analisar, conforme o artigo 1.829 do Código Civil, a sucessão do cônjuge casado pelo regime de separação de bens. O estudo discute como problema: É justo fazer a divisão do patrimônio pós-morte, sendo que em vida os cônjuges optaram pela incomunicabilidade dos bens?

A lei determina que o cônjuge casado pelo regime de separação de bens seja herdeiro do cônjuge falecido em concorrência com os descendentes e ascendentes, e quando estiver sozinho na ordem de vocação hereditária, receba todo o patrimônio daquele. Contudo, nesse sentido, entende-se que é possível e necessária uma interpretação diversa, fazendo com que o cônjuge seja definitivamente excluído da sucessão, já que era esta a vontade quando em vida.

A pesquisa, quanto à abordagem, será qualitativa, segundo Mezzaroba e Monteiro (2009), pois o que se procura atingir é a identificação da legalidade da divisão dos bens no Direito Sucessório, utilizando-se, para isso, análise de jurisprudência e rigorosa pesquisa doutrinária que irão sanar os questionamentos e dúvidas quanto ao tema.

Para obter a finalidade desejada pelo estudo, será empregado o método dedutivo, cuja operacionalização se dará por meio de procedimentos técnicos baseados na doutrina, legislação e jurisprudência, relacionados inicialmente, pelos bens existentes no direito civil brasileiro, passando pela sucessão do cônjuge no regime de separação total de bens, até alcançar o objetivo principal, que é a análise da legalidade na sucessão do cônjuge casado pelo regime de separação total de bens, que tem amparo no artigo 1.829 do CC.

Para tanto, o capítulo inaugural tratará dos diferentes tipos de regime de bens trazidos pelo Código Civil de 2002.

Dessa forma, no primeiro capítulo de desenvolvimento deste estudo, serão abordados os regimes de bens no direito civil brasileiro, por ser o embasamento teórico para os demais capítulos. Primeiramente, será apontado o instituto do regime de bens, bem como suas principais características, para, em seguida, abordar os regimes de bens disciplinados pelo Código Civil, começando pelo regime da comunhão universal de bens, depois o regime da comunhão parcial de bens, para então explicar o regime de participação final nos aquestos e, ao final, o regime de separação de bens.

Em um segundo momento, analisar-se-á sucessão do cônjuge no regime de separação total de bens, com uma breve introdução a esse respeito. Em seguida verificar-se-á como procede a sucessão do cônjuge no Código Civil de 2002. Também será analisada a ordem de vocação hereditária, com ênfase na explicação do chamamento dos sucessores, e a concorrência do cônjuge com cada um deles. Para encerrar o capítulo, será analisada a sucessão do cônjuge casado pelo regime de separação de bens.

No terceiro capítulo, far-se-á uma abordagem sobre a legalidade e a justiça da sucessão do cônjuge, bem como será exposto que os cônjuges, ao optarem em vida pela não comunicação dos seus bens através da escolha do regime de separação de bens, não têm sua vontade respeitada pelo Código Civil no momento da morte de um deles.

Através de análise doutrinária, poderá se perceber a opinião dos doutrinadores com relação à aplicação do artigo 1829, inciso I.

Por fim far-se-á uma construção jurisprudencial, com o objetivo de buscar o atual entendimento nos tribunais sobre o assunto, a fim de verificar se está prevalecendo à lei ou a vontade das partes.

 

2. Os regimes de bens no Direito Civil Brasileiro

A sociedade conjugal traz consigo inúmeras consequências, dentre elas obrigações e deveres. Destaca-se que não é apenas uma união de vidas e seus afetos em relação às pessoas nela envolvidas, ela acabam por gerar efeitos, consequências jurídicas, econômicas e patrimoniais.

Quanto aos efeitos do patrimônio, o sistema de relações patrimoniais entre os cônjuges é denominado regime de bens.

É indispensável que os consortes definam antes das núpcias as questões referentes aos bens, ou seja, qual regime de bens irá reger a sociedade conjugal por eles firmada, pois o matrimônio em regra não poderá subsistir sem ele.

Assim, o objetivo, neste capítulo, será analisar e descrever os regimes de bens existentes na legislação brasileira.

 

2.1 O instituto do regime de bens

O instituto que determina a comunicação ou não do patrimônio do casal após a realização do casamento é o regime de bens. Tem por finalidade reger as questões patrimoniais anteriores e posteriores ao casamento, bem como à administração dos bens dos consortes.

Ainda neste diapasão, Lôbo (2009), diz: “O regime de bens tem por fito regulamentar as relações patrimoniais entre os cônjuges, nomeadamente quanto ao domínio e a administração de ambos ou de cada um sobre os bens trazidos ao casamento e aos adquiridos durante a união conjugal (p. 295)”.

O novo código civil adotou o princípio relativo à variedade de regimes, permitindo assim que os nubentes escolham o regime que melhor atender aos seus interesses.

A esse respeito, reza o art. 1.639 do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2010, p. 281) “é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”.

Entretanto, a livre escolha dos nubentes quanto ao regime de bens que irá reger a sua sociedade conjugal, não poderá contrariar disposição absoluta de lei, bem como os princípios de ordem pública, sob pena de nulidade, conforme o exposto no artigo 1.655 do Código Civil: “É nula a convenção ou cláusula dela que contravenha dispositivo absoluto de lei”.

O regime de bens é consequência jurídica do casamento que se viabiliza através do pacto antenupcial.

O princípio da Liberdade dos Pactos Antenupciais permite aos nubentes que, de livre escolha, optem por um regime de bens que regulamente os interesses econômicos, podendo os nubentes optarem entre um dos regimes legais ou então combiná-los formando assim um regime misto ou especial, sendo-lhes lícito, ainda, estipular cláusulas, desde que sejam respeitados os fins do matrimônio e os princípios de ordem pública (DINIZ, 2009).

Ademais, o pacto antenupcial é a oportunidade que os nubentes têm de acordarem sobre o regime de bens do seu contrato matrimonial. É o momento oportuno para as partes estipularem contratualmente o que entenderem por necessário para salvaguarda de seus interesses pecuniários, encontrando limite, é claro, nos princípios de ordem pública.

O atual Código Civil, em seu art. 1.653, dispõe sobre o pacto antenupcial, “É nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento”, ou seja, é necessário à formalização do pacto através da fé pública e seguido do correspondente casamento, sob pena de restar ineficaz o ato.

Paulo Lôbo, em sua obra intitulada Direito Civil, família, (SARAIVA, 2009) dá a sua posição a respeito de Pacto antenupcial:

O pacto antenupcial é o negócio jurídico bilateral de direito de família, mediante o qual os nubentes têm autonomia para estruturarem, antes do casamento, o regime de bens distinto do regime de comunhão parcial. A autonomia diz respeito não apenas à escolha do regime distinto, dentre os previstos na lei […], mas o modo como será regulado as suas relações patrimoniais, após o casamento, com liberdade, desde que não se pretenda fraudar a lei (por exemplo, o regime obrigatório) ou contra legítimos interesses de terceiros. Podem os nubentes fundir tipos de regimes, modificar regime previsto em lei, ou criar tipo de regime novo (p. 310).”

Também neste sentido, para melhor compreender o assunto, recorre-se ao pensamento de Madaleno (2009, p. 518) “Com efeito, no pacto antenupcial o Direito de Família permite exercer livremente a autonomia de vontade, podendo os nubentes contratar a cerca do regime que melhor entendam deva dispor sobre as relações patrimoniais de seu casamento”.

Apesar de haver a possibilidade de regime misto de bens, isto é, criar outros regimes que não estejam previstos em lei, seguindo o princípio da indivisibilidade do regime de bens, não é possível fracionar os regimes, ou seja, os cônjuges estarão sob o mesmo regime de bens, o regime é único para ambos.

Não havendo convenção antenupcial, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto ao regime de bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial de bens, também chamado de regime legal, conforme o disposto no art. 1.640 do Código Civil.

Segundo Lôbo (2009), nos casos em que não houver pacto antenupcial, presumir-se-á que os nubentes optaram pelo regime legal da comunhão parcial. Na mesma oportunidade o referido autor diz que em razão da realidade da vida, diante da inexperiência de vida da maioria dos jovens nubentes, despreocupados com o destino do patrimônio familiar que adquirir-se- a no futuro, predomina o regime legal subsidiário.

Para melhor compreender sobre as limitações dos pactos antenupciais, a doutrinadora Maria Helena Diniz (2009) escreveu a respeito:

O pacto antenupcial deve conter tão somente estipulações atinentes às relações econômicas dos cônjuges. Considerar-se-ão nulas as clausulas nele contidas que contravenham disposição legal absoluta, prejudiciais aos direitos conjugais, paternos, maternos, etc. (CC, art. 1.655). Igualmente não se admitem cláusulas que ofendam os bons costumes e a ordem pública (DINIZ, 2009, p. 158).

O regime de bens passa a vigorar com o casamento e termina com a dissolução deste ou com a morte de um dos cônjuges.

Outra situação relevante disposta no Código Civil de 2002 é a dúvida quanto à eficácia do pacto antenupcial realizado por menor, conforme o que vislumbra no art. 1.654 do Código Civil: “A eficácia do pacto antenupcial realizado por menor, fica condicionada à aprovação de seu representante legal, salvo as hipóteses de regime de separação obrigatória de bens”.

Ainda neste diapasão, o legislador, quanto à idade núbil para o casamento, capacita os nubentes aos dezesseis anos, conforme o que está disposto no art. 1.517 (BRASIL, 2010): “O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida à maioridade civil.”

Ainda, para melhor e mais completo estudo ao instituto do regime de bens, menciona-se que através do princípio da Mutabilidade, tornou-se possível a alteração do regime de bens conforme o que está disposto no Código Civil em seu art. 1.639, § 2º:

Art. 1.639. É licito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.

2.º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

Madaleno (2009, p.521), refere que: “Dentre as modificações surgidas na seara patrimonial do Direito de Família, ao cuidar do pacto antenupcial e do regime de bens pertinentes ao casamento e à união estável, a mais significativa delas diz respeito à possibilidade de ser alterado o regime de bens no curso da relação conjugal”.

Diante disso, o novo Código Civil passou a admitir a alteração do regime de bens, que antes, com o Código Civil de 1916 em vigor, não era permitido. Para tanto, é necessário que haja em jurisdição voluntária uma autorização judicial, que atenda a um pedido motivado de ambos os cônjuges, após a análise do pedido e a verificação de que tal modificação não acarretará em prejuízos a terceiros (DINIZ, 2009).

Por fim, menciona-se que passará a vigorar o regime de bens entre os cônjuges desde a data do casamento, conforme o disposto no art. 1.639, § 1º, do Código Civil de 2002. Na hipótese de o casamento não ocorrer, o pacto antenupcial será ineficaz.

Neste contexto, passa-se a analisar os regimes de bens existentes no Código Civil Brasileiro.

 

2.2 Os regimes de bens disciplinados pelo Código Civil

O regime de bens é a relação patrimonial que se estabelece entre os cônjuges em função do casamento civil.

Segundo Gonçalves (2009), o regime de bens é o conjunto de regras que disciplina as relações econômicas dos cônjuges, entre si ou no tocante a terceiros, durante o casamento; regula especialmente o domínio e administração de ambos ou de cada um sobre os bens anteriores e os adquiridos na constância da união conjugal.

O mesmo estudioso também fala acerca da variedade de regimes à disposição dos nubentes para livre escolha. No Código Civil de 1916 também estava à disposição o regime dotal, mas este não vingou, pois não foi aceito pela sociedade brasileira e acabou sendo substituído no Código Civil de 2002 pelo regime de participação final dos aquestos.

De acordo com o Código Civil de 2002 (BRASIL, 2010, p. 269 e ss) os regimes de bens estão elencados no Livro IV, Do Direito de Família; Título II, Do Direito Patrimonial; Subtítulo I, Do regime de bens entre os cônjuges.

Nos termos do atual Código Civil, foram disciplinados quatro tipos de regime de bens, quais sejam: comunhão universal de bens que dispõe os arts. 1.667 a 1.671 (BRASIL, 2010); comunhão parcial de bens que dispõe os arts. 1.658 a 1.666 (BRASIL, 2010); participação final nos aquestos que dispõe os arts. 1.672 a 1.686 (BRASIL, 2010); e separação de bens que dispõe os arts. 1687 e 1688 (BRASIL, 2010), conforme será observado a seguir.

 

2.2.1 Do regime da comunhão universal de bens

No Código Civil de 1916, o regime de comunhão universal era o regime legal, ou seja, não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorava, quanto ao regime de bens entre os cônjuges, o regime da comunhão universal de bens. Isso foi alterado com o advento da Lei do Divórcio, em 1977, sendo tal regime substituído pelo da comunhão parcial de bens.

Conforme Venosa (2003), o Código Civil de 1916, atendendo à tradição do direito lusitano, escolheu o regime da comunhão universal, por motivos de ordem histórica e moral, como regime legal supletivo. Entendia-se que a união espiritual de homem e da mulher trazia como corolário também a união de patrimônios. Na atualidade essa ideia romântica não tem mais reflexos na realidade.

Segundo o mesmo estudioso, o art. 1.667 do novo Código Civil (BRASIL, 2010) dispõe o regime de comunhão universal como sendo aquele que importa na comunicação de todos os bens, móveis e imóveis, presentes e futuros, inclusive as dívidas passivas contraídas por qualquer dos cônjuges durante o casamento tornando-as comuns, constituindo assim uma só massa.

O patrimônio se funde em um só, cabendo a cada um a metade ideal, excluindo os bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade, as dívidas anteriores ao casamento, às doações antenupciais feitas por um dos consortes ao outro com cláusula de incomunicabilidade, os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão, os proventos do trabalho pessoal de cada parte e as pensões ou rendas semelhantes.

Neste diapasão, Pereira (2006) enfatiza que mesmo que apenas um dos cônjuges tenha adquirido e trazido bens à comunhão, ambos tornam-se meeiros. Mas o que a lei especialmente menciona, será excluído, conforme será referido adiante.

Transcreve-se o art. 1.667 e 1.668 do CC (BRASIL, 2010) para melhor compreensão:

Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.

Art. 1.668. São excluídos da comunhão:

I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;

II – os bens gravados de fideicomisso e o direito de herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;

III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou revertem em proveito comum;

IV – as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;

V – os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1659.

Pereira (2006), também salienta que é vedado aos consortes se apossar de qualquer dos bens.

Conforme Diniz (2009), os cônjuges casados pelo regime de comunhão universal de bens não poderão, se quiserem formar, sociedade entre si. A esse respeito, para melhor compreensão: “Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória”, segundo Código Civil de 2002, art. 977 (BRASIL, 2010).

A administração do patrimônio comum compete a qualquer um dos esposos. Se forem contraídas dívidas no exercício da administração, essas serão pagas com o patrimônio comum e particular do cônjuge administrador e com o patrimônio do outro na proporção do proveito que houver auferido. Já se forem contraídas dívidas na administração dos bens particulares e em benefícios destes, não haverá vinculação dos bens comuns (DIAS, 2007).

Segundo Venosa (2003), qualquer um dos consortes pode defender a posse e a propriedade dos bens.

A extinção da comunhão universal de bens se dará através da dissolução da sociedade conjugal, esta só acontecerá com a morte de um dos cônjuges, pela sentença de nulidade ou anulação do casamento e pelo divórcio. Mesmo com o acontecimento de um desses fatos, não põe fim, de imediato, ao estado de indivisão dos bens, pois a comunhão termina de direito, mas apenas com a partilha os bens serão divididos (DINIZ, 2009).

Esse regime está disposto no capítulo IV, artigos 1.667 a 1.671, do Código Civil.

Verificou-se o regime da comunhão universal, passando agora a análise e estudo do regime da comunhão parcial de bens.

 

2.2.2 Do regime da comunhão parcial de bens

Para Silvio Rodrigues apud Diniz (2009, p. 168), o regime da comunhão parcial de bens é basicamente aquele que exclui os bens que os consortes têm ao casar ou que venham a adquirir por causa anterior e alheia à comunhão, e que inclui os bens adquiridos após a união.

O regime da comunhão parcial se caracteriza por ser um regime misto, que em parte se forma pela comunhão universal e em parte pela separação (GONÇALVES, 2010, p. 452).

Em conformidade com o Código Civil, o artigo 1.658 prevê que, “no regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes”.

Segundo Hironaka (2008), neste regime formam-se três massas de bens, são elas: os bens comuns, os bens da esposa e os bens do marido.

Com a Lei do Divórcio (Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977), passou a ser o regime legal, e assim subsiste no Código de 2002 (PEREIRA, 2013, p. 237).

O Código Civil (BRASIL, 2010), em seu artigo 1.640 diz:

Art. 1.640: Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.

Esse é o regime oficial, o considerado legal, por ser o que a lei prefere, e por preservar o patrimônio que os cônjuges possuíam antes de casar:

Trata-se de regime que atende a certa lógica e dispõe de um componente ético: o que é meu é meu, o que é teu é teu e o que é nosso, metade de cada um. Assim resta reservada a titularidade exclusiva dos bens particulares e garante a comunhão do que for adquirido durante o casamento. Nitidamente, busca evitar o enriquecimento sem causa de qualquer dos cônjuges. O patrimônio familiar passa a ser integrado pelos bens comuns, que não se confundem com os bens particulares e individuais dos sócios conjugais. Comunica-se apenas o patrimônio amealhado durante o período de convívio, presumindo a lei ter sido adquirido pelo esforço comum do par. Trata-se de regime de separação quanto ao passado e de comunhão quanto ao futuro (DIAS, 2007, p.218).

Em se tratando dos bens excluídos da comunhão, eles estão elencados no art. 1.659 do Código Civil, são eles:

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III – as obrigações anteriores ao casamento;

IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;

V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Conforme Venosa (2008), estes bens serão particulares de cada consorte por possuir antes de casar. As dívidas anteriores ao casamento também não se comunicam, pois o patrimônio de ambos os cônjuges se mantêm separados e as dívidas fazem parte dele.

Ainda conforme o Código Civil, agora em seu art. 1.660, comunicam-se, todavia:

I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

II – os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;

III – os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;

IV – as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

V – os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

Segundo Dias (2007), assim como na comunhão universal de bens, no regime da comunhão parcial de bens a administração do patrimônio comum compete a qualquer um dos cônjuges.

Conforme o que está disposto no art. 1.662 do Código Civil, em se tratando de bens móveis, há a presunção de que foram adquiridos na constância da união se não houver prova em contrário.

Não apenas na administração dos bens os regimes de comunhão parcial e comunhão universal de bens estão regidos pela mesma regra, segundo Venosa (2008), a comunhão parcial também dissolve-se pela morte de um dos cônjuges, divórcio ou anulação do casamento.

Conforme o mesmo estudioso, uma vez dissolvida à comunhão, cada cônjuge retirará os seus bens particulares, e os bens comuns serão divididos.

Este regime está disposto no capítulo III, arts. 1.658 a 1.666 do Código Civil.

 

2.2.3 Do regime da participação final nos aquestos

O regime em apreço é uma inovação do Código Civil 2002 (BRASIL, 2010), neste regime os bens adquiridos durante o casamento pertencem a quem os comprou, mas eles são divididos na separação. O novo regime dá autonomia a cada cônjuge, que poderá administrar seu patrimônio autonomamente.

Pelo novo regime de participação final nos aquestos, os cônjuges vivem sob verdadeira separação de bens, cada cônjuge tem livre administração de seus próprios bens, enquanto durar a sociedade conjugal. A eficácia desse regime de bens quanto à efetiva participação final nos aquestos só surge com o fato jurídico da dissolução da sociedade conjugal. Antes disso, o casal vive sob o regime da separação de bens. Na constância do casamento, tudo o que os cônjuges adquirirem integrará a massa do patrimônio de cada um. No momento da dissolução da sociedade conjugal, serão apurados os bens adquiridos, onerosamente, na constância do casamento e divididos pela metade para cada um dos cônjuges. Código Civil, artigos 1.673 e 1.647 (BRASIL, 2010).

Assim, afirma Hironaka (2008, p. 123), “se não for possível e nem conveniente acomodar a divisão dos bens em natureza, sendo igualmente desaconselhável ou impraticável o seu condomínio, será calculado o valor de alguns desses bens ou de todos, para a sua reposição em dinheiro ao cônjuge não proprietário”, ao se referir a medidas cabíveis quanto aos bens em natureza que por algum motivo ficam impossibilitados de divisão direta.

O artigo 1.684, parágrafo único do CC (BRASIL, 2010), dispõe a esse respeito:

Art. 1.684. Se não for possível nem conveniente a divisão de todos os bens em natureza, calcular-se á o valor de todos para reposição em dinheiro ao cônjuge não proprietário.

Parágrafo único. Não se podendo realizar a reposição em dinheiro, serão avaliados e, mediante autorização judicial, alienados tantos bens quanto bastarem.

De acordo com Dias (2007), trata-se de um regime híbrido, e tem normas de difícil entendimento. É necessário que seja feita uma contabilidade minuciosa, para facilitar a divisão do patrimônio em caso de dissolução. Em alguns casos de faz necessária realização de perícia.

Segundo essa mesma autora, são aplicadas as regras da separação de bens e da comunhão parcial. Sua utilidade maior, como ocorre em outros países em que é adotado, é, a princípio, para aqueles cônjuges que atuam em profissões diversas em economia desenvolvida e já possuem certo patrimônio ao casar-se, bem como potencialidade profissional de fazê-lo posteriormente.

No caso de dívidas adquiridas posteriormente ao casamento por um dos cônjuges, o outro não responderá, salvo prova de terem revertido parcial ou totalmente em benefício do outro, Código Civil, artigo 1.677 (BRASIL, 2010).

Ainda conforme o Código Civil de 2002 (BRASIL, 2010), conforme disposto no art. 1.673, tanto o marido como a esposa podem livremente praticar todos os atos de disposição e de administração ao desempenho de sua profissão, comprar, ainda que a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica e obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição de tais coisas exigirem.

Na mesma linha, Hironaka (2008, p. 123) diz que:

“Cuida-se de um regime de separação de bens, onde cada consorte tem a livre e independente administração do seu patrimônio pessoal e dele pode dispor quando for bem móvel, mas necessita de outorga do cônjuge se o bem for imóvel.”

O Código Civil de 2002, em seu art. 1.656, refere-se à possibilidade de dispensa da outorga do cônjuge quando o bem for imóvel:

Art. 1.656. No pacto antenupcial, que adotar o regime de participação final nos aquestos, poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares.

Segundo Gonçalves (2010), este regime é uma inovação apresentada pelo Código Civil de 2002 e representa mais uma opção para livre escolha dos nubentes. Ele também é previsto em vários países tais como Espanha, Alemanha e Argentina, mas apresentam denominações diferentes.

Conforme o mesmo estudioso, este seria o regime ideal para os que exercem atividades empresariais, pois confere aos cônjuges maior liberdade de administrar livremente os seus próprios bens, sem que a participação nos aquestos seja afastada em caso de dissolução do vínculo conjugal.

Tal regime de bens é pouco utilizado, por se destinar a casais que tenham patrimônio próprio e desempenham ambos atividades econômicas, características essas que se dissociam da realidade brasileira (DIAS, 2010).

Este regime está disposto no capítulo V, artigos 1.672 a 1.686 do Código Civil.

 

2.2.4 Do regime da separação de bens

O regime de separação de bens pode ser convencional, quando da vontade dos nubentes, ou obrigatório ou legal, como alguns preferem intitular, quando a lei impõe o regime, sem deixar opção.

Apenas dois artigos do Código Civil de 2002 disciplinam o regime de separação de bens, sendo eles o art. 1687 e o artigo 1688.

Dispõe o art. 1687 do Código Civil, “Estipulada à separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real”.

Segundo Venosa (2012) o Código Civil de 1916 versava sobre esta matéria dizendo que apenas os bens móveis poderão ser alienados sem a outorga conjugal, conforme art. 276 do referido Código:

Art. 276. Quando os contraentes casarem estipulando separação de bens, permanecerão os de cada cônjuge sob a administração exclusiva dele, que poderá livremente alienar, se forem móveis.

Gonçalves (2010) ressalta que no regime da separação convencional, o casamento não repercute no patrimônio do casal, pois cada cônjuge mantém a plena propriedade e administração dos seus bens particulares. A incomunicabilidade atinge todos os bens, sendo estes presentes ou futuros, os seus resultados, conferindo assim livre gestão, a posse e a propriedade do patrimônio trazido.

Este é o mesmo entendimento de Diniz (2002), e enfatiza que este regime é aquele em que cada consorte terá exclusividade sobre os seus bens e se responsabiliza pelos débitos anteriores e posteriores ao matrimônio.

A doutrinadora afirma ter dois patrimônios separados e diferentes, sendo eles os do marido e o da mulher. A incomunicabilidade atinge também os bens adquiridos na constância do casamento e não só os anteriores à união, restando à completa separação desses bens.

Na mesma linha, Dias (2010) se manifesta, dizendo que o que existe são acervos separados e em seu entendimento configura-se verdadeira ausência de um regime patrimonial. O patrimônio não se comunica nem mesmo na dissolução do casamento.

No regime da separação de bens não há comunicação de bens, estes permanecem sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges que poderá livremente alienar ou gravar de ônus real os bens (VENOSA, 2003, p.196).

No atual Código Civil, ficam obrigados a contribuir para as despesas do casal, os cônjuges, proporcionalmente, com uma ressalva, conforme o que está disposto no art. 1.688:

Art. 1.688. Ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial.

Dias (2010), refere que como os cônjuges concorrem com a devida proporção de seus bens para a mantença da família, neste caso isolado, as dívidas e possíveis empréstimos contraídos para a compra do necessário da economia doméstica irão se comunicar. Neste sentido os legisladores trazem os artigos 1.643 e 1.644 do Código Civil a seguir:

Art. 1.643. Podem os cônjuges, independentemente de autorização um do outro:

I – comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica;

II – obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir.

Art. 1.644. As dívidas contraídas para os fins do artigo antecedente obrigam solidariamente ambos os cônjuges.

O regime de separação de bens, segundo a doutrinadora Hironaka (2008), será o futuro das uniões conjugais:

“Em razão da igualdade jurídica entre homem e a mulher, afigura-se a separação de bens como o regime das futuras uniões conjugais ou estáveis, na medida em que cada um dos cônjuges irá concorrer com suas economias pessoais para atender ás cargas específicas da sociedade afetiva, mantendo intactos os seus bens ou as suas fortunas no caso de separação. Especialmente quando se habilitam para um novo casamento, quando há o temor de arcar com mais prejuízos já experimentados em anterior separação e que já lhes tomou significativa parcela de seus bens” (HIRONAKA, 2008, p. 131).

Como já salientado, existe ainda dentro da separação de bens outra modalidade de regime, esta de cunho obrigatório, sendo exceção a essa autonomia de escolha, com o fim de proteção daqueles que, por algum motivo, possam ser ludibriados pelo outro cônjuge e assim sofrer graves prejuízos patrimoniais com a adoção de outro regime de bens.

O art. 1.641 do Código Civil dispõe, no caput e em seus três incisos, as circunstâncias que levarão à obrigatoriedade do regime de separação de bens. Ocorrendo alguns desses casos em específico, não há possibilidade de escolha pelos nubentes. Dispõe o aludido dispositivo: “É obrigatório o regime de separação de bens no casamento: I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas de celebração do casamento.” O art. 1.523 do CC de 2002 (BRASIL, 2010), aponta as causas suspensivas as quais este dispositivo se refere.

Neste diapasão, Gonçalves (2010), se manifesta dizendo que a inobservância das causas suspensivas torna o casamento irregular, que acaba por impor como sansão aos cônjuges a imposição do regime de separação. Já acerca do parágrafo único, o doutrinador diz ser uma inovação introduzida pelo Código Civil de 2002 (BRASIL, 2010), a possibilidade de pedir a não aplicação das causas suspensivas, nos casos citados. Prescreve o aludido dispositivo:

Art. 1.523. Não devem casar:

I – o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;

II – a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;

III – o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida à partilha dos bens do casal;

IV – o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.

“II – da pessoa maior que setenta anos.” Diz Gonçalves (2010), que esta restrição se caracteriza como sendo protetiva, como objetivo de vetar a possibilidade de casamento com interesse econômico. “III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.” Aqui, o mesmo doutrinador explica que este inciso também tem caráter protetivo, mas quanto aos menores que obtiveram o suprimento judicial de idade ou de consentimento dos pais.

No regime ora referido, é a lei quem determina o regime que irá reger o matrimônio dos cônjuges. Sendo assim, o regime passa a se chamar regime de “separação obrigatória de bens” ou “separação compulsória” ou simplesmente “separação legal”, nomenclaturas essas utilizadas pela doutrina.

Ainda, para melhor entendimento deste regime, recorre-se ao pensamento de Venosa (2003), que diz que este regime não decorre apenas dos nubentes e suas vontades, mas sim da imposição legal.

O Código Civil de 1916, em seu art. 258, já dispunha de regras a respeito da obrigatoriedade de separação de bens no casamento:

Art. 258. Não havendo convenção, ou sendo nula, vigorará, quanto ao regime de bens entre os cônjuges, o regime de comunhão parcial.

I – das pessoas que o celebram com infração do estatuto no art. 183, nºsXI A XVI (art. 216).II – do maior de sessenta e da maior de cinquenta anos.

III – do órfão de pai e mãe, embora case, nos termos do art. 183, nºXI, com o consentimento do tutor, ou curador.

IV – e de todos os que dependerem, para casar, de autorização judicial (arts. 183, nºXI, 384. Nº III, 426, nº I, e 453).

Neste segundo capítulo, far-se-á o estudo da sucessão do cônjuge casado sob o regime de separação total de bens.

 

3. A sucessão do cônjuge no regime de separação total de bens

A palavra sucessão, em sentido amplo, significa o ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de outra, inclusive na titularidade de alguns bens.

Hironaka (2008 p. 94) diz que:

“Considerando que a pessoa natural adquire inúmeros direitos e contrai muitas obrigações, se ela falecer a titularidade destas relações jurídicas deve ser alterada, substituindo o falecido por seus herdeiros. Assim, o complexo de direitos e deveres deixado pelo falecido, que se denomina herança, é transmitido para outrem para que seu patrimônio não fique acéfalo.”

Assim, o conjunto de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém ao herdeiro, depois de sua morte, é o direito das sucessões. Esta transferência se dá em virtude de lei ou de testamento.

O Direito sucessório no Brasil é regido pelo Código Civil Brasileiro, o qual está dividido em quatro Títulos. O Título I abrange a sucessão em geral; o Título II cuida da sucessão legítima; o Título III disciplina a sucessão testamentária; e o quarto e último título do livro, é o referente ao inventário e a partilha.

Neste capítulo será apresentado, primeiramente, como se dá a sucessão do cônjuge no atual Código Civil (CC, 2002), detalhando a sucessão no regime de separação total de bens, bem como outros aspectos relevantes da sucessão do cônjuge em concorrência com outros herdeiros e também sucessão por inteiro.

 

3.1 A sucessão do cônjuge no Código Civil de 2002

Em seu Título II do Livro V, o Código Civil disciplina a sucessão legítima, isto é, a ordem legal que deve ser obedecida quando o falecido não deixou testamento, ou quando o testamento caducou, ou foi julgado ineficaz.

O Código Civil de 2002 alterou profundamente a ordem de vocação hereditária, não apenas em relação à proporção dos herdeiros que serão chamados a suceder o falecido, mas também nos quinhões hereditários que serão amealhados por cada um dos sucessores.

Conforme Tartuce e Simão (2012), a nova ordem revoluciona comparada a do Código Civil de 1916, mas também complica os aplicadores do Direito. As redações dos dispositivos são defeituosas e tem gerado polêmica, razão pela qual projetos legislativos pretendem a sua alteração.

Segundo os mesmos estudiosos, uma das mais debatidas inovações no CC 2002 (BRASIL, 2010), é a concorrência sucessória do cônjuge como herdeiro no quinhão hereditário, com descendentes e ascendentes do de cujus, não sendo mais excluído por estas classes.

Disse Maria Berenice Dias (2005), ao se referir a essa novidade trazida pelo Código Civil de 2002, o direito de concorrência:

“[…] a novidade maior é a introdução de um novo instituto: o direito do cônjuge e do companheiro, ainda que em situações díspares, de concorrerem com os herdeiros descendentes ou ascendentes” (DIAS, 2005, p. 134).

Nesse sentido, ressalta Rodrigues (2002) que, em tese, a existência de herdeiros de uma classe exclui o chamamento à sucessão da classe subsequente de herdeiros, no entanto existe uma ressalva à situação do cônjuge, que com umas das mais importantes inovações do Código Civil de 2002, passou a concorrer com os descendentes e ascendentes do “de cujus”.

Na mesma linha, Monteiro (2003), afirma que no atual Código Civil os descendentes serão convocados em primeiro lugar, concorrendo agora com o cônjuge sobrevivente, com a exceção de esses cônjuges serem casados pelo regime da comunhão universal, da separação obrigatória, ou da comunhão parcial, em que o autor da herança não tenha deixado bens particulares. Se acontecer uma dessas hipóteses, os descendentes irão herdar os bens em sua totalidade.

Transcreve-se o art. 1829 do CC de 2002 (BRASIL, 2010) em vigor para melhor compreensão:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens

(art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – ao cônjuge sobrevivente;

IV – aos colaterais.

Conforme Gonçalves (2008), o cônjuge sobrevivente permanece em terceiro lugar na referida ordem, mas passa a concorrer em igualdade de condições com os descendentes do falecido, isto porque o legislador promoveu o cônjuge herdeiro a necessário.

Portanto, agora além dos descendentes e ascendentes, o cônjuge também é herdeiro necessário, e por isto não poderá o autor da herança, quando somou um desses herdeiros elencados, dispor em testamento ou até mesmo doar mais da metade dos seus bens, a fim de assegurar a legitimidade a esses herdeiros (DINIZ, 2005).

Segundo Tartuce e Simão (2012), a preocupação do legislador com o cônjuge, após o falecimento de seu par, foi pertinente, pois a propriedade de todos os bens do casal teria de ser passada aos descendentes, sendo que talvez o viúvo ou viúva ficassem sem ter como sobreviver. Agora se tem uma garantia.

 

3.2 Aspectos da sucessão legítima: ordem de vocação hereditária

Dispõe o artigo 1.786 do Código Civil: A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade.

O fundamento que a sucessão toma por base é o de que, como o falecido não fez testamento, a sua vontade será presumido pela lei, que determina o destino dos seus bens. E a ordem de chamamento da sucessão será em decorrência da afetividade que o falecido tinha com os seus parentes ou cônjuge (TARTUCE; SIMÃO, 2008).

Ainda na mesma linha, Gonçalves (2008), enfatiza que a sucessão legítima, dá-se por invalidade, inexistência ou caducidade de testamento, e também aos bens que não constarem nele.

Gama (2007) traz relevante colocação a fim de entender-se o motivo do sucesso:

“A existência da pessoa física (ou natural) termina com a morte, nos precisos termos da legislação civil brasileira, gerando a produção de determinados efeitos jurídicos de ordem patrimonial e extrapatrimonial” (GAMA, 2007, p.7).

No Código Civil em vigor, o chamamento dos sucessores obedece a uma sequência e é feito por classes, denominada ordem de vocação hereditária.

Em primeiro lugar, em respeito a esta sequência, encontram-se os descendentes. Assim, passar-se-á a conhecer esta ordem.

 

3.2.1 Concorrência com os descendentes

A primeira classe de herdeiros chamada a suceder os bens é a dos descendentes do falecido, ou seja, aqueles que na árvore genealógica se encontram na posição de filhos, netos, bisnetos, tataranetos. Os descendentes são parentes em linha reta. O artigo 1.591do CC de 2002 (BRASIL, 2010) dispõe a respeito: “São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para as outras na relação de ascendentes e descendentes”.

Neste contexto, a classe dos descendentes é privilegiada pela lei, que no rol dos herdeiros sucessivos é colocada em primeiro plano (GONÇALVES, 2010).

Dispõe o artigo 1.829, I, do CC de 2002 (BRASIL, 2010):

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.

Conforme Hironaka (2008), a concorrência com o descendente permite ao cônjuge receber uma parte da herança que no Código de 1916, era destinada apenas ao descendente, independente de sua meação.

Rodrigues (2002), afirma que a concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do “de cujus” vai depender do regime de bens escolhido.

Como já visto nos termos do art. 1.829, inciso Ido Código Civil, se os cônjuges forem casados pelo regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória não haverá essa concorrência. Caso o autor da herança tenha casado com o cônjuge sobrevivente pelo regime da comunhão parcial e não tenha deixado bens particulares também não ocorre essa concorrência.

Portanto, Para saber se o cônjuge, agora viúvo (a), concorre com os descendentes ou ascendentes do falecido na sucessão, é preciso verificar o regime de bens escolhido na constância do casamento.

Prescreve o Código Civil, em seu artigo 1.835:

Art. 1.835. Na linha descendente, os filhos sucedem por cabeça, e os outros descendentes, por cabeça ou por estirpe, conforme se achem ou não no mesmo grau.

Segundo Gonçalves (2008), são contemplados todos os descendentes, os mais próximos em grau excluem os mais remotos. Os filhos sucedem por cabeça, e os outros descendentes, por cabeça, mas precisa estar no mesmo grau. Sendo dois filhos herdeiros, ambos receberão a mesma quota – art. 1.834 do CC de 2002 -(BRASIL, 2010). Se um deles já faleceu e deixou dois filhos, há diversidade em graus; mas a herança será dividida em duas quotas iguais, uma quota será atribuída ao filho vivo e a outra será deferida, aos netos do de cujus, filhos do filho pré-morto. Se todos os filhos já faleceram, deixando apenas os netos do finado, estes receberão quotas iguais. Já que se encontram todos no mesmo grau.

Infere-se do exposto que, na falta de filhos, quem herda são os netos; não havendo netos, passam-se os bens aos bisnetos, e assim, sucessivamente serão convocados a suceder os descendentes em linha reta, sem nenhuma limitação de grau.

Conforme o mesmo doutrinador, os filhos consanguíneos e os adotivos não são mais desiguais perante a legislação brasileira, o que acontecia antes da vigência da Constituição Federal de 1988. Hoje todos herdam em igualdade de condições, bem como os filhos havidos fora do casamento.

 

3.2.2 Concorrência com os ascendentes

A segunda classe de herdeiros chamada a suceder os bens do falecido é a dos ascendentes. Assim como com os descendentes, os ascendentes têm parentesco em linha reta com o “de cujus” – art. 1.591do CC de 2002 -(BRASIL, 2010). Em se tratando de árvore genealógica, são aqueles que vierem antes do morto, sendo esses os pais, os avós, as bisavós e assim sucessivamente.

Em concorrência com o cônjuge sobrevivente, os ascendentes somente serão chamados à sucessão se não houver herdeiros da classe dos descendentes, conforme art. 1836 do CC de 2002 (BRASIL, 2010).

Segundo Monteiro (2003), em nada interfere o regime de bens do casamento para herdar o cônjuge em concorrência com os ascendentes. Basta preencher os requisitos do art. 1.830 do Código Civil, que dispõe:

Art. 1.830. Somente é reconhecido o direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao mesmo tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

Para explicar a sucessão com o ascendente, Gonçalves (2010), afirma que é preciso seguir dois princípios, sendo eles: a) o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linhas; b) havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes, da linha paterna herdam a metade, cabendo à outra metade aos da linha materna.

Preceitua o art. 1.836 do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2010):

Art. 1.836. Na falta de descendentes são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente.

1º Na classe dos ascendentes, o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linhas.

2º Havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo à outra aos da linha materna.

Conforme o art. 1.837 do Código Civil, concorrendo com ascendente em primeiro grau, terá direito o cônjuge ao quinhão de um terço da herança, e caber-lhe-á a metade desta, se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.

 

3.2.3 Sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente

A terceira classe a ser chamada para suceder os bens do falecido é a do cônjuge sobrevivente. Nesta classe não há relação de parentesco, pois não há vínculo sanguíneo entre os cônjuges.

Nos termos do artigo 1.838 do Código Civil, se não houver descendentes nem ascendentes, o cônjuge sobrevivente sucede sozinho a totalidade dos bens.

Hironaka (2008) salienta que, independente do regime de bens, a herança, em sua totalidade, será entregue ao cônjuge nos casos em que não houver ascendentes e descentes a concorrer com o cônjuge sobrevivente.

A mesma doutrinadora, baseada no artigo 1.830, do CC de 2002 (BRASIL, 2010), salienta que o cônjuge estará excluído da sucessão em duas hipóteses, sendo estas: se estiver separado judicialmente; se estiver separado de fato do falecido, há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que esta convivência se tornou impossível sem culpa do sobrevivente.

Na mesma linha, Diniz (2005) diz que esta forma de sucessão visa proteger o consorte supérstite.

Também garante o Código Civil, em seu artigo 1.831 do CC de 2002 (BRASIL, 2010), o direito real de habitação ao cônjuge, conforme o que está disposto no artigo:

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurada, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Nesse sentido, ressalta Rodrigues (2002), que beneficiando ao cônjuge sobrevivente, sem qualquer restrição quanto ao regime de bens do casamento, sem prejudicar a participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação referindo-se ao caso de existir um único bem imóvel que seja destinado a moradia, cabe ao cônjuge à sucessão do bem. Disse o doutrinador que, neste caso o legislador teve a intenção de preservar as condições de vida, as relações, o ambiente do viúvo ou viúva, para que não tenha de ser privado de sua moradia.

 

3.2.4 Sucessão dos colaterais

A quarta e última classe a ser chamada para suceder os bens do falecido, é a dos colaterais. Na falta de descendentes, ascendentes, convivente (art. 1.790, III, CC), e de cônjuge sobrevivente, chamar-se-ão os colaterais até o quarto grau de parentesco para sucessão – art. 1.829, IV do CC de 2002 (BRASIL, 2010).

Segundo Monteiro (2003), o Código Civil de 1916 contemplava os colaterais até o sexto grau, mas este dispositivo foi modificado quando veio o Decreto-lei nº 9.461, de 15 de julho de 1946, limitando até o quarto grau, na linha transversal, a ordem de vocação hereditária.

O Código Civil de 2002 manteve essa sucessão dos colaterais até o quarto grau. É o art. 1.839 CC de 2002 (BRASIL, 2010), que regula esse chamamento à sucessão: “Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau”.

O artigo 1.592 do Código Civil traz o que o legislador delimitou como parentes colaterais: “São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem umas das outras”.

Assim, Hironaka (2008) conceitua colaterais como sendo:

“[…] parente colateral é aquela pessoa que se vincula às demais pessoas de uma mesma família, sem que descendam entre si, ou seja, são ligadas a um tronco comum. E para que se alcance o grau, deve-se recorrer às gerações (p. Ex. Sobrinho em relação ao tio: é parente colateral de terceiro grau)” (HIRONAKA, 2008, p.117).

Conforme os termos do artigo 1.840 CC de 2002 (BRASIL, 2010), entre os colaterais, “os mais próximos excluem os mais remotos, salvo o direito de representação, concedido aos filhos de irmãos”. Assim, diz Gonçalves (2010), existindo irmãos do “de cujus” que são colaterais em segundo grau, afastam-se os tios que são em terceiro grau.

Ainda, para conceituar a sucessão do irmão, recorre-se ao pensamento de Venosa (2012):

“O art. 1.841 cuida da sucessão dos colocados em primeiro lugar na linha colateral, os irmãos (parentes em segundo grau). O código estabelece diferença na atribuição de quota hereditária, tratando-se de irmãos bilaterais ou irmãos unilaterais. Os irmãos bilaterais, filhos do mesmo pai e da mesma mãe, recebem o dobro do que couber ao filho só do pai ou só da mãe. Na divisão da herança, coloca-se peso 2 para o irmão bilateral e peso 1 para o unilateral, fazendo-se a partilha. Assim, existindo dois irmãos bilaterais e dois irmãos unilaterais, a herança divide-se em seis partes, 1/6 para cada irmão unilateral e 2/6 (1/3) para cada irmão bilateral” (VENOSA, 2012, p.155).

Assim, na sucessão entre irmãos, ocorrerá de forma desigual a partilha, sendo eles bilaterais ou unilaterais.

Diniz (2009), diz que: se os irmãos bilaterais não concorrem à herança, os irmãos unilaterais sem distinção de maternos ou paternos herdarão partes iguais entre si. Conforme o que está disposto no art. 1.842 do Código Civil.

A mesma estudiosa relata que, em relação ao “de cujus”, os irmãos estão em segundo grau, e os sobrinhos em terceiro grau.

Venosa (2012) afirma que o direito de representação, na linha colateral, limita-se aos filhos de irmãos pré-mortos. No caso de existirem irmãos vivos e filhos de irmão pré-morto, os sobrinhos herdarão por estirpe.

Na mesma linha Gonçalves (2010), enfatiza:

“Abre-se exceção em favor dos sobrinhos (terceiro grau), que herdam representando o pai pré-morto, atenuando-se desse modo à inflexibilidade do princípio de que proximio rex cluditremotiorem. Se o de cujus, por exemplo, deixa um irmão, dois filhos de outro irmão pré-morto e três filhos de terceiro irmão, também já falecido, divide-se a herança em três partes iguais, correspondentes às três estirpes. Uma pertencerá, por inteiro, ao irmão sobrevivo que herdará por direito próprio; a segunda, aos dois sobrinhos, subdivida em partes iguais; e a terceira, aos três últimos sobrinhos, depois de subdividida em três quotas iguais. Os sobrinhos herdam por estirpe” (GONÇALVES, 2010, p. 199).

O mesmo doutrinador afirma que se não houverem sobrinhos, chama-se os tios do falecido, e depois os primos-irmãos, sobrinhos-netos e tios-avôs, que são parentes em quarto grau. Sendo que não herdarão por representação, sucedem por direito próprio, sem distinção e todos igualmente.

Concorrendo à herança no mesmo grau (3º), estão tios e sobrinhos do falecido na sucessão. Dispõe o art. 1843, caput, do Código Civil a esse respeito: “Na falta de irmãos, herdarão os filhos destes e, não os havendo, os tios”. Rodrigues (2002), afirma que a lei se manifesta preferencialmente pelos sobrinhos, pois serão chamados à sucessão antes dos tios do autor da herança, afastando assim o princípio de que os colaterais sucedam igualmente, dividindo a herança entre todos.

Na falta de irmãos, sobrinhos e tios, que são colaterais mais próximos, herdarão os primos irmãos, em não havendo a possibilidade de distinguir os que são por linha simples e os que são por linha duplicada, todos herdam igualmente (MONTEIRO, 2003).

Gonçalves (2010) ressalta que os citados colaterais, limitado até o quarto grau, são herdeiros legítimos, conforme o art. 1.829, IV do Código Civil. Mas, conforme o art. 1.845 do referido Código, não são herdeiros necessários. Podendo assim, o autor da herança excluí-los da sucessão, sendo necessário apenas, que conforme o art. 1.850 CC de 2002 (BRASIL, 2010), faça um testamento dispondo o seu patrimônio sem os contemplar.

 

3.2.5 Sucessão do estado

Não havendo cônjuge, companheiro, nem parente sucessível, ou no caso destes terem renunciado a herança, a mesma será incorporada ao patrimônio do Município, ou do Distrito Federal, se localizada nos respectivos territórios, iniciando-se assim o processo para proclamá-la vacante.

O artigo 1.844 do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2010), que estabelece esta forma de suceder a herança do falecido:

Art. 1.844. Não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível ou tendo eles renunciado a herança, esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal.

A seguir, será analisada a sucessão do cônjuge casado pelo regime de separação de bens.

 

3.3 Aspectos da sucessão do cônjuge casado pelo regime de separação de bens

A lei chamará à sucessão, quando não houver parentes na classe dos descendentes, nem dos ascendentes, o cônjuge sobrevivente, a quem será deferida a sucessão por inteiro, conforme o que está disposto no artigo, 1.838 (CC, 2002): “Art. 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente.”

O cônjuge sobrevivente veio a conquistar a terceira posição da ordem de sucessão, conforme o que está disposto no art. 1829, inc. III, do CC.

Dias (2011) afirma que a condição de cônjuge herdeiro vai persistir, mesmo que o casamento tenha ocorrido pelo regime de separação convencional ou obrigatória de bens.

Isto significa dizer que a vontade eleita pelas partes por ocasião do casamento não será respeitada por ocasião da morte, quando o cônjuge supérstite, não havendo descendente, nem ascendente, ficará com a totalidade dos bens.

Da mesma forma, quando esse cônjuge concorrer com os descendentes ou ascendentes do “de cujus” conforme preceitua o artigo 1.829, I, e 1.837, aquele também participará, então, da herança do falecido. Novamente não se respeitando o que foi pactuado em vida.

Neste terceiro e último capitulo, discutir-se-á a obrigatoriedade da lei em confronto com a escolha das partes em vida.

 

4. A legalidade e justiça da sucessão do cônjuge casado pelo regime de separação de bens

Neste último capítulo será feito uma análise da legalidade da sucessão dos cônjuges casados pelo regime de separação de bens, visando uma resposta quanto à justiça na sucessão hereditária. Para então finalizar, com a construção jurisprudencial, na tentativa de demonstrar o atual entendimento dos tribunais a respeito da matéria do presente trabalho monográfico.

 

4.1 O cônjuge herdeiro: a vontade das partes x a obrigatoriedade da lei

O Código Civil deixa livre para que os nubentes optem pelo regime de bens que melhor atender aos seus interesses.

Ao pactuarem pelo regime de separação de bens, objeto de estudo desta monografia, os nubentes têm em vista que a sociedade conjugal não reflita na espera patrimonial.

Segundo Dias (2011), os nubentes ao elegerem o regime de separação de bens, manifestam intenção de afastar qualquer efeito patrimonial do casamento.

Esta é uma tentativa de preservar e dar a liberdade para que cada um deles possa gerir o seu patrimônio exclusivo. Desta forma, não existirá entre eles um patrimônio comum.

Na prática, a vontade das partes manifestada no pacto antenupcial pela não comunicabilidade dos seus bens não é preservada. Há um verdadeiro abismo entre o querer dos cônjuges, isto é, entre a vontade das partes e a obrigatoriedade da lei.

A fim de alinhavar essa vontade com o ordenamento jurídico, alguns tribunais passaram a emitir entendimentos diversos, contrários à disposição legal do artigo 1.829, inc. I.

Essa situação deriva-se da inovação do Código Civil (CC, 2002) que arrolou o cônjuge como herdeiro necessário (CC, artigo 1.845), possibilidade que permitiu seu acesso à herança em concorrência com os descendentes e ascendentes (CC, artigo 1.829, I e II).

Conforme Simão (2011), esta regra tem como objetivo garantir o sustento do cônjuge supérstite, para que em caso de ausência de patrimônio não fique à míngua.

No sistema do Código Civil de 1916, os herdeiros necessários eram os descentes e os ascendentes. Com o Código Civil de 2002, isto mudou, o cônjuge passou a ser também herdeiro necessário (TARTUCE; SIMÃO, 2012).

Com isso, Dias (2011) explica que com a morte de um dos cônjuges, a herança obrigatoriamente é transmitida ao sobrevivente, no caso de não haver descendentes, nem ascendentes, herdando, dessa forma, a totalidade da herança. No entanto, alguns julgados resistem em reconhecer o cônjuge como herdeiro necessário, quando os cônjuges elegeram o regime da separação convencional de bens via pacto antenupcial.

 

4.2 Posição doutrinária: Proteção da autonomia da vontade.

O novo Código Civil (CC, 2002), como tudo o que é novo despertou desconfiança, em algumas matérias não superou as expectativas e por consequência gerou desapontamentos e incontroversas.

Com o advento da lei acima referida, a doutrina começou a insurgir em relação a vários aspectos relativos ao direito das sucessões.

Como se percebe ao longo do presente trabalho, em se tratando do artigo 1829, I do Código Civil 2002, não foi diferente.

Em se tratando de posição contrária ao artigo ora estudado, posição esta que reina majoritária entre os doutrinadores, temos a louvável doutrinadora Maria Berenice Dias, que na página 165 da sua obra Manual das sucessões leciona:

“Mas há outra incongruência da lei, que diz com o regime da separação convencional, eleito pelo par por meio de pacto antenupcial. Entre as exceções ao direito de concorrência, a lei esqueceu-se de citar este regime de bens (CC 1829 I). Deste modo acabaria o cônjuge sobrevivente brindando com parte dos bens do falecido, ainda que não tenha sido este o desejo do casal. Sob o fundamento de não haver direito de meação a tendência era assegurarão viúvo o direito de concorrência, No entanto, quando o casal firmou o pacto antenupcial, elegendo o regime da separação de bens, é porque queriam afastar qualquer efeito patrimonial do casamento. Desrespeitar a expressa manifestação de quem tem a disponibilidade sobre seus bens fere de morte o princípio de respeito à autonomia da vontade” (DIAS, 2011).

Com essa manifestação, fica claro tamanho repúdio da autora com relação à aplicação do artigo.

No que concerne ao tema, em outra obra pela autora assinada, Dias opina:

“Como o legislador constituinte emprestou relevo especial ao direito à liberdade, além de assegurar proteção irrestrita à família, não é possível aceitar que alguém não tenha o direito de casar e dispor da forma que lhe aprouver sobre o destino de seu patrimônio após o seu falecimento” (DIAS, 2004).

Em contraponto a opinião de Maria Berenice Dias, temos a teoria sustentada por José Fernando Simão (2011), que entende ser necessária à aplicação do teor do Inciso I, do artigo 1829 (CC, 2002).

Neste sentido à lição de do autor:

“Para a conclusão destas linhas de reflexão, sugere-se uma situação concreta: um casal que se casa muito jovem e, por pacto antenupcial, adota o regime da separação convencional de bens. O casamento é longo, dura mais de 40 anos, Ela em casa cuidando dos filhos e da família e ele trabalhando. Todo o patrimônio é adquirido apenas em nome dele. Após 40 anos de feliz união ele falece, e todos os bens são destinados aos filhos […]. Ela, agora, viúva, sobreviverá como? A única resposta seria: da caridade dos filhos ou do Estado” (SIMÃO, 2011).

Assim, a teoria adotada por José Fernando Simão, sendo esta a que defende que o cônjuge casado pelo regime de separação convencional de bens é herdeiro, é a da minoria dos doutrinadores.

Todas essas considerações, para efeitos do presente trabalho, imprescindíveis vislumbrar, a fim de um melhor entendimento em relação aos entendimentos que os tribunais têm trazido. Tema que doravante se observará.

 

4.3 Construção jurisprudencial: uma tentativa de preservar o regime de bens

A redação dos incisos I e II, do artigo 1.829 do referido Código Civil (CC, 2002), os quais reconhecem o direito de o cônjuge concorrer com os descendentes e ascendentes, é fonte geradora de inúmeras perplexidades.

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge.

Diante dessas perplexidades, um dos temas mais debatidos é exatamente a sucessão do cônjuge casado sob o regime de separação de bens, sendo ela de separação obrigatória, caso em que a lei obriga o uso deste regime de bens e o cônjuge em hipótese alguma é herdeiro ou separação convencional quando os cônjuges optam voluntariamente por este regime e o cônjuge é herdeiro. Isto porque a partir deste código ele passou a qualidade de herdeiro necessário, recebendo, portanto a herança de seu cônjuge, norma que se posiciona totalmente contra o regime de bens adotado em vida.

Apesar da lei dizer que ocorrendo à morte de um dos cônjuges, que juntos optaram voluntariamente pela não comunicabilidade dos seus bens, os bens neste caso se comunicam.

Nesta senda, de forma majoritária, as jurisprudências ainda se atem a interpretação literal da redação do artigo 1829, I, do Código Civil. Situação esta que será demonstrada a seguir com julgados baseados nestes entendimentos.

Seguem jurisprudências com decisões sobre a aludida matéria:

EMENTA: ARROLAMENTO AJUIZADO PELOS HERDEIROS COLATERAIS. EXTINÇÃO DO PROCESSO. CÔNJUGE SUPÉRSTITE. CASAMENTO SOB O REGIME DA SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS. IRRELEVÂNCIA. ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA. Inexistindo descendentes e nem ascendentes, o cônjuge sobrevivente recebe por inteiro a herança, independentemente do regime do casamento ser o da separação total de bens. Incide, no caso, a ordem de vocação hereditária. Inteligência dos art. 1.829, inc. III, e art. 1.838 do CCB. NEGADO SEGUIMENTO (Apelação Cível Nº 70021686548, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 12/11/2007).

EMENTA: INVENTÁRIO. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. REGIME SEPARAÇÃO DE BENS. FILHO. HABILITAÇÃO. HERDEIRO NECESSÁRIO. DEFERIMENTO. Deve ser mantida a decisão que, em sede de inventário, defere pedido de habilitação formulado por filho, porquanto é o herdeiro necessário daquele e não concorre com o cônjuge sobrevivente que foi casado com aquele sob o regime da separação de bens. Inteligência do art. 1829, I, CC c/c art. 1060, I, do CPC. (Agravo de Instrumento 1.0511.05.004633-9/001, Relator (a): Des.(a) Manuel Saramago, 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/07/2007, publicação da sumula em 19/07/2007) Negaram provimento.

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – INCLUSÃO DA VIÚVA DO DE CUJUS NO INVENTÁRIO – CASAMENTO CELEBRADO SOB O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS – NECESSIDADE INCIDÊNCIA DO ARTIGO 1829, INCISO I, DO CÓDIGO CIVIL NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO Agravo de Instrumento nº 0049419-72.2012.8.26.0000 – São Paulo – TJSP – 9ª Câmara de Direito Privado – Voto nº 02545.

Ainda que de forma minoritária, alguns julgados já têm entendimento diverso da lei, numa tentativa de fazer valer a vontade das partes.

Assim, visando preservar este regime de bens surge a primeira decisão judicial provinda do Superior Tribunal de Justiça no sentido de fazer valer a vontade dos cônjuges.

REsp1117563. Direito das sucessões. Recurso especial. Inventário. De cujus que, após o falecimento de sua esposa, com quem tivera uma filha, vivia, em união estável, há mais de trinta anos, com sua companheira, sem contrair matrimônio. Incidência, quanto à vocação hereditária, da regra do art. 1.790 do CC/02. Alegação, pela filha, de que a regra é mais favorável para a convivente que a norma do art. 1829, I, do CC/02, que incidiria caso o falecido e sua companheira tivessem se casado pelo regime da comunhão parcial. Afirmação de que a Lei não pode privilegiar a união estável, em detrimento do casamento: Ministra Nancy Andrighi.

O julgador, neste caso, tentando preservar a vontade das partes em vida, negou provimento ao recurso, entendendo que neste caso o cônjuge herdeiro não terá direito a meação, a Ministra Nancy Andrighi se posiciona a respeito:

“A separação de bens, que pode ser convencional ou legal, em ambas as hipóteses é obrigatória, porquanto na primeira, os nubentes se obrigam por meio de pacto antenupcial – contrato solene – lavrado por escritura pública, enquanto na segunda, a obrigação é imposta por meio de previsão legal.

Sob essa perspectiva, o regime de separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.829, inc. I, do CC/02, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal; (ii) separação convencional. Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de bens, à sua observância.

Dessa forma, não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, salvo previsão diversa no pacto antenupcial, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário.”

Na mesma oportunidade, como se vê do trecho acima extraído, a Ministra Nancy Andrighi, nega ao cônjuge casado pelo regime de separação de bens, o direito à concorrência sucessória. Seu posicionamento é baseado no respeito àquilo que foi estipulado em vida entre as partes, ou seja, a incomunicabilidade dos bens.

Nesse mesmo sentido, já se proliferam outros entendimentos jurisprudenciais a respeito de excluir os direitos de concorrência do cônjuge nos casos de separação convencional de bens. Como se vê a seguir:

REsp 992749. Direito civil. Família e Sucessões. Embargos de declaração no recurso especial. Inventário e partilha. Cônjuge sobrevivente casado pelo regime de separação convencional de bens, celebrado por meio de pacto antenupcial por escritura pública. Interpretação do art. 1.829, I, do CC/02. Direito de concorrência hereditária com descendentes do falecido. Não ocorrência. Ministra Nancy Andrighi.

Essas decisões têm pautado os diversos tribunais do país, no sentido de excluir o cônjuge casado mediante o regime de separação de bens da concorrência sucessória de seu par.

Ainda neste sentido, Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná proveram recurso de agravo de instrumento que insurge contra a decisão que inclui a cônjuge sobrevivente como herdeira, com base em princípios constitucionais, sendo estes o princípio da Isonomia e da Boa-fé. Os julgadores trazem estes princípios em sua fundamentação dizendo que seria uma afronta a Carta Magna beneficiar o cônjuge, agora viúvo, com a herança do “de cujus” sendo que no momento do casamento optou pela não comunicabilidade dos seus bens.

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – INSURGÊNCIA CONTRA A DECISÃO QUE INCLUIU A CÔNJUGE SOBREVIVENTE COMO HERDEIRA NECESSÁRIA DO DE CUJUS – REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS – ART. 1.829, I DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DE TEXTOS E PRINCÍPIOS JURÍDICOS – ABRANGÊNCIA DOS ARTS. 1.513, 1.639, 1.641 E INCISOS, 1.647 E 1.687, DO MESMO CÓDIGO CIVIL, E ARTS. 1º E 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – EFEITOS E RELEVÂNCIA DA VONTADE MANIFESTADA PELOS CÔNJUGES QUANDO DO CASAMENTO – EXERCÍCIO DA LIBERDADE LHES ASSEGURADA PELA LEGISLAÇÃO CIVIL E PELA CARTA MAGNA – PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E ISONOMIA – RECURSO PROVIDO. Ainda que o objetivo vetor das alterações introduzidas pelo Novo Código Civil de 2002 (Art. 1.829, I) possa ter sido o de proteger o cônjuge sobrevivente, por certo, não há que se interpretar esse dispositivo legal, de forma isolada e a qualquer custo e em todos os casos, senão de forma sistemática. Não existe, pois, justificativa plausível para aquinhoar àquele que por vontade própria se submeteu a um determinado regime que, quando obrigatório, exclui a participação na herança deixada pelo cônjuge pré-morto. Interpretação diversa viria em confronto aos princípios da boa-fé e da isonomia dos próprios cônjuges e das suas proles, posto que se privilegiaria sempre, de consequência, o cônjuge sobrevivente e sua prole, e estaria em desarmonia com diversos dispositivos legais e constitucionais, inclusive negaria os efeitos do exercício do primado da liberdade ‘alma da democracia’ na anotação de Aristóteles (Cf. Política, IV, 4, 1292a), irmã genuína e inseparável da dignidade da pessoa humana (CF. Arts. 1º, III e 5º Caput). Quando determinado dispositivo legal confronta-se com o ordenamento jurídico, sua compreensão há de se fazer pela sua hermenêutica (sistemática), eis que “o meio sistemático, que implica não só pressuposto da racionalidade do legislador como também no pressuposto de que a vontade do legislador seja unitária e coerente. Com base em tal pressuposto, podemos procurar esclarecer o conteúdo de uma norma, considerando-a em relação a todas as outras”. (Norberto Bobbio, in O Positivismo Jurídico – Lições de Filosofia do Direito, S. Paulo, Ícone, 1995, pág. 214). “Desde que a interpretação pelos processos tradicionais conduz a injustiça flagrante, incoerência do legislador, contradição consigo mesmo, impossibilidade ou absurdos, deve-se presumir que foram usadas expressões impróprias, inadequadas, e buscar um sentido equitativo, lógico e acorde com o sentir geral e o bem presente e futuro da comunidade.” (Carlos Maximiliano, in “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, Forense, 10ª edição, 1988, pág. 166). Tal caminho interpretativo mais se impõe ao caso em exame, quando se verifica que os próprios elaboradores do vigente Código Civil insurgem-se contra a literalidade do disposto no seu art. 1829, inc. I. Texto que, ademais, encontra o repúdio das maiores eminências do pensamento jurídico nacional e da sociedade em geral, a indicar a sua indigência de legitimidade de origem, que deve ser sempre a expectativa geral dos seus destinatários.(TJPR – 11ª C. Cível – AI – 316946-4 – Andirá -Rel.: Cunha Ribas – Unânime – – J. 14.02.2007)

Ainda com o mesmo entendimento, tem-se decisão acerca de ação de inventário:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – Inventário – Decisão que declarou que o cônjuge supérstite não é herdeiro nem meeiro – Viúva que foi casada com o autor da herança pelo regime da separação convencional – Decisão que contraria a lei, em especial os artigos 1.845 e 1829 do Código Civil – Decisão reformada – Agravo provido. (AI nº 0007645-96.2011.8.26.0000, Rel. Des. José Carlos Ferreira Alves, 2ª Câmara de Direito Privado, j. 04/10/2011, r.13/10/2011).

Julgados mais recentes a este respeito entendendo que é necessário respeitar a vontade das partes que na celebração do casamento optaram pela não comunicabilidade de seus bens.

Autonomia da vontade deverá ser observada:

EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. CÔNJUGE SOBREVIVENTE CASADA COM O DE CUJUS EM REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. EXISTÊNCIA DE HERDEIROS DESCENDENTES. DIREITO SUCESSÓRIO QUE DEVERÁ OBSERVAR A AUTONOMIA DA VONTADE MANIFESTADA QUANDO DA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCORRER COM OS DEMAIS HERDEIROS COM RELAÇÃO AOS BENS PARTICULARES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. A melhor dicção do artigo 1829, I do Código Civil é aquela que o interpreta conforme a autonomia da vontade manifestada pelos nubentes quando da celebração do casamento e eleição do regime matrimonial. Desta forma, se em vida os nubentes optaram pela comunhão apenas dos bens comuns, após a morte não é possível que o cônjuge supérstite beneficie-se com o patrimônio amealhado anteriormente ao casamento. Resta impossibilitada, portando, a concorrência do cônjuge sobrevivente com os demais herdeiros descendentes aos bens particulares do de cujus.(TJPR – 12ª C. Cível – AI – 978859-4 – Rolândia – Rel.: Ivanise Maria Tratz Martins – Unânime – – J. 22.05.2013).

Por óbvio, que ainda não existe uniformização nesse sentido. Ou seja, ainda não se encontra pacificado o afastamento definitivo do cônjuge da sucessão hereditária daquele com quem foi casado. No entanto, já se pode vislumbrar um caminho a seguir, uma possibilidade real de se preservar a vontade manifestada pelas partes, quando essas resolveram se unir.

 

5. Conclusão

A partir do presente trabalho podem-se concluir, num primeiro momento, que a sociedade assumiu outras configurações, os interesses também foram modificados e, em consequência disto, surgiram outras necessidades, inclusive quanto ao regramento no Direito Sucessório.

Atualmente, as pessoas têm buscado a independência financeira e a autoridade para gerir sozinhos os seus bens, diferentemente de alguns anos atrás, quando prevalecia o regime de comunhão universal de bens e, com isso, os cônjuges dependiam financeiramente de forma mais expressiva uns dos outros.

Assim, esta monografia ocupou-se em apresentar, no primeiro capítulo do desenvolvimento, os regimes de bens existentes no Direito Civil Brasileiro, partindo do estudo do instituto do regime de bens, para depois verificar, detalhadamente, os regimes de bens regidos pelo Código Civil.

Como parte desta abordagem, foram averiguados os quatro regimes de bens existentes no Código Civil brasileiro, sendo eles o regime da comunhão universal de bens, o regime da comunhão parcial de bens, o regime da participação final dos aquestos e enfim o regime de separação de bens.

Em seguida, abordou-se a sucessão do cônjuge no regime de separação total de bens, que também teve como objeto de estudo a sucessão do cônjuge no novo Código Civil, a ordem de vocação hereditária, trazendo cada um dos chamados a suceder em concorrência com o cônjuge sobrevivente. Neste mesmo capítulo foi abordada a sucessão por inteiro do cônjuge que, em não existindo concorrência, e preenchendo os requisitos para tal sucessão, herdará todos os bens do falecido.

No último capítulo do presente trabalho, versou-se acerca de um tema bastante polêmico na atualidade, a legalidade da sucessão do cônjuge no regime de separação de bens. Em vida, o cônjuge sobrevivente e o já falecido optaram, por um ou outro motivo, pela não comunicação dos seus bens. Há um confronto entre a vontade das partes e a obrigatoriedade da lei. Foi apresentada uma análise doutrinária, a fim de explanar a posição que os doutrinadores têm a respeito da matéria. Feito isso se procedeu a uma construção jurisprudencial, a fim de verificar qual é o atual entendimento dos tribunais acerca desta forma de sucessão.

Em um primeiro momento, apresentou-se opinião de doutrinadores que se manifestam a favor e contra a aplicação do artigo em estudo, com as devidas argumentações.

Posteriormente averiguou-se julgados, baseados na teoria majoritária, esta que ainda prevalece no Brasil, acerca do entendimento dos tribunais quanto ao cônjuge herdeiro no regime de separação convencional de bens. Estes julgados apresentam fidelidade ao artigo 1829, I, do Código Civil, já que fazem prevalecer os ditames da lei.

Para finalizar este estudo, trouxe a baila entendimentos jurisprudenciais, que priorizam a vontade das partes no momento do pacto antenupcial quando optaram pela não comunicabilidade dos seus bens. Mesmo que minoritária esta teoria existe e tem sido adotada em alguns tribunais no Brasil.

Pode-se concluir que o primeiro passo já foi dado. Mesmo que a passos lentos, está se caminhando para a justiça na sucessão do cônjuge no regime de separação de bens no momento da morte de um dos cônjuges.

A esse respeito, percebeu-se que os tribunais tem ido contra o que está disposto no artigo 1.829, I, do Código Civil. Entende-se que é preciso preservar a vontade das partes, que através do pacto antenupcial, pactuaram pela não comunicação dos seus bens, isto em vida ou na morte.

Como o objetivo geral do trabalho estava centrado na análise da sucessão do cônjuge casado pelo regime da separação de bens com base no artigo 1.829 do Código Civil, o capítulo final partiu de um breve relato sobre a polêmica deste artigo. Também se discorreu sobre a não concordância dos doutrinadores, frente à lei, ao dizerem que é preciso preservar a vontade das partes.

Nesse sentido, chama-se a atenção para as jurisprudências, que estão entendendo pela não comunicação dos bens dos cônjuges casados pelo regime de separação de bens, fazendo com que permaneça a vontade das partes, tanto em vida quanto na morte.

Diante da análise do problema proposto para este estudo – É justo fazer a divisão do patrimônio pós-morte, sendo que em vida os cônjuges optaram pela incomunicabilidade dos bens? –, pode-se concluir que a hipótese inicial levantada para tal questionamento é verdadeira, na medida em que já existem decisões que excluem o cônjuge da sucessão, uma vez que o regime de bens escolhido é o da separação de bens.

Ainda existem entendimentos contrários a isto, no sentido de preservar o que está dito na lei, fazendo com que o cônjuge seja herdeiro na sucessão e concorra com os ascendentes ou descendentes.

Portanto, mesmo que ainda haja decisões contrárias a preservar a vontade das partes, está se caminhando para uma uniformidade de decisão em que o que prevalece é preservar o regime de bens escolhido. De tal forma, se estará preservando a vontade das partes.

 

Referências

BRASIL. Lei Nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil de 1916. Disponível em:. Acesso em: 14 mai. De 2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Herança. Recurso especial nº 1117563. Recorrente: S A P Recorrida: R A A. Relator: Ministra Nancy Andrighi. São Paulo, 05 fev. 2010. Disponível em:. Acesso em: 31 out. 2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação de Inventário e partilha. Recurso especial nº 992749. Recorrente: Gustavo Alves de Souza e outros Recorrida: Paula Rosa de Souza. Relator: Ministra Nancy Andrighi. Porto Alegre, 05 fev. 2010. Disponível em:. Acesso em: 21 mai. 2013.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Ação de Inventário. Recurso especial nº 1117563. Recorrente: Sandra Aparecida Recorrida: Rosemari Aparecida Affonso. Relator: Ministra Nancy Andrighi. Porto Alegre, 17 dez. 2009. Disponível em:. Acesso em: 05 mai. 2013.

BRASIL. VadeMecumcompacto.3. Ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010.

CHEMIN, Beatris F. Manual de Trabalhos Acadêmicos: planejamento, elaboração e apresentação, 2. Ed. Lajeado: Univates, 2012

DIAS. Maria B. Direito das sucessões e o novo código civil. Texto: Filhos, bens e amor não combinam. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

DIAS. Maria B. Conversando sobre Família, sucessões e o novo Código Civil. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2005.

______.Manual de Direito das famílias.4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

______. Manual das Sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 2ed.

______. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 8 ed.

DINIZ, Maria Helena.Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. 23. Ed. V. 6. Saraiva: São Paulo, 2009. V. 6.

______. Direito Civil brasileiro, Direito de Família, 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. V. 6.

______. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito das Sucessões. 24ª ed. 2009. Volume 5. Saraiva: São Paulo.

Direito de família: novas tendências e julgamentos emblemáticos / Caetano Lagrasta Neto, Flávio Tartuce, José Fernando Simão – São Paulo, Atlas 2011. Texto: Separação convencional, Separação Legal e Separação obrigatória: Reflexões a Respeito da Concorrência Sucessória e o Alcance do Art , 1829, i, do CC. Recurso Especial 992.749 – MS

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da.Direito Civil, Sucessões. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2007. V. 7.

GONÇALVES, Carlos R. Direito Civil brasileiro, Direito das Sucessões, 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. V. 7.

HIRONAKA, Giselda M. F. N. Direito Civil, Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. V. 7

______. Direito Civil, Direito das sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. V. 8

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. 2. Ed. São Paulo, Saraiva, 2009.

MADALENO, Rolf. Curso de Direito de família. 3ª edição. Ano 2009. Editora Forense: Rio de Janeiro.

MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia S. Manual de metodologia da pesquisa no Direito. São Paulo: Saraiva, 2008.

MINAS GERAIS. Tribunal de justiça. Apelação Cível nº 70021686548, da 14ª Câmara Cível. Relator: Des. Valdez Leite Machado. Belo Horizonte, 11 dez. 2009. Disponível em:. Acesso em: 31 out. 2013.

MINAS GERAIS. Tribunal de justiça. Agravo de Instrumento nº1.0511.05.004633-9/001da 3ª Câmara Cível. Belo Horizonte, 17 jul. 2007. Rel: Manuel Saramago. Disponível em:. Acesso em: 31 out. 2013.

MONTEIRO, Washington de Barros.Curso de Direito Civil. Direito das sucessões. V. 6. Ano 2003. Saraiva. 35ª edição. São Paulo

PARANÁ. Tribunal de justiça. Apelação Cível nº AI – 316946-4, da 11ª Câmara Cível. Relator: Cunha Ribas. Curitiba, 14 fev. 2007. Disponível em:. Acesso em: 31. Out, 2013.

PEREIRA, Caio Mário da Silva; PEREIRA, Tânia da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. V – Direito de Família. 21ª edição. 2013. Minha Biblioteca. Web. 14 May 2013

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. V Direito de Família. 16 edição. Ed. Forense ano 2006.

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de justiça. Apelação Cível nº 70021686548, da 8ª Câmara Cível. Relator: Claudir Fidelis Faccenda. Porto Alegre, 12 nov. 2007. Disponível em:. Acesso em: 31 out. 2013.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito das Sucessões. V.7. 26. Ed. Saraiva: São Paulo, 2003.

SÃO PAULO. Tribunal de justiça. Agravo de Instrumento nº 0049419-72.2012.8.26.0000da 9ª Câmara Direito Privado.. São Paulo, 04 out. 2011. Voto nº 02545. Disponível em:. Acesso em: 31 out. 2013.

SÃO PAULO. Tribunal de justiça. Agravo de Instrumento nº, AI 76459620118260000 SP 0007645-96.2011.8.26.0000 da 2ª Câmara Direito Privado. Relator: José Carlos Ferreira. São Paulo, 04 out. 2011. Disponível em:. Acesso em: 31 out. 2013.

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil. Direito das sucessões. 5. Ed. São Paulo: Método, 2012. V. 6.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil – volume único. 2011

VENOSA, Silvio de S. Direito Civil. 7. Ed. São Paulo: Atlas, 2003.

______. Direito Civil. Direito de família, 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2003. V.