REFLEXÃO ACERCA DA SOBREPARTILHA À LUZ DA CELERIDADE PROCESSUAL
Renan Palhares Torreão Braz
A exigência de sobrepartilha de direitos e créditos discutidos em juízo onera o trâmite processual da ação, notadamente para o caso de demandas coletivas ou litisconsórcios numerosos, bem como desnatura os princípios da celeridade processual e da instrumentalidade das formas.
A exigência de sobrepartilha de direitos e créditos discutidos em juízo onera o trâmite processual da ação, notadamente para o caso de demandas coletivas ou litisconsórcios numerosos, bem como desnatura os princípios da celeridade processual e da instrumentalidade das formas.
O óbito de pessoa detentora de direitos não personalíssimos e/ou patrimoniais inaugura uma série de procedimentos obrigatórios, a exemplo da reunião de seus débitos e créditos para apuração de obrigações e direitos pendentes e posterior alocação entre seus herdeiros, o que é feito pela partilha de bens, via judicial ou extrajudicial (Capítulo VI, Seção VIII, art. 647 e ss., NCPC/2015; Capítulo IX, art. 982 e ss., CPC/1973).
Nessa oportunidade, são assegurados os interesses dos credores do falecido, dos herdeiros do de cujus, bem como da Fazenda Pública Estadual ou Distrital, competentes para instituição do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, ITCMD.
Projeta-se, aqui, a hipótese de existência de direitos e créditos discutidos em juízo, porém não contemplados por partilha concluída.
Numa primeira leitura, o art. 669, NCPC/2015[1] (art. 1.040, II e III, do CPC/1973) sugere submissão à sobrepartilha dos bens desconhecidos à época da partilha ou aqueles litigiosos, bem como de liquidação difícil ou morosa. Nessa linha entendeu o STJ recentemente (AgRg no REsp 1552356/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/11/2015, DJe 01/12/2015).
Tal interpretação obstaria a habilitação do espólio ou dos herdeiros do falecido, já que condiciona a perseguição do crédito à tramitação de novo procedimento na vara sucessória competente, se eleita a via judicial para partilha, ou novo procedimento extrajudicial, agora de sobrepartilha.
Para os casos em que o feito executivo ainda está em tramitação, ou seja, nos quais ainda não há homologação final do crédito a ser pago e, logo, a ser partilhado – que pode tanto se aproximar do valor executado pelo Exequente quanto do valor defendido em Impugnação ao Cumprimento de Sentença apresentada pelo Executado –, não há sequer como se determinar a base de cálculo para incidência do tributo imponível quando da realização da sobrepartilha.
Por conseguinte, a matéria merece olhar mais profundo, já que os próprios art. 313, I, § 1º, e art. 689, do NCPC/2015[2] (art. 265, I, § 1º, e art. 1.060, I, do CPC/1973) determinam suspensão do processo pela morte de quaisquer das partes, até a posterior regularização da representação processual.
Imagine-se, nesse ponto, a gravidade de tal circunstância quando envolvidas demandas coletivas ou propostas em litisconsórcios numerosos. De fato, além de visar ao interesse patrimonial dos sucessores, “a habilitação dos herdeiros tem o sentido de garantir a continuidade do processo” (AgRg no ExeMS 115/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/04/2015, DJe 15/04/2015).
É de ver que o óbito da parte processual avoca a habilitação de seu espólio ou sucessores (art. 110, NCPC/2015[3]; art. 43, CPC/1973), que, por sua vez, seria deferida tão somente após realização da sobrepartilha do crédito por intermédio do juízo sucessório, caso esse direito não tenha sido incluído na partilha já concluída.
No tocante à conveniência da habilitação, esclareça-se que “o fato de se admitir a habilitação de herdeiros não decorre que tais herdeiros possam, desde logo, levantar valores nos autos, tendo em vista que, para tanto, é imprescindível a apresentação da certidão de inventariança ou do formal e da certidão de partilha, nos termos do art. 1.027 do Código de Processo Civil, ou da escritura pública de inventário e partilha, prevista na Lei n. 11.441/2007” (AgRg no ExeMS 115/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/04/2015, DJe 15/04/2015).
A dispensa de sobrepartilha se revela profícua ao bom andamento processual, como já visto no âmbito do TRF1 (Agravo de Instrumento N. 0075058-24.2012.4.01.0000/MT), bem assim do TRF4, uma vez observado que “a partilha e inventário são dispensáveis, desde que haja habilitação de todos os herdeiros do falecido. (…) Dispensa da realização da sobrepartilha, que se caracteriza como forma de partilha, a qual sobrevém à primeira divisão, ocorrendo quando há necessidade de se aquinhoar os bens advindos após o inventário/partilha já ter sido feito” (TRF4, AG 5015710-69.2013.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Fábio Vitório Mattiello, juntado aos autos em 21/02/2014).
Com efeito, a norma processual, antes de representar mera formalidade, deve servir a uma finalidade. A desnecessidade de se resguardar eventuais interesses divergentes sugere não persistir motivo para submissão do bem ou direito ao rigor da sobrepartilha. Para tanto, basta habilitar todos os herdeiros do falecido – o que se comprova pelo formal de partilha anterior ou pelo documento cartorário extrajudicial –, cada qual a ser beneficiado com parcela equânime do crédito.
Mesmo que aceita a hipótese de sobrepartilha do crédito previamente ao recebimento de valores, o momento da divisão só poderia ocorrer quando em vias do depósito, após já habilitado(s) o espólio ou herdeiros, dado que aí então haveria uma quantia certa para base de cálculo do tributo a ser pago. Assim se decidiu nos autos do Cumprimento de Sentença n. 5896-53.2014.4.01.3400, em trâmite na 20ª Vara Federal da Seção Judiciária no Distrito Federal.
Ainda que se diga que a sobrepartilha teria o intuito maior de assegurar os interesses do fisco estadual e distrital, cabe salientar que o juízo poderá demandar exigências específicas voltadas à satisfação tributária, sem que a sobrepartilha seja utilizada como instrumento para compelir o contribuinte ao pagamento antecipado e imediato do tributo.
Resgate-se, aqui, a finalidade da sobrepartilha, qual seja, permitir que a partilha dos bens líquidos não seja retardada por aquela feita sobre os bens ilíquidos, que se repartirão à medida que forem se liquidando[4]. Seria um contrassenso admitir que a sobrepartilha confira celeridade a um procedimento e, em segundo momento, dificulte o trâmite de outro, possivelmente mais delicado, a exemplo de quando o bem remanescente se insere em demanda coletiva ou em litisconsórcio numeroso, como dito.
Não é demais recordar que a duração razoável do processo é desiderato posto pela própria Constituição da República/88, por meio de seu art. 5º, LXXVIII, de forma que os princípios da economia processual e da celeridade merecem homenagem, em especial, a partir da releitura do tema aqui proposto.
Alinhando-se a matéria aos esforços legislativos modernos, entende-se que o processo deve buscar homenagem, tanto quanto possível, aos princípios da celeridade processual e instrumentalidade das formas, o que se projeta para a dispensa da sobrepartilha na hipótese de bem discutido em juízo, caso exista partilha já finda.
Da mesma forma, não é plausível que a sobrepartilha seja convolada em instrumento de garantia do pagamento de tributos. A habilitação do espólio ou herdeiros nos autos, independentemente de prévia sobrepartilha, não só é legal, como necessária ao desate – célere – da lide.
[1] Art. 669/NCPC2015. São sujeitos à sobrepartilha os bens: I – sonegados; II – da herança descobertos após a partilha; III – litigiosos, assim como os de liquidação difícil ou morosa; IV – situados em lugar remoto da sede do juízo onde se processa o inventário.
Art. 689. Proceder-se-á à habilitação nos autos do processo principal, na instância em que estiver, suspendendo-se, a partir de então, o processo.
[2] Art. 313/NCPC/2015. Suspende-se o processo: I – pela morte ou pela perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu representante legal ou de seu procurador; § 1o Na hipótese do inciso I, o juiz suspenderá o processo, nos termos do art. 689.
[3] Art. 110. Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a sucessão pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 313, §§ 1º e 2º.
[4] CATEB, Salomão de Araujo. Direito das Sucessões. 4. ed. – São Paulo: Atlas, 2007, p. 293.