A RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL E AS ALTERAÇÕES DA LEI 14.122, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2020
Paulo Penalva Santos
A lei 14.122/20 alterou a Lei de Falências e de Recuperação Judicial (lei 11.101/05), modificando vários institutos e introduzindo novos conceitos, tal como a insolvência transnacional, além de alterar a lei que trata do parcelamento de dívidas tributárias. Em relação à recuperação extrajudicial, a lei 14.122/20 aprimorou o instituto, tornando-o mais célere e eficiente, conforme veremos em seguida.
A realidade tem demonstrado que credores e devedor procuram com frequência regularizar seus negócios extrajudicialmente. Esses acordos têm na informalidade, na rapidez e na discrição as suas principais vantagens, especialmente se comparados ao formalismo e à morosidade das lides forenses.
A recuperação extrajudicial é uma alternativa prévia à recuperação judicial, pois pressupõe uma situação financeira e econômica compatível com uma renegociação parcial, envolvendo credores selecionados, aos quais o devedor propõe novas condições de pagamento. Nesse modelo da recuperação extrajudicial torna-se desnecessária a participação de todos os credores e a realização de assembleia geral para aprovar o plano[1].
Na recuperação extrajudicial, o devedor, para resolver problemas de liquidez, propõe a seus credores, na maioria dos casos, remissão parcial do débito ou dilação do prazo de pagamento. Esse procedimento – extremamente simples – tem por finalidade dar transparência e segurança às negociações, desde que seja garantido aos credores de mesma classe, tenham ou não aderido ao contrato, as mesmas condições de prorrogação de prazo de vencimento ou redução percentual do passivo.
Segurança jurídica
Apesar de o legislador ter dado ampla liberdade para as partes sobre o conteúdo do acordo extrajudicial, há uma questão importantíssima que diz respeito à ineficácia dos atos elencados no art. 129 da lei 11.101/05. Note-se que os incisos II e III abrigam hipóteses que podem ser utilizadas nos planos de recuperação extrajudicial, como o pagamento de dívidas de forma não prevista pelo contrato ou a constituição de direito real de garantia.
A lei 14.112/20 alterou a redação do artigo 131, para afastar a ação revocatória também dos acordos celebrados nos planos de recuperação extrajudicial, pois o texto anterior só impedia a declaração de ineficácia no plano de recuperação judicial.
Agora, há segurança jurídica para que o acordo extrajudicial possa tratar de dação em pagamento, constituição de direito real em garantia, ou pagamento de dívidas vencidas por qualquer forma distinta da prevista no contrato, cujos atos estarão protegidos de eventual declaração de ineficácia em relação à massa falida.
Possibilidade de inclusão do credor trabalhista
O parágrafo 1º. do artigo 161 da lei 11.101/2005 vedava expressamente a inclusão do crédito trabalhista no plano de recuperação extrajudicial.
A lei 14.112/20 modificou essa norma, permitindo a inclusão do crédito trabalhista e por acidente de trabalho na recuperação extrajudicial, desde que haja negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional. Alteração na remuneração dos trabalhadores é possível, desde que prevista em convenção ou acordo coletivo, na forma do disposto no artigo 7, VI da Constituição da República.
A suspensão das ações
A proteção legal do stay period dada pela lei é ampla no caso de recuperação judicial, pois o deferimento de seu processamento suspende a prescrição e todas as execuções em face do devedor (art. 6º).
A questão que se punha anteriormente à edição da lei 14.112/20 dizia respeito se, em relação aos credores sujeitos à recuperação extrajudicial, ocorreria ou não a suspensão de suas ações individuais.
Embora fosse razoável entender que os credores que não subscreveram o pedido inicial de recuperação extrajudicial, mas que estivessem obrigados por força do art. 163, § 1º, também teriam suspensas suas ações, esse entendimento não era pacífico na doutrina e na jurisprudência.
Essa polêmica ficou prejudicada, pois a lei 14.112/20 inseriu § 8º ao art. 163, ao determinar expressamente a aplicação à recuperação extrajudicial, desde o respectivo pedido, da suspensão de que trata o art. 6º, exclusivamente em relação às espécies de crédito por ele abrangidas, e afirma que somente deverá ser ratificada pelo juiz se comprovado o quórum inicial exigido pelo § 7º do mesmo artigo (um terço de todos os créditos de cada espécie).
A proteção do stay period na recuperação extrajudicial é coerente com o sistema, pois o que depende da homologação são os efeitos do plano, que não se confunde com a suspensão das ações, que inclusive é um requisito essencial para que o plano possa ser analisado e homologado.
Caso não houvesse a suspensão das ações, no interregno entre a ajuizamento da recuperação extrajudicial e a decisão homologatória, credores sujeitos ao plano poderiam excutir bens do devedor frustrando a eficácia da recuperação, à qual deveriam estar sujeitos.
Simplificação do procedimento
Ajuizado o pedido de recuperação extrajudicial, o juiz determinará a publicação de edital eletrônico, convocando os credores para, querendo, impugnarem o plano (art. 164, com redação conferida pela lei 14.112/20).
A redação original da lei 11.101 exigia a publicação do edital no diário oficial e em jornal de grande circulação nacional ou das localidades da sede e das filiais do devedor.
A necessidade de publicar na sede e nas filiais do devedor representava um excesso de formalismo, que felizmente foi suprimida com a reforma da lei falimentar. Agora, basta a publicação de edital eletrônico para convocar credores para a apresentação de suas impugnações ao plano.
Sugestões para novas alterações legislativas
Finalmente, cumpre frisar que a reforma, embora positiva, poderia ter avançado em outras questões como, por exemplo, a legitimidade para impugnar o plano e seus efeitos em relação aos credores, temas que ainda estão longe de se tornar pacíficos na doutrina e na jurisprudência.
Por exemplo, não faz sentido estender a qualquer credor a legitimidade para impugnar o plano, principalmente se a finalidade do acordo for a prevista no art. 162. Qual o interesse jurídico dos credores não abrangidos pelo plano em impugná-lo, se seus direitos não serão modificados? Evidentemente o dispositivo deve ser aplicado com cautela, sob pena de inviabilizar o próprio instituto da recuperação extrajudicial, pois não teria sentido permitir, por exemplo, que credores por contratos de arrendamento mercantil ou alienação fiduciária em garantia pudessem impugnar um plano que não os atinge.
Quando a impugnação se limitar ao quantum apresentado pelo devedor, ainda que procedente, o juiz só deixará de homologar o plano de recuperação extrajudicial se esse fato novo descaracterizar o montante de metade dos créditos sujeitos à recuperação extrajudicial. É evidente que o credor tem direito de exigir que o seu crédito seja incluído no plano pelo valor correto, apurado pelo juiz. Nesse caso excepcional, seria admissível o processamento da impugnação em apartado para não prejudicar a homologação do plano, desde que, releve-se a insistência, não houvesse dúvida em relação à comprovação do percentual de metade dos créditos incluídos no plano.
Conclusão
Em síntese, a lei 14.112/20 trouxe inovações positivas para o regramento da recuperação extrajudicial.
O art. 131 passa a ter nova redação para que, também na recuperação extrajudicial, ao lado da judicial, sejam eficazes e não atingidos pela revocatória os atos elencados nos incisos I a III e VI do art. 129.
A nova lei altera o parágrafo 1º do art. 163, para permitir a sujeição de créditos de natureza trabalhista e acidentária na recuperação extrajudicial, desde que haja negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional.
Além disso, reduz o quórum de aprovação do art. 163 para metade dos créditos de cada classe, em vez do quórum anterior de 3/5.
Há inclusão de novos parágrafos ao art. 163. O § 7º estabelece que o pedido poderá ser apresentado com comprovação da anuência de credores que representem pelo menos 1/3 de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos e com o compromisso de, no prazo improrrogável de 90 dias, contado da data do pedido, atingir o quórum referido no caput (metade dos créditos de cada classe), por meio de adesão expressa, facultada a conversão do procedimento em recuperação judicial a pedido do devedor.
O novel § 8º afirma que se aplica à recuperação extrajudicial, desde o respectivo pedido, a suspensão de que trata o art. 6º, exclusivamente em relação às espécies de crédito por ele abrangidas, e somente deverá ser ratificada pelo juiz se comprovado o quórum inicial exigido pelo § 7º.
Por fim, a lei 14.112/20 confere uma nova redação ao art. 164, para determinar a publicação do edital de convocação dos credores em meio eletrônico, substituindo a publicação em órgão oficial e em jornal de grande circulação. Tal medida almeja reduzir os custos da recuperação extrajudicial.
No geral, as alterações realizadas pela lei 14.112/20, embora tímidas, são positivas e cumprem o objetivo de atualizar a disciplina da recuperação extrajudicial com vistas a torná-la mais eficiente, sobretudo com a expressa previsão de aplicação da suspensão do art. 6º, o que traz maior segurança jurídica, e com a redução do quórum para sua aprovação.
[1] “Art. 45-A. As deliberações da assembleia-geral de credores previstas nesta Lei poderão ser substituídas pela comprovação da adesão de credores que representem mais da metade do valor dos créditos sujeitos à recuperação judicial, observadas as exceções previstas nesta lei”.