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RECURSO ESPECIAL POR DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL

RECURSO ESPECIAL POR DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL

 Thiago Cássio D’Ávila Araújo

 

Compete ao STJ julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados.

 

Apontamento do dispositivo legal violado

Como a alínea “c” do inciso III do art. 105 da CF/88 se refere a uma hipótese de cabimento de recurso especial contra uma decisão (a decisão recorrida) por existência de interpretação divergente em comparação a outra decisão (decisão paradigmática), dada por outro tribunal, a uma lei federal, é necessário então que o recorrente aponte, nas razões do recurso especial, o dispositivo de lei federal violado pela decisão recorrida. Ou seja, o recorrente precisa apresentar, nas razões do recurso especial, a divergência jurisprudencial em relação ao dispositivo de lei federal apontado como violado.[1]

A súmula 284/STF é aplicada, no STJ, por analogia, ao recurso especial. Ela dispõe que é inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.

No caso do tema em estudo, o não apontamento do dispositivo legal tido por violado, nas razões do recurso especial interposto com base na alínea “c”, significa, portanto, insuficiência de fundamentação do recurso, que, por isso, se torna passível de não conhecimento. As razões recursais são tidas como insuficientes para a revisão do julgado se nelas não houver apontamento do dispositivo de lei federal a ser apreciado pelo STJ. [2]

 

Atualidade do macro propósito de solução do dissenso

Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal (isto é, do STJ) se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida (acórdão atacado no recurso especial), conforme Súmula 83/STJ.

Ainda que o acórdão contra o qual se interpôs o recurso especial encontre-se em situação de divergência quanto à interpretação dada ao mesmo dispositivo de lei federal por outro tribunal, em outro acórdão, em caso de similitude fático-jurídica, o que, numa análise superficial, indicaria preenchimento do requisito da alínea “c” do inciso III do art. 105 da CF/88, tal recurso especial na verdade não merecerá ser conhecido, porque o STJ já firmou entendimento sobre a interpretação do dispositivo de lei federal apontado como violado nas razões de tal recurso especial e o acórdão recorrido, por sua vez, já está em sintonia com tal entendimento sedimentado no STJ.

Em tal situação, inexiste necessidade atual de pacificação de entendimento, nem há chance de provimento ao recurso especial interposto contra o acórdão. O caminho natural é o seu não conhecimento.

 

Cotejo analítico entre os casos

Se não constar das razões do recurso especial o “cotejo analítico”, o recurso especial interposto pela alínea “c” não será conhecido, por insuficiência de fundamentação (Súmula 284/STF).

Há registro de casos em que o confronto analítico entre acórdãos foi dispensado no STJ, bastando a mera transcrição das respectivas ementas, se o dissídio é notório. [3]

Em regra, não é suficiente, para a realização do cotejo analítico, a mera transcrição das ementas dos acórdãos em comparação. [4]

A realização do cotejo analítico é a demonstração, por escrito, nas razões do recurso especial, da comparação efetiva entre os casos julgados pelos acórdãos dos quais o recorrente faz uso para demonstrar a divergência jurisprudencial, ou seja, a comparação entre o acórdão recorrido (contra o qual se interpõe o recurso especial) e o acórdão paradigma, que nada mais é do que o acórdão do outro tribunal, invocado para a configuração da hipótese prevista na alínea “c”.

E o recorrente deve demonstrar, ainda, que tal divergência jurisprudencial se dá em torno do dispositivo legal que aponta como violado, com as circunstâncias identificadoras da divergência com o caso confrontado.[5] Apontará, por alegações nas razões recursais, que os casos em comparação são idênticos, ou, pelo menos, assemelhados. Para tanto, é necessário que o recorrente se valha estritamente dos fatos tais como narrados no inteiro teor dos acórdãos em comparação, de modo a não ser necessário que o STJ análise documentos ou outras provas nos autos, pois assim não incidirá a Súmula 7/STJ.

A identidade ou similitude entre os casos é fático-jurídica. O recurso especial deve demonstrar que para casos de fatos idênticos ou semelhantes, estando em apreciação um mesmo dispositivo de lei federal (identidade ou similitude, fática e jurídica, entre os julgados), ao menos dois tribunais decidiram de modo diferente, caracterizando-se o dissídio jurisprudencial apto a ensejar a apreciação da matéria pelo STJ, em sede de recurso especial interposto pela alínea “c” do inciso III do art. 105 da CF/88, já que é o STJ o tribunal responsável pela uniformização da interpretação da lei federal.

Em um caso específico, ainda que do item 7 da ementa do julgado tenha constado que “O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas”, do voto vencedor da ministra relatora Nancy Andrighi consta a precisa lição de que: “Também é necessário que se aponte e explicite por que os casos são semelhantes e qual é a proximidade fática entre os julgados comparados, de forma consistente, …”.[6]

Portanto, a similitude entre os casos em comparação é suficiente para o conhecimento do recurso especial da alínea “c” do inciso III do art. 105 da CF/88. Não é exigido do recorrente que demonstre, no recurso especial, a perfeita identidade entre os casos do acórdão recorrido e do acórdão paradigma. Não é necessário que sejam idênticos. O § 1º do art. 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RI/STJ) é claro, exige que o recorrente mencione “as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados”. Como, aliás, está previsto no § 1º do art. 1.029 do CPC/15, parte final.

A mesma providência é exigida do recorrente nas razões do recurso de embargos de divergência: o recorrente “mencionará as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados” (CPC/15, art. 1.043, § 4º). E, para embargos de divergência, a Corte Especial do STJ já teve a oportunidade de decidir não se exigir que sejam idênticos os casos reportados no aresto combatido e nos acórdãos paradigmas, mas apenas que possuam similitude entre si, ou seja, semelhança. [7]

Ora, tendo-se a mesma redação na parte final tanto do § 4º do art. 1.043 como do § 1º do art. 1.029 do CPC/15 e considerando-se ainda o precedente acima mencionado, da Corte Especial/STJ, bem como a redação do § 1º do art. 255 do RI/STJ, é realmente evidente que o recorrente, pela alínea “c” do inciso III do art. 105 da CF/88, poderá fazer cotejo analítico tanto entre casos idênticos como entre casos semelhantes, na comparação entre o acórdão recorrido e o acórdão paradigma.

Quanto à escolha do acórdão paradigma, este deve não apenas ter identidade ou similitude fática e jurídica com o acórdão recorrido, mas ainda outros critérios merecem observância. Por exemplo, a súmula 13/STJ: “A divergência entre julgados do mesmo Tribunal não enseja recurso especial”. Portanto, o acórdão paradigma escolhido deve ser sempre de outro tribunal.

Também, como outro exemplo, vejamos que o acórdão paradigma não pode ser acórdão proferido em mandado de segurança ou em recurso ordinário em mandado de segurança, pois o STJ entende que tais acórdãos não se prestam à finalidade de demonstração do dissídio jurisprudencial. [8]

A prova da divergência, por sua vez, no aspecto formal, é feita na forma prevista no RI/STJ, art. 255, §§ 1º e 3º e no CPC/15, art. 1.029, § 1º.

 

Questões outras

Em algumas situações, não tem sido aceito, pelo STJ, o conhecimento do recurso especial pela alínea “c”, por razões jurídicas adicionais. Mencionarei, aqui, duas delas, exemplificativamente.

A primeira se constata no caso de divergência jurisprudencial quanto à fixação do valor de indenização por danos morais. Como o valor de indenização depende da análise de elementos subjetivos, não é possível identificar-se dissídio jurisprudencial a ser sanado, no que diz respeito a dispositivo de lei federal. [9]

A segunda situação se verifica quando a alegação de divergência atrai a incidência da Súmula 7/STJ.[10] Isso significa que o recurso especial não será conhecido se as divergências dos acórdãos em comparação decorrem das circunstâncias fáticas. Em tais situações, os resultados distintos de julgamento, do acórdão recorrido e do acórdão paradigma, podem restar justificados porque houve diferenças fáticas entre os casos comparados.

Isto é, a divergência que atrai a incidência da alínea “c” do inciso III do art. 105 da CF/88 é de natureza estritamente jurídica, ou seja, é divergência quanto à interpretação do dispositivo legal apreciado nos acórdãos comparados, para casos idênticos ou semelhantes. Se a divergência entre os casos for de matéria fática, incide o óbice da Súmula 7 e o recurso especial não pode ser conhecido pela alínea “c” para apreciação pelo STJ.

 

[1] Assim, “O conhecimento do recurso especial fundamentado na alínea “c” do permissivo constitucional exige a indicação dos dispositivos legais que supostamente foram objeto de interpretação divergente. Ausente tal requisito, incide a Súmula n. 284/STF” (STJ, AgInt no REsp 1.840.095/RJ, rel. ministro Antonio Carlos Ferreira, 4ª turma, julgado em 10/8/20, DJe 14/8/20).

[2] Assim, “4. O recurso especial fundamentado no dissídio jurisprudencial exige, em qualquer caso, que tenham os acórdãos – recorrido e paradigma – examinado o tema sob o enfoque do mesmo dispositivo de lei federal. Se nas razões de recurso especial não há a indicação de qual dispositivo legal teria sido malferido, com a consequente demonstração da divergência de interpretação à legislação infraconstitucional, aplica-se, por analogia, o óbice contido na Súmula nº 284/STF, a inviabilizar o conhecimento do recurso pela alínea “c” do permissivo constitucional” (STJ, AgInt no AREsp 1.261.882/RS, rel. ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª turma, julgado em 10/8/20, DJe 18/8/20 – Destaquei).

[3] Por exemplo: “3. Divergência notória porquanto o que se debate é a incidência de índices na ação de repetição de indébito, restando demonstrada a dissintonia jurisprudencial entre o acórdão recorrido e os paradigmas, indicados por ementas auto-explicativas, a revelar a desnecessidade de confronto analítico” (STJ, AgRg no Ag 766.948/RS, rel. ministro José Delgado, Rel. p/ acórdão ministro Luiz Fux, 1ª turma, julgado em 21/11/6, DJ 2/4/07, p. 238 – Destaquei).

[4] Neste sentido: “VI – É entendimento pacífico dessa Corte que a parte deve proceder ao cotejo analítico entre os arestos confrontados e transcrever os trechos dos acórdãos que configurem o dissídio jurisprudencial, sendo insuficiente, para tanto, a mera transcrição de ementas” (STJ, AgInt no REsp 1.796.880/RS, rel. ministra Regina Helena Costa, 1ª turma, julgado em 21/10/19, DJe 23/10/19).

[5]  STJ, REsp 289.599/RS, rel. ministro Franciulli Netto, 2ª turma, julgado em 27/11/01, DJ 21/6/04, p. 184.

[6] STJ, AgInt no AREsp 1628092/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, julgado em 08/06/2020, DJe 10/06/2020 – Destaquei. Neste outro julgado, os termos “identidade” e “similitude” aparecem juntos: “3. A interposição do recurso especial, com fulcro na alínea c do permissivo constitucional exige o atendimento dos requisitos contidos no art. 1028, e § 1º do Código de Processo Civil – CPC, e no art. 255, § 1º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça – RISTJ, para a devida demonstração do alegado dissídio jurisprudencial, pois, além da transcrição de acórdãos para a comprovação da divergência, é necessário o cotejo analítico entre o aresto recorrido e o paradigma, com a constatação da identidade das situações fáticas e a interpretação diversa emprestada ao mesmo dispositivo de legislação infraconstitucional, situação que não ocorreu no presente caso, eis que ausente a similitude fática” (STJ, AgRg no AREsp 1648779/PR, rel. ministro Joel Ilan Paciornik, 5ª turma, julgado em 2/6/20, DJe 15/6/20 – Destaquei).

[7] Neste sentido: AgInt nos EREsp 1.517.101/PE, rel. min. Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 4/4/18, DJe 10/4/18. Ver também: STJ, EREsp 1.374.140/PR, rel. ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 17/6/20, DJe 4/8/20.

[8] Neste sentido: STJ, REsp 1.817.360/MG, rel. ministro Mauro Campbell Marques, 2ª turma, julgado em 03/10/19, DJe 14/10/19.

[9]Em hipóteses tais: “(.) não obstante as semelhanças externas e objetivas, os acórdãos sempre serão distintos quanto ao aspecto subjetivo, evidenciando cada situação suas próprias particularidades e circunstâncias fáticas, além do grau de repercussão do evento danoso na esfera individual da vítima ou de seus familiares (STJ, AgRg no REsp 1.444.068/SP, rel. ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª turma, julgado em 18/6/15, DJe 26/6/15). Ver também: STJ, AgRg no AREsp 756.654/RS, rel. ministro João Otávio de Noronha, 3ª turma, julgado em 03/12/15, DJe 11/12/15.

[10] Por exemplo: “3. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que não é possível o conhecimento do apelo nobre interposto pela divergência, na hipótese em que o dissídio é apoiado em fatos, e não na interpretação da lei. Isso porque a Súmula nº 7 do STJ também se aplica aos recursos especiais interpostos pela alínea c do permissivo constitucional” (STJ, AgInt no AREsp 1.570.877/SP, rel. ministro Moura Ribeiro, 3ª turma, julgado em 29/6/20, DJe 1/7/20 – Destaquei). No mesmo sentido: “3. Não se pode conhecer do recurso pela alínea c do permissivo constitucional, uma vez que, aplicada a Súmula 7/STJ, resta prejudicada a divergência jurisprudencial, pois as conclusões divergentes decorreriam das circunstâncias específicas de cada processo e não do entendimento diverso sobre uma mesma questão legal” (STJ, AgInt no AREsp 1.616.996/SP, rel. ministro Luis Felipe Salomão, 4ª turma, julgado em 11/5/20, DJe 13/5/20 – Destaquei).