REFLEXÕES SOBRE A BASE DO ITCMD NA DOAÇÃO DE QUOTAS DE SOCIEDADE LIMITADA
Ruy Fernando Cortes de Campos
Ana Carolina Nicolau Aquino
Neste artigo abordamos as discussões travadas nas esferas administrativa e judicial referentes à base de cálculo do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) no estado de São Paulo, na doação de quotas de sociedade empresária limitada.
Via de regra, a base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem transmitido, assim compreendido o valor de mercado à época do fato jurídico-tributário. Esse é o teor do artigo 9º da Lei nº 10.705/2000:
“Artigo 9 — A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em Ufesps (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo)“.
Contudo, o artigo 14, §3º, da Lei nº 10.705/2000 traz norma específica para a transmissão de quotas de sociedade não cotadas em bolsa de valores ou que não tenham sido objeto de negociação nos últimos 180 dias, adotando como base de cálculo o valor patrimonial das quotas transmitidas.
“Artigo 14, §3º — Nos casos em que a ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital social não for objeto de negociação ou não tiver sido negociado nos últimos 180 dias, admitir-se-á o respectivo valor patrimonial“.
Em que pese o referido dispositivo, é possível que existam dúvidas quanto ao conceito “valor patrimonial”. Nesse contexto, Fábio Ulhoa Coelho [1] ensina que existem dois tipos de valor patrimonial: o contábil, que resulta da divisão do patrimônio líquido da empresa pela quantidade de quotas existentes, e o real, que reflete o preço pelo qual as quotas seriam negociadas no mercado. Não raras vezes, o valor patrimonial contábil diverge do real, posto que as demonstrações contábeis elegem critérios específicos de avaliação e não acompanham oscilações no valor dos bens em tempo real.
Desta feita, recentemente, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo editou a Resposta à Consulta Tributária 24429/2021 com posicionamento no sentido de que o único valor patrimonial capaz de servir de base de cálculo do ITCMD é aquele que mais se aproxima do valor de mercado das quotas.
Sobre o tema, com exceção de alguns acórdãos divergentes, o Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT/SP) acompanha o entendimento das autoridades fazendárias paulistas.
Não podemos deixar de destacar, no entanto, que, em recentíssimo julgado[2], não obstante tenha concluído pela adoção do valor de mercado em detrimento do valor patrimonial, o juiz relator Rogério Hideaki Nomura manifestou opinião pessoal contrária, declarando que:
“De fato, não havendo, no caso, transmissão de bens imóveis, mas sim, de cotas sociais que, via de regra, não possuem valor de mercado preestabelecido, deve-se adotar, para fins de apuração da base de cálculo do ITCMD, o valor patrimonial líquido (contábil) (…) Isto porque, ainda que se pudesse compreender, a princípio, que o ‘bem’ e o ‘direito’ previstos no caput do artigo 14 abrangeria as cotas sociais, é fato também que o §3º contempla expressamente as participações societárias que não foram ou não tiveram sido objeto de negociação nos últimos 180 dias. Daí, logicamente, a preferência da regra específica em detrimento da geral“.
Da mesma forma, Leandro Paulsen [3] ensina que admitir-se-á o valor patrimonial contábil das quotas doadas, calculado pela divisão do valor do patrimônio líquido pelo número de ações, quotas ou participação que compõem o patrimônio da empresa.
Atualmente, a questão se encontra pacificada no Judiciário, que manifesta entendimento favorável aos contribuintes, adotando como base de cálculo o valor patrimonial contábil das quotas transmitidas, tal qual descrito no balanço da empresa. É o que se verifica dos recentes julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) a seguir colacionados:
“RECURSO OFICIAL — MANDADO DE SEGURANÇA — DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO — ITCMD — TRANSMISSÃO DE QUOTAS DE SOCIEDADE LIMITADA — DOAÇÃO — AUTO DE INFRAÇÃO E IMPOSIÇÃO DE MULTA — PRETENSÃO À NULIDADE DO REFERIDO DÉBITO TRIBUTÁRIO — POSSIBILIDADE. 1) A base de cálculo do ITCMD, na transmissão de quotas da sociedade limitada, por meio de doação, na hipótese de não comercialização na bolsa de valores, tal como no caso dos autos, corresponde ao respectivo valor patrimonial contábil. (…). 8) Recurso oficial, desprovido” (TJ-SP; Remessa Necessária Cível 1026739-07.2020.8.26.0482; relator (a): Francisco Bianco; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Foro de Presidente Prudente — Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 27/09/2021; Data de Registro: 1º/10/2021).
“APELAÇÃO CÍVEL — AÇÃO ANULATÓRIA — ITCMD — Doação de quotas sociais — Divergência entre o contribuinte e o fisco paulista a respeito da base de cálculo do ITCMD no caso de doação de quotas de empresa limitada — Artigo 14, Lei Estadual 10.705/00 – Base de cálculo do ITCMD que corresponde ao valor patrimonial, no caso de inexistência de negociação das quotas — Valor patrimonial que é o patrimônio líquido dividido entre a quantidade de quotas representativas do capital social integralizado – Conceito extraído da Lei nº 6.404/76 e estabelecido pelo Banco Central — Sentença reformada — Recurso da autora parcialmente provido” (TJ-SP; Apelação Cível 1018552-78.2018.8.26.0482; relator (a): Maria Laura Tavares; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Foro de Presidente Prudente — Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 21/06/2021; Data de Registro: 23/6/2021).
Como se vê, por mais que o posicionamento da esfera administrativa possa representar um risco de autuação visando à cobrança do ITCMD sobre o valor de mercado das quotas, o Poder Judiciário é firme no sentido contrário, adotando o valor patrimonial contábil como base de cálculo do imposto quando da ocorrência da doação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2 — São Paulo: Saraiva, 1999.
PAULSEN, Leandro. Impostos federais, estaduais e municipais. São Paulo: Editora Saraiva, 2018. 9788553604241. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553604241/. Acesso em: 14 jan. 2022.
[1] Curso de direito comercial, v. 2 – São Paulo: Saraiva, 1999, p. 85-86.
[2] TIT/SP. Recurso de ofício; AIIM 4140481-6; 11ª Câmara Julgadora; Juiz Relator Rogério Hideaki Nomura; 03/12/2021.
[3] Impostos federais, estaduais e municipais. São Paulo: Editora Saraiva, 2018. 9788553604241. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553604241/. Acesso em: 14 jan. 2022. P. 238-239.