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RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE EMPRESAS

Tania Carvalho Siqueira

 

Uma das inovações trazidas pela Lei nº 11.101/2005 foi a criação do instituto da Recuperação Extrajudicial como alternativa para solução de crises da sociedade empresária e do empresário. Buscando a adesão de credores previamente selecionados (créditos a vencer em curto prazo, por exemplo) o devedor tem a opção de tentar superar a crise renegociando suas dívidas. Trata-se de mais um modelo de reestruturação focada no saneamento dos débitos, cujos efeitos alcançam um grupo (ou grupos) de credores selecionados pelo devedor por impactar, pontualmente, na sua situação econômico-financeira. Atendidos requisitos previstos na lei, poderá o devedor submeter o plano de recuperação para homologação judicial conferindo-lhe maior segurança jurídica. Tal disciplina não exclui, obviamente, a possibilidade de negociações privadas (devedor x credores) sem qualquer intervenção do Poder Judiciário.

A doutrina conceitua a Recuperação Extrajudicial como “modalidade de ação integrante do sistema legal destinado ao saneamento de empresas regulares, que tem por objetivo constituir título executivo a partir de sentença homologatória de acordo, individual ou por classes de credores, firmado pelo autor com seus credores.”[1]

Trata-se de mecanismo através do qual o empresário buscará diretamente a convergência dos seus interesses com os dos credores, em acordo a ser instrumentalizado no plano de recuperação que, posteriormente, poderá levar à homologação judicial. Além de exigir do devedor o atendimento a determinados requisitos, a lei também estabelece certos limites à negociação privada. Vejamos quais são.

 

1. REQUISITOS LEGAIS

O devedor deverá preencher, cumulativamente, requisitos previstos nos arts. 48 e 161, § 3º, da LRE, quando for levar para homologação judicial o plano aprovado extrajudicialmente por seus credores. Os requisitos são: (i) estar no exercício regular da atividade há mais de 2 anos; (ii) não ser falido, e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; (iii) não ter pedido de recuperação judicial pendente; (iv) não ter obtido recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de dois anos; (iv) não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na lei.

Deverá, ainda, instruir o pedido de homologação do plano extrajudicial com documentos que contenham as condições negociadas com os credores, devidamente assinado por todos que a ele aderiram, além de explicitar a sua situação patrimonial. Também deverá juntar ao pedido (1) as demonstrações contábeis relativas ao último exercício social; (2) a relação nominal completa dos credores com a discriminação da origem dos créditos, vencimento, classe dos créditos e valor.

 

 

2. LIMITES PREVISTOS NA LEI

Em primeiro lugar, registre-se que a lei impõe tratamento igualitário entre os credores vedando, expressamente, o pagamento antecipado de dívidas (art. 161, § 2º). Também deixa clara a impossibilidade de supressão da garantia real, ou alienação do bem garantido, sem o consentimento expresso do credor (art. 163, § 4º). E mais, nos créditos em moeda estrangeira, a lei não autoriza o afastamento da variação cambial sem a aprovação expressa do credor do respectivo crédito (art. 163, § 5º). Na mesma linha da Recuperação Judicial, o plano de recuperação extrajudicial só poderá abranger os créditos constituídos até a data do pedido de homologação em juízo (art. 163, § 1º).

 

3. CREDORES EXCLUÍDOS DA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

Para fins de recuperação extrajudicial excluem-se determinados credores, isto é, há créditos que não poderão compor o plano a ser levado para homologação judicial com a finalidade de proporcionar a superação do momento de crise econômico-financeira que esteja sendo enfrentado pelo empresário ou sociedade empresária. Assim, os credores trabalhistas e os titulares de créditos decorrentes de acidente de trabalho, assim como os credores tributários estão excluídos (art. 161, § 1º). Agregam-se a essa relação os credores titulares da posição de: (i) proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis; (ii) arrendador mercantil; (iii) proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias; (iv) proprietário em contrato de venda com reserva de domínio (art. 49, §3º); (v) credor de adiantamento ao exportador de contrato de câmbio (art. 49, §4º).

 

4. MODALIDADES DE RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

A doutrina aponta duas modalidades de plano de recuperação judicial: o plano individualizado e o plano por classe de credores com a distinção de que, em relação à primeira modalidade, o devedor reduz suas negociações a certos credores em particular que assinam (todos) o plano, enquanto que na segunda modalidade há adesão de credores que representem mais de três quintos de todos os créditos de uma ou mais classes compreendidas no plano, hipótese que alcançará os credores dissidentes.[2]

Fabio Ulhoa Coelho denomina a primeira modalidade de homologação Facultativa do plano e a segunda de homologação Obrigatória. Explica que, quando o plano de recuperação extrajudicial conta com a adesão de todos os credores alcançados, é facultativa a homologação, situação disciplinada no art. 162 da lei. Já quando o devedor não obtém a adesão integral dos credores, mas de parte significativa – 60{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} – a homologação é obrigatória (art. 163) para fins de impor à minoria dissidente os termos e condições do plano aprovado pela maioria.[3]

Ou seja, a homologação do plano de recuperação será facultativa no caso de contar com a assinatura de todos os credores por ele abrangidos (art. 162). Por outro lado, caso o devedor não tenha conseguido alcançar a adesão de todos, mas de 3/5 dos titulares dos créditos de cada uma das classes abrangidas pelo plano, deverá submetê-lo à homologação judicial para que seja suprida a adesão da minoria dissidente (art. 163).

A questão que se coloca é: se todos os credores abrangidos pelo plano assinaram o acordo, quais seriam as vantagens da submissão do plano à homologação que, repita-se, seria facultativa e não obrigatória? Podemos apontar, primeiramente, para o fato de que, após a distribuição do pedido de homologação do plano, não poderão os credores signatários desistir de sua adesão, a menos que todos os demais aderentes à renegociação coletiva concordem (art. 161, § 5º). Possível, é claro, que o próprio plano traga cláusula específica de irretratabilidade desde o momento de sua assinatura, ou seja, antes mesmo de o plano ser apresentado em juízo para homologação. Outra razão que justifica submeter o plano à homologação judicial “é possibilitar a alienação por hasta judicial de filiais ou unidades produtivas isoladas, quando prevista tal medida.”[4]

Conforme dispõe o art. 166 da Lei 11.101/2005, se o plano envolver a alienação de estabelecimento empresarial, o procedimento a ser seguido será o do art. 142, com a intervenção do Judiciário. A venda se realizará por leilão, pelo sistema de propostas ou por pregão. Por fim, importante lembrar que a sentença homologatória do plano constitui título executivo judicial (art. 161, §6º, LRE, e art. 515, III, CPC), legitimando o credor a dar início ao Cumprimento de Sentença diante de eventual descumprimento do plano (negócio jurídico) pelo devedor.

 

5. PROCEDIMENTO LEGAL

Seja qual for a modalidade de homologação – facultativa ou obrigatória – caberá ao devedor instruir o pedido também com a certidão do órgão de registro da empresa comprovando a sua regularidade. Prescreve o caput do art. 164 que, recebido o pedido de homologação do plano, o juiz ordenará a publicação de edital no órgão oficial e em jornal de grande circulação nacional nas localidades da sede e das filiais do devedor, convocando todos os credores para apresentação das eventuais impugnações que entendam pertinentes, no prazo de 30 dias a contar da publicação do edital. A Lei 11.101/2005 prevê, como regra de publicação, a inserção da epígrafe “recuperação extrajudicial de” (parágrafo único, art. 191).

No prazo do edital, deverá o devedor comprovar ter enviado carta a todos os credores sujeitos ao plano, comunicando a distribuição do pedido, as condições do plano e prazo para impugnação (§ 1º do art. 164).

Questão interessante diz respeito a não suspensão de direitos, ações e execuções, nem a impossibilidade do pedido de decretação de falência pelos credores que não estejam sujeitos aos termos e condições nele compreendidos. Aliás, tal aspecto é um dos objetos de proposta de alteração da Lei nº 11.101/2005.

Conforme dispõe o § 3º do art. 164, os credores poderão impugnar o plano alegando: I – não preenchimento do percentual mínimo de 3/5 de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos; II – a prática de qualquer dos atos de falência previsto no inciso III do art. 94 ou dos atos de ineficácia a que alude o art. 130, bem como o descumprimento de requisito previsto na Lei 11.101/2005; III – o descumprimento de qualquer exigência legal. O juiz dará vista das Impugnações ao devedor por 5 dias para que possa se manifestar e, após, decidirá também no prazo de 5 dias (§§ 4º e 5º do art. 164), homologando o plano ou indeferindo o pedido.

Caso o juiz não homologue o plano, prevê o § 2º do art. 165 o direito de os credores exigirem seus créditos pelo valor primitivo (isto é, nas condições originalmente contratadas) sem as alterações dispostas no plano que subscreveram. De toda forma, o indeferimento não impede a posterior apresentação de novo plano de recuperação extrajudicial (§ 8º do art. 164).

Já a homologação do plano gera como imediato efeito a novação das obrigações de todos os credores por ele alcançados. Portanto, uma vez homologado o plano, diante de eventual descumprimento poderá cada credor exercer o seu direito de crédito pela via executiva (e pelo valor novado), já que a sentença constitui título executivo judicial. Importante deixar claro que o descumprimento do plano homologado não leva à automática decretação da falência do devedor. Individualmente os credores adotarão as providências voltadas ao recebimento do seu crédito compreendido no plano e, se posteriormente vier a ser decretada a falência do devedor em processo instaurado por algum credor, evidentemente que aí serão atingidos os atos contidos no plano de recuperação extrajudicial.

 

6. COMENTÁRIOS FINAIS

Como visto acima, na recuperação extrajudicial o devedor toma a iniciativa de propor diretamente a todos os seus credores (ou a determinados grupos de credores) sua proposta de reorganização como medida capaz de sustentar a sobrevida da empresa, desde, é claro, que preenchidos os requisitos legais, condição imposta para fins de submissão do plano à homologação judicial. A Lei n° 11.101/2005 conclui o Capítulo dedicado à Recuperação Extrajudicial (art. 167) enunciando a plena autonomia da vontade das partes na realização de outras modalidades de acordo privado, bastando a convergência de interesses do devedor e seus credores pela dilação, novação, dação em pagamento, renegociação das dívidas, enfim, fazendo uso dos vários meios de composição previstos em lei.

 

 

[1] NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. São Paulo: Saraiva, 2016, p.241

[2] NEGRÃO, Ricardo. Op. cit., pp.241-242

[3] COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial- direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2013, pp. 452/454

[4] COELHO, Fabio Ulhoa. Op. cit., p. 452

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