REFLEXÕES ACERCA DA (IN)COMUNICABILIDADE DAS QUOTAS DE SOCIEDADES SIMPLES
Darwinn Harnack.
Resumo: Este estudo tem por objetivo promover a análise da divergência a respeito da (in)comunicabilidade dos livros e instrumentos profissionais e, mais especificamente, das quotas de sociedades simples constituídas exclusivamente para o exercício pessoal de profissão artística, científica ou intelectual. Para isso foi relembrada a natureza jurídica das sociedades simples, verificadas as principais características dos regimes de comunhão patrimonial e, por fim, descritas as possíveis consequências geradas a partir de solução que admita a comunicabilidade das quotas de sociedades simples. A preocupação final ficou por conta de contribuir com o debate, fornecendo elementos auxiliares ao exame de casos concretos, visando à obtenção de uma visão equilibrada e justa sobre a matéria.
1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS.
As lides familistas comumente tratam de divergências a respeito da comunicabilidade ou incomunicabilidade de bens e dívidas de titularidade dos cônjuges ou companheiros desavindos.
Apesar das críticas de parcela importante da doutrina (como será visto mais adiante) e da necessidade de se mitigar o rigorismo legal para atingir o ideal de justiça nos casos concretos, fato é que, segundo o ordenamento jurídico vigente, os bens e instrumentos profissionais não se comunicam em quaisquer dos regimes de bens.
Nesse espectro, surge o questionamento a respeito da comunicabilidade ou não das quotas que o companheiro ou cônjuge detém em sociedade simples constituída para o exercício profissional de atividade artística, científica ou intelectual (artigo 966, parágrafo único do Código Civil).
Sem a pretensão de esgotar o tema, tampouco de solucionar a divergência a ele relacionada, passa-se à análise dos elementos componentes da matéria, bem como à descrição da divergência doutrinária e jurisprudencial, assim como das implicações de ordem prática, decorrentes do posicionamento que admite a comunicabilidade desses bens.
2. SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DAS SOCIEDADES SIMPLES.
Como ensina COELHO (2006, p. 09), “a natureza das pessoas jurídicas, sim, é a de uma ideia, cujo sentido é partilhado pelos membros da comunidade jurídica, que a utilizam na composição de interesses”.
Isto é, a pessoa jurídica não existe de fato, é uma ideia, uma abstração reconhecida por convenção, um ser moral criado com a finalidade de gerar laços e facilitar a consecução de objetivos de uma determinada coletividade.
O Código Civil de 2002 inovou ao trazer, como uma das modalidades de pessoa jurídica, a sociedade simples que, segundo o disposto no parágrafo único do artigo 982, difere das sociedades empresárias por não conter o denominado “elemento de empresa”.
Já o “elemento de empresa” refere-se ao exercício organizado de produção ou circulação de bens e serviços, que se destaque (pelo nível de sofisticação, complexidade e impessoalidade) do simples exercício pessoal de profissão científica, artística ou intelectual.
Portanto, para os fins deste articulado, opta-se pelo conceito operacional de que “a sociedade simples serve ao propósito de viabilizar o exercício de profissão intelectual, científica ou artística, sem a presença do elemento de empresa”.
3. DOS REGIMES PATRIMONIAIS DE COMUNHÃO.
O Código Civil prevê dois principais regimes de comunicação patrimonial, notadamente, o da comunhão parcial de bens (artigos 1658 a 1666) e o da comunhão universal de bens (artigos 1667 a 1671).
Diz-se “dois principais” regimes de comunicação patrimonial, pois há também a comunicabilidade dos aquestos prevista no raro regime da participação final nos aquestos, bem como a hipótese da Súmula nº 377 do STF[1] que mantém a celeuma judiciária a respeito da forma de comunicabilidade patrimonial no regime da separação obrigatória de bens (artigo 1641 do Código Civil).
Vale relembrar que os regimes patrimoniais aplicam-se tanto ao casamento, quanto à união estável, preferindo a lei o regime da comunhão parcial de bens, que incide quando os nubentes ou companheiros não fizerem, expressamente, opção diversa.
Feitas essas indispensáveis digressões, prossegue-se com breves considerações a respeito dos regimes da comunhão parcial e universal de bens.
O regime da comunhão parcial de bens admite a partilha dos aquestos, ou seja, dos bens adquiridos onerosamente no curso do casamento ou da relação de união estável, bem como dos demais bens relacionados no artigo 1660 do Código Civil.
Todavia, neste regime de bens, estão excluídos da partilha, os bens descritos nos incisos do artigo 1659, dentre eles, os bens de uso pessoal, livros e instrumentos da profissão, que constituem o foco da pesquisa ora relatada.
Já no regime da comunhão universal de bens, que pode ser instituído apenas por pacto antenupcial (no caso de matrimônio) ou contrato de convivência (no caso de união estável), admite-se a partilha de bens particulares presentes e futuros, bem como dívidas passivas (artigo 1667 do Código Civil), com as exclusões previstas no artigo 1668, dentre elas, novamente, os bens de uso pessoal, livros e instrumentos da profissão.
Destarte, segundo a redação do Código Civil, tanto no regime da comunhão parcial, quanto no regime da comunhão universal, os bens de uso pessoal, livros e instrumentos da profissão não se comunicam entre os cônjuges ou companheiros, ou seja, não podem ser objeto de partilha.
Entretanto, o Direito e mais ainda o Direito das Famílias, sempre viabiliza exceções às regras gerais e positivadas, valorizando a riqueza dos fatos da vida e a necessidade da análise dos casos concretos à luz da sensibilidade dos atores jurídicos.
4. DA INCOMUNICABILIDADE DOS LIVROS E INSTRUMENTOS DA PROFISSÃO.
A crise na sociedade conjugal comumente conduz à dissolução do vínculo pelo divórcio ou pela dissolução da união estável, momento em que a aferição do patrimônio partilhável é providência necessária e adequada.
Como já visto no item precedente, o Código Civil prevê a expressa exclusão dos bens de uso pessoal, livros e instrumentos da profissão, do direito de meação estabelecido pelos regimes da comunhão parcial e da comunhão universal.
A doutrina, no entanto, manifesta preocupação com essa hipótese legal de exclusão e prevê diferentes formas de se evitar injustiças e desequilíbrio patrimonial no momento da partilha de bens.
GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2012, p. 349), defendem o posicionamento de que, comprovado o esforço comum para aquisição patrimonial, ainda que se trate de bem de uso estritamente profissional de um dos cônjuges ou companheiros, poderá haver a sua inclusão na comunhão e, consequentemente, o direito à meação em eventual partilha.
Importa destacar, que tal entendimento impõe a prova do esforço comum dos cônjuges ou companheiros, como condição à partilha desses bens que, a rigor, estariam excluídos da comunhão pela redação da Lei Material Civil.
MADALENO (2013, p. 784), por seu turno, adentra com profundidade no tema para sustentar, apesar do texto legal, a comunicabilidade dos livros e instrumentos da profissão que tenham valor relevante:
A interpretação teleológica desse dispositivo deve ser moderada, pois devem ser apenas considerados como próprios e incomunicáveis os livros e instrumentos mínimos necessários ao exercício da profissão, porquanto a sua avaliação extensiva, inevitavelmente levaria ao abuso, por exemplo, daquele médico proprietário de uma clínica com carros e sofisticados equipamentos, todos eles destinados ao exercício de sua profissão, como o seriam também os grandes escritórios de profissionais liberais, como engenheiros, contadores e advogados, equipados com vastas bibliotecas e computadores, todos fundamentais à atividade profissional de seu titular e daqueles que lhe servem por vínculo de trabalho, diante da infraestrutura atingida com o sucesso e crescimento na carreira.
Diante da celeuma, DIAS (2013, p. 247), também propõe solução moderada ao sustentar que “ainda que cabível atribuir, quando da partilha, tais bens ao cônjuge que deles faz uso profissionalmente, mister que haja compensação com bens outros, sob pena de comprometer-se o equilíbrio na divisão patrimonial.”
Depreende-se, portanto, que apesar da incomunicabilidade dos livros e instrumentos da profissão estar expressamente prevista no Código Civil, existe diferentes posicionamentos a respeito da matéria e, inclusive, do modo de solução para o problema.
A divergência a respeito da comunicabilidade ou não dos livros e instrumentos da profissão pode, ainda, contar com mais um elemento apto a potencializar a controvérsia, qual seja, o de serem ou não consideradas as quotas de sociedades simples, como instrumentos de exercício profissional.
Este é o tema que será objetivamente tratado a seguir.
5. SOBRE A (IN)COMUNICABILIDADE DAS QUOTAS DE SOCIEDADES SIMPLES.
Como já dito acima, a pessoa jurídica é uma ideia, uma abstração reconhecida por convenção, constituída para o fim de facilitar a consecução de objetivos comuns.
No caso das sociedades simples, os objetivos são exclusivamente profissionais, sendo este, muitas das vezes, o modo de exercício das profissões ditas liberais, como a dos engenheiros, médicos, advogados (estes com regulamentação societária específica na Lei 8.906/94), contadores, dentre outros.
Deve-se atentar para a ocorrência de recentes transformações sociais e profissionais, pois se no Século XX a regra geral era a do exercício generalista e solitário das profissões liberais, esta não é mais a realidade do Século XXI.
Atualmente, a necessidade de especialização profissional para melhoria dos níveis de competitividade, a determinação de nichos de atuação e, por que não dizer, a obtenção de vantagens com redução de custos operacionais e fiscais, gerou o interesse na associação de profissionais liberais em sociedades simples, ou seja, sem caráter empresarial.
Neste diapasão, cabe indagar e refletir sobre a comunicabilidade de tais quotas sociais e, consequentemente, o direito e o dever de partilhá-las nos casos de divórcio e dissolução de união estável.
A questão demanda justa reflexão em razão das consequências oriundas de cada posicionamento que possa vir a ser adotado.
O Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já se deparou com discussão dessa natureza, tendo adotado a solução descrita no voto parcialmente transcrito a seguir:
Por fim, verifico que a sentença afastou da comunhão entre os litigantes, a empresa XXXX XXX Ltda. constituída pelo réu na vigência da união estável, com base no art. 1.659, V, do CC/02.
Ao contrário do que sustenta a autora/apelante, está correto o entendimento externado na sentença, no sentido de que tal empresa foi constituída com o único fim de exercício da profissão de médico oftalmologista pelo réu, não só pelo que se extrai do respectivo contrato social (fls. 191/193), onde se vê que o objeto social é a prestação de serviços médicos, mas também porque, conforme salientado na sentença, o endereço da empresa é o mesmo do consultório do requerido. A empresa deve ser considerada como instrumento de profissão do réu, devendo ser mantida sua exclusão da partilha, na forma do art. 1.659, V, do CC/02. (TJRS, 2010)[2].
Mas há também, decisões em sentido contrário, ou seja, determinando a partilha das quotas de sociedade simples, inclusive, oriundas do mesmo tribunal gaúcho, como se observa do julgado exemplificativo que segue abaixo transcrito:
SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA. ALIMENTOS. MULHER. FILHO QUE ATINGIU A MAIORIDADE, MAS ESTUDA E POSSUI PROBLEMAS DE SAÚDE. PARTILHA. EVOLUÇÃO PATRIMONIAL DA EMPRESA DA QUAL O VARÃO É SÓCIO. COTAS DE SOCIEDADE SIMPLES FORMADA POR PROFISSIONAIS LIBERAIS. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. ADEQUAÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA DA GENITORA. 1. Não há qualquer irregularidade processual quando a genitora representava o filho à época da propositura da ação, por ser ele menor, e ele recorre em nome próprio, por ter atingido a maioridade no curso do processo, outorgando mandato às profissionais signatárias do recurso. 2. O poder familiar cessa quando o filho atinge a maioridade civil, mas não desaparece o dever de solidariedade decorrente da relação parental e, necessitando o filho de alimentos para atender as suas necessidades, está o pai obrigado a auxiliá-lo. 3. O encargo alimentar deve ser fixado de forma a atender o sustento da filho, dentro das condições econômicas do genitor. 4. Descabe alterar a verba alimentar fixada na sentença, quando se mostra razoável, atendendo o binômio necessidade-possibilidade. 5. Estando os litigantes vinculados ainda pelos laços conjugais, existe o dever de mútua assistência, que se materializa no encargo alimentar, quando existe a necessidade. 6. Se o varão sempre foi o provedor da família e a mulher não trabalha, é cabível a fixação de alimentos. 6. Considerando que se trata de mulher jovem e com excelente formação profissional, razoável o valor dos alimentos fixados, devendo apenas o prazo ser prorrogado para 36 meses, a fim de que ela possa conseguir inserção do mercado de trabalho e obter meios para prover o próprio sustento. 7. Ainda que a empresa da qual o varão é sócio tenha sido constituída antes do casamento, o crescimento patrimonial verificado na constância do matrimônio deverá ser alvo de partilha, o que deverá ser apurado em liquidação de sentença. 8. Devem ser partilhadas as cotas da sociedade simples da qual o réu faz parte, pois foi constituída na constância do casamento e apesar de seu objeto estar ligado à atividade profissional do varão, com certeza recurso ou patrimônio do casal foi empregado na sociedade. 9. Em decorrência do parcial provimento do recurso, ficam invertidos os ônus de sucumbência estabelecidos na sentença. Recurso parcialmente provido. (TJRS, 2012).
Percebe-se que o argumento que ancora o posicionamento autorizador da partilha dessa espécie de quotas sociais, tanto a partir da fonte doutrinária, como da fonte jurisprudencial, é o de que houve presumido investimento comum para a constituição ou aquisição das participações societárias, o que, em outras palavras, acaba por considerar as quotas de sociedades simples como aquestos ordinários, não sujeitos, portanto, às possíveis exceções de partilha legalmente estabelecidas.
Porém, não se pode esquecer que a lei, ao prever as hipóteses excludentes de comunhão, o fez diante de um sistema já estruturado a partir da presunção de esforço comum para aquisição patrimonial. Entretanto, mesmo diante dessa presunção, houve objetivo expresso de excluir alguns bens da regra geral de comunicabilidade, dentre eles os livros e instrumentos profissionais.
Voltando às decisões anteriormente transcritas, é partindo dessa divergência que surgem questionamentos importantes a serem enfrentados como, por exemplo, se devem as quotas de sociedades simples ser consideradas como instrumentos de exercício profissional? Se a divisão de tais quotas não implica a partilha do consultório médico ou do escritório de advocacia, por exemplo? E como ficam os resultados (frutos) das quotas sociais? Também serão partilhados estes resultados até que se liquide a participação societária? Tal posicionamento não implica a admissão de partilha de proventos profissionais auferidos após a separação de fato do casal? Não há risco de se criar uma obrigação vitalícia de distribuição de resultados, convertida em verdadeira pensão?
Estas indagações, salvo melhor juízo, não admitem respostas prontas e definitivas, mas podem auxiliar na tomada de posição diante da matéria ora examinada, como será demonstrado a seguir.
6. OS POSSÍVEIS REFLEXOS DA ADMISSÃO DE COMUNICABILIDADE DAS QUOTAS DE SOCIEDADES SIMPLES.
Antes de se eleger um posicionamento favorável ou contrário à comunicabilidade das quotas de sociedades simples, é importante compreender como se opera a partilha de quotas sociais no divórcio e na dissolução de união estável, e ainda, as implicações desse procedimento de partilha à luz da legislação civilista vigente.
Em primeiro lugar, cumpre destacar que o cônjuge ou companheiro, via de regra, não passará a ser sócio por ocasião da partilha de bens, ou seja, não receberá metade do número de quotas sociais para o fim de ingressar na sociedade mediante alteração do contrato social.
E muito dificilmente ingressará na sociedade por diversos e relevantes motivos, a saber: a) ausência de affectio societatis; b) vedações contratuais comumente estabelecidas nos atos constitutivos das sociedades; c) porque as sociedades simples de categorias profissionais exigem que os sócios tenham registro nos órgãos de classe, tais como na Ordem dos Advogados do Brasil no caso dos advogados, no Conselho Regional de Medicina no caso dos médicos, no Conselho Regional de Odontologia no caso dos odontólogos, e assim por diante.
Diante disso, em atenção ao disposto no artigo 1027 do Código Civil, parcela relevante da doutrina e da jurisprudência (a seguir discriminada) reconhece que o ex-cônjuge ou ex-companheiro, passa a ter uma espécie de “subpartição societária” ou subsociedade com o titular das quotas sociais, fazendo jus, por isso, à percepção dos resultados (lucros e dividendos) gerados pelas quotas, bem como a meação do valor percebido em caso de liquidação da participação societária, seja por dissolução da sociedade, seja por exercício do direito de recesso do titular.
Nesse sentido é o ensinamento de MADALENO (2007, p. 100): Como é vedada a cessão ou a partilha das quotas sem a alteração do contrato e sem o consentimento dos demais sócios, o ex-cônjuge ou ex-companheiro não poderá ingressar como sócio da empresa, mas não deixará de ser sócio do sócio, um subsócio, condômino de quotas com o ex-cônjuge..
Este é o posicionamento adotado pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina para os casos de dissolução matrimonial com partilha de quotas em sociedades empresárias, como segue.
APELAÇÃO CÍVEL DA AUTORA. AÇÃO DE SEPARAÇÃO LITIGIOSA. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRETENDIDA REALIZAÇÃO DE PERÍCIA SOBRE OS BENS DO CASAL BEM COMO DAS COTAS DA EMPRESAS EM NOME DO CÔNJUGE A SEREM PARTILHADAS. PARTES QUE CONCORDAM COM OS BENS E DÍVIDAS ELENCADOS NO PROCESSO. SENTENÇA QUE DISTRIBUI IGUALITARIAMENTE O PATRIMÔNIO. VALOR A SER APURADO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. REJEIÇÃO.
Diante da inexistência de divergência em torno dos bens e dívidas apresentados pelas partes, assim como do valor das quotas da empresa, não é necessária a avaliação do patrimônio nesta fase processual, uma vez que a partilha foi decidida na proporção de 50{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (cinquenta por cento) para cada um, devendo ser apurada em posterior liquidação de sentença.
PARTILHA. COTAS EMPRESARIAIS. PEDIDO DE INCLUSÃO NA SOCIEDADE DAS EMPRESAS NAS QUAIS O RÉU POSSUI COTAS. IMPOSSIBILIDADE. FORMAÇÃO DE UMA SUB-SOCIEDADE ENTRE A AUTORA E O RÉU.
“A transferência de cotas de sociedade de responsabilidade limitada por força de partilha em divórcio importa tradição por meio de sucessão, não fazendo da adquirente sócia da empresa. Forma-se entre ela e o sócio nova sociedade, a qual é considerada res inter alios acta, quer em relação aos demais sócios, quer aos credores sociais por obrigações já existentes ou futuras” (RT – 624/91-92) (AC n. 50.880, Rel. Des. Carlos Prudêncio, DJ de 9-6-1998).
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRETENDIDA MAJORAÇÃO. POSSIBILIDADE. EXEGESE DOS §§ 3º E 4º DO ART. 20 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO ACOLHIDO NESTA PARTE. (TJSC, 2012).
No mesmo sentido:
RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. CONVIVÊNCIA ENTRE OS MESES DE ABRIL DE 2004 E OUTUBRO DE 2007. PARTILHA DOS BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE NESSE PERÍODO. AUSÊNCIA DE CONTRATO ESCRITO ENTRE AS PARTES (ART. 1725 DO CC). INCIDÊNCIA DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. DETERMINAÇÃO DE PAGAMENTO DAS COTAS SOCIAIS DE EMPRESA CONSTITUÍDA DURANTE O RELACIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE, SOB PENA DE ANTECIPAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO DA EMPRESA. EX-COMPANHEIRA QUE FAZ JUS À DIVISÃO PERIÓDICA DOS LUCROS. INTELIGÊNCIA DO ART. 1027 DO CÓDIGO CIVIL. DECISÃO REFORMADA NO PONTO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, 2014).
Denota-se que não há, nesta hipótese (de partilha de quotas sociais), ingresso do ex-cônjuge ou ex-companheiro(a) na sociedade, mas apenas o direito à partilha dos lucros gerados pelas quotas.
A verdade é que os demais sócios (terceiros em relação ao casal) não sofrerão os efeitos do divórcio ou da dissolução, mas apenas o titular das quotas sociais em razão da nova subsociedade (res inter alios acta) que passará a manter com o seu ex-cônjuge ou ex-companheiro.
Porém, esta fórmula de criação de subsociedade, que pode funcionar bem para a partilha de quotas de sociedades empresárias, não se mostra adequada, salvo melhor juízo, para a divisão de quotas de sociedades simples.
A razão é simples, pois se na sociedade empresária são partilhados lucros decorrentes de atividade industrial ou comercial, nas sociedades simples, os resultados constituem apenas e tão somente a própria remuneração dos sócios pelos serviços pessoalmente prestados, detendo evidente caráter alimentar.
Assim sendo, ao admitir-se a partilha de quotas de sociedades simples em divórcio ou dissolução de união estável, com a subpartição societária decorrente (com o cônjuge não titular das quotas), estar-se-á provocando uma divisão forçada de todos os proventos laborais percebidos mesmo após a separação de fato do casal, o que é inadmissível.
E não é admissível, em primeiro lugar, porque existe a exclusão expressa dos proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge (artigos 1659, VI e 1668, V do Código Civil) do regime de comunhão patrimonial.
Em segundo lugar, deve-se atentar ao postulado da eticidade que orienta o Código Civil e que aqui aponta para a ilicitude moral de obrigar-se o cônjuge titular das quotas sociais, por vias transversas, a dividir sua remuneração ao meio com ex-cônjuge que pode não fazer jus (como é a regra hodiernamente) à percepção de verba alimentar, muito menos à razão de cinquenta por cento.
Sim, pois como já mencionado anteriormente, os rendimentos das quotas de sociedade simples constituem a remuneração pelos serviços prestados por cada sócio, ou seja, trata-se de verdadeira verba alimentar que, sendo partilhada com ex-cônjuge, converte-se em pensão alimentícia (muitas vezes indevida na sua roupagem natural).
Não se desconhece o entendimento que reconhece a legitimidade do ex-cônjuge pleitear, através de ação própria, a apuração de haveres e o pagamento do valor correspondente à meação dessa participação societária partilhada.
Esse posicionamento foi lembrado por MAMEDE e COTTA MAMEDE (2012, p. 102):
Se o ex-cônjuge, o ex-convivente, a meeira ou, até, o(s) herdeiro(s) não forem aceitos pelos demais sócios, a solução será a resolução do contrato social em relação àquela(a) cota(s), isto é, a dissolução parcial da sociedade, se o(s) outro(s) sócio(s) não decidir(em), como é sua faculdade, pela dissolução plena da pessoa jurídica. Como se estudará na sequência, essa resolução se faz por meio de procedimento específico, a incluir apuração de haveres e, enfim, a partilha do patrimônio societário.
Mas o entendimento majoritário é no sentido de que não cabe ao ex-cônjuge ou ex-companheiro, pleitear resolução parcial, por não figurar na condição de sócio e não poder influir nas regras contratualmente estabelecidas.
Desta forma, cabe ao ex-cônjuge perceber os rendimentos das quotas como previsto no artigo 1027 do Código Civil, devendo aguardar a futura liquidação da participação societária nas hipóteses previstas nos artigos 1028 e 1029 do mesmo diploma legal.
Todavia, é importante grifar que o pedido de apuração e pagamento dos haveres por dissolução parcial, constitui mera faculdade, ou seja, tal pleito pode não ser conveniente ao cônjuge sócio (que seria alijado da sociedade que garante sua subsistência), tampouco ao ex-cônjuge não sócio, porque grande parte das vezes esse tipo de sociedade não tem patrimônio físico relevante.
Aliás, é um tanto comum que os profissionais associados não detenham sequer uma sede própria, tampouco equipamentos de grande valor em sua atividade, resultando em valor meramente contábil atribuído às quotas para formalização do contrato social.
Na realidade, o patrimônio mais relevante de uma sociedade de profissionais prestadores de serviços é, justamente, a expertise, a formação e conhecimentos intelectuais ou as habilidades manuais necessárias ao desenvolvimento da atividade fim da sociedade. Mas esses elementos, salvo melhor juízo, não podem ser aferidos e avaliados com precisão adequada em um balanço contábil especialmente levantado, como exige a legislação aplicável à dissolução societária.
Destarte, não sendo conveniente a apuração de seus haveres, pode o ex-cônjuge, não titular das quotas, em tese, permanecer indefinidamente inerte recebendo a metade dos rendimentos das quotas partilhadas, ou, diga-se mais claramente, da remuneração percebida pelo ex-cônjuge sócio (como lhe assegura o artigo 1027 do Código Civil e o posicionamento jurisprudencial acima referido).
Por essas razões, em se tratando de sociedade simples constituída como mero agrupamento de profissionais para o exercício de sua atividade, sem patrimônio relevante e sem a presença do elemento de empresa, não parece razoável decidir-se pela comunicabilidade das quotas sociais.
Mais uma vez, mostra-se importante a análise sensível de cada caso concreto, para verificar se está se tratando da possível partilha de quotas de uma sociedade simples na real acepção do termo, ou de uma sociedade empresária, ou ainda, de uma sociedade empresária travestida de simples.
Em se tratando de sociedade empresária (ou de sociedade simples travestida de empresária), nada mais justo do que empreender a partilha das quotas sociais (e dos seus resultados) a depender da época de sua constituição e do regime patrimonial aplicável. Entretanto, a solução não pode ser genérica, pois em se tratando de sociedade simples devem ser excluídas as quotas sociais da comunhão, por constituírem sim, instrumentos de exercício profissional.
Espera-se, por fim, que as reflexões descritas neste arrazoado tenham possibilitado um vislumbre acerca do possível desequilíbrio e injustiça que podem ser gerados pela comunicabilidade e partilha de quotas de sociedades simples, especialmente em razão da consequência indireta da divisão, por prazo indeterminado, dos resultados dessas participações com o ex-cônjuge não sócio.
7. REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS.
BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. v. 2 Saraiva: São Paulo, 2006.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil. 2 ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.
MADALENO, Rolf. Repensando o Direito de Família. Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2007.
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família.5 ed. ver. atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
MAMEDE, Gladston. MAMEDE, Eduarda Cotta. Divórcio, dissolução e fraude na partilha de bens. 3 ed. Atlas: São Paulo, 2012.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Súmula 377. Decisão 03/04/1964 – DJ de 8/5/1964, p. 1237; DJ de 11/5/1964, p. 1253; DJ de 12/5/1964, p. 1277.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL (TJRS). Apelação Cível nº 70031537459, Relator: André Luiz Planella Villarinho. Data de Julgamento: 14.04.2010.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL (TJRS). Apelação Cível nº 700510526986, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. Data de Julgamento: 12.12.2012.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA (TJSC). Apelação Cível nº 2011.033633-2, Relator: Carlos Prudêncio. Data de Julgamento: 22.05.2012.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA (TJSC). Apelação Cível nº 2013.070898-6, Relator: Ronei Danielli. Data de Julgamento: 11.03.2014.
[1] Súmula nº 377. No regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.
[2] Foi omitido o nome da sociedade envolvida no litígio, que consta expressamente na decisão disponibilizada.