[Por Rénan Kfuri Lopes]
O “Conselho Nacional de Justiça-CNJ” [que tem competência para expedir atos normativos e recomendar a adoção de políticas comuns para todos os tribunais do Brasil], com o propósito de unificar e dar segurança jurídica nos processos de “Recuperação Judicial”; em virtude do distanciamento social recomendado pela Organização Mundial de Saúde para a prevenção ao contágio causado pela Covid-19, deliberou [por unanimidade] através do “Ato Normativo n. 0002561-26.2020.2.00.0000 de 31.03.2020” proceder a “RECOMENDAÇÕES” para serem praticadas pelos juízes que dirigem processos de recuperação judicial.
De chofre insta pontuar que o ato normativo do CNJ in examen não tem poder de lei, visa apenas orientar os magistrados em peculiaridades típicas da recuperação judicial regulada pela Lei 11.101/05.
Comentamos as 06 [seis] orientações do “Ato Normativo n. 0002561-26.2020.2.00.0000 de 31.03.2020”:
- Priorizar a análise e decisão sobre levantamento de valores em favor dos credores ou empresas recuperandas.
Efetivamente, o pagamento aos credores dos valores já depositados em juízo há de ser providenciado com a máxima rapidez, possibilitando aos credores o levantamento. Sem dúvida, com esses recursos, utilizar para a sobrevivência própria e de suas famílias, sobremaneira os de natureza trabalhista.
- Suspender de Assembleias Gerais de Credores presenciais, autorizando a realização de reuniões virtuais quando necessária para a manutenção das atividades empresariais da devedora e para o início dos pagamentos aos credores.
Essa providência vem sendo tomada pelo trabalho da advocacia em home office. Inclusive, o Juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de SP atendendo ao pedido dos credores, autorizou a “continuidade” da AGC-Assembleia Geral de Credores em “ambiente virtual” no processo da na recuperação judicial das empresas que compõe o GRUPO ODEBRECHT em “ambiente virtual”.
- Prorrogar o período de suspensão previsto no art. 6º da Lei de Falências quando houver a necessidade de adiar a Assembleia Geral de Credores.
O prazo do art. 6º da LREF é chamado stay period; ficarão suspensos por 180 dias o curso de todas as ações e execuções promovidas em face do devedor contados do deferimento do processamento. A ratio legis é conceder tempo razoável à recuperanda para se reorganizar financeiramente, sem o risco de uma penhora ou outra espécie de constrição que venha a lhe prejudicar na construção/elaboração de um plano de recuperação factível a ser apresentado aos credores e prosseguir na sua atividade empresarial.
- Autorizar a apresentação de plano de recuperação modificativo quando comprovada a diminuição na capacidade de cumprimento das obrigações em decorrência da pandemia da Covid19, incluindo a consideração, nos casos concretos, da ocorrência de força maior ou de caso fortuito antes de eventual declaração de falência (Lei de Falências, art. 73, IV).
Abri-se a possibilidade do recuperando que esteja em fase de cumprimento do plano de recuperação, aprovado pelos credores, pontual com suas obrigações [leia-se, atendendo ao ajustado com os credores no plano], apresentar em prazo razoável um “plano modificativo” ao plano original, justificando de maneira fundamentada a impossibilidade do cumprimento derivada dos efeitos negativos que lhes trouxeram a gravidade da pandemia [a AGC é soberana para essa deliberação].
A recomendação do STJ trouxe de antemão a possibilidade de uma análise mais tolerante da força maior ou de caso fortuito [exoneração da responsabilidade por fatos reais imprevisíveis e inevitáveis]. Todavia, essa premissa não atinge àquela sociedade recuperanda que injustificadamente vem descumprindo o plano de recuperação em curso; vislumbrando-se nos autos a possibilidade próxima da quebra.
Alternativa plausível ao meu inteligir, num primeiro momento, diante da incerteza gerada pela pandemia, seria o requerimento da suspensão do cumprimento do plano de recuperação por um período, diria de 90 [noventa] dias. Assim, poder-se-ia averiguar se há ou não necessidade de “modificação” do plano original ou apenas adequar as datas das obrigações traçadas; ainda, quiçá alterações pontuais.
- Determinar aos administradores judiciais que continuem a promover a fiscalização das atividades das empresas recuperandas de forma virtual ou remota, e a publicar na Internet os Relatórios Mensais de Atividade
Se a recuperação judicial tramitar em processo eletrônico facilitará os atos dos administradores e dos seus auxiliares para cumprir as atribuições legais previstas na LREF, em destaque as listadas no art. 22.
- Avaliar com cautela o deferimento de medidas de urgência, despejo por falta de pagamento e atos executivos de natureza patrimonial em ações judiciais que demandem obrigações inadimplidas durante o estado de calamidade pública reconhecida pelo Decreto Legislativo nº 6 de 20 de março de 2020
As tutelas de urgência em caráter antecedente ou incidental, diante da instabilidade geral da sociedade, para o seu deferimento, haverão de ser proferidas com “maior cautela”, analisando com mais rigor a probabilidade do direito e o perigo do dano ou o risco ao resultado útil do processo, não se afastando, mesmo diante da covid-19, que seja fundamentada e explícita as razões adotadas pelo juiz para a sua conclusão.
Ressaltou a recomendação o despejo por falta de pagamento, pois o desalojamento dos locatários contraria as deliberações da OMS das pessoas permanecerem dentro de casa.
E os atos de natureza patrimonial seriam aqueles de alienação judicial do patrimônio do devedor, alguns deles essenciais de utilização nestes tempos, v.g., veículos e motos.
Muito bom esse panorama.