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REGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A RENÚNCIA ANTECIPADA Á HERANÇA

REGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A RENÚNCIA ANTECIPADA Á HERANÇA

Rafael Adelor Cabreira

Civil

Alguns tendem a acreditar que quando a união é regida pela separação convencional de bens, o cônjuge ou companheiro sobrevivente não terá direito algum aos bens deixados pelo falecido. Trata-se, no entanto, de crença equivocada. Nesses casos o cônjuge ou companheiro sobrevivo é herdeiro – mas não meeiro.

Explica-se.

Da leitura do artigo 1.829 do Código Civil, que trata da ordem de vocação hereditária, nota-se que o legislador não previu a separação convencional de bens como exceção capaz de afastar a concorrência do cônjuge sobrevivente.

Vale dizer: ainda que o regime de bens regulador da união tenha sido o da separação convencional de bens, quando do falecimento de um dos consortes, o outro será, necessariamente, herdeiro.

Em última análise, a escolha do regime da separação convencional de bens para regular a união pode resultar em diferentes cenários, a depender, sobretudo, de como se dará o fim da sociedade conjugal — se por falecimento de um dos consortes ou se por divórcio (ou dissolução de união estável).

Trata-se de uma sistemática incoerente e contraditória

Uma vez escolhido o regime da separação convencional de bens, o casal deixa claro que não tem interesse no patrimônio do outro — para além da morte do consorte, inclusive.

Em razão disso, a renúncia antecipada à herança por intermédio de pacto antenupcial ou convivencial tem sido o caminho escolhido por cônjuges ou companheiros cuja união é regulada pela separação convencional de bens — com o objetivo de manter-se incólume o desejo de incomunicabilidade do patrimônio para além do fim da vida.

A ideia (ainda) encontra resistência em parte da doutrina e dos tribunais, porquanto tal renúncia estaria, em tese, indo de encontro ao que dispõe o artigo 426 do Código Civil [1] — o que, para além de limitar a autonomia privada, parece não encontrar sentido.

É que a renúncia antecipada à herança não se revela na chamada “pacta corvina”. Na renúncia, o herdeiro em potencial tão somente abdica de sua posição em momento anterior ao da abertura da sucessão. Trata-se, em verdade, de ato unilateral de não disposição sobre patrimônio de pessoa viva – o cônjuge ou companheiro, de modo antecipado, decide abster-se de participar da sucessão do outro em concorrência com herdeiros necessários. E sendo a manifestação livre e consciente, deve ser respeitada, em verdadeiro prestígio à autonomia da vontade.

Ademais, há um aparente contrassenso quando o artigo 426 dispõe acerca da proibição da herança de pessoa viva ser objeto de contrato — o que não parece ser o caso quando da renúncia antecipada à herança — e o artigo 1.846 que assevera que metade dos bens do indivíduo constitui a chamada legítima.

Ora, se é verdade que a herança de pessoa que viva está não pode ser objeto de contrato, razão não haveria para limitação da disposição da metade do patrimônio do indivíduo que também vivo está. Ressalta-se que o herdeiro legitimado possui o direito de renunciar à herança que lhe caberia, nos termos do que dispõe o parágrafo único, do artigo 1.804, do Código Civil, inclusive.

A renúncia aos direitos sucessórios por intermédio de pacto antenupcial ou convivencial reflete em última análise, a autonomia privada e o princípio da intervenção mínima do Estado nas relações familiares.

O Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos da Apelação Cível n.º 1000348-35.2024.8.26.0236, em acórdão relatado pelo eminente corregedor geral Francisco Loureiro, em outubro de 2024, determinou o registro de um pacto um antenupcial com previsão de renúncia prévia aos direitos sucessórios.

Acerca da não transgressão ao artigo 426 do Código Civil, colhe-se excerto do voto do relator, verbis:

“No caso concreto não há propriamente contrato sobre herança de pessoa viva. A vedação legal a tal pacto (pacta corvina) repousa em duas razões. Primeiro, se houver participação no negócio do titular do patrimônio, que ocasionaria violação ao direito potestativo e permanente de revogação de testamento até o momento da morte. Segundo o estímulo imoral do beneficiário de desejar a morte do disponente. Na renúncia não se dispõe e nem se cria qualquer ônus sobre a herança. Apenas o potencial herdeiro abdica de tal qualidade antes da abertura da sucessão. O único óbice diz respeito ao próprio herdeiro, e não ao titular do patrimônio, qual seja, o de abdicar de avaliar quanto ao melhor momento da renúncia. Ao renunciar à herança, o renunciante abre mão de qualquer benefício que poderia ter com o falecimento do autor da herança. Ao contrário da pacta corvina, a renúncia à herança não deve despertar qualquer desejo de morte do autor da herança quando, do contrário, estaria em acordo com um projeto de vida e de planejamento familiar.”

A decisão do CSM do TJ-SP parece refletir uma tendência acertada de menor intervenção do Estado nas relações existenciais e patrimoniais.

Importante ressaltar que o anteprojeto de reforma do Código Civil, apresentado ao Senado em meados de 2024, deve regular a matéria e afastar qualquer controvérsia. O artigo 426 deverá contar com seis parágrafos com o objetivo de disciplinar as modalidades de negócios jurídicos sucessórios possíveis [2].

Em última análise, quando manifestada de forma livre e consciente, a renúncia antecipada aos direitos sucessórios em relação ao cônjuge ou companheiro é, antes de tudo, afirmar a dignidade da pessoa como titular de própria existência e das suas escolhas.

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[1] Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.

[2] Art. 426 […]

  • 1º Não são considerados contratos tendo por objeto herança de pessoa viva, os negócios:

I – Firmados, em conjunto, entre herdeiros necessários, descendentes, que disponham diretivas sobre colação de bens, excesso inoficioso, partilhas de participações societárias, mesmo estando ainda vivo o ascendente comum;

II – Que permitam aos nubentes ou conviventes, por pacto antenupcial ou convivencial, renunciar à condição de herdeiro.

  • 2º Os nubentes podem, por meio de pacto antenupcial ou por escritura pública pós-nupcial, e os conviventes, por meio de escritura pública de união estável, renunciar reciprocamente à condição de herdeiro do outro cônjuge ou convivente.
  • 3º A renúncia pode ser condicionada, ainda, à sobrevivência ou não de parentes sucessíveis de qualquer classe, bem como de outras pessoas, nos termos do art. 1.829 deste Código, não sendo necessário que a condição seja recíproca.
  • 4º A renúncia não implica perda do direito real de habitação previsto o no art. 1.831 deste Código, salvo expressa previsão dos cônjuges ou conviventes.
  • 5º São nulas quaisquer outras disposições contratuais sucessórias que não as previstas neste código, sejam unilaterais, bilaterais ou plurilaterais.
  • 6º A renúncia será ineficaz se, no momento da morte do cônjuge ou convivente, o falecido não deixar parentes sucessíveis, segundo a ordem de vocação hereditária.

Fonte:https://www.conjur.com.br/2025-jul-28/regime-da-separacao-convencional-de-bens-e-a-renuncia-antecipada-a-heranca/