A RECUSA DAS PARTES À AUDIÊNCIA PRELIMINAR NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO ANTE O DEVER FUNDAMENTAL DE COOPERAÇÃO COM A JUSTIÇA
Rodrigo Costa Buarque
Adriano Sant’Ana Pedra
SUMÁRIO: Introdução. 1 O Dever Fundamental de Cooperação com a Justiça. 2 A Audiência Preliminar de Conciliação ou de Mediação; 2.1 A Possibilidade de Não Realização por Manifestação das Partes; 2.2 A Necessidade de Motivar o Desinteresse na Audiência Preliminar ante o Dever Fundamental de Cooperação com a Justiça. Considerações Finais. Referências.
Introdução
O art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal de 1988 dispõe que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação“. Igualmente relevante é o inciso LV do mencionado artigo constitucional, ao tratar dos direitos e dos deveres individuais e coletivos, pois consagra os princípios da ampla defesa e do contraditório, que reforçam a necessidade de se prestar a jurisdição com efetividade, a demandar das partes atuação compatível com a busca da solução célere da lide.
Nessa seara, o novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015, em seu art. 6º, vinculou os sujeitos do processo ao dever de cooperarem entre si, correlato ao direito de obter, em tempo razoável, uma decisão de mérito justa e efetiva. Neste sentido, dispôs que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva“.
É imperativo, pois, que a prestação jurisdicional seja adequada, efetiva, eficiente, célere e democraticamente acessível a todos, com a garantia de segurança jurídica. A novel previsão da Lei nº 13.105/2015 reverbera o entendimento de que, para se alcançar estes objetivos, há a necessidade de observância de deveres pelos sujeitos do processo. Assim, ao dever do Estado de prestar uma jurisdição justa, adequada, célere e eficaz atrela-se o dever das partes de cooperarem entre si com o mesmo objetivo.
Dentre os deveres de cooperação das partes que são enaltecidos pelo novo CPC estão, por exemplo, o dever de comparecerem à audiência preliminar com vistas à composição (art. 334); o dever de prestarem depoimento pessoal sem obscuridades ou evasivas (arts. 385 e 386), sob pena de confissão; o dever de exibirem documentos (arts. 396 a 399); o dever de cooperarem para o saneamento do feito (art. 357, § 3º); todos eles, como dito, voltados à obtenção de uma decisão justa e efetiva.
Nesse contexto, busca-se analisar a amplitude desse preceito processual, inclusive quanto à sua compatibilidade constitucional, como forma de se alcançar a pacificação social, com justiça, por meio da célere prestação jurisdicional e da necessária segurança jurídica a se esperar das decisões judiciais.
Analisa-se, então, a cooperação dos sujeitos do processo sob a ótica dos deveres fundamentais das pessoas, situados no Título II, Capítulo I, da CRFB/88, no mesmo patamar de previsão de direitos fundamentais individuais e coletivos, muito embora, de certo modo, sejam esquecidos quando em comparação a estes últimos.
O recorte e a problemática deste estudo visam discorrer a respeito da audiência de conciliação ou de mediação, denominada de audiência preliminar, prevista no art. 334 do novo Código de Processo Civil, especialmente no tocante à previsão de que as partes podem manifestar desinteresse na realização da referida audiência, sem estipular se haveria a necessidade de motivação desta recusa.
Busca-se analisar se as partes, no contexto do dever de cooperação processual, necessitam motivar o desinteresse na realização da audiência preliminar, ainda que não haja previsão expressa na norma processual, ou se a indicação do motivo seria despicienda.
1 O Dever Fundamental de Cooperação com a Justiça
A análise lançada neste trabalho tem estreita correlação ao estudo dos deveres fundamentais das pessoas, tema este olvidado pela doutrina constitucional contemporânea. Embora estejam imbricados aos direitos fundamentais, ao exigirem posturas ativas dos sujeitos, os deveres, por sua vez, por estarem fundamentados na solidariedade, vinculam-se a toda a sociedade, e não apenas ao Estado [1].
Na esteira do pensamento de José Casalta Nabais, importante teórico do tema, os deveres fundamentais consistem em
“(…) uma categoria jurídica constitucional própria. Uma categoria que, apesar disso, integra o domínio ou a matéria dos direitos fundamentais, na medida em que este domínio ou esta matéria polariza todo o estatuto (activo e passivo, os direitos e os deveres) do indivíduo. Indivíduo que não pode deixar de ser entendido como um ser simultaneamente livre e responsável, ou seja, como uma pessoa. Uma ideia que bem precisa ser reforçada na época actual, em que a afirmação do individualismo possessivo, apresentado, aliás, como um dos apports da pós-modernidade, é cada vez mais omnipresente.” [2]
O interesse pela abordagem deve-se ao estudo sobre deveres fundamentais levados a efeito pelo Grupo de Pesquisa “Estado, Democracia Constitucional e Direitos Fundamentais”, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória, que, sem a pretensão de esgotar o estudo do tema e, muito menos, de alcançar uma conceituação pronta e acabada, extraiu um conceito, transcrito abaixo:
“Dever fundamental é uma categoria jurídico-constitucional, fundada na solidariedade, que impõe condutas proporcionais àqueles submetidos a uma determinada ordem democrática, passíveis ou não de sanção, com a finalidade de promoção de direitos fundamentais.” [3]
No atual contexto de Estado Democrático de Direito, faz-se necessário valorizar a participação social, visando à obtenção de uma solução racionalmente justificada aos difíceis casos decorrentes do conflito social. No campo processual esta visão implica na necessidade de cooperação, a ser exigida dos sujeitos processuais [4].
Ao se entender o dever de cooperação com a justiça como um dever fundamental das partes [5], visando alcançar uma decisão justa que proporcione segurança jurídica, analisa-se este dever especialmente em razão da edição do novo Código de Processo Civil brasileiro, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – em vigor desde 18 de março de 2016 -, que trouxe previsão, logo no seu art. 6º, no sentido de que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva“.
A importância da previsão expressa a respeito da cooperação entre os sujeitos do processo se mostra condizente com o princípio processual da boa-fé [6], que também é consubstanciado em dever dos sujeitos processuais, tanto que, de acordo com o novo CPC, a boa-fé é parâmetro para a interpretação dos pedidos e da própria decisão judicial (arts. 322, § 2º, e 489, § 3º).
Nesse contexto de cooperação, o dever das partes objetiva tornar possível o regular andamento processual, na busca pela apreciação de mérito definitiva, no contexto de cognição exauriente com alcance de pacificação social com justiça. Tal dever, portanto, tem o escopo de obter uma decisão que se coadune com os princípios da segurança jurídica, da celeridade [7], e da justeza, sempre em busca do esclarecimento da verdade [8].
A cooperação processual, como corolário do dever fundamental de cooperação com a justiça, também se encontra expressamente prevista no ordenamento constitucional de outros países, a exemplo do art. 118 da Constituição espanhola, que prevê que “es obligado cumplir las sentencias y demás resoluciones firmes de los Jueces y Tribunales, así como prestar la colaboración requerida por éstos en el curso del proceso y en la ejecución de lo resuelto” [9].
O dever de cooperação processual tem fulcro em feições dos princípios do contraditório [10], da boa-fé, que deve imperar nas relações processuais, e do amplo acesso do cidadão à justiça. Neste sentido:
“Os princípios do devido processo legal, da boa-fé processual e do contraditório, juntos, servem de base para o surgimento de outro princípio do processo: o princípio da cooperação. O princípio da cooperação define o modo como o processo civil deve estruturar-se no direito brasileiro.” [11]
Trata-se de importante dever, também presente em ordenamentos jurídicos estrangeiros [12], como se viu da Constituição espanhola, que contribui sobremaneira para a prestação jurisdicional célere, efetiva e que atinge o escopo de pacificação social com mais intensidade do que aquela decisão judicial advinda do exclusivo entendimento do julgador, sem cooperação das partes. Dignas de nota, neste aspecto, são as palavras de Antônio Cláudio da Costa Machado, para quem:
“O dever de colaborar com o Poder Judiciário, esculpido nessa norma jurídica, corresponde a verdadeiro dever cívico, assim como o são o serviço militar e o serviço prestado como jurado. Ninguém pode eximir-se de tal colaboração, porque a função jurisdicional é função estatal para a realização da justiça e para o reequilíbrio das relações jurídicas, importando, assim, à própria sobrevivência da sociedade.” [13]
O dever de cooperação cristaliza obrigações “dos sujeitos processuais de cooperarem entre si e com o juízo para que o processo se desenvolva sem intercorrências procrastinatórias, ou seja, de atuarem de forma leal e sob estrita observância das regras processuais de conduta” [14], obrigações que contribuem para o preceito constitucional da razoável duração do processo.
“Os princípios da cooperação e da boa-fé processual são fatores importantes no tratamento de conflitos judiciais, pois a sua observação permite resultados construtivos/positivos. Somente a confiança e o respeito a tais princípios permitem uma relação dialógica facilitadora e positiva. Quando os litigantes não acreditam na boa-fé que envolve uns e outros, quando a presunção é de má-fé processual, torna-se difícil, quase impossível, que exista colaboração/cooperação processual para fins de construir uma resposta positiva, adequada e célere ao litígio.” [15]
Entende-se, em contraponto à abalizada doutrina [16], que o dever de cooperação não seria incompatível com a Constituição, existindo, inclusive, deveres das partes entre si, além dos deveres do juiz para com as partes e destas para com o julgador, tendo em vista a previsão do dever fundamental de colaborar com a justiça, implícito na Constituição brasileira, ademais da previsão expressa do art. 6º do novo CPC, bem como a previsão no Código Processual português, que serviu de inspiração ao Código brasileiro [17].
O dever de cooperação processual busca a contribuição das partes para um processo mais célere, efetivo, menos custoso e que alcance a pacificação social, sem significar, por evidente, que as partes devam andar de mãos dadas rumo a um “arco-íris processual” [18], mas que se comportem com a boa-fé processual esperada.
2 A Audiência Preliminar de Conciliação ou de Mediação
O novo Código de Processo Civil brasileiro trouxe, no art. 334, a obrigação de o juiz designar uma “audiência de conciliação ou mediação“, doutrinariamente conhecida como audiência preliminar, quando a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não se tratar de hipótese de improcedência liminar do pedido.
Trata-se de importante inovação processual, também prevista e influenciada pelo ordenamento jurídico de outros países, a exemplo da “audiência prévia” prevista no artigo 591.º do novo Código de Processo Civil de Portugal [19].
Em virtude do novo regramento processual, e ao contrário do que ocorria sob a égide do código anterior, o réu, em regra, será citado para comparecer à audiência preliminar, e não para apresentar respostas às formulações da inicial. Busca-se, com tal previsão, que as partes consensualmente cooperem para solucionar o litígio, a favorecer a pacificação social do conflito, que não será resolvido por imposição do julgador, além de enaltecer o princípio constitucional da duração razoável do processo e contribuir para a diminuição dos custos do Judiciário.
2.1 A Possibilidade de Não Realização por Manifestação das Partes
Embora seja nobre o objetivo da inovação legislativa, o seu sucesso dependerá, e muito, da cooperação dos sujeitos processuais. Assim, às partes caberá, sem descuidar da boa-fé, comparecer à audiência munidas do espírito colaborativo, na tentativa de se alcançar uma solução para o caso que albergue seus interesses, ainda que mediante cessão de parcela dos seus direitos.
Além disso, o novo Código Processual, em seu art. 334, § 1º, vincula a necessidade de atuação do mediador ou do conciliador para se prevenir que a audiência se transforme em etapa processual desnecessária, na qual as partes sequer dialogam e apenas se registra em ata o “não” como resposta à singela pergunta sobre a existência de alguma proposta conciliatória.
No art. 334, § 8º, o novo Código também prevê que a ausência injustificada do autor ou do réu à audiência prévia de conciliação será considerada ato atentatório à dignidade da justiça, sancionado com multa de até 2{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado, a depender da competência para o julgamento da causa (art. 334, § 8º).
Como forma de auxiliar, orientar e estimular a autocomposição, o novo CPC previu a criação, pelos Tribunais, de “centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação” (art. 165), o que certamente deverá ser alvo de avaliação periódica pelo Conselho Nacional de Justiça, a quem a Lei nº 13.105/2015 incumbiu a missão de promover, periodicamente, estatísticas para se avaliar a efetividade das suas normas (art. 1.069).
Desta feita, a participação das partes e do conciliador na busca pela solução célere, efetiva e pacífica do conflito aparenta ser o escopo do Código, que estipula a possibilidade de haver mais de uma sessão de conciliação e mediação, desde que necessárias à composição dos litigantes [20]. Certamente, o resultado, se alcançado, será mais louvável do que o resultado imposto pela sentença de mérito, ainda que proferida com celeridade [21].
As partes, por sua vez, podem dispensar a realização da audiência preliminar, bastando, para tanto, que manifestem expressamente o desinteresse na composição consensual (art. 334, § 4º, I). De acordo com o novo CPC, em seu art. 334, § 5º, o “autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência“.
Nesse sentido, no entanto, questiona-se: o desinteresse deve ser, além de expresso, motivado, sob pena de tornar letra morta a inovação legislativa do art. 334 do novo diploma processual civil?
2.2 A Necessidade de Motivar o Desinteresse na Audiência Preliminar ante o Dever Fundamental de Cooperação com a Justiça
Conforme o exposto, a audiência preliminar é importante etapa na qual se busca dar fim ao litígio antes mesmo da apresentação de resposta do réu. Obviamente, não haverá a necessidade da sua realização nos casos em que não se admite a autocomposição (art. 334, § 4º, II). De qualquer modo, quando possível a sua realização, e ainda que as partes não logrem o acordo, evidencia-se a sua importância como parâmetro de decisão para o juiz [22].
De acordo com Daniel Mitidiero:
“A propósito da obtenção da tutela jurisdicional, a cooperação também desempenha papel de relevo, na medida em que obriga a parte a colaborar com a pronta realização da decisão da causa, ainda que para tanto tenha que ser estimulada por multas coercitivas e, muitas vezes, ameaçada de sanções para, voluntariamente, observar a conduta dela esperada.” [23]
O novo CPC previu que “autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência“. Para Cassio Scarpinella Bueno [24], tal indicação “é o que basta, despicienda a indicação do motivo” [25], ou seja, para este autor, a escolha da realização da audiência preliminar permaneceria sob o arbítrio das partes, bastando que manifestem o desinteresse pela composição de forma consensual, dispensando motivação.
Esse não é, entretanto, o entendimento que se defende como o mais razoável. Ora, “a colaboração e a participação das partes não se configuram apenas como direitos ou faculdades, mas também como ônus e deveres” [26]. Daí se entende que há sim a obrigação de as partes motivarem o suposto desinteresse na composição consensual, sobretudo porque pode derivar do mero acirramento de ânimos que envolve a demanda judicial, o que não significa que a composição seja impossível.
Reputa-se inexistir violação ao princípio da voluntariedade, pois a obrigatoriedade de comparecimento dos litigantes à audiência de conciliação, de modo semelhante ao que ocorre nos Juizados Especiais, não significa a obrigação das partes à realização de um acordo.
Admitir pensamento contrário frustraria todo o escopo da previsão inovadora do instituto. O comparecimento das partes à audiência preliminar, portanto, pode ser exigido judicialmente em hipótese em que as partes não apresentarem motivos para o suposto desinteresse na composição consensual, ou em hipótese em que as razões alegadas não sejam reconhecidas pelo julgador como empecilho à conciliação. Na eventual ausência de qualquer das partes à audiência pode-se aplicar a multa por ato atentatório à dignidade da justiça (art. 334, § 8º).
“As plurais funções do princípio do contraditório não se esgotam na sua compreensão como direito de informação-reação. Além de representar uma garantia de manifestação no processo, o contraditório impõe deveres. Nota-se, no cotidiano forense, que a participação das partes presta relevante contributo para o labor jurisdicional. Sem embargo, a participação não só tem o escopo de garantir que cada um possa influenciar na decisão, mas também tem uma finalidade de colaboração com o exercício da jurisdição.” [27]
A necessidade de motivação para o desinteresse na realização de audiência preliminar, com vistas à composição, decorre, portanto, do dever fundamental de colaborar com a justiça. Eventual recusa imotivada representa descumprimento deste dever, sendo válida a intervenção judicial para designar a audiência preliminar, com a obrigação de comparecimento das partes, sob pena de restar configurado ato atentatório à dignidade da justiça (art. 334, § 8º, do CPC).
Considerações Finais
Extrai-se da Constituição Federal, com fulcro nos princípios da ampla defesa, do contraditório, da celeridade processual e do amplo acesso à justiça, o dever fundamental de cooperação dos sujeitos do processo para se alcançar uma prestação jurisdicional menos custosa, mais célere e mais efetiva.
O novo Código de Processo Civil, ao enaltecer, no seu art. 6º, o dever de cooperação entre os sujeitos do processo, sedimentou, no âmbito processual, modelo cooperativo e mais democrático. Nesse aspecto, o novo diploma de processo contemplou situações nas quais o dever de cooperação enseja comportamentos ativos das partes, dentre eles o da busca pela composição consensual do litígio.
Em razão desse objetivo, o atual Código de Processo Civil brasileiro, em seu art. 334, previu a audiência de conciliação ou de mediação como etapa preliminar a ser realizada antes mesmo da apresentação de resposta pelo réu. A referida audiência será designada em demandas em que a composição consensual for possível, cabendo às partes o comparecimento, como decorrência do dever de colaboração com a justiça, pautado pela boa-fé.
O Código Processual, por outro lado, prevê a possibilidade de a audiência não ser realizada, bastando, para tanto, que as partes manifestem expressamente o desinteresse na composição consensual (art. 334, § 4º), ou seja, “o autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência” (art. 334, § 5º).
Pela literalidade da norma, verifica-se que não há previsão expressa para que as partes exponham os motivos do suposto desinteresse na composição consensual. Todavia, entende-se que a melhor interpretação, à luz dos preceitos constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do acesso à justiça, bem como da teoria dos deveres fundamentais, é no sentido de que as partes devem explicitar as razões pelas quais se opõem à via da composição, cabendo ao juiz acolher ou não as justificativas, sob pena de tornar letra morta a inovação processual, que será deixada ao mero alvedrio das partes.
Conclui-se, portanto, que do dever dos sujeitos do processo de participarem colaborativamente com a justiça decorre a necessidade de motivar eventual desinteresse na realização da audiência preliminar, que objetiva alcançar a composição consensual entre as partes. Os motivos, deste modo, serão analisados pelo julgador, que poderá, ainda assim, designar a audiência, fixando pena de multa para o caso de não comparecimento das partes, o que será considerado ato atentatório à dignidade da justiça, pois o comparecimento das partes à audiência, ainda que não resulte em composição do litígio, oportuniza fomentar debates e esclarecer pontos duvidosos, e certamente servirá de balizamento para a decisão judicial.
Referências
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[1] PEDRA, Adriano Sant’Ana; TAVARES, Henrique da Cunha T. A eficácia dos deveres fundamentais. Revista Derecho y Cambio Social. Disponível em: <www.derechoycambiosocial.com/revista037/A_EFICACIA_DOS_DEVERES_FUNDAMENTAIS.pdf>. Acesso em: 1º dez. 2014.
[2] NABAIS, José Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. In: ______. Por um Estado fiscal suportável: estudos de direito fiscal. Coimbra: Almedina, 2004. Vide: NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2012.
[3] Conceito construído coletivamente pelos membros do Grupo de Pesquisa “Estado, Democracia Constitucional e Direitos Fundamentais”, coordenado pelos professores Adriano Sant’Ana Pedra e Daury Cesar Fabriz, da Faculdade de Direito de Vitória (www.fdv.br) – Programa de Pós-Graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em Direitos e Garantias Fundamentais. A respeito da construção do conceito de deveres fundamentais, vide: GONÇALVES, Luísa Cortat Simonetti; FABRIZ, Daury César. Dever fundamental: a construção de um conceito. In: MARCO, Cristhian Magnus de; PEZZELLA, Maria Cristina Cereser; STEINMETZ, Wilson. (Org.). Série direitos fundamentais civis: teoria geral e mecanismos de efetividade no Brasil e na Espanha. 1. ed. Joaçaba: Unoesc, 2013. t. I. v. 1. p. 87-96.
[4] ZANETI Jr., Hermes. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 61.
[5] Em verdade, trata-se de dever fundamental previsto implicitamente na Constituição brasileira. Em outros textos constitucionais, como o colombiano, há previsão expressa nesse sentido (in verbis: “Art. 95. (…) São deveres da pessoa e do cidadão: (…) Colaborar para o bom funcionamento da administração da justiça”).
[6] DIDIER Jr., Fredie. Editorial 45. Disponível em: <http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-45/>. Acesso em: 24 jan. 2016. Segundo o autor, os destinatários da boa-fé, como norma de conduta, “são todos aqueles que de qualquer forma participam do processo, o que inclui, obviamente, não apenas as partes, mas também o órgão jurisdicional. A observação é importante, pois grande parte dos trabalhos doutrinários sobre a boa-fé processual restringe a abrangência do princípio às partes”.
[7] A experiência demonstra que a celeridade processual não é possível sem a cooperação das partes, que favorece a prestação jurisdicional com menor custo e razoável celeridade. Cf. PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; ALVES, Tatiana Machado. A cooperação no Novo Código de Processo Civil: desafios concretos para sua implementação. Revista Eletrônica de Direito Processual, v. 15, p. 257, 2015.
[8] CPC/2015: “Art. 378. Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”.
[9] Constituição espanhola (Constitución española). Disponível em: <http://www.boe.es/buscar/doc.php?id=BOE-A-1978-31229>. Acesso em: 5 maio 2016. Tradução nossa: “É obrigatório cumprir as sentenças e outras resoluções finais de juízes e tribunais, bem como prestar a colaboração exigida por eles durante o processo e a execução das decisões judiciais”.
[10] CABRAL, Antônio do Passo. O contraditório como dever e a boa-fé processual objetiva. Revista de Processo, São Paulo, RT, n. 126, 2005, p. 1. No mesmo sentido: PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; ALVES, Tatiana Machado. A cooperação no Novo Código de Processo Civil: desafios concretos para sua implementação. Revista Eletrônica de Direito Processual, v. 15, p. 259, 2015. Para estes autores, pode-se apontar “outro fundamento constitucional para a cooperação, o princípio da solidariedade, inscrito no inciso I do art. 3º da Constituição Federal de 1988” (Ibidem).
[11] DIDIER Jr., Fredie. Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo. Revista de Processo, São Paulo, v. 198, 2011, p. 211.
[12] Vide o novo Código de Processo Civil português (CPCp/2013), Lei n.º 41/2013, em vigor desde 01.09.2013: “Artigo 7.º (Princípio da cooperação) 1 – Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”. Disponível em: <http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/0351803665.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2016.
[13] MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil interpretado. 9. ed. Barueri: Manole, 2010. p. 389.
[14] BERALDO, Maria Carolina Silveira. O dever de cooperação no processo civil. Revista de Processo, São Paulo: RT online, v. 198, p. 455-462, ago. 2011.
[15] SPENGLER, Fabiana Marion; SPENGLER NETTO, Theobaldo. A boa-fé e a cooperação previstas no PL 8.046/2010 (novo CPC) como princípios viabilizadores de um tratamento adequado dos conflitos judiciais. Revista de Processo, São Paulo: RT online, v. 230, p. 13-32, abr. 2014.
[16] STRECK, Lenio et al. Aposta na bondade – a cooperação processual do novo CPC é incompatível com a Constituição. Consultor Jurídico, 23 de dezembro de 2014. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-dez-23/cooperacaoprocessual-cpc-incompativel-constituicao>. Acesso em: 3 dez. 2015.
[17] SOUZA, Artur César de. O princípio da cooperação no projeto do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo: RT online, v. 225, p. 65-80, nov. 2013.
[18] MACHADO, Marcelo Pacheco. Novo CPC, princípio da cooperação e processo civil do arcoíris. Publicado em: 27 abr. 2015. Disponível em: <http://jota.uol.com.br/novo-cpc-principio-da-cooperacao-e-processo-civil-do-arco-{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}C2{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}ADiris>. Acesso em: 22 abr. 2016.
[19] Disponível em: <http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/0351803665.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2016.
[20] “O formalismo processual cooperativo vai indelevelmente marcado pelo diálogo entre as pessoas do Juízo. A necessidade de participação das partes no processo assinalada pelo direito fundamental ao contraditório, entendido como direito a influenciar a formação da decisão jurisdicional, outorga sustentação teórica a essa ideia.” (MITIDIERO, Daniel. Bases para a construção de um processo civil cooperativo: o direito processual civil no marco teórico do formalismo-valorativo. Tese de doutoramento. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2007. p. 99. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/13221/000642773.pdf?sequence=1>. Acesso em: 10 maio 2016)
[21] BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 271.
[22] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; ALVES, Tatiana Machado. A cooperação no Novo Código de Processo Civil: desafios concretos para sua implementação. Revista Eletrônica de Direito Processual, v. 15, p. 261, 2015.
[23] MITIDIERO, Daniel. Bases para a construção de um processo civil cooperativo: o direito processual civil no marco teórico do formalismo-valorativo. Tese de doutoramento. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2007. p. 99. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/13221/000642773.pdf?sequence=1>. Acesso em: 10 maio 2016.
[24] O único dentre os doutrinadores consultados que abordou a (des)necessidade de indicação do motivo para a dispensa da audiência preliminar.
[25] BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 272.
[26] CUNHA, Leonardo Carneiro da. O princípio do contraditório e a cooperação no processo. Disponível em: <http://www.leonardocarneirodacunha.com.br/artigos/o-principio-contraditorio-e-a-cooperacao-no-processo/>. Acesso em: 10 abr. 2016.