RECURSO ESPECIAL NO NOVO CPC: REQUISITOS, HIPÓTESES E PRAZOS
Tiago Fachini
“O recurso especial é uma ferramenta processual, utilizada para recorrer ao STJ se as decisões judiciais realizadas dentro do processo estão em conformidade com a lei vigente e com a jurisprudência.”
É imprescindível para a democracia e para o funcionamento correto e justo do Poder Judiciário que a legislação seja compreendida e aplicada de forma una. Para garantir isso, a Constituição Federal implementou o recurso especial e o recurso extraordinário em seu texto.
Neste artigo, você compreenderá o que é o recurso especial, qual é o seu objetivo, o que o Novo CPC apresenta sobre o tema e como o recurso especial se difere do recurso extraordinário.
O que é recurso especial?
O recurso especial é um tipo de recurso previsto na Constituição Federal de 1988 e regrado através do Código de Processo Civil de 2015 (Novo CPC). Ele tem como objetivo analisar se as decisões judiciais realizadas dentro do processo estão em conformidade com a lei vigente e com a jurisprudência.
O recurso especial, juntamente com o recurso extraordinário (o qual abordaremos mais adiante neste artigo), faz parte do gênero dos recursos extraordinários, que são distintos dos recursos ordinários (como a apelação, o agravo de instrumento, o agravo interno, entre outros).
Nesse sentido, os recursos ordinários têm como objetivo discutir os fatos e o direito aplicáveis sobre o caso concreto e específico, os recursos extraordinários tem como objetivo discutir se as decisões judiciais foram realizadas de acordo com o que propõe a legislação e a jurisprudência.
Dessa forma, o recurso especial não analisa necessariamente o processo em si, mas sim a adequação da decisão judicial à norma jurídica, para apontar se a mesma está em conformidade com o ordenamento jurídico brasileiro.
Qual a finalidade do recurso especial?
A partir do exposto acima, é possível definir que a principal finalidade do recurso especial é uniformizar o entendimento dos tribunais e demais órgãos judiciais a respeito das normas jurídicas federais, que regram as normativas dentro do território nacional.
Sendo assim, fica claro que o objetivo do recurso especial não é analisar o caso concreto do processo em questão, mas sim analisar se as decisões judiciais aplicadas sobre ele seguiram corretamente as normas jurídicas estabelecidas no país.
Agora que você tem uma melhor compreensão do que é o recurso especial e da sua finalidade, vamos falar sobre questões mais particulares desse tipo de recurso extraordinário.
Quem julga o recurso especial?
Dentro da Constituição Federal de 1988, o legislador compreendeu que era necessário estabelecer formas para que pessoas pudessem levar até as instâncias superiores discussões a respeito de decisões judiciais que afrontassem as leis federais e a Carta Magna brasileira.
Assim sendo, foram criadas as figuras do recurso especial e do recurso extraordinário, que tem como objetivo discutir exatamente os pontos acima abordados.
Em relação ao recurso especial, especificamente, a Constituição Federal aponta que é de competência exclusiva do Superior Tribunal de Justiça (STJ) discutir as matérias relacionadas a decisões judiciais que contrariem as normas federais interpostas por meio de recurso especial.
O STJ, portanto, é colocado pela Constituição Federal como último órgão judicial a proteger e procurar uniformidade nacional a respeito da compreensão e aplicação das leis federais.
Quando é cabível o recurso especial?
Como vimos anteriormente, o recurso especial é julgado exclusivamente pelo Superior Tribunal de Justiça e tem como objetivo discutir o alinhamento entre as decisões judicias presentes no caso concreto e o que apresenta a legislação federal.
Entretanto, a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 105, inciso III, alíneas a, b e c, aponta três situações onde é possível a aplicação de recurso especial. Portanto, para se entrar com o recurso no STJ, é necessário que a matéria tenha relação com um dos três pontos abaixo:
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.”
Veremos, a seguir, cada uma das três possibilidades de interposição do recurso especial.
Contrariar lei federal
A primeira hipótese de cabimento do recurso especial, de acordo com a Constituição Federal, é quando a decisão judicial que sofre o recurso atenta contra uma lei federal ou a um tratado internacional onde o Brasil é um dos signatários.
É importante destacar que a lei federal é toda aquela que é elaborada pelo Congresso Nacional ou pelo presidente da República, como leis ordinárias, medidas provisórias ou leis complementares, por exemplo.
Atos do governo local que afrontam a lei federal
A segunda hipótese de cabimento do procedimento é quando um ato de um governo local é validado pelo judiciário, mas o mesmo ato não é condizente com o texto normativo federal.
Quando apontamos “atos” de governos locais (como governos municipais e estaduais), não se aplicam aqui as leis locais, mas sim atos infralegais, como decretos.
Interpretar a lei federal de forma divergente de outros tribunais
A última hipótese interposição de recurso especial é justamente a que melhor ilustra o esforço que a Constituição Federal teve em possibilitar mecanismos que têm como objetivo a uniformização da interpretação da lei federal.
É importante destacar que o tribunal que realizar a interpretação divergente tem que estar divergente de outros tribunais similares, não de outras turmas do mesmo tribunal.
Requisitos para admissibilidade de recurso especial
Em relação a sua admissibilidade, o recurso especial possui os pré-requisitos de admissibilidade comuns a outros tipos de recursos, como o interesse da parte, a legitimidade do pedido, a inexistência de impedimento, o preparo e a tempestividade.
Entretanto, por se tratar de um recurso extraordinário (em seu gênero), o recurso especial é dotado de certos requisitos específicos dele mesmo, os quais abordaremos de forma mais exaustiva abaixo.
Ataca decisão de tribunal estadual ou regional federal
Como a Carta Maior brasileira de 1988 aponta, no seu inciso III do artigo 105, o recurso especial tem como objetivo analisar as decisões de única ou última instância de tribunais estaduais ou regionais federais. Portanto, os tribunais de segunda instância.
É importante destacar isso, pois decisões que vão contra a legislação federal cometidas em primeira instância ou em órgãos colegiados de Juizados Especiais não são passíveis de interposição de recurso especial, devendo esses casos ser analisados pela segunda instância.
Não discute fatos ou direito
Como já falamos anteriormente neste artigo, o objetivo do recurso especial é unicamente discutir uma decisão de única ou última instância de um tribunal estadual ou regional federal a respeito da sua conformidade com o ordenamento jurídico federal.
Dessa forma, não se admite a discussão dos fatos ou do direito específicos da causa concreta, mas apenas se a decisão proferida está de acordo com as normas federais ou não.
É possível, no entanto, discutir se a angariação de uma prova específica está de acordo com o que determina a legislação federal, mas não se pode discutir se essa prova tem algum efeito sobre o processo ou se é importante para a causa.
Isso se dá para garantir que os recursos especiais terão como objetivo primário a discussão da legalidade dos atos judiciais das instâncias apresentadas pelo artigo 105 da Constituição Federal, e não sobre questões necessariamente vinculadas ao caso concreto do processo.
Esgotamento dos recursos ordinários
O recurso especial, por ser um dos recursos extraordinários, só pode ser interposto uma vez que todas as possibilidades de recursos ordinários tenham se esgotado.
Isso se dá para que a parte interessada não pule as instâncias e o devido procedimento jurídico para acessar o STJ. Ela deve primeiro tentar resolver o conflito entre a decisão e a lei federal de todas as formas ordinárias possíveis.
Dessa forma, se for possível interpor apelação, embargos de declaração ou qualquer outro recurso cabível contra a decisão, ainda não será possível apresentar recurso especial, sendo esse o último recurso possível para discutir decisão judicial que vai contra a lei federal ou o entendimento de outros tribunais.
Prequestionamento das decisões judiciais
Em complementação ao esgotamento dos recursos ordinários, a decisão judicial em questão deve ter sido prequestionada dentro das instâncias onde ela foi realizada.
Ou seja: não é possível a parte não ter questionado a decisão em momento algum no tribunal de segunda instância para entrar com o recurso especial, tentando acessar diretamente o STJ.
Para que o recurso especial possa ser válido, é necessário que seja mostrado que a parte interessada questionou a decisão em todos os momentos onde tal questionamento era oportuno.
Assim sendo, o recurso especial não pode ser utilizado como uma “carta especial” caso a parte tenha perdido o prazo para apelar contra a decisão, por exemplo.
É importante destacar que o Novo CPC traz, no parágrafo 3º do artigo 941, que o voto vencido dentro de um acórdão é o suficiente para suscitar o prequestionamento:
“Art. 941. § 3º O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento.”
Recurso especial no Novo CPC
Embora o instituto do recurso especial tenha sido criado através do texto constitucional brasileiro, é o Novo CPC que traz os regramentos a respeito do funcionamento do recurso dentro do âmbito processual.
O Código de Processo Civil de 2015 traz o ordenamento a respeito do recurso especial e do recurso extraordinário entre os seus artigos 1.029 e 1.035.
De acordo com o Novo CPC, o recurso especial deve ser interposto perante o presidente do tribunal recorrido, conforme aponta o artigo 1.029:
“Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão:”
O Código também estipula qual é o conteúdo que deve estar presente dentro do recurso especial, apontando seus itens da seguinte maneira:
“Art. 1.029. […]
I – a exposição do fato e do direito;
II – a demonstração do cabimento do recurso interposto;
III – as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão recorrida.”
Um parágrafo importante (parágrafo 1º do artigo 1.029) que o Novo CPC traz a respeito da aplicação do recurso especial é que, nos casos onde a fundamentação dele se dá por conta de divergência jurisprudencial entre o acórdão proferido e o entendimento de outros tribunais, cabe à parte interessada apontar a divergência.
“Art. 1.029. § 1º Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência com a certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que houver sido publicado o acórdão divergente, ou ainda com a reprodução de julgado disponível na rede mundial de computadores, com indicação da respectiva fonte, devendo-se, em qualquer caso, mencionar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.”
Quais são os efeitos do recurso especial?
Por via de regra, o efeito do recurso especial é devolutivo, devolvendo a discussão da decisão proferida para o judiciário, nesse caso, para que o STJ defina se a decisão proferida está de acordo com o entendimento da legislação federal ou da jurisprudência.
Entretanto, o Novo CPC apresenta, no parágrafo 5º do artigo 1.029, que o recurso pode ter também efeito suspensivo dos efeitos judiciais da decisão, caso exista risco de dano grave ou irreparável.
“§ 5º O pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário ou a recurso especial poderá ser formulado por requerimento dirigido:
I – ao tribunal superior respectivo, no período compreendido entre a interposição do recurso e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-lo;
I – ao tribunal superior respectivo, no período compreendido entre a publicação da decisão de admissão do recurso e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-lo;
II – ao relator, se já distribuído o recurso;
III – ao presidente ou vice-presidente do tribunal local, no caso de o recurso ter sido sobrestado, nos termos do art. 1.037;
III – ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, no período compreendido entre a interposição do recurso e a publicação da decisão de admissão do recurso, assim como no caso de o recurso ter sido sobrestado, nos termos do art. 1.037.”
Prazos do recurso especial
O Novo CPC apresenta o prazo de 15 dias úteis para que o recurso especial seja interposto (artigo 1.003), contados a partir da publicação da decisão que fere a lei federal ou a jurisprudência de outros tribunais.
De acordo com o artigo 1.030 do Novo CPC, após o recebimento do recurso especial, o recorrido (no caso, o tribunal que proferiu a decisão) terá o prazo de 15 dias úteis para apresentar suas contrarrazões.
Qual a diferença entre recurso especial e recurso extraordinário?
Durante todo este artigo, apontamos que o recurso especial e o recurso extraordinário estão inclusos dentro do rol de recursos extraordinários, que têm como objetivo assegurar uniformidade na interpretação do ordenamento jurídico brasileiro.
Portanto, qual é a diferença entre os dois? A resposta está no teor do que cada um avalia e no órgão responsável por julgar o pedido.
O recurso especial é direcionado ao STJ e tem como objetivo comparar a decisão judicial com a legislação federal e com o entendimento jurisprudencial dos demais tribunais similares.
O recurso extraordinário, no entanto, é direcionado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e tem como objetivo analisar se a decisão judicial em questão não fere o texto constitucional.
Dessa forma, pode-se apontar que o STJ tem, dentro desse tema, o objetivo de defender as leis federais, enquanto o STF defende o texto constitucional.